A queda dos dragões sob o Olho de Deus abriu um abismo aos pés de Rhaenyra, isolando-a de tudo e de todos. Sem a presença forte de Daemon ao seu lado, sem notícias de Drasilla e ainda em conflito com Corlys, a rainha sentia-se cada dia mais solitária, com uma desconfiança crescente que a consumia de dentro para fora, como fogo do dragão. A morte de Aemond, longe de ser o alívio que poderia ter representado, só aumentava sua inquietação, pois o paradeiro de Aegon permanecia um mistério que a atormentava. Esta incerteza a fazia questionar tudo, deixando-a à beira de um colapso, refém de uma paranoia que se aprofundava a cada instante, ameaçando sua sanidade e seu controle sobre os próprios aliados.

── Nenhuma notícia? ── Ela apertava o trono com tamanha força que sangrava, enquanto olhava para as portas abertas, só ela e Mysaria estavam no salão. ── Nem do Norte ou do Vale?

── Os corvos demoram a vir do frio de Winterfell, minha rainha. ── Mysaria mantinha-se aos pés do trono. ── E o Vale não dá notícias, a última vez que sua prima Jeyne nos respondeu foi quando solicitamos que seus homens fossem para as Terras Fluviais.

── E sobre ...

── Sua tia? Bom ... ── Mysaria engoliu seco, poderia não gostar de Drasilla, mas Rhaenyra a amava. ── Estão a chamando de Carniceira dos Verdes nas ruas de Porto Real, seu paradeiro é incerto, nossos contatos próximos a Harrenhall se dividem entre dizer que ela morreu com os príncipes e outros que seu dragão sumiu no horizonte.

── Ela me abandona justo quando preciso dela. ── Rhaenyra trincou os dentes. ── Mande fechar os portões da cidade, voltaremos com as execuções pela manhã.

── Majestade ... ── Mysaria iniciou, mas foi fuzilada pelos olhos de Rhaenyra. ── Como quiser.

O caminho da Princesa Drasilla de volta a Winterfell foi como em um transe, como se seu corpo soubesse onde retornar, apenas se prendeu a cela e guiou cegamente o dragão, no automático, tudo doía tanto, físico e mentalmente, o impacto do pouso de Sigmis não causou nada nela, mesmo que pular para o solo e permitir que o dragão voasse fosse a atitude mais sábia a se ter, não, ela só permaneceu lá.

A sua percepção de tempo fora totalmente afetada, mesmo que os raios do dia virasse noite, que ela tremesse de frio, foram soldados cobertos de peles que a encontraram, não era difícil ver um dragão enorme como aquele, escondido entre a mata, quilômetros do castelo dos Stark, mas também eles não sabiam se era inimigo ou amigo, só sabiam que ele estava lá, que parecia ter alguém em seu dorso e que chamaram a única pessoa que poderia minimamente reconhecer um dragão, Cadmus.

── Vocês têm certeza que tem alguém em cima dele? ── A voz de Cregan surgiu atrás do primo mais velho.

── Dela, é fêmea. ── Ele corrigiu, tinha passado horas certa vez ouvindo Drasilla falar do dragão. ── Porque ela voltaria para Winterfell sozinha? Não é habitat natural de um dragão.

── Se ela estiver morta presa a cela? ── O lorde mais jovem trincou os dentes. ── E o dragão só não soube?

── Teremos que dar um enterro digno a ela. ── Os olhos de Cadmus ardiam, sem ele notar. ── Se afastem, eu vou lá.

Cadmus sentia o mesmo arrepio percorrendo sua espinha sempre que se aproximava de um dragão, e com Sigmis a sensação era ainda mais intensa: Ela era mais selvagem, instável e perigosamente imprevisível. Ele caminhava sozinho por entre as árvores densas, o calor abrasador e o odor inconfundível do dragão tornando-se mais fortes a cada passo que dava entre a neve fofa e o chão da floresta. Ao se aproximar o bastante, um vento quente o empurrou para trás com violência, mesmo que não o suficiente para derrubá-lo — Sigmis bufava, seu temperamento era certamente menos tolerante que o de Flarion.

O Stark se curvou em reverência, recordando-se dos momentos em que acompanhou a princesa e da única vez que sobrevoara as terras nas costas de um dragão, algo que prometera a si nunca mais repetir, Stark nasceram para o chão de neve. Ele estendeu a mão, sentindo o calor intenso que irradiava da imensidão obscura de Sigmis, e um rosnado profundo e ameaçador - muito mais potente que o de um lobo, ecoou - alertando os homens do norte ao longe. Sem desviar os olhos, ele ergueu a mão pedindo-lhes paciência e ajoelhou-se diante da criatura, sabia que um dragão não deveria ser subjugado, não por um homem como ele.

── Lo mirri emagon naejot brōzi iksā emā sikagon Drasilla emagon aōha ilagon. ── Seu alto valiriano tinha um sotaque carregado, passara tanto tempo ao lado de Daemon e Drasilla que se obrigou a aprender, mesmo que não soubesse se o dragão entendia aquilo ou só comandos.

( ele disse: Por favor, me permita trazer Drasilla em segurança para os meus braços novamente )

Sigmis lançou-lhe um olhar hesitante e impaciente, abriu a boca como se para rosnar, mas acabou apenas se esparramando no chão, o que fez o corpo inerte de Drasilla pender para o lado, isso alarmou os olhos do guarda, que engoliu seco. Com cautela, Cadmus ergueu ambas as mãos em sinal de rendição, aproximando-se da escada improvisada que estava presa à lateral do imenso animal, normalmente a princesa conseguiria montar em Flarion quando ele se abaixava e ela agarrava em suas escamas até a cela, mas Sigmis era grande demais..

O cheiro pungente do dragão era quase insuportável, ele não entendia como Targaryens suportavam aquilo e seguiam amando tais criaturas, Cadmus segurou a respiração enquanto subia, mesmo que isso não fosse possível para sempre. Ao alcançar a princesa, encontrou-a em um estado de choque profundo, seu olhar vazio e distante, como se sua mente ainda processasse o que quer que ela tenha visto, os corvos das Terras Fluviais tinham chego a pouco, antes de cavaleiros ou homens, ele sabia sobre Daemon, então suspeitava o que a tinha chocado. O Stark a envolveu em seus braços, sussurrando enquanto ela o abraçava fracamente, ainda perdida em seu próprio silêncio.

── Eu prometo. ── Ele sussurrou contra o corpo dela. ── Nunca mais sairei do seu lado.

Com cuidado que aquele momento pedia, Cadmus a ajudou a descer do dorso do dragão, mantendo-a próxima de seu corpo enquanto sentia o quanto ela estava magra e gélida, quase como se sua alma tivesse saído e seu corpo ficado, mesmo que ele tentasse a puxar de volta. Se não fosse pela armadura que vestia, ele tinha certeza que poderia sentir os ossos dela, os efeitos da guerra em seu corpo que vinham gradativamente a deixando mais e mais debilitada. Quando finalmente alcançaram o chão, ele a pegou no colo, apertando-a contra si de maneira protetora, não queria ter que soltá-la tão fácil, então dirigiu um olhar grato a Sigmis, que permanecia imóvel, observando-os em silêncio.

── Kirimvos. ── Ele agradeceu ao dragão, caminhando floresta adentro rumo a Winterfell.

Enquanto a princesa Drasilla passava por um momento de choque em Winterfell, lidando com as dores que perder a pessoa mais próxima de si havia lhe causado, na capital os revoltosos ficavam ainda mais atiçados e nervosos com as decisões da Rainha Rhaenyra, a guerra não causava apenas rachaduras dentro da própria família real, mas também na relação dos Targaryen com o povo, enquanto antes ela era a Rainha Benevolente, a Rainha Dragão, a salvadora, em contrapartida a seu irmão usurpador, agora ela ganhava cada vez mais as facetas de Rhaenyra, a Cruel, com altos impostos e uma desconfiança tamanha.

Doenças e fome se espalhavam pelo reino, mas o seu epicentro era mesmo na capital Porto Real, mesmo aqueles que viviam dentro da Fortaleza Vermelha passavam por momentos críticos, como era o exemplo de Alicent Hightower, sua filha - também rainha - Helaena e a pequena princesa Jaehaera, todas elas mantidas separadas desde que Rhaenyra tinha assumido o trono. Destruída pela dor de perder seus dois filhos e sua família, Helaena era a mais afetada, não deixava ser incomodada por ninguém normalmente, nem por sua mãe, a qual poucas vezes era permitida sair para ver a neta ou a filha.

Naquela manhã nebulosa, enquanto Rhaenyra se trancava com os membros de seu Pequeno Conselho, ou o que sobrara dele, Alicent era escoltada por três guardas, junto de Jaehaera, para os aposentos de Helaena, na Fortaleza de Maegor, a menina com a face pálida só não estava pior do que a avó, com grandes e profundas olheiras, ao entrarem no quarto notarama a ausência de Helaena, que normalmente estaria jogada em um dos cantos, não se fazia presente, foi Alicent que se aproximou da janela para ver a cena que lhe fez tremer os olhos e gritar, a própria filha empalada nas estacas, após saltar para a morte da própria janela.

── Não ... ── Trêmula Alicent se agarrou ao beiral, inclinando-se para frente. ── Não, não, minha menina não.

── Alteza, por favor, se afaste. ── Um dos guardas pediu.

O guarda mais próximo à porta agarrou Jaehaera quando Alicent começou a gritar, rasgando as próprias roupas, em uma crise evidente, outro segurou a rainha contendo seu surto e impedindo que ela se machucasse, ela ainda ficaria assim por mais um tempo, até começar a chorar e dormir de exaustão. A notícia sobre a morte de Helaena ecoou rápido pela cidade, Rhaenyra se mostrou impassível, mesmo que a irmã fosse alguém de quem ela nutria um certo gosto, pediu apenas que tirassem seu corpo de onde tinha parado e que lhe dessem um fim pelo fogo, como uma Targaryen merecia, mesmo que não pelo fogo de um dragão. Na cidade as revoltas explodiam, apoiadores verdes acusavam Rhaenyra de matar a doce e inocente Healena, que tinha até se recusado a montar um dragão e subir aos céus para a guerra.

A guarda real, ou o que havia sobrado dela, foi mandada para cuidar da revolta, sem Daemon eles eram bem menos inclinados a fidelidade, sem Corlys não havia homens o suficiente para ajudar a rainha e muitos dos exércitos que ainda a apoiavam naquele momento estavam espalhados pelo reino, deixando-a acuada e sozinha. Havia tanto ódio e medo que as revoltas cresciam como fogo em palha, isso obrigou a rainha a abrir os três principais portões, indo em contra a sua vontade de manter traidores ali onde ela pudesse controlá-los.

É na guerra e no caos que qualquer luz, por mais falsa que seja, ganha uma forma tremenda, pois no meio da escuridão, quando tudo parece ruim demais, o que lhe guia para algo parece ser o salvador e foi nesse ponto que um homem, chamado de O Profeta, surgiu com suas pregações, ele parecia louco para alguns, mas quando direcionou a culpa e o ódio aos dragões, para a população faminta, pobre e acuada, pareceu muito óbvio ao longo dos dias em quem deveriam concentrar seu ódio. Para Rhaenyra o povo não era páreo para os dragões, não ousou mobilizar a guarda real, mas seu filho, o único que sobrara para ela, Joffrey, via isso de outra maneira.

── Mãe ... Majestade. ── Ele estava parado as portas do pequeno conselho. ── Se não mandarmos homens até lá nossos dragões serão alvos fáceis.

── Eles são dragões. ── Parte dela riria aquilo, mas estava tão machucada com tudo que só o olhou séria. ── Queimarão as pessoas que ousarem machucá-los.

── Há dragões pequenos, somente Syrax e Dreamfyre tem tamanho considerável. ── No alto dos seus 11 anos, ele tentava dialogar com a rainha, muito mais do que com a mãe. ── Se não fizermos algo, nossa força vai diminuir mais ainda.

── Você é o herdeiro do trono, verá um dia que essa decisão é difícil, mas precisa ser tomada. ── Ela sequer o olhou. ── Volte a seus aposentos, jantaremos em breve.

Os olhos de Joffrey brilhavam, ele queria que Baela estivesse ali, sua prima com toda certeza o escutaria, ela não teria nenhuma dúvida em ajudar a bolar um plano, mas ela estava em Driftmark agora, com seu sobrinho no ventre, cuidando para ficar viva e bem, para que o futuro de Jacaerys estivesse seguro, que o trono tivesse um futuro, mas ele não podia esperar, não quando o presente desmoronava.

Uma coisa interessante sobre Joffrey, enquanto Jacaerys se espelhava muito em Daemon, Luke buscava apoio e ensinamentos na mãe, era na tia Drasilla que o pequeno se inspirava, mesmo que Lucerys mais de uma vez tivesse dito ao pequeno que ele era o sobrinho favorito, isso não o importava, desde que se lembra Joffrey quis que ele e Tyraxes fossem como Drasilla e Flarion, juntos como almas gêmeas, não foi à toa que seu ovo chocou precocemente, mais do que os dos irmãos, ele era puro-sangue do dragão.

── Guardas. ── Ele chamou dois deles assim que saíra da sala do trono. ── Vamos ao Fosso dos Dragões, por favor me acompanhem.

── Alteza ... ── Eles se entreolharam. ── E as ordens da rainha?

── Não vou deixar que as pessoas matem nossos dragões. ── Joffrey pensava em Tyraxes preso nas correntes. ── Uma vez lá poderei usar meu dragão para afastar os revoltosos e acalmar os outros.

── Claro. ── Os guardas concordaram a cabeça, seguindo o jovem príncipe.

Se rainha observava a revolta crescente nas ruas com desdém, subestimando a raiva que se alastrava por Porto Real, seu jovem filho Joffrey, menos seguro e mais temeroso, sentiu o perigo e o caos que avançava pelas vielas e becos da cidade, não podia nem mesmo sonhar com a ideia que tais animais sofreriam na mão de quem os culpava injustamente, todos que lá estavam não tinham sido usados em uma batalha sequer. Com a angústia de um montador e a coragem insensata de um príncipe, ele correu para o Fosso dos Dragões, decidido a salvar as criaturas que para ele eram mais que bestas: eram o sangue e a essência de sua casa. Na pressa, ele não podia prever que aquela tentativa desesperada lhe custaria a vida, era apenas o ímpeto de fazer o certo e evitar mais derramamento de sangue.

Dentro do Fosso, as feras encontravam-se presas e impotentes, acorrentadas por grilhões que enredavam seus pescoços e asas, para evitar que brigassem uns com os outros ou saíssem sem rumo para a capital, talvez um erro dos Targaryen naquele momento foi mantê-los ali, dragões não eram escravos. Os dragões dos filhos de Aegon II — Shrykos e Morghul — assistiam à multidão que, com tochas e armas improvisadas, avançava como um mar de raiva e medo, eles estavam mais próximos da entrada e seriam os primeiros a serem alvo do povo comum, que portava machados e outras armas, presos em sua própria morada, as bestas foram massacradas pela multidão, incapazes de lançar suas chamas ou alçar voo. Foi então que, em um último grito de agonia e liberdade, Dreamfyre, uma vez montado por Rhaena e depois Helaena, lançou-se contra as paredes do Fosso, quebrando as pedras em sua fúria desesperada e destruindo parte da cúpula.

A única que havia sido solta por Joffrey e seu grupo de guardas fora Syrax, a dragão de Rhaenyra pairava ansiosa e raivosa sob às cabeças das pessoas, queimando algumas delas, a multidão enlouquecida não parecia muito menos temerosa a ela. Em um ato de desespero, Joffrey tentou escalar as costas do dragão, mais experiente em montar que qualquer civil, ele chegou até mesmo a cela da dragão, sempre usada pela mãe, mas antes que ele pudesse fazer algo, o animal deu um solavanco.

Para Syrax ele era só mais um dos civis tentando tomá-la e machucá-la, não tomou para si a ideia de que ele era o filho de sua amada Rhaenyra, voltou a voar aos céus do Fosso, machucada e cansada, movendo-se de forma frenética, em um desses momentos Joffrey foi jogado de sua cela, caindo metros e metros ao chão, no meio do caos e do fogo, pouco depois Syrax já sem vida despencou do ar no fosso também. Naquela noite dragões queimaram, pessoas morreram e Rhaenyra Targaryen perdera mais um filho.