𝑹𝒆𝒅𝒆𝒏𝒄̧𝒂̃𝒐᭄ 𝒑𝒂𝒓𝒕²
Respirei fundo, fechando os olhos novamente enquanto tentava silenciar os bipes das máquinas que pareciam ecoar dentro de mim. Taehyung continuava ao meu lado, sentado de maneira relaxada, como se estivesse esperando que eu começasse a falar. Era difícil colocar as palavras para fora. Difícil admitir aquilo que, por tanto tempo, eu neguei até para mim mesmo.
- Eu... acho que sempre soube que estava me destruindo - comecei, minha voz baixa e hesitante. - Mas era mais fácil... mais fácil lidar com a dor assim.
Taehyung virou levemente a cabeça, atento. Não me interrompeu, mas seus olhos me encorajavam a continuar.
- Foi com as drogas que tudo começou - confessei, sentindo uma pontada de vergonha ao admitir isso em voz alta. - Não era algo que eu planejava, sabe? Nunca pensei: "Ah, vou me afundar nisso." Mas era como se me desse um alívio... um alívio momentâneo.
- E depois? - ele perguntou calmamente, inclinando-se ligeiramente para a frente.
- Depois? - ri, mas sem alegria. - Depois era pior. Sempre pior. - Suspirei, passando as mãos pelo rosto, como se tentasse apagar as lembranças que agora se desenrolavam como um filme na minha cabeça. - Quando o efeito passava, tudo voltava. A dor, a culpa, a sensação de vazio... e eu precisava de mais. Era um ciclo que nunca acabava.
Taehyung permaneceu em silêncio, mas o peso da sua presença era reconfortante. Como se ele estivesse me dizendo que era seguro continuar.
- E não eram só as drogas - admiti, minha voz trêmula. - Também usava meu corpo... - Minha garganta apertou, mas eu precisava dizer. Precisava tirar isso de dentro de mim. - Procurava prazer em pessoas que eu nem conhecia. Era como se, por alguns minutos, eu pudesse esquecer quem eu era, o que eu sentia. Mas depois... - minha voz falhou, e senti as lágrimas começarem a descer. - Depois me sentia ainda mais vazio. Como se estivesse me perdendo um pouco mais toda vez que fazia isso.
Taehyung respirou fundo, inclinando-se para me tocar no ombro. O gesto era simples, mas carregava uma compreensão que eu não sabia que precisava.
- Mas... - continuei, enxugando as lágrimas com a manga da camisa - acho que nunca percebi o quanto tinha pessoas incríveis ao meu redor. Mesmo quando eu estava no fundo do poço, mesmo quando eu achava que ninguém se importava.
- Fale-me sobre eles - Taehyung pediu, sua voz cheia de curiosidade genuína.
- Jackson foi o primeiro - um pequeno sorriso escapou dos meus lábios ao mencionar seu nome. - Ele era... é... como um irmão mais velho. Sempre cuidava de mim, mesmo quando eu fazia merda. Ele nunca desistiu de mim, sabe? Sempre estava lá, mesmo quando eu não merecia.
Taehyung assentiu, como se já conhecesse Jackson e entendesse exatamente o que eu queria dizer.
- Namjoon... - soltei um suspiro profundo ao pronunciar o nome dele. - Ele é um pouco complicado. A gente já ficou algumas vezes, mas nunca foi só isso. Ele sempre foi meu protetor. Um amigo... inseparável. Namjoon nunca me julgou, nem mesmo nos piores momentos. Acho que, de todas as pessoas, ele foi quem mais acreditou que eu poderia mudar.
- E Jimin? - Taehyung perguntou, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.
- Ah, Jimin... - dessa vez, meu sorriso foi mais verdadeiro. - Ele apareceu na minha vida há pouco tempo, mas já mudou tanta coisa. Jimin tem uma gentileza que... é difícil de explicar. É como se ele fosse capaz de aquecer até o coração mais frio. Eu não sei como alguém pode ser tão doce, tão puro. Ele me fez enxergar que ainda havia algo bom em mim.
Taehyung observava atentamente, seu olhar suave, mas cheio de intensidade.
- Você sabe, Yoongi... eles não fizeram isso por obrigação. Eles fizeram porque te amam.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na garganta. Era difícil aceitar isso. Difícil acreditar que, depois de tudo que eu fiz, ainda havia pessoas que se importavam comigo.
- E você? - ele perguntou de repente, sua voz quase um sussurro. - Você se ama?
Fiquei em silêncio, encarando o chão. As palavras me atingiram como um soco no estômago. Eu nunca tinha pensado nisso. Nunca tinha realmente parado para me perguntar se eu me amava.
- Eu... não sei - admiti finalmente.
Taehyung se levantou, estendendo a mão para mim. Hesitei por um momento antes de segurá-la, permitindo que ele me puxasse para cima.
- Então talvez seja hora de descobrir - ele disse, um brilho de determinação em seus olhos. - Porque, para voltar, Yoongi, você precisa se aceitar. Tudo - ele apontou para mim - suas falhas, seus erros, suas dores. Tudo isso faz parte de quem você é. E, se seus amigos conseguem te amar apesar de tudo, talvez você também possa.
Eu o encarei, sentindo um misto de medo e esperança. Não sabia se estava pronto para essa jornada. Não sabia se conseguiria encarar tudo o que havia enterrado. Mas, ao mesmo tempo, havia algo dentro de mim que queria tentar.
Taehyung sorriu novamente, um sorriso que parecia dizer que ele acreditava em mim, mesmo que eu ainda não acreditasse em mim mesmo.
- Está pronto para começar? - ele perguntou, sua mão ainda segurando a minha.
Eu respirei fundo, sentindo o peso da escolha que estava prestes a fazer.
- Acho que sim - respondi, minha voz firme pela primeira vez em muito tempo.
Taehyung assentiu, e, juntos, começamos a caminhar. Para onde? Eu não sabia. Mas, pela primeira vez, senti que talvez houvesse um caminho de volta para mim.
Taehyung e eu caminhávamos lado a lado. O lugar era tão lindo e surreal que parecia um quadro pintado à mão: campos verdes se estendiam até o horizonte, as árvores dançavam com o vento, e o céu exibia um tom de azul tão vibrante que parecia mais próximo do que deveria. Era uma paz tão grande que, por um momento, quase me esqueci de tudo que estava errado.
Taehyung, no entanto, parecia profundamente imerso em pensamentos. Ele olhava ao redor, como se cada detalhe daquele cenário tivesse algo importante a dizer.
- É bonito aqui, não é? - ele perguntou, quebrando o silêncio.
- Muito - admiti, sentindo uma pontada de saudade de algo que nunca tive. - Parece... perfeito demais.
Ele sorriu.
- Talvez seja exatamente isso que você precisa agora: um lugar onde possa respirar e pensar.
- Pensar? - Ri sem humor. - Tenho feito isso o tempo todo, e parece que só me afundo mais.
- Talvez porque você esteja pensando na direção errada.
Fiquei em silêncio, digerindo suas palavras. Ele tinha razão. Sempre que eu pensava, só focava na dor, nos erros, no vazio que eu mesmo criei. Nunca tentava olhar além disso.
- Há algo que precisa ser enfrentado antes de continuar, Yoongi - Taehyung disse, sua voz soando firme, mas ainda gentil.
- O quê? - perguntei, hesitante.
Ele parou de andar e me encarou com uma intensidade que fez meu coração acelerar.
- Sua família.
Minhas pernas ficaram rígidas, e senti um peso enorme cair sobre mim. Era como se todas as lembranças que eu havia enterrado estivessem prestes a explodir.
- Não... não quero falar sobre isso agora - murmurei, desviando o olhar.
- Você precisa - ele insistiu. - Para seguir em frente, precisa reatar os laços que você mesmo cortou.
- Eu deixei tudo para trás por um motivo, Taehyung. Não queria mais aquela vida, não queria mais aquela dor.
Ele deu um passo à frente, sua expressão suavizando.
- E o que aconteceu com sua mãe?
Senti um nó apertar minha garganta, e minha respiração ficou pesada.
- Eu... - As palavras travaram. - Eu a deixei. Ela estava sofrendo tanto, e eu simplesmente... fui embora. Não conseguia suportar vê-la daquele jeito, como se tivesse perdido toda a vontade de viver.
- Você acha que ela sentiu sua falta?
A pergunta me atingiu como uma faca. É claro que ela sentiu. Mesmo depois de todos esses anos, ainda me lembrava da expressão dela quando me despedi pela última vez. Não era raiva, nem decepção. Era tristeza, um vazio que parecia gritar: Por favor, não vá.
- Sim - admiti, minha voz saindo como um sussurro. - Mas eu achava que ela estaria melhor sem mim. Eu era só mais um peso para ela carregar.
- Você acha que ela sentiu o mesmo? - Taehyung perguntou.
As lágrimas começaram a cair antes que eu pudesse evitar.
- Não sei - respondi, mesmo sabendo que era mentira. Eu sabia. Sabia que ela nunca quis que eu a deixasse.
- E seu pai? - Taehyung perguntou, mudando o foco.
Minha raiva voltou imediatamente.
- Ele? Não merece nada de mim. Foi ele quem destruiu tudo. Ele fez minha mãe sofrer, e depois simplesmente seguiu em frente, como se nada tivesse acontecido. Ele ligava para mim, como se quisesse me comprar com palavras, mas nunca me importei em ouvir.
Taehyung assentiu, me observando com uma paciência quase irritante.
- Você não acha que essas mágoas estão te impedindo de seguir em frente?
- Talvez - admiti, olhando para o chão.
- E se pudesse falar com eles agora, o que diria?
Fiquei em silêncio, pensando. O que eu diria para minha mãe? Para o homem que era meu pai? Tantas palavras vinham à minha mente, mas nenhuma parecia certa.
- Não sei... - murmurei.
Taehyung colocou a mão no meu ombro, me obrigando a encará-lo.
- Talvez seja hora de descobrir.
Antes que eu pudesse responder, o cenário ao nosso redor começou a mudar. O campo bonito desapareceu, dando lugar a uma sala que eu conhecia bem demais: a casa da minha infância. Reconheci cada detalhe - os móveis antigos, as cortinas desbotadas, o cheiro de café que parecia impregnado no ar.
No centro da sala, havia duas figuras: minha mãe, sentada no sofá com um olhar distante, e meu pai, em pé perto da janela, com o celular na mão. Ambos pareciam presos em algum momento que eu não conseguia identificar.
- O que está acontecendo? - perguntei, olhando para Taehyung.
- Não sou eu quem deve dizer - ele respondeu, apontando para eles. - É você.
Minhas pernas tremiam enquanto me aproximava. Sabia que não eram realmente eles, mas a dor que sentia era tão real quanto o lugar em que estávamos.
- Mãe... - minha voz falhou, e as lágrimas começaram a escorrer novamente. - Eu sinto muito... sinto muito por ter te deixado.
Ela levantou o olhar, e, por um momento, pareceu me enxergar.
- Você... - sua voz soava fraca, quase como um eco. - Você ainda é meu filho, Yoongi. Sempre será.
Meu peito doía tanto que parecia que eu ia desmoronar ali mesmo.
- Eu queria ter sido mais forte - continuei, meu corpo tremendo. - Queria ter ficado ao seu lado, mas não consegui.
Ela não respondeu, mas seu olhar era de amor, puro e incondicional.
Virei para meu pai, sentindo minha raiva borbulhar novamente.
- E você... - minha voz estava mais firme agora. - Por que fez isso com ela? Por que destruiu nossa família?
Ele me encarou, e sua expressão era de culpa.
- Eu errei, Yoongi. Sei que errei, mas tentei consertar. Tentei alcançar você tantas vezes, mas você nunca quis ouvir.
Meu coração se apertou, e percebi que, pela primeira vez, não sentia apenas raiva. Sentia algo mais profundo, algo que me deixava vulnerável.
- Não sei se consigo te perdoar ainda... - admiti.
- E tudo bem - disse Taehyung atrás de mim. - Perdão não é algo que acontece de uma vez. É um processo, assim como a redenção.
Eu olhei para eles novamente, sabendo que isso era apenas o começo de algo maior. Talvez, finalmente, estivesse pronto para tentar.
Assim que dei meu último suspiro diante das figuras dos meus pais, o cenário ao redor começou a se desvanecer. A sala da minha infância se dissolveu como tinta escorrendo por uma tela, e o campo verdejante retornou, com o céu brilhando em tons suaves de azul e dourado. A leve brisa voltou a soprar, mas, dessa vez, parecia carregar um peso diferente, como se me preparasse para o que estava por vir.
Taehyung estava ao meu lado, observando minha reação. Seus olhos traziam um misto de compreensão e incentivo.
- Não foi tão ruim, foi? - ele perguntou enquanto começávamos a andar novamente.
- Foi horrível - confessei, minha voz embargada. - Mas... eu precisava daquilo.
Ele sorriu levemente, como se já esperasse essa resposta.
- Cada passo conta, Yoongi. Mas ainda não acabou.
- Claro que não - suspirei. - O que vem agora?
Ele parou de caminhar, e o silêncio que se seguiu foi tão denso que parecia engolir o som ao nosso redor.
- Agora você precisa enfrentar outra parte de si mesmo - disse ele, com um olhar mais sério. - O amor que deixou marcas.
Meu corpo ficou tenso, e o ar ao meu redor parecia ter ficado mais pesado. Eu sabia do que ele estava falando. Ou melhor, de quem ele estava falando.
- Hoseok... - sussurrei, sentindo o nome pesar em minha língua como uma pedra.
O campo começou a mudar novamente, mas, dessa vez, não foi um processo tranquilo. Era como se o próprio espaço estivesse sendo rasgado, revelando algo completamente diferente. De repente, estávamos em um parque iluminado pelo sol da manhã. Era um lugar que eu conhecia bem demais: o parque onde conheci Hoseok pela primeira vez.
Eu vi uma versão mais jovem de mim mesmo, sentado em um banco, com fones de ouvido e um caderno nas mãos. Meu olhar era distraído, perdido em pensamentos, até que Hoseok apareceu. Ele tinha aquele sorriso fácil, que parecia iluminar tudo ao redor, e a energia vibrante que sempre o acompanhava.
- Você lembra desse dia? - Taehyung perguntou ao meu lado.
- Como poderia esquecer? - respondi, sentindo meu peito apertar. - Ele foi... meu primeiro amor.
A cena avançou como um filme acelerado. Vi Hoseok e eu nos aproximando, nossas risadas ecoando pelo parque, os toques tímidos que evoluíram para abraços calorosos e, eventualmente, beijos apaixonados.
Mas, assim como a felicidade veio, ela também foi embora. A cena mudou novamente, e agora estava na companhia de Seokjin fazendo as últimas entregas da floricultura - na praça, Hoseok trocava carícias com outra pessoa, ele sorria e aceitava os carinhos vindo daquele cara... Eu quis desviar o olhar, ainda doía muito.
- Você lembra como se sentiu naquele momento? - Taehyung perguntou, sua voz gentil, mas firme.
- Como se tudo dentro de mim tivesse quebrado - admiti, minhas mãos tremendo. - Eu confiei nele. Ele era minha âncora, meu lar. E ele... destruiu tudo.
Vi a cena se desenrolar: meu eu mais jovem correndo, Hoseok tentando se justificar, e, por fim, eu me isolando do mundo, sem olhar para trás.
- E o que aconteceu depois? - Taehyung perguntou.
- Eu não consegui perdoar - respondi, a dor ainda tão viva como se tivesse acontecido ontem. - Eu tentei seguir em frente, mas... acho que nunca consegui de verdade.
Taehyung assentiu, seu olhar cheio de compreensão.
- Talvez seja hora de tentar.
Antes que eu pudesse responder, a cena mudou novamente. Agora estávamos em um quarto vazio, exceto por duas cadeiras no centro. Sentado em uma delas estava Hoseok. Ele parecia exatamente como eu me lembrava: seu sorriso um pouco triste, mas ainda caloroso, e seus olhos brilhando com emoções que eu não conseguia decifrar.
- Yoongi - ele disse, sua voz suave como sempre.
Eu me sentei na cadeira oposta, meu coração martelando no peito.
- Por que você fez aquilo? - perguntei, minha voz saindo mais fraca do que eu esperava.
Hoseok suspirou, seus ombros caindo um pouco.
- Porque eu era covarde - ele admitiu. - Tinha medo de perder você, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de me perder. Acabei fazendo a pior escolha possível, e sei que te machuquei mais do que posso imaginar.
- Você destruiu tudo - eu disse, sentindo as lágrimas escorrerem. - Eu te amava, Hoseok. Você era tudo para mim.
- Eu sei - ele respondeu, sua voz embargada. - E lamento tanto por ter estragado isso.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
- Eu não sei se consigo te perdoar - admiti, minha voz trêmula.
- Talvez não precise - ele disse, seus olhos encontrando os meus. - Talvez só precise deixar isso ir.
Essas palavras ficaram ecoando na minha mente. "Deixar ir." Talvez fosse isso que eu precisava. Não esquecer, não fingir que nunca aconteceu, mas aceitar que fazia parte de mim e, ainda assim, seguir em frente.
Eu olhei para Taehyung, que estava encostado em uma das paredes do quarto, observando em silêncio. Ele assentiu levemente, como se me encorajasse a dar o próximo passo.
- Eu... vou tentar - disse, finalmente.
Hoseok sorriu, aquele sorriso que sempre me desarmava.
- Isso é tudo o que eu poderia pedir.
A cena começou a desaparecer novamente, deixando apenas Taehyung e eu no campo, o vento acariciando meu rosto enquanto eu respirava fundo.
- Foi um grande passo, Yoongi - Taehyung disse. - Mas há mais pela frente. Está pronto?
Eu olhei para ele, sentindo algo diferente no peito. Algo leve.
- Estou começando a achar que sim.
O vento no campo parecia mais leve, quase acolhedor, e algo em meu peito já não estava tão pesado. Pela primeira vez em muito tempo, sentia como se pudesse respirar sem aquele constante aperto no coração. Taehyung, ao meu lado, observava em silêncio, mas o sorriso em seus lábios revelava que ele percebia a mudança.
- Você está diferente - ele comentou, quebrando o silêncio.
- Diferente como? - perguntei, franzindo a testa.
- Mais leve. Como se algo em você finalmente estivesse no lugar certo.
Eu não respondi de imediato, apenas dei um leve aceno de cabeça. Ele tinha razão. Por mais que o processo fosse doloroso, havia algo de libertador em enfrentar tudo isso.
Antes que pudéssemos dar o próximo passo, o céu começou a se distorcer novamente. Não era abrupto, mas fluido, como tinta escorrendo lentamente. O campo desapareceu, dando lugar a um quarto iluminado por uma luz suave que vinha de uma janela parcialmente aberta.
Eu conhecia aquele lugar. O quarto pequeno, a cama com lençóis amassados, a essência que parecia impregnada no ar. Meu corpo ficou tenso ao reconhecer a cena que se desenrolava diante de mim.
Na cama, estava eu mesmo, junto com Jungkook. Depois de passar horas numa boate, estava deitado ao lado dele, nossos corpos relaxados após momentos de sexos. Ele tinha os cabelos bagunçados e um sorriso suave nos lábios enquanto traçava círculos preguiçosos no meu braço.
- Você lembra disso? - Taehyung perguntou ao meu lado, mas sua voz parecia distante.
- Como poderia esquecer? - murmurei, minha mente se perdendo naquela lembrança.
Jungkook sempre teve algo em si que me desarmava. Ele não era perfeito, mas tinha uma maneira de lidar comigo que ninguém mais tinha. Ele entendia minhas dores, mas nunca me julgava. Nunca me empurrava além do que eu estava pronto, mas também nunca me deixava afundar sozinho.
A cena continuou. Na cama, eu me virei para ele, minha expressão carregada de confusão e tristeza.
- Eu quero me livrar disso tudo, Jungkook - eu disse, minha voz trêmula.
Jungkook não respondeu de imediato. Em vez disso, ele estendeu a mão e segurou meu rosto com delicadeza, seus olhos me encarando com uma intensidade quase dolorosa.
- Você não precisa carregar isso sozinho, Yoongi. Estou aqui. Sempre vou estar aqui.
Mesmo agora, revivendo essa cena, aquelas palavras me atingiram como da primeira vez.
- Quem é ele? - Taehyung perguntou, fingindo desinteresse enquanto cruzava os braços e observava a cena.
Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios.
- Jungkook - respondi, minha voz carregada de ternura. - Ele... era como eu, de certa forma.
Taehyung arqueou uma sobrancelha, curioso.
- Como assim?
- Ele também tinha suas dores - expliquei. - Mas, diferente de mim, ele não deixava que isso o quebrasse. Ele era forte, mesmo quando tudo parecia desmoronar ao seu redor. Ele me fazia querer ser melhor, mesmo que eu nunca tivesse coragem de admitir isso pra ele.
- Parece que ele foi importante para você - Taehyung comentou, seu tom neutro.
- Foi mais do que isso - admiti. - Ele era um reflexo do que eu poderia ser, se tivesse a coragem que ele tem.
Taehyung ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando minhas palavras.
- E você deixou ele ir? - ele perguntou finalmente.
A pergunta me atingiu como uma faca.
- Não exatamente - respondi, desviando o olhar. - Jungkook é modelo, ele está sempre viajando e quando não está, ele me fazia companhia. Mas talvez... talvez eu só estivesse com medo de aceitar que ele me via de uma maneira que eu mesmo não conseguia.
Taehyung não respondeu de imediato, mas seu olhar parecia mais suave.
- Talvez seja hora de se permitir ver o que ele via - ele disse, sua voz quase um sussurro.
Antes que eu pudesse responder, a cena começou a desaparecer novamente. A luz suave do quarto foi engolida pela paisagem do campo, e eu me vi de volta ao lado de Taehyung, sentindo o peso daquela lembrança se dissipar, mas deixando uma marca que eu sabia que carregaria para sempre.
- E então? - ele perguntou, com um sorriso brincando em seus lábios.
Eu respirei fundo, sentindo algo diferente em meu peito.
- Acho que estou começando a entender.
- Ainda bem - Taehyung respondeu, sua voz cheia de humor e ternura. - Porque o próximo passo não vai ser mais fácil.
Eu olhei para ele, o vento acariciando meu rosto enquanto me preparava para o que estava por vir.
- Estou pronto. Ou, pelo menos, acho que estou.
Taehyung se virou para mim com aquele sorriso caloroso e ligeiramente provocador, que parecia sempre estar à beira de uma piada. Ele cruzou os braços e me lançou um olhar divertido.
- Espero que esteja preparado, Yoongi. Enfrentar tudo isso lá fora vai ser mais complicado. Afinal, o Yoongi interno é bem menos teimoso que o de lá de fora.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um sorriso.
- Isso quer dizer que estou pior do que imaginava?
- Não exatamente - respondeu ele, com um tom brincalhão. - Mas você sabe como é. Encarar os outros é uma coisa, encarar a si mesmo é outra completamente diferente. E, honestamente, você ainda tem trabalho a fazer.
Eu balancei a cabeça, um pouco mais sério agora.
- Eu sei. Mas... acho que dessa vez estou pronto. Pelo menos, quero estar.
Taehyung assentiu, e um silêncio confortável caiu entre nós por alguns instantes. No entanto, algo começou a mudar. De repente, senti uma estranheza percorrer meu corpo, como se algo estivesse errado. O som ao nosso redor parecia diminuir, e, no lugar do vento suave, ouvi bips. Os mesmos bips que eu tinha ouvido antes, quando percebi onde estava.
Minha respiração começou a ficar difícil, e o pânico tomou conta de mim.
- Taehyung... o que está acontecendo?
Ele se aproximou de mim rapidamente, segurando meus ombros com firmeza. Seus olhos, normalmente brincalhões, agora estavam sérios e cheios de compreensão.
- Calma, Yoongi. Está tudo bem. Isso é o seu corpo te chamando de volta.
- Mas... eu não estou pronto! Ainda não!
Ele sorriu, dessa vez de forma mais suave.
- Você está pronto, sim. Ou não estaria acontecendo agora. Confie em mim.
Minha visão começou a ficar turva, os sons ficando cada vez mais altos e misturados. Mas, mesmo assim, a voz de Taehyung parecia clara em minha mente.
- Escute, Yoongi. Em algum momento, lá fora, nossos caminhos vão se cruzar novamente. Não importa onde ou como, mas eles vão. E, quando isso acontecer, nós não vamos nos lembrar disso tudo aqui.
Eu queria dizer algo, mas não conseguia. Ele continuou.
- Mesmo assim, estarei lá, de alguma forma. Serei seu guia, em qualquer lugar. Mas agora, vá. Recomece.
Com essas palavras, senti o mundo ao meu redor desaparecer.
Do outro lado
As luzes da sala de hospital eram fortes, quase agressivas. Os médicos trabalhavam freneticamente ao redor do meu corpo.
- Vamos! Ele está reagindo! Aumente a frequência! - uma voz firme comandava, enquanto os bips dos monitores ficavam mais ritmados.
Minha mãe estava ao lado, segurando a mão de Namjoon com força enquanto Jimin olhava com olhos cheios de lágrimas.
- Por favor, Yoongi... - a voz de minha mãe era um sussurro, mas cheia de dor e amor.
Então, com um último esforço, meu corpo reagiu. Meus olhos se abriram lentamente, a luz me cegando momentaneamente enquanto minha respiração voltava em um ritmo irregular.
- Ele acordou! - exclamou um dos médicos.
Os bips agora soavam como música em um ritmo controlado. Antes mesmo que eu pudesse processar tudo, senti braços ao meu redor. Era minha mãe. Seu abraço era firme, quente, protetor.
- Meu filho... meu filho... - ela chorava, apertando-me com força.
Namjoon e Jimin estavam ao lado, seus rostos uma mistura de alívio e alegria. Namjoon parecia tentar conter as lágrimas, mas falhou miseravelmente.
- Você voltou, cara - ele murmurou, segurando minha mão.
Jimin, com aquele sorriso doce que eu reconhecia tão bem, apenas assentiu, seus olhos brilhando.
- Bem-vindo de volta, hyung.
Eu não conseguia dizer nada. Apenas deixei as lágrimas rolarem enquanto o peso de tudo o que havia acontecido - tanto no meu subconsciente quanto na realidade - começava a se assentar.
A dor, a redenção, as memórias, tudo ainda estava lá. Mas, pela primeira vez, senti que poderia enfrentá-los. Não sozinho, mas com aqueles que sempre estiveram ao meu lado.
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