𝓹𝓻𝓸𝓵𝓸𝓰𝓸
O outono pareceu chegar sem aviso naquele ano. A manhã de primeiro de setembro estava fresca e dourada como uma maçã, enquanto a pequena garota cruzava a barulhenta estrada em direção à grande estação, as chaminés das locomotivas fumegavam e a respiração dos pedestres condensava no ar frio, como uma teia de aranha. Uma cesta de transporte estava segura sobre um malão no carrinho, que era empurrado por um homem de seus quarenta anos, cabelos prateados já salpicados entre os loiros. O gato dentro da cesta miava descontente; e uma adolescente de cabelos ruivos segurou no braço do homem.
— Obrigada por me trazer, papai. — David Martins sorriu para a única filha, bagunçando o cabelo dela, e os transeuntes sorriram para a cena nem um pouco incomum para o que era um início de ano letivo estudantil. Um pai levando sua filha para pegar algum trem para algum colégio interno, algo totalmente comum, o uniforme dela cinzento, meias brancas e sapatos sociais fechados, a saia em uma altura totalmente aceitável para os padrões da época e uma gravata amarela por baixo de um suéter justo, com uma espécie de broche preso. Nada de incomum.
Porém, havia tudo de incomum naquela garota ruiva de estatura baixa e magra, porém não magra demais. Ela frequentava uma escola incomum, para pessoas incomuns, chamada Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, desde seus onze anos de idade, quando um professor chamado Filius Flitwick lhe levou uma carta a convidando para frequentar aquele colégio. Scarlett Rose Martin era o que chamavam de nascida-trouxa, ou seja, que não possuía nem mãe nem pai bruxos, ou era o que pensava, visto que as poucas lembranças que envolviam sua mãe eram porta-retratos espalhados em sua casa, ora vestida de branco ao lado de seu pai, ora sorrindo para a barriga inchada pela gravidez, com seu pai ajoelhado diante dela, beijando a barriga dela. Sua mãe havia morrido dando à luz, e desde então, seu pai a criava sozinho, mas ele sempre afirmou que sua mãe era totalmente trouxa, e que nunca havia tido nenhuma lembrança dela falando de amigos bruxos ou de Hogwarts.
— Por nada, docinho. Certeza que eu não posso ir para essa sua escola te ver jogar? Você fala tanto desse tal esporte, e agora foi chamada para ser capitã do time... Queria te ver jogar um dia. — ela sorriu tristemente, sabendo que mesmo que conversasse com o professor Dumbledore, o diretor de sua escola, seria complicado transportar o pai para a escola, sem contar o que ela não dizia em voz alta, que era perigoso para seu pai, um trouxa, ir para Hogwarts, com o crescente preconceito que apenas crescia por algum motivo, algo relacionado a algum bruxo das trevas que por algum motivo estava juntando seguidores, deixando o clima tenso.
— Eu vou conversar com o professor Dumbledore, papai, combinadinho? — Ele sorriu, dando um beijo na testa da filha antes de parar diante da divisa entre as plataformas nove e dez, onde todos os anos ele via a filha sumir para frequentar uma escola da qual ele entendia pouco, apesar de estudar a respeito para tentar entender o máximo possível. Sabia das quatro casas, e da casa a qual a filha pertencia, a Lufa-Lufa, criada por Helga Hufflepuff. Sabia da existência de um grande lago no qual havia uma variação do que ele pensava serem sereias, e outras criaturas, incluindo uma lula gigante. Sabia os nomes dos professores pela boca da filha, e conhecia as matérias. E havia o esporte que sua filha era completamente viciada, o quadribol, jogado com vassouras e sete jogadores em cada time. Ele nunca havia visto uma partida, mas admitia que sentia vontade, principalmente ao ver sua filha indo para a casa de amigas para praticar.
— Combinadinho, docinho. — Deu um beijo na testa da menina, sentindo o cheiro de baunilha dos cabelos dela, sorrindo. — Você é minha garota especial, Scar. Se comporte, não se meta em encrencas, nem entre em brigas. — Se abaixou para cochichar no ouvido dela, um pequeno segredo. — Mas se entrar, entre para ganhar. Combinadinho, docinho? — ela sorriu marota antes de ficar na ponta dos pés para dar um abraço no pai. — Me escreva pelo menos duas vezes por semana, lembre-se que o Sr. Flume me ensinou a mandar aquelas cartas histéricas, e eu vou mandar se não tiver notícias suas. Lembre-se de comer e se esfriar coloque um casaco, não quero que pegue um resfriado logo na primeira semana. E pelo amor de Deus, não deixe roupa jogada no chão do banheiro do seu quarto, tenha dó das suas colegas. — Ela mostrou língua brincalhona, revirando os olhos em um ato adolescente, pegando o carrinho e correndo em direção a plataforma. Como sempre, ele fechou os olhos, esperando uma colisão. Quando abriu os olhos, sua garota especial já não estava mais lá.
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Scarlett abriu os olhos na plataforma lotada de pais, adolescentes e crianças, gatos miando e corujas piando zangadas nas gaiolas. Ser baixinha tinha suas desvantagens, pois precisava ficar na ponta dos pés, tendo câimbra nos mesmos, para tentar localizar suas amigas, o que não era fácil, já que nenhuma das três garotas eram altas, sendo Talia a mais alta das quatro, com seus 1,67 de altura, enquanto ela era a terceira mais baixa, ganhando apenas de Ariel, com seus 1,57 esticados. Porém, para sorte ou azar, Jason Flume era bem alto para seus treze anos, e ela localizou o garoto rapidamente, correndo até ele, que conversava com alguns amigos que ficaram fazendo caretas quando o rapaz se virou e ela ficou na ponta dos pés para bagunçar os cachos castanhos dele.
— A Tal está já no trem, fazendo negócios. Uma das cabines do final, ela não conseguiu pegar mais na frente. — Ela sorriu, ignorando os deboches dos meninos do terceiro ano. Uma vez no trem, embora pedindo mais com licenças do que gostaria – corredor não é lugar de conversar! – Foi fácil encontrar a fila do lado de fora de uma cabine, além de todo o barulho uma vez lá dentro, com Lia sentada atendendo uma pessoa por vez com uma rapidez impressionante. A garota era linda, com sua pele bronzeada e olhos escuros, cabelos parecidos com seda negra, brilhantes e delicados. Todos os traços de Lia a lembravam uma boneca de porcelana, parecendo pronta para quebrar, mas nunca estava. Talia E. Celeste Flume possuía um fogo no olhar, e sua pele não era porcelana, era marfim e aço puro, a língua afiada como a ponta de uma espada, e um sorriso alegre quando abraçou a melhor amiga, sem parar o atendimento.
— Foram onze sicles e quatro nuques. — Ela colocou os doces com rapidez em uma sacolinha, mostrando com a mão livre os preços em uma tabela pregada dentro da porta da cabine, e ela sabia que os preços também estavam do lado de fora. — Cinco bem casados, dois brigadeiros, acho que é assim que se pronuncia, e um bolo de pote. Obrigada, volte sempre! — Ela se virou para a amiga enquanto o outro cliente ainda não havia entrado. — Scar, que saudades! Nem parece que nos vimos semana passada, nossa! — Ela sorriu, notando sutis diferenças na colega de dormitório. Os cabelos estavam mais longos, e como sempre ela tentou inovar o uniforme, dessa vez com uma boina preta que fazia contraste com algum detalhe bordado no seu uniforme. Também usava calças, por pura preferência. Ainda se lembrava como ontem quando a garota criou um abaixo assinado para Dumbledore pedindo para que calças femininas fossem adicionadas ao uniforme. Um recorde de assinaturas, um escândalo entre os tradicionalistas. — PRÓXIMO! — Ela gritou, já sorrindo de forma diferente, Scarlett notou, embora não fosse comentar nada. Lia colocou os cabelos atrás da orelha quando os Marotos entraram.
— Rapazes... O que vão querer? — Sirius Black já havia se sentando no banquinho, olhando o malão adaptado de Lia, onde ela levava os doces e as cervejas amanteigadas, diferente do malão de roupas, já colocado no guardador, ao contrário de sua mala, visto que precisaria de ajudar para colocá-la no alto e não queria atrapalhar os negócios da amiga. Remus sorriu, passando a mão nos cabelos castanhos, e Peter trocou um toquinho com Lia, afinal, eles eram muito, muito amigos, enquanto Potter a cumprimentou com um beijinho na bochecha – ela quase sempre esquecia que Talia havia sido vizinha dele – e sorriu para ela, encarando o malão antes de sorrir.
— Deixe eu te ajudar. — Ele pegou o malão e o colocou no maleiro, sorrindo, enquanto ela sorria ao agradecer.
— Obrigada, Potter. — Lia revirou os olhos quando Sirius deu um tapa no braço de James.
— James, vai querer o que? — James pareceu aturdido por um minuto, esfregando o braço, antes de pegar uns dois bolos e um pacote de puxa-puxa, que Lia embalou rapidamente, calculando rapidamente os preços com uma capacidade que Scarlett jamais daria conta. Sistema de Trachtenberg, ela achava que era o nome.
— Deu no total um galeão e quinze sicles. — Sirius começou a tatear os bolsos, enquanto o olhar de Lia focava em Remus, de todos, o mais simples dos Marotos. Era magro, embora não muito, e algumas cicatrizes cortavam seu rosto. Ele era um pouquinho pálido, e as cicatrizes no rosto criavam uma opinião que divergia entre achar incrivelmente descoladas, ou achar feias, mas era bonitinho, e seu comportamento o deixava simpático, sempre gentil com todos. Suas roupas tinham alguns cerzidos, mas não muitos. — Não vai levar nada, Lupin? — Ele sorriu, colocando a mão nos bolsos.
— Minha mãe preparou um lanche... — ela balançou a mão, fazendo um barulhinho com a boca. — E não quero que os meninos paguem.
— Bobagem, você me paga depois! — A ruiva olhou a morena chocada, e aparentemente não foi a única. Talia Flume, a maior capitalista que Scarlett já havia conhecido, oferecendo vender fiado, era algo de se ver uma vez na vida, e apenas uma. — Escolhe aí algum doce. — Sirius sorriu, se apoiando no banco. Ele de todos os Marotos era obviamente o mais atraente fisicamente, com seus olhos claros e o rosto marcante, além dos cabelos negros caindo em ondas. Já havia chamado Lia para sair uma vez, no segundo ano, o que foi assunto por muito tempo – estavam no segundo ano! – E mais assunto ainda foi o não que ela deu como resposta.
— E eu, pequena Tal? Posso pagar semana que vem? — Ela negou, segurando a sacola dele enquanto embrulhava os poucos doces que Remus escolheu.
— Não, você tem o dinheiro aí. E antes que pergunte, não. — Ele parou de sorrir, puxando os lábios em uma careta, antes de dar o dinheiro para ela, juntamente de Peter e James, e entregando a sacola para Remus. Tão logo os Marotos saíram, a porta da cabine foi bruscamente aberta por duas garotas esbaforidas, o que fez Lia e Scarlett sorrirem.
Ariel Henderson jogou as tranças para trás do ombro, o nariz estreito já cheirando alguns dos bolos quentes do malão de Lia, já indo com a mão para pegar, quando levou um tapa na mesma, sendo abraçada por Lia e Scarlett ao mesmo tempo.
— Se quiser pagar, fique à vontade! — Lia disse, enquanto Scarlett provocava.
— Só o Remus Lupin que não precisa, não é? — Ariel deu um olhar intrigado, enquanto a morena a olhava como se ela fosse a maior traidora já existente na face da Terra.
— Que história é essa? — Ariel perguntou, rindo, e enquanto Lia lhes dava um empurrão e Ariel discretamente roubava um único doce da maleta, e Lena entrou correndo na cabine no momento em que o trem entrou em movimento, suando e pedindo desculpas por ter se atrasado, dizendo ser culpa do transito quando ela obviamente dormiu até as dez da manhã, Scarlett se viu pensando a quão sortuda era de ter aquelas garotas consigo, para o que desse e viesse.
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