001. Lugar Estranho
Anahí desejou ter calçado botas antes de sair com a sua avó. Mesmo a mais velha dando a desculpa de que iriam dar apenas uma "voltinha", a mais nova deveria ter se lembrado do quanto a senhora gostava de caminhar na mata. As folhas de bananeira que a menina encontrou no caminho e usou-as para improvisar um sapato não adiantaram de nada: os seus pés ficaram expostos à terra da densa Floresta Amazônica em questão de minutos, novamente.
Porém ela não precisaria mais ficar reclamando do quanto o seu caminhar lhe incomodava, porque quando menos se deu conta, já havia chegado no lugar pretendido pela avó: o velho Rio Madeira. Tão lindo e tão majestoso quanto sempre fora, ela vinha ali quando criança nadar e tomar banho. Porém, parou de frequentá-lo quando a sua irmã mais velha, Jaci, se afogou nas profundas águas do local.
Ninguém nunca soube explicar o que, e fato, aconteceu com Jaci. O povo ao qual elas pertenceram era considerado um povo navegante, logo todos os indígenas sabiam nadar muito bem. A irmã de Anahí era uma das melhores e mais ágeis nadadoras da aldeia, o que fez a caçula pensar, por muito tempo, que a morte da mais velha foi, na verdade, forjada. E tal teoria fez muito sentido para Anahí, visto que a primogênita era considerada uma das mulheres mais bonitas do seu povo. Vai ver alguma outra garota, com inveja da beleza e dos talentos, não armou a morte de Jaci?
Porém parecia que essa hipótese só era levantada por Anahí. Todos do seu povo eram íntimos, e o cacique disse, por várias vezes, que nenhuma mulher ali seria capaz de cometer tal atrocidade. Porém nada impedia que um boato corresse — por muitos meses — após a morte repentina da menina: diziam que ela foi morta por ninguém menos que Iara, a Mãe D'água.
É claro que Anahí achava aquilo uma total falta de respeito com a sua irmã! Por muitas vezes ela rebateu estes comentários, gerando brigas com membros da sua etnia, porém, mais tarde, desistiu de ser chamada de "rebelde" e apenas deixou que eles continuassem falando. Mas, mesmo assim, ela queria respostas concretas sobre o que aconteceu com a sua irmã. Este era um desejo que nunca adormeceu no seu coração. E se tivesse a oportunidade de, pessoalmente, investigar a morte de Jaci um dia, ela o faria sem pensar duas vezes.
Porém, por enquanto ela estava de volta à margem do velho Rio Madeira — e só de estar ali, diversos pensamentos sobre Jaci lhe vieram à tona. Anahí já não tinha amanhecido nos seus melhores dias, e o fato de ter inventado de seguir Iraci lhe fez se arrepender de não ter continuado a dormir tranquilamente na sua rede. Mas, como já estava ali, ela decidiu se se sentar um pouco e encostar em uma árvore para descansar os pés.
Ela observou a sua avó — que neste momento havia se distanciado de si — colhendo algumas folhas (que só cresciam naquela região) para preparar chás e remédios naturais. Ficou fitando a mais velha enquanto pensava em como fazer um "sapato" mais resistente para o caminho de volta até a sua oca. Pensou tanto que acabou se perdendo nos seus próprios pensamentos. E assim, só foi despertar do transe com a senhora a cutucando para ir embora.
— Não, vó — depois de se dar conta de que acabou "viajando na maionese" e perdendo muito tempo, a garota optou por permanecer mais um pouco no local. Primeiro por causa dos seus pés, visto que ela ainda precisava improvisar um novo sapato para a volta; segundo porque ali estava uma paz; e terceiro, porque fazia muito tempo que ela não aparecia por lá. Uma hora ela precisaria superar a morte de Jaci, e perdendo o receio de estar naquele lugar novamente parecia um bom meio de dar um primeiro passo. — Eu vou ficar por uns instantes e mais tarde volto pra casa.
— Tudo bem — Iraci, por sua vez, não insistiu na escolha da neta, porém não deixou de a alertar sobre algo: — Só tome cuidado com a Iara, Mãe D'água.
E, dito isso, a senhorinha foi embora, sem sequer esperar por uma resposta da mais nova.
Anahí só faltou revirar os olhos, mas queria tanto descansar e esquecer a dor dos seus pés que acabou os fechando e se entregando à um breve cochilo. Acordou suada, com uma leve brisa quente beijando o seu rosto, e percebeu que o sol ainda brilhava muito forte. Estimou que fosse por volta de uma ou duas da tarde, e como o suor escorria pelo seu rosto e pescoço, ela decidiu que tomaria um banho no rio antes de voltar à aldeia, como nos velhos tempos. Porém, antes teria que encontrar urucum ou jenipapo para refazer as suas pinturas faciais e corporais logo após se banhar.
Ela se levantou, ajeitando e retirando algumas folhas e galhos de árvore que ficaram grudados na sua saia. Se pôs a caminhar pelos arredores do rio, à procura do necessário para produzir as tintas. Procurou, procurou, porém nada encontrou. Cansada, tomou o caminho de volta à margem quando pisou em algo muito duro. Ao olhar, notou a coloração vermelha viva na sola e, de longe, ela reconheceria o cheiro daquela tinta. Olhou para cima e notou que estava diante de um lindo e majestoso pé de urucum.
— Estranho — raciocinou em voz alta. — Eu passei por aqui antes e não o vi.
De qualquer forma, agora isso não importava. A menina deu de ombros e subiu na árvore para apanhar a quantidade da planta que precisaria.
E foi de lá de cima que ela avistou uma pequena cabana de madeira escondida entre as árvores. Não parecia que alguém morava ali, visto que uma de suas janelas estava quebrada e a porta de entrada aberta. Na frente tinha uma grande placa escrita "entre" e uma seta apontando para a construção. Algo ali despertou a curiosidade da indígena. Algo a chamava e dizia que ela deveria dar uma olhada naquela cabana. Então ela desceu da árvore e foi para a frente do local.
Deixou as plantas no chão próximas à placa e caminhou até a entrada. Hesitou em entrar por alguns segundos, porém o fez depois de pensar que seria apenas para dar uma espiada por dentro.
O local era realmente minúsculo. Só tinha uma janela — a que estava quebrada —, e um único cômodo, que estava coberto por teias de aranha. Na decoração também não havia nada de relevante: apenas uma pequena mesinha de centro, com um telefone vermelho por cima. Sim, um telefone vermelho. Daqueles do tipo fixo, de fio e roleta, típico dos anos oitenta, que as pessoas tinham nas suas casas na cidade. Ela estranhou: como aquela cabana fora parar ali se, antes, ela não estava? Anahí tinha passado por aquele lugar e não tinha visto a construção, o que era, no mínimo, estranho. Vai que fosse uma armadilha? Ela só se lembrou disso nessa hora, depois de dentro do lugar, e se repreendeu mentalmente por ter sido ingênua ao ponto de não ter conferido nos arredores se haviam garimpeiros por perto.
Para não correr riscos, o melhor seria sair dali o mais rápido possível e fingir que nunca nem esteve naquele lugar. E ela já ia dando meia-volta quando o telefone vermelho tocou. Sim, em uma cabaninha aparentemente abandonada no meio da mata da Floresta Amazônica, um telefone vermelho tocou. O barulho do seu toque era extremamente alto e estridente, o que incomodou tanto a menina que a fez levar as duas mãos até os ouvidos para tapá-los. Porém o toque não parava. Anahí estava começando a ficar nervosa com o som — e preocupada que ele incomodasse os animais que moravam por ali perto —, então, para cessar a barulheira, ela agiu por impulso e atendeu o telefone.
A intenção da garota era só dar um esculacho em quem ligou para aquele bendito número e depois cair o fora dali, porém, assim que depositou o telefone na orelha — e antes que pudesse abrir a boca para pronunciar alguma palavra —, uma voz masculina (parecendo ser editada) disse do outro lado da linha:
— A menina está morta. Porém, no fundo deste seu coração vive a ânsia por respostas acerca do mistério. Não se preocupe, em seus braços morrerá o responsável pelo crime.
E desligou. Antes mesmo que Anahí conseguisse processar o que acabara de lhe ser dito, a outra pessoa simplesmente desligou a ligação sem dar a oportunidade para a indígena de perguntar ao menos um "quê?".
Ela encarou o telefone, perplexa, por alguns minutos. Tentou raciocinar sobre o que acabara de acontecer, porém nem ela sabia direito o que pensar. Que tipo de mensagem era aquela? Quem era a pessoa que falou contigo?
Pensou, pensou, e, por fim, chegou à conclusão de que sim, ela talvez estivesse delirando e aquela ligação nunca aconteceu, na verdade. Saiu da cabana, pegou os seus urucuns no chão perto da placa e caminhou novamente na direção do Rio Madeira para, enfim, se banhar.
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1509 palavras.
.。.:*✧ Glossário ✧*:.。.
Urucum: fruta provinda do urucueiro, popularmente conhecida por conter sementes de coloração vermelha bem forte. Também é chamada, por alguns, de "corante natural".
Jenipapo: fruta provinda do jenipapeiro, cujo nome, traduzido do Guarani, significa "fruta que serve para pintar". Isto porque é dele que se extrai uma substância quase preta, boa para fazer tinta e pintar a pele. No entanto, o jenipapo também é comestível e, com ele, pode-se fazer sucos, doces, refrigerante, xaropes naturais e até licor.
Rio Madeira: rio localizado no Brasil e na Bolívia, na América do Sul. No Brasil, ele passa pelos Estados de Rondônia e Amazonas, sendo um dos principais afluentes do Rio Amazonas. É um dos maiores rios do mundo em extensão.
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