➤ 𝖢𝗁𝖺𝗉𝗍𝖾𝗋 𝖤𝗂𝗀𝗁𝗍
Não me sentir sozinha e vazia é inevitável. O sentimento de culpa e desolação me arrasa, e eu fico furiosa por me sentir assim. A falta de pressa em marcar logo uma consulta também mexe com a minha cabeça, porque ela ainda parece estar em negação.
Há uma semana desde que me casei e eu mal consigo olhar nos olhos do meu próprio marido. Não consigo nem mesmo fingir que está tudo bem. Os enjoos tem se tornando cada vez mais intensos e frequentes, e minha capacidade de saber mentir tem se tornando cada vez mais inútil.
— Lisa? — a voz de Roseanne ressoa no fundo da minha cabeça e me traz de volta
— Você me ouviu?
— Não. — eu murcho na cadeira da cafeteria da empresa, abaixando o olhar para o meu café praticamente intocado.
— Quando vai contar para ele?
— Não sei. — eu brinco de girar a colherzinha dentro da xícara — Não consigo nem olhar para ele.
— Você está com medo da reação que ele pode ter?
— Nós nunca falamos sobre ter filhos. Nem sei se ele quer ter bebês comigo.
— E se a resposta for sim e você está aí, sofrendo à toa?
Olho para Roseanne por um instante, pensando superficialmente na pergunta antes que a minha linha de pensamento seja interrompida pelo barulho de uma cadeira se arrastando ao meu lado.
— Olá. — Taehyung gira a cadeira e se senta, cruzando os braços sobre o encosto da assento.
— Não se aproxime. Eu sou capaz de vomitar em você. — eu o aviso, franzindo o cenho ao ver um resquício do sorriso quadrado em seus lábios.
— Eu vim em paz. — ele levanta as mãos para cima, na defensiva — Quando é que vai me perdoar, gatinha?
— Para de me chamar de gatinha!
— Mas você é pequeninha e feroz, como uma gatinha.
— Cala a boca.
— Ei, vocês dois. — Roseanne interrompe minha pequena discussão com Taehyung e atrai nossa atenção — Temos um problema maior aqui do que a briga estúpida de vocês.
— Temos? — a sobrancelha de Taehyung levanta, enquanto seu olhar intercala entre nós duas.
Tento chutar Roseanne por debaixo da mesa e fazê-la calar a boca também, mas ela apenas franze o cenho e continua:
— Vamos lá, Lalisa. — ela gesticula com as mãos — Não vai poder esconder para sempre essa gravidez.
— Você está grávida?! — o grito de Taehyung é contido quando Roseanne lança a mão na direção da boca dele. Algumas pessoas olham na nossa direção e eu me encolho, apenas balançando a cabeça, e essa é a minha única resposta.
— Você...como... — Taehyung gagueja, afastando a mão de Roseanne.
— Vamos lá, você já é grandinho o suficiente para saber como se fazem os bebês. — Roseanne resmunga na direção dele, mas meu amigo continua boquiaberto e imóvel.
Ele abaixa a cabeça, se levanta, depois senta de novo. Parece mais perturbado do que eu imaginei que ficaria.
— Eu nem sei o que dizer — Taehyung consegue dizer depois de minutos de silêncio — Ele, Jungkook, sabe?
— Não. — um nó enorme se aloja na minha garganta — Não sei como contar.
— E eu estou dizendo a Lalisa que ela precisa contar. Você não concorda, Taehyung?
Taehyung fica quieto, e eu não espero por sua resposta, puxo minha bolsa pela alça e me levanto. Os dois acompanham todos os meus movimentos com o olhar, em silêncio.
— Adoraria ficar para a conversa, mas prometi a Nic que iria buscá-lo na escola hoje. Até amanhã. — eu me despeço sem cerimônia, porque não me sinto no meu melhor momento para ouvir meus dois melhores amigos discutindo sobre o que eu devo ou não fazer com a minha vida.
Saio da cafeteria, rumando até os elevadores. Aperto o botão e espero, tentando me distrair ao apagar algumas notificações da caixa de mensagens do meu celular, mas sou surpreendida quando sinto a presença de alguém se aproximando e um toque conhecido em meu pulso.
Giro os calcanhares de leve para encontrar o dono do toque, me deparando com os olhos amendoados de Taehyung e sua respiração pouco ofegante.
— Eu sei que o seu marido não gosta de mim, mas... — ele faz uma pausa, como se quisesse retomar a frase de outra maneira — mas se existe algo que eu sei, é que ele ama você. E se eu estivesse no lugar dele, gostaria de saber que existe uma parte bem pequeninha de mim em você. Eu seria o cara mais feliz da porra desse mundo — Taehyung solta meu pulso devagar, oferecendo um sorriso mínimo — E bem, se ele não perceber isso, é porque ele é um tremendo idiota.
Sorrir é inicialmente a minha única reação, então ouço as portas do elevador se abrindo atrás de mim e fico na ponta dos pés, abraçando o pescoço de Taehyung.
— Obrigada, tigrão.
Ele ri com vontade e se afasta um pouco, mas seu olhar sempre esta ali, analisando meu rosto em silêncio.
— Sabe, as vezes eu sei que dou a impressão de ser esse cara egocêntrico que não tem sentimentos reais e um coração duro — ele bate no próprio peito, sorrindo — mas aqui eu sou todo mole.
Eu rio e balanço a cabeça, entrando no elevador.
— Você é patético. — eu sibilo para ele, vendo seu sorriso se abrir enquanto as portas do elevador se fecham
•••
— Chegamos! — anuncio quando Nic e eu passamos pela porta da frente. Tiro o meu casaco e o deixo pendurado no suporte ao lado da porta. Pela alta janela da sala, vejo que já começou a nevar — Que tal um chocolate quente com marshmallows, Nic?
— Sim! — ele exclama, trabalhando em tirar as próprias botas e o casaco.
— Certo, leva a sua mochila para o quarto e depois me encontra na cozinha.
Sigo sozinha para cozinha e abro os armários a procura dos ingredientes, ficando tão imersa na minha tarefa que não percebo que Maggie estava ali o tempo todo.
— Oh, Maggie. Eu não sabia que você estava aqui.
— Uma boa empregada sabe como ser invisível. — ela sorri — Precisa de alguma ajuda?
— Não estou achando os marshmallows e os biscoitinhos do Nic.
— Estão no armário de cima. — ela sinaliza com o olhar, e eu balanço a cabeça e sorrio, agradecida.
Deixo tudo que preciso sobre o balcão da cozinha, e minutos depois vejo Nic passar pela entrada como um furacão.
— Oi, Maggie. — ele fala, vindo até nós e tentando subir no balcão.
— Olá, pequeno Jeon. — ela brinca com ele — Bem, se precisarem de mim, vou estar lá em cima.
Quando Maggie sai da cozinha, Nic senta sobre o balcão e balança as perninhas, me vendo dobrar as mangas do meu suéter antes começar a fazer o nosso chocolate quente.
— Como vai a escola? — eu pergunto — Você fez amigos?
— Sim, o nome dele é George.
— E o George é legal?
— Sim. — ele balança a cabeça, mas seus olhos estão dispersos em algum ponto abaixo de seus pés — Ele pode vir brincar comigo amanhã?
— Claro, seria um prazer conhecer o George.
Nic fica em silêncio por alguns segundos, mas sei muito bem que algo está passando por aquela cabecinha quando ele começa a estalar a língua no céu da boca.
— George tem um cachorro. Ele é grande e peludo.
— Ah, é? — eu fico de costas para ele — Você tem a Coco.
— Mas ela só dorme, e é sua.
Arqueio a sobrancelha de leve. Ele tem um ponto.
— Eu queria um cachorro.
— Quando eu tinha sua idade, também queria. — eu inclino a cabeça para o lado para olhá-lo — Você precisa falar com seu pai primeiro.
— Não sei se ele vai deixar. — Nic faz um biquinho, olhando para mim — Mas se você pedir, ele deixa.
Eu jogo a cabeça para traz e rio.
— Acho que você deveria falar com ele.
— Hoje? — ele pergunta, entusiasmado.
Eu olho na direção do relógio de parede na cozinha e aperto os lábios.
— Talvez amanhã. Seu pai anda muito ocupado com o trabalho, hoje somos só você e eu.
Ouço Nic soltar um suspiro e fazer um muxoxo decepcionado. Desligo o fogão e me viro, deixando as mãos na cintura.
— Sabe, — eu dou a volta no balcão, ficando de frente para ele — garotas também podem ser legais.
Eu posiciono uma colher na ponta do balcão e um marshmallow na parte côncava, acerto a outra extremidade do talher e faço o doce voar e cair na minha boca.
Nic ergue as sobrancelhas e ri, me fazendo rir junto com ele.
— Viu? Eu te fiz rir — eu bato na ponta do seu nariz de leve — Vem, vamos tomar esse delicioso chocolate quente.
•••
São onze horas, Maggie já foi embora e Nic está provavelmente em seu sono mais profundo. Eu estou sozinha no meu quarto, inquieta, encarando o teto escuro enquanto pensamentos correm em disparada por minha mente.
Hesitante, eu deslizo minhas mãos para o ventre e tento notar alguma diferença, alguma mínima sobreposição, mas nada.
Não deve ser nem mesmo um bebê ainda.
Ainda assim, é alguma coisa.
Acho que nunca estive com tanto medo.
Ouço o barulho de passos se aproximando pelo corredor e faço um movimento exageradamente rápido na cama, ficando de costas e fingindo dormir.
Quando a porta se abre, há um momento de silêncio antes que o som do clique dela se fechando soe. Então o som dos passos antes abafados agora estão mais claros, e se aproximando cada vez mais.
Sinto lábios encostando de leve e demoradamente na minha testa, mas então eles se afastam, e minutos depois consigo ouvir o barulho da água caindo na suíte.
Os últimos dias foram assim. Eu o evitando pelo simples fato de não conseguir mentir para ele.
Minutos depois ele volta, e eu continuo sem me mover, mantendo a minha farsa. A cama afunda ao meu lado e a luz do abajur se apaga. Ele se aproxima, mas eu não sinto nenhum toque.
Acho que nunca precisei tanto dele como agora.
Feliz natal!
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