Quando Robb finalmente decidiu parar de devanear e sair do banho, já era noite e as palmas de suas mãos já estavam enrugadas como as frutas secas das quais ele aos poucos aprendia a gostar.
Vestiu-se confortavelmente, nem colocou a camisa de linho branco para dentro das calças de algodão marrom. Recolheu suas roupas molhadas e, sem se preocupar com sapatos, as levou para a cozinha.
A casa parecia ter se assentado em um silêncio solene para deixar Maryon descansar.
Quando Robb chegou na cozinha, estava vazia. Apenas uma lamparina acesa na grande mesa de madeira no centro do ambiente. Ele pendurou suas roupas em um varal que fora disposto perto do fogão, onde estavam também os vestidos de Maryon e Cecylla.
Observando o tafetá cor de rosa e o linho terracota, ele decidiu que era melhor ver como Maryon estava, e nem pensou duas vezes antes de achar um prato nos armários e alcançar o pote de biscoitos na prateleira alta. O Stark mal percebia o quanto já se movia pela mansão de Cecylla como se aquele fosse seu lar.
Espiando dentro do pote de porcelana cheio daqueles biscoitos de fubá e erva doce que Maryon tanto amava, Robb decidiu que o susto pelo qual a garotinha passara era o suficiente para fazê-la merecer o pote inteiro, então devolveu o prato para seu devido lugar, enfiou um biscoito na boca e subiu as escadas para fora da cozinha.
O pote em sua mão era uma verdadeira tentação, os biscoitos realmente eram dignos das chantagens emocionais que Maryon fazia para conseguir sempre mais um. Mas, em benefício da pequena Flowers, Robb se conteve e comeu só mais um antes de chegar ao quarto da menina.
Ele entrou com cuidado, e o mais silenciosamente possível para não atrapalhar o sono da criança. A cama de Maryon era definitivamente grande demais para ela, a menininha adormecida sumindo no meio dos lençóis rosados, já sequinha e segura onde deveria estar.
Cuidadosamente Robb deixou o pote de biscoitos na mesa de cabeceira, para ser vigiado pelos fiéis bichinhos de pelúcia que cercavam Maryon em seu merecido sono.
Sua atenção foi atraída por um fungar baixo, e ele percebeu Cecylla encolhida no banco da janela, uma única vela apoiada no parapeito para iluminar o quarto todo, jogando um brilho amarelo acolhedor sobre as bonecas, o conjunto de chá que devia ser um pesadelo de limpar, a casa de bonecas, o cavalo de madeira e a coleção de tiaras de pedrinhas que Maryon sempre expunha com muito orgulho.
Ele hesitou por um momento e então pensou na forma como Cecylla havia se afastado dele mais cedo. Fingindo que não havia visto nada, Robb voltou na direção da porta.
– Você pode ficar se quiser. – a voz dela o interrompeu como uma faca no coração, rouca de choro.
– Não quero te incomodar. – Robb sussurrou.
– Por favor. – jade se chocou com safira em uma súplica. – Por favor, fique.
E como ele poderia negar aquele olhar vindo da mulher com quem ele imaginava que teria sido feliz? Quantas tragédias não teriam sido evitadas pela inteligência de sua quase noiva?
Fechando a porta do quarto de paredes cor de rosa e floridas, Robb caminhou calmamente até a janela, ficando de pé e apoiando o ombro no parapeito oposto, de forma que ele estava de frente para ela.
E quando Cecylla levantou o olhar, ela se perguntou se algum casamento já dera certo na história horrível daquele mundo brutal.
– Eu nunca vi um casamento dar certo. – ela deixou escapar em um murmúrio rouco de choro.
– Como assim? – Robb questionou, deslizando para se sentar de frente para ela no banco da janela em um movimento preciso, calculado e gracioso que a lembrou da forma como Greywind se movia.
– Meus pais nunca se suportaram. Nunca. Às vezes, se eu fechar os olhos, ainda consigo ouvir os dois gritando um com o outro. Minha mãe nunca achou algo para gostar a respeito do meu pai, e meu pai nunca achou vontade o suficiente para se importar com ela. – a princesa contou baixinho. – Foi por isso que ela voltou para Norvos, para morar com meus avós. Ela raramente escreve, mas me deu essa casa.
– E o seu pai? – o rei questionou, dando a ela uma atenção que ela jamais vira nos olhos de Doran Martell.
– Ele quer que Arianne seja rainha de Westeros. E está sempre preocupado demais planejando como vai fazer isso para prestar atenção em nós. Eu vou para Lançassolar uma vez por ano, no dia do nome dele, e eu sei que ele me ama, mas… – Cecylla deu de ombros. – Ele é distante. Meu tio Oberyn é minha figura de pai.
– Mas… Isso foi um casamento só que deu errado. – Robb inclinou-se para a frente, cotovelos apoiados nos joelhos. – Pessoas se casam todos os dias Cylla.
– Minha tia Elia… Todo mundo sabe o que aconteceu com ela. – respondeu Cylla. – Existe uma carta dela para o meu tio… O príncipe Rhaegar era obcecado pela ideia de ter três filhos por causa de alguma profecia, e… Depois que teve o Aegon, minha tia não podia mais engravidar, então…
– Então ele sequestrou a minha tia. – ele concluiu. – Mas isso não significa que casamentos não dão certo. O casamento dos meus pais deu certo.
– Você não tinha um irmão bastardo? – uma sobrancelha arqueada sobre um olho verde.
– Você tem algo contra bastardos? – a expressão imitada sobre um olho azul.
– Não sei se você notou, mas… Eu praticamente coleciono bastardos. – ela sorriu. Um sorriso pequeno, cansado, mas que chegou até seus olhos.
E um que aumentou um pouquinho quando Robb sorriu de volta.
Será que ele teria gostado da menina mais boba que ela era há 3 anos atrás?
– Meu casamento deu certo. – disse Robb após alguns segundos de silêncio. – Não era uma paixão avassaladora. Não era algo de poesias e canções. Não existiu nenhuma grande história de amor. Nada disso é necessário. Eu estava contente. Satisfeito.
– Você a amava? – Cylla questionou, genuinamente curiosa.
– Eu teria aprendido a amá-la, se eu tivesse tido mais tempo com ela. – foi a resposta. – Mas às vezes eu…
– O quê?
Pensava nela. Sonhava com ela. Com olhos verdes. Com ondas cor de chocolate. Com uma risada musical e uma voz macia. Com pele suave da cor do sol, vestidos dourados, cílios pretos de kohl e um sorriso brilhante que o faziam desejar uma paixão avassaladora, uma grande história de amor digna de poemas e canções.
Às vezes ele fechava os olhos e imaginava a quase noiva que todos diziam que era linda, gentil e inteligente e queria estar mais que satisfeito. Queria estar tão feliz que não cabia em seu peito, queria poder gritar do topo das torres de Winterfell que estava apaixonado.
Mas Robb não falou nenhuma dessas coisas, porque ele sabia que se apegara à ideia de uma Cecylla que só existia dentro de sua própria cabeça. E ele queria conhecer a Cecylla que existia no mundo real antes de contar tudo aquilo.
Em vez disso, ele simplesmente segurou a mão dela. E de alguma forma ela soube sem saber.
Foi natural que ambos se aproximassem, e olhando nos oceanos dentro dos olhos de Robb, Cecylla sentiu que poderia afundar, se afogar e morrer sem deixar as águas azuis e geladas ali dentro, mas de certa forma havia uma paz absoluta nisso. Já para Robb, os olhos de Cecylla eram o refrigério de deitar-se na grama de um pasto verde sob o sol suave do fim da tarde e sentir a brisa carregar o cheiro das flores e da grama.
E se vendo como refúgios, rei e princesa estavam a um pequeno respiro de compartilhar o beijo que ambos sabiam que queriam quando um gritinho cortou o ar pesado seguido por um choro de criança.
Como se a possibilidade do beijo jamais sequer houvesse existido, ambos se apressaram para o lado da cama de Maryon de uma forma tal que o espectador de fora realmente acharia que a menina cercada de animais de pelúcia era filha do rei destronado.
– Mamãe? – a pequena choramingou, firmemente abraçada à serpente de pelúcia amarela e laranja que fora um presente de Oberyn Martell.
– Eu estou aqui, meu amor. Estou bem aqui. – Cecylla respondeu, gentilmente tirando cabelo castanho acobreado do rostinho de Maryon. – O que aconteceu, Mary?
– Eu tive um pesadelo! Com trovões bem altos! – a pequena Flowers disse, a luz da vela no beiral da janela refletiu dourada nas lágrimas em seus olhinhos azuis. – E o Robb estava lá, mas eu não conseguia correr até ele.
– Azar desse Robb bobão do sonho, porque eu estou bem aqui. – disse o Stark, acomodando-se do lado oposto da cama de Maryon e gentilmente pousando a mão sobre a cabecinha dela em um carinho para acalmar, como havia feito tantas vezes antes com Arya.
Maryon até sorriu um pouquinho, mas nada satisfeito com a felicidade da menininha, o céu ribombou em um trovão que a fez dar um pulo e agarrar a cobra de pelúcia.
– Shh! Passou querida! Passou! – murmurou Cecylla, enxugando as lágrimas da pequena. – Você está segura. Pode dormir, meu amor.
– Não! Se eu dormir vocês vão embora! Eu não quero ficar sozinha de novo! – Maryon fez uma cara de choro, sua voz desesperada enquanto suas mãozinhas se soltavam da pelúcia para agarrar o pulso de Cecylla.
Antes mesmo que a princesa pudesse reagir, Robb já começava a colocar as pelúcias todas no chão, sabendo exatamente como lidar com a situação.
– Vou ter que pedir licença para os seus amigos peludos, princesinha. – ele disse, alcançando em uma braçada só os bichinhos que estavam do lado da cama onde Cecylla estava sentada. – Tudo bem então se deitarmos aqui com você?
Quando Maryon sorriu e fez que sim, voltando a abraçar a cobra, os olhos de Cecylla pareceram se derreter como geada sob o sol da manhã, e ela hesitou pouquíssimo antes de deslizar suavemente para debaixo das cobertas de Maryon e acolher a menininha em seu abraço.
– Você quer ouvir uma história para dormir, querida? – a princesa questionou, deixando um beijo carinhoso na testa da menininha. – Eu posso te contar a da princesa adormecida, é a sua favorita.
– Não quero essa… – a Flowers se ajeitou no espaço entre os dois adultos, e então olhou para o Stark. – Robb, conta uma história do seu reino?
O Rei do Norte pareceu travar por um segundo. Que história de sua casa gelada e agourenta acalmaria a mente daquela menininha mágica?
E então os olhos dele encontraram os de Cecylla e Robb decidiu contar a história que vivia dentro de sua cabeça desde o início da guerra.
– Era uma vez um príncipe de gelo que recebeu a notícia de que iria se casar com uma princesa de sol…
E Cecylla se viu mesmerizada pela narrativa que contava tudo o que Robb achava que teria acontecido se eles não tivessem sido só um "quase". E ela secretamente se apaixonou por aquela versão da história em que eles eram livres, felizes e se amavam tanto que faziam o inverno florescer, em que não havia guerra e nem mortes, apenas eles, sorrindo, passando tempo juntos e tendo lindos bebês de cabelos vermelhos e olhos verdes para fazer companhia à menininha de flores de quem a princesa de sol cuidava.
Nenhum dos dois sequer percebeu que havia caído no sono. Cylla muito menos, com lindos sonhos dela deitada sobre uma colina verde, rindo com duas menininhas idênticas de cabelos de cobre, uma com olhos cor de esmeralda e a outra com olhos cor de água-marinha.
Oberyn Martell e Ellaria Sand chegaram no palacete junto com o sol, tendo cavalgado a noite inteira desde que o corvo vindo de Kaetryna avisando sobre o que acontecera no dia anterior com Maryon havia pousado em Lançassolar.
A Víbora Vermelha irrompeu pelas portas do quarto de Maryon assim como o nascer do sol irrompeu pelo horizonte e quando olhou para a cama da neta seu sangue ferveu de raiva.
Lá estava Maryon Flowers, deitada confortavelmente atravessada sobre os corpos abraçados de Robb Stark e Cecylla Martell, como se aquilo fosse uma cena perfeitamente rotineira.
– Oberyn… – Ellaria alertou em um tom baixo, sem querer acordar ninguém.
O príncipe não ouviu.
– O QUE NOS SETE INFERNOS SIGNIFICA ISSO? – Oberyn gritou em furor.
•••
Eeeeeita que agora o Robb se lascou bonito hein?
Eu honestamente preferia em qualquer dia encarar o Doran de mau-humor que o Oberyn virado na raiva!
Estou tentando coordenar os capítulos de Survivor's Guilt com os episódios de House Of The Dragon, mas está um pouquinho difícil já que meus fins de semana são o caos com aula de canto, teatro e outros mil compromissos. E as semanas então... Processo seletivo pra emprego, trabalho voluntário, faculdade e em breve um curso intensivo de dramaturgia...
Forças pra mim!
Beijos, Lady Ari!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro