3 • Princesa Cecylla e O Quase Noivo
Kaetryna Stone colocou mais um biscoito de canela na mão de Cylla, que o mastigou nervosamente enquanto andava de um lado para o outro na cozinha.
– Sabe, se você andar assim o bastante, pode ser que cave um buraco bem fundo até achar ouro. – a dama de companhia alfinetou com um olhar espertinho enquanto roubava uma fatia de maçã seca do pote que a cozinheira, Myria Waters, acabara de abrir e por pouco desviando do tapa vindo da mulher mais velha.
– Ora, não seja tão desagradável! – Cylla reclamou, pegando uma fatia de maçã também e ela mesma escapando de um beliscão. – É no mínimo constrangedor que ele soubesse daquela ideia absurda de que nos casássemos.
– Não vejo porque ele não saberia, uma vez que foi o pai dele quem enviou a proposta. – disse Athlas em um tom frio o bastante para congelar o deserto, encostado no beiral da porta dos fundos da cozinha enquanto descascava uma laranja fazendo uma espiral perfeita com a casca.
– Sem falar que pelo que a princesa Arianne fala, agora os planos do príncipe Doran são de te casar com Willas Tyrell. – Katy complementou após revirar os olhos para Athlas.
– Do que exatamente estamos falando? – Olyvar questionou, sentado logo do lado de fora da cozinha descascando batatas e com os pés apoiados na mesa de madeira que ficava no centro da pequena área coberta do lado de fora da cozinha, onde às vezes todos comiam quando tinham vontade de ficar do lado de fora ou quando estavam simplesmente muito sujos para entrar.
Olyvar estava se adaptando muito bem à rotina da casa, já havia decorado os horários nos quais poderia tomar sol sem se queimar todo e rapidamente havia se entrosado com o pessoal da casa. Mesmo sendo um filho legítimo, ele era um filho legítimo de Walder Frey, o que basicamente o colocava na mesma posição que um bastardo, e honestamente, aqueles bastardos em particular eram as pessoas mais decentes que ele já havia conhecido em toda a sua vida.
Sendo sincero, o escudeiro havia conhecido uma batelada de nobres que não tinham um quinto da decência e nobreza que aqueles bastardos tinham em um único fio de cabelo. Verdade seja dita, agora que tinha uma escolha, Olyvar Frey escolheria nunca mais pisar nas Gêmeas e trocaria sua família – menos Roslin – por aquela casa cheia de bastardos felizes.
A mão bronzeada de Cecylla voou em direção a um pote que ela abriu, tirando um pedaço de manga seca e açucarada e enfiando o doce na boca como um gesto nervoso. Olyvar havia notado que eles faziam isso com várias frutas, incluindo abacaxi e uma fruta chamada "caju" que parecia ter o caroço do lado de fora.
– Cylla, não precisa me contar se não se sentir confortável. – ele reafirmou observando a princesa rapidamente enfiar outro pedaço de doce na boca.
Cecylla puxou o ar com força e soltou devagar. Ofereceu doce de manga para Katy, Myria, Athlas e Olyvar. Comeu mais um pedaço. Guardou o pote. Lavou as mãos. Molhou a nuca. Suspirou.
– Uns quatro anos atrás, antes do assassinato de Jon Arryn e dessa guerra toda, quando eu ainda morava em Lançassolar, o meu pai recebeu uma carta de Lord Eddard Stark. – ela contou saíndo da cozinha, puxando uma cadeira da mesa externa e se sentando no sol de meio de tarde ao lado de Olyvar.
– Hmm. – o rapaz assentiu, a incentivando a continuar enquanto se ocupava em tentar soltar um pedaço de doce que ficara preso entre seus dentes sem abrir a boca e perder a elegância.
– Era uma proposta para arranjar um casamento... Entre eu e Robb. – ela cruzou as mãos em nervosismo.
O pedaço de doce se soltou bem a tempo de fazer Olyvar engasgar com a notícia.
– Casar você com o tapado do Robb? Às vezes eu realmente acho que quando Lord Stark ainda tinha cabeça, não tinha muita coisa dentro dela. – ele comentou com a voz ainda meio rouca do engasgo.
– Ah, não é problema de um pai só, porque o meu pai já havia contratado uma tutora nortenha para mim e ia aceitar. – disse Cecylla começando a trançar uma mecha fina de seu cabelo.
– Homem na maior parte das vezes tem mesmo é merda na cabeça. – Olyvar sacudiu a cabeça incrédulo. Conhecendo Cylla e conhecendo Robb, ele achava que eram o pior par possível. Ambos eram muito inteligentes, cada um à sua maneira, mas então Cylla era a calma em pessoa enquanto Robb era um furacão que saía levando tudo em seu caminho. – O que aconteceu?
– Meu pai foi assassinado. – Kaetryna respondeu. Era uma das poucas bastardas ali que guardava boas lembranças do próprio pai.
Muito provavelmente porque para ela, Jon Arryn fora um pai de verdade. A moça havia sofrido muito quando teve que abandonar o Ninho da Águia para sobreviver ao ciúme doentio de Lysa Tully, que nem era casada com Lord Arryn ainda quando Katy nasceu.
Enquanto isso, Kaetryna Stone carregava no olhar uma distância que falava da saudade que ela sentia de casa, das montanhas, de usar as cores Arryn e, principalmente, de Robin. Será que as montanhas sentiam falta dela? Será que seu irmãozinho sequer se lembrava que ela existia? Ela esperava que sim.
– Deixando o Vale pra ser governado por uma maluca e uma criança. – Athlas resmungou.
– Cale a boca, Athlas. – Kaetryna revirou os olhos. – De qualquer forma, Cylla não perdeu nada em relação ao norte. Lá é gelado, cinzento e tudo sempre cheira a mofo. E as mulheres usam umas roupas horrorosas de feias.
– Eu não sei nem se quero me casar mesmo. Estou perfeitamente feliz aqui com vocês. – riu Cecylla se esticando na cadeira. – Talvez eu tome meu tio Oberyn como exemplo de segundo filho, nunca me case e viva vários casos sórdidos por aí!
– Isso não ia colar nunca. Você tem cara de mãe de família. – Olyvar brincou.
– Uma coisa não anula outra. – a princesa deu de ombros. – Mas é verdade, eu não conseguiria ter vários casos sórdidos.
– Então o que você faria? – Athlas perguntou com um sorriso torto de flerte.
– Ainda existem esperanças de que eu viva um amor tão avassalador que abale as estruturas do mundo. – ela sorriu, se levantando da cadeira e dançando diante deles, perfeitamente acostumada a se esquivar das investidas de Athlas. – Mas se eu realmente tiver que me casar com Willas, eu não acho que eu vá ter uma vida triste. Eu adoro o Willas, ele é um dos meus melhores amigos no mundo e uma pessoa maravilhosa, e jamais tentaria me separar da Maryon.
– Cylla? A comida do rei morto está pronta. – Myria chamou de dentro da cozinha.
– Bem, nesse caso, com a licença de vocês, eu preciso ir alimentar meu quase noivo. – disse Cylla fazendo uma reverência exagerada que arrancou risos de Katy e Olyvar.
– Pode deixar que eu levo! – Athlas interrompeu.
– Não. Ele é meu convidado. E não vai me machucar. – a voz da princesa agora tinha um tom firme de ordem.
Enquanto subia para os quartos no terceiro andar com a refeição, Cylla sentiu um pequeno aperto no coração. Ela adorava Athlas com tudo o que ela era, mas jamais seria capaz de amá-lo do jeito que ele a amava.
E mesmo que fosse capaz, ela precisava se lembrar do lado prático de tudo. O fato de que ela era uma princesa não iria desaparecer simplesmente por conta da distância entre eles e Lançassolar, e ela simplesmente não podia se casar com um bastardo sem título e sem posses.
E mesmo que os Dayne houvessem expressado interesse em legitimar Athlas, não havia chance alguma de que algum dia uma Martell de Lançassolar se casasse com um Dayne de Starfall, não depois que Ser Arthur havia abandonado seu posto de proteger a princesa Elia para auxiliar o príncipe Rhaegar Targaryen em sua empreitada de maluco de sequestrar uma menina de 14 anos. Até onde se sabia, se Ser Arthur tivesse seguido suas ordens, a princesa Elia e seus filhos Rhaenys e Aegon ainda estariam vivos.
Quando Cecylla entrou no quarto, Robb imediatamente lançou a ela um olhar que se dividia entre gratidão e um pedido de socorro.
Lá estava a pequena Maryon Flowers, sentada em um dos espaços vazios na cama, com flores azuis em seu colo e uma expressão de concentração adorável enquanto ela tentava tecer uma coroa de flores.
A princesa reprimiu uma risada, mas não o sorriso que veio com a cena.
– Minha tia Katy disse que você é um rei. Mas reis têm coroa! Então estou fazendo uma pra você. – a pequena tagarelou, a atenção fixa nos caules das flores. – Ou você já tem uma coroa?
Robb arregalou brevemente os olhos quando a atenção da criança foi parar nele.
– Ahn... – ele pigarreou de leve, tentando pensar em uma resposta. – Eu tenho...
Um sorriso animado floresceu no rostinho de Maryon, as flores azuis sendo esquecidas enquanto ela engatinhava na cama para mais perto dele.
– Onde está? Eu posso ver?
– Sinto muito, mas eu acho que a perdi. – respondeu Robb com um pequeno sorriso triste. A menininha era absolutamente adorável, sua energia era contagiante, e o bico que ela fez era impossível de resistir. – Eu sou muito esquecido às vezes.
– Eu nunca vi a coroa de um rei antes. A minha tia Margaery se casou com um rei, sabia? Mas eu não sei se gosto muito dele, porque depois disso ela nunca mais veio aqui me ver... – Maryon suspirou triste, parecendo murchar.
Robb sentiu vontade de chorar vendo aquela criança alegre ficar de repente tão triste.
– Eu tenho certeza de que ela sente muito a sua falta, e que pede todos os dias para vir te ver. – ele afirmou, levantando seu braço bom para tirar uma mecha de cabelo do rostinho de Maryon. – Ei, você não ia fazer uma coroa?
Imediatamente a tristeza da pequena foi embora, enquanto ela reunia todas as flores e descia da cama correndo.
– Vai ser uma surpresa! Vou pedir para o Ser Olyvar me ajudar! – Maryon anunciou disparando para fora do quarto e sorrindo para Cecylla. – Oi mamãe! Tchau mamãe!
– Cuidado com as escadas, querida! – a princesa alertou antes de entrar completamente no quarto, Greywind a seguindo, e pousar a refeição na mesa de cabeceira ao lado de um vaso cheio de flores coloridas. – Ela é contagiante, não é?
– É sim. – Robb sorriu um pouco antes de ir ao assunto mais delicado. – Margaery Tyrell é tia dela? Quem é o pai?
– Willas Tyrell. Ele a adora, só não a levou para morar com ele em Highgarden porque Lady Olenna não permitiu. – ela respondeu sorrindo.
– É por isso que não estamos em Lançassolar? Por causa do escândalo?
– Escândalo? – Cecylla franziu as sobrancelhas por um momento antes de entendimento tomar sua expressão e deixar uma gargalhada escapar. – Ah! Você acha que ela é minha filha!
– Bem, ela te chama de "mãe". – Robb arqueou uma sobrancelha.
– Eu sou mãe dela, de criação. – Cecylla sorriu entregando a tigela de ensopado e uma colher para o Stark.
– Obrigado. Qual a história dela, então? – o rei questionou.
– Bem... – Cecylla puxou uma cadeira para si e se sentou, cruzando as mãos sobre o colo. – Seis anos atrás houve um torneio em Highgarden e meu tio Oberyn foi convidado. Ele levou junto sua amante Ellaria, meu irmão Quentyn, eu e minha prima Alya.
– Esse não foi o torneio em que ele deixou Willas Tyrell manco? – Robb questionou, a colher a meio caminho da boca.
– Sim, mas não falamos disso com nenhum dos dois. – Cecylla assentiu. – Mas antes desse incidente, Willas ficou completamente encantado com a minha prima Alya, o que era um grande problema, afinal ela era uma bastarda. Lady Olenna não ficou nada feliz, mas não tinha como expulsar a Alya sem ofender meu tio Oberyn e toda a comitiva dornesa.
Cylla se levantou para ajudar Robb a se ajeitar e ficar mais sentado na cama antes de sentar-se novamente e continuar a história.
– Tudo o que aconteceu em parte é culpa minha e do Quentyn. Nós acobertamos os dois a viagem inteira, mas em nossa defesa Willas e Alya estavam completamente apaixonados. Só descobrimos que ela estava grávida quando chegamos de volta em Lançassolar, e a princípio ela não contou pra ninguém além de mim, do Quentyn e da minha irmã Arianne. – Cecylla empurrou seu cabelo para trás, piscando algumas lágrimas para longe. – Alya era tão intensa, a entrega dela era algo lindo de se ver. A gestação inteira ela amou a Maryon ferozmente, mesmo que estivesse doente de amor e saudade. Ninguém deixou ela e Willas se verem. Alya só tinha dez-e-seis dias de seu nome, e depois que a Maryon nasceu, parece que eu vi minha prima sumindo. Ela ficou tão doente, não conseguia comer, não conseguia nem segurar a Maryon. Até que um dia ela simplesmente não acordou mais.
– Eu sinto muito. – Robb murmurou, genuinamente. Quando o mundo pararia de dar histórias trágicas para acabar com todos os amores verdadeiros? – É muito nobre da sua parte, cuidar da Maryon como se ela fosse sua.
– Ela é minha. Eu fui a primeira pessoa que a segurou, a primeira pessoa que deu banho nela, a primeira pessoa que acalmou o choro dela. Fui eu quem cuidei dela quando a Alya não pôde. – Cecylla correu os dedos pelo canto de seu olho recolhendo uma lágrima. – Eu posso não tê-la carregado dentro de mim, e nem passado pela dor de dar a luz, mas de todos os outros jeitos, eu sou mãe dela, e ela é minha filha.
Mas então, talvez, nem todos os amores verdadeiros fossem trágicos. Não quando aquele amor verdadeiro havia gerado um amor mais verdadeiro ainda, que se traduziu na menininha mágica que era Maryon Flowers com suas flores e sua tiara de pedrinhas.
E diante do sorriso compreensivo e genuíno de Robb, por um momento Cecylla pensou que talvez não teria sido tão ruim ser noiva dele. Se é que aquele era um assunto que devesse ser mencionado.
– Anos atrás, quando contaram para mim todas as suas qualidades de boa noiva, esqueceram de mencionar a sua honra. – disse Robb, aparentemente muito menos constrangido com o tal assunto do que ela, terminando a refeição.
– Minha honra? – a princesa franziu brevemente as sobrancelhas, seu olhar curioso.
– Eu dúvido que exista uma outra moça em Westeros que faça o que você fez pela Maryon, ou o que você está fazendo por mim. – ele declarou, e então seu olhar se tornou distante, contemplativo. – Eu não entendia, mas agora entendo, que teria sido uma honra ser seu noivo, princesa.
O coração de Cecylla pulou uma batida. Conversas de casamento a deixavam desconfortável. Ela nunca vira um casamento dar certo.
– Bem... É uma honra para mim também... Ser sua quase noiva. – ela se levantou, devolvendo a cadeira ao seu lugar e juntando todos os utensílios vazios da refeição de Robb apressadamente. – Com licença, Vossa Graça, eu... Preciso ir... É... Responsabilidades. A casa.
E saiu do quarto antes mesmo que Robb pudesse responder, deixando a bandeja na cozinha e correndo porta afora até que estivesse quase no pasto.
Parou no meio do campo aberto, o sol aquecendo sua pele sendo rendido menos implacável pela brisa que vinha do mar. Cecylla respirou fundo por algum tempo, tentando se recompor.
Ah, o que Arianne diria agora se a visse?
Nunca houve irmãs tão diferentes quando Arianne e Cecylla, e ambas se amavam até a morte, mas suportavam uma à outra em pequenas doses.
Arianne sempre ia embora antes que a casa começasse a "feder a parente". E Cylla apreciava a atitude.
– Já ouviu a nova do continente? – Arianne perguntara enquanto as duas caminhavam na orla do mar.
– Quem arranjou um bastardo agora? – Cylla questionara, atenta à nova fofoca vinda de Lançassolar.
– Está querendo aumentar sua coleção? – Arianne rira baixo. – Não, na verdade aquele leitão peludo que eles chamam de rei chamou seu querido sogro Ned Stark para ser Mão do Rei.
– Primeiramente, Ned Stark não é meu sogro. – dissera Cecylla em evidente alívio de que pudera adiar mais um pouco a hora em que se tornaria mais uma égua parideira a ser vendida. – Segundo, eu duvido que os Stark são realmente tudo isso que todo mundo diz que são.
– Pois eu acho é que essas famílias com mais fama de honradas são as que escondem os segredos mais sujos e cabeludos! – Arianne concordava. – E honestamente, quem ia ser louco o suficiente para preferir uma menina de 14 anos cor de leite azedo do que uma dornesa crescida da cor do sol e do ouro?
– Eu acho é que nós somos as únicas duas pessoas de Westeros que não acham os Stark nada demais.
– Pois então vamos formar nossa própria sociedade de oposição a essa família superestimada.
Conforme os dias foram se passando, e Robb começou a se levantar da cama e fazer as coisas sozinho, a comer junto com todos no salão de refeições, a ajudar com as tarefas menores da propriedade e a interagir mais com Cecylla, mais e mais ela pensava na ironia que era.
Porque ela gostava de Robb. Porque ela via que por baixo do trauma de sua guerra perdida, do peso de sua coroa quebrada, do luto que ele carregava no coração, havia apenas um bom rapaz cheio das melhores intenções, de honra e de inteligência a ser aproveitada.
Porque agora ela entendia o que todos viam nos Stark. O que levara os nortenhos a bradarem "Rei do Norte" para Robb. Não era a honra. Não era a sabedoria.
Era um coração bom que nem um massacre brutal conseguira corromper.
•••
Irra os Robbcylla tomando forma acho lindo de ver!
Lady Ari
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