03 - A VISITOR
CAPÍTULO TRÊS
❛Um visitante❜
── ⋆⋅l⋅⋆ ──
Evie tinha desde sempre um ceticismo calculado, protegida por certezas firmes que ergueu ao seu redor. Ela não acreditava em destino, era só uma ilusão, um consolo para quem se perdia nas incertezas do mundo. Para ela, a vida era uma sequência de escolhas — erráticas, imprevisíveis, mas ainda assim, escolhas.
Quando conheceu JJ, durante um dos momentos mais sombrios de sua curta vida, o choque daquela presença inesperada deixou uma marca nela que jamais admitiria. Ele apareceu na beira do prédio como se já fosse parte daquele cenário caótico, uma figura inusitada em meio à noite fria. JJ não era um herói; não como a maioria dos heróis se parecia. Ele estava ali, como ela estava — irreverente e com uma expressão desafiadora que camuflava uma ferida invisível.
Ela não entendia porque ele ficou. Por que alguém como ele, com aquele jeito debochado e a vida aparentemente bagunçada, se importaria em tentar salvá-la. JJ não era o tipo de pessoa que fazia discursos motivacionais ou dava conselhos inspiradores — ele era apenas... ele. Alguém que apareceu no momento mais improvável e ficou, sem pedir nada em troca, sem tentar consertá-la ou julgá-la.
E então ele voltou, numa noite aleatória, do jeito mais desajeitado e esquisito possível, mas ainda assim ele voltou, apenas porque tinha se preocupado com ela.
Depois que JJ saiu pela sua janela, Evie passou horas revivendo cada detalhe. Não era algo que ela costumava fazer — dar importância a encontros, às palavras que as pessoas diziam. Mas com JJ era diferente. Ele era uma anomalia, algo que não se encaixava na ordem lógica que ela tentava impor à vida. E aquilo a intrigava profundamente.
Por que ele tinha voltado? Por que tinha se importado? A resposta não vinha, e isso a fazia rolar na cama, inquieta, enquanto Apolo roncava aos seus pés, completamente alheio à turbulência interna da dona. JJ não era o tipo de cara que parecia investir em alguém. Ele era o caos encarnado, um garoto problema com um sorriso cínico e despreocupação demais para alguém da idade dele. Ela sabia disso porque reconhecia nele as mesmas rachaduras que tentava esconder em si mesma.
Talvez fosse isso que a deixava tão desconfortável. Ele via através dela. Não era como os outros, que perguntavam "tudo bem?" esperando um "sim" automático. JJ não perguntava nada. Ele simplesmente aparecia, com aquele jeito bagunçado e inapropriado, como se tivesse o direito de invadir o espaço dela sem pedir permissão. E ela o deixou, duas vezes.
Ela não gostava de depender dos outros, e JJ não era exatamente alguém em quem se podia confiar cegamente. Ainda assim, havia algo reconfortante no fato de que, mesmo sendo tão cheio de problemas quanto ela, ele tinha voltado. E, por mais que tentasse ignorar, sabia que isso significava algo.
A noite passou com Evie inquieta, ela quase não conseguiu dormir — pra sorte dela, era verão —. Quando ela acordou, seguiu a mesma rotina de sempre, tomou seus remédios, e desceu para um café da manhã extremamente desconfortável e silencioso com o pai e Jenna. As vezes, ela sentia que a ausência de June era algo proposital, ela fazia o que podia para fugir daquele modelo de família extremamente esquisito e sufocante. Evie queria ter essa oportunidade, mas ela não tinha amigos.
Não amigos de verdade, ela andava com um grupinho desde o oitavo ano, mas todos se afastaram quando surgiram os boatos de que ela tinha cortado os pulsos, e magicamente todos sumiram quando ela foi expulsa da Academia. Evie agradecia por nunca ter criado expectativas sobre eles, ele só andava com Sarah Cameron e seu grupo porque de todos os outros kooks, ela era mais fácil de lidar, tão superficial quanto os outros, mas não a deixava desconfortável com perguntas invasivas sobre sua família e sobre a morte da sua mãe.
A morte de Cora Wright era um tabu para sua família. Ninguém comentava sobre, ela não sabia se era pelo desconforto óbvio ou porque havia a proibição implícita em casa para não tocarem no assunto. Sendo uma das famílias mais ricas da ilha, todos comentam sobre eles, o último bafafa antes da morte da mãe foi o divórcio dos pais de Evie e então Benício aparecer dois meses depois, casado com uma mulher 14 anos mais nova que ele, uma mulher que ninguém conhecia ou tinha visto em Outer Banks antes.
O relacionamento do pai e a madrasta era esquisito, Havia algo estranho no jeito como eles interagiam. Jenna, por mais que fosse simpática, não parecia realmente estar ali para Benício de forma profunda. Ela parecia estar ali por obrigação, talvez tentando fazer o melhor dentro de uma situação que não era ideal. Mas Evie sentia que os dois estavam apenas se arrastando, cumprindo uma espécie de rotina que não envolvia afeto algum.
Eles não agiam como um casal, mais como colegas de trabalho resignados, haviam discussões práticas sobre contas da casa ou sobre ela e a irmã, haviam conversas frias e quase ensaiadas, às vezes, parecia que eles sequer se suportavam, o que não fazia sentido nenhum na cabeça de Evie. Casais não deviam ser assim, certo? Ela não tinha muita experiência sobre, seus pais eram separados desde que ela se entendia por gente e ela nunca namorou ninguém na vida, mas casais não eram assim, ela tinha certeza que não. Mesmo sem sua visão romantizada do romance que ela teve até os 14, ela sabia que casais deviam ter algo a mais, algo confortável, caloroso, nada como a frieza que Jenna e Benício agiam todos os dias.
No entanto, com o tempo, Evie percebeu que, embora a relação deles fosse fria, não havia maldade na mulher. Jenna se importava com ela e June de um jeito estranho, mas genuíno. Era o tipo de cuidado que se dava a quem se está tentando proteger, mas sem saber bem como. Era como se ela estivesse tentando, sem muito sucesso, entender como ser parte de uma família que, de fato, nunca havia sido dela. Evie não sabia se isso era pior ou mehor do que o vazio entre seus pais. Talvez fosse o fato de Jenna se esforçar, mesmo que de forma desajeitada, que tornava a situação ainda mais confusa. Ela não sabia como reagir a esse tipo de atenção, especialmente vinda de alguém que não sabia nem como se encaixar ali.
O pai saiu da mesa para o trabalho com uma despedida fria, e Evie subiu quase no mesmo momento, sabendo que teria que enfrentar a rotina e se preparar para sair. Ela teria que cumprir pelo menos 80 horas de serviço comunitário por todo o verão. Já tinha cumprido 18 horas e alguns minutos, então tinha um longo caminho pela frente. Tinha uma casa em reforma e ela precisaria tirar o lixo para os pedreiros trabalharem.
Evie se arrumou mecanicamente, vestindo algo simples, mas confortável. O pensamento de passar o dia inteiro em meio ao caos de uma casa em reforma não a empolgava, mas ela já havia aceitado sua sorte. Estava começando a habituar-se àquela rotina monótona, embora nada realmente a fizesse sentir-se em paz.
Enquanto estava no banheiro, se preparando para sair, seu celular vibrou em cima da cama. Ela saiu do cômodo e olhou para a tela sem muito interesse, até que o nome de JJ apareceu. Evie arregalou imediatamente os olhos, seu ceticismo profundo a fazendo duvidar de que estava vendo corretamente. Pegando o celular em mãos, ela viu que era um vídeo.
O vídeo mostrava um gato tentando se espreguiçar, mas ele acabou se enroscando nas próprias patas e rolando para o lado, com um som de miado que parecia um xingamento mudo. No fim, o animal olhou ao redor, como se estivesse avaliando a vergonha e decidindo se valia a pena tentar de novo.
A legenda de JJ era simples, mas ela quase podia ouvir a voz dele dizendo:
"Eu: Tentei fazer algo hoje.
Também eu: vou fingir que não vi."
Evie não conseguiu evitar rir daquilo, não tanto do vídeo em si, mas da ironia da situação. A conversa que ela teve com JJ na noite anterior voltou a sua mente, e ela hesitou por alguns segundos, antes de digitar de volta:
"O que eu falei sobre vídeos fofos?"
JJ respondeu rápido, como se estivesse esperando a oportunidade de provocar:
"Ah, claro, você lembra disso. Fui desafiado pela necessidade de te distrair. Prometo que esse foi o menos 'fofo' que encontrei."
Evie não pôde evitar um sorriso, sentindo algo quente se formar no peito enquanto pensava na conversa que teve com ele na noite anterior. Digitando de volta, mas de forma casual, para não mostrar muito entusiasmo:
"Esse é seu jeito de me convencer a te perdoar por invadir minha casa pela janela?"
JJ respondeu quase imediatamente, e Evie podia sentir o sorriso dele através das palavras.
"Ah, eu diria que é uma estratégia muito mais sutil do que invadir a casa pela janela, mas, você sabe, o charme da minha presença já faz parte do pacote."
Evie revirou os olhos, mas não conseguiu esconder o sorriso. Ele sempre tinha uma resposta pronta, sempre tão confiante, tão... JJ.
"Bom, eu diria que seu charme está ficando um pouco ultrapassado. Acho que vou ter que te bloquear em breve." Ela digitou com um tom sarcástico, embora soubesse que, no fundo, o que ele dizia ainda a tocava de uma forma que ela não queria admitir.
Ele não demorou a responder, como se soubesse exatamente o que dizer para mantê-la ali, interessada, mas ao mesmo tempo no controle.
"Você sabe que não consigo ser bloqueado. Isso é um fato universal. Como um vírus, mas de um tipo bom. O tipo que faz você rir quando não quer."
Evie riu, apesar de si mesma. Era um hábito irritante, aquele que ele tinha de aparecer nos momentos em que ela menos queria que ele aparecesse e, ainda assim, acabava se importando. Ela sentiu uma leve tensão no peito, uma mistura de frustração e algo mais que ela não estava disposta a analisar agora.
"Você realmente é impossível, sabia?" digitou, com um suspiro teatral.
"Impossível? Eu prefiro 'impressionante'. E, sério, você me deve algo por salvar sua vida e agora me ignorar. Isso não parece uma boa troca."
Evie bufou, sentindo o calor das palavras dele lhe fazerem algum efeito. "Acho que o único favor que você fez foi não me deixar morrer. Não me venha com esse papo de dívida."
"Claro, claro, eu sou o herói silencioso, mas aceito o crédito onde é devido. Mas não esquenta, vou me contentar com o seu sorriso de desgosto por enquanto." Ele finalizou com um emoji de cara de travessura, o que a fez soltar uma risada involuntária.
Estava tão distraída que deu um grande pulo de susto quando ouviu baterem na porta, por reflexo, ela bloqueou o celular e olhou para a porta, vendo Jenna colocar apenas a cabeça para dentro do cômodo. Evie suspirou, é claro que era Jenna, quem mais seria?
— Ei, querida. — Ela sorriu simpática. — Você tem visita.
Evie franziu o cenho, prestes a perguntar quem era, mas a mulher já tinha saído. Olhou para o celular apagado, não podia ser ele, certo? Ele teria avisado como ela pediu. Ou ele teria ignorado e aparecido de surpresa? Não fazia sentido, ele estava conversando com ela literalmente agora.
Evie saiu do quarto e começou a descer as escadas com certa relutância, mas parou no meio do caminho ao ver uma presença ilustre se encontra em pé no meio da sala. Os olhos verdes brilhando com o reflexo do sol e os cabelos loiro escuros bagunçados.
Um sorriso instantâneo, quase involuntário, iluminou o rosto dela. Ele estava lá, exatamente como ela se lembrava: descontraído, com a camisa de flanela jogada de qualquer jeito sobre o braço do sofá e o olhar despreocupado, mas atento, como se nada escapasse dele.
— Adam! — Ela praticamente correu até ele, e antes que ele pudesse reagir, jogou os braços ao redor do pescoço dele em um abraço apertado.
— Olha só quem resolveu descer do pedestal pra dar um abraço no tio Adam. — Ele brincou, retribuindo o gesto com força, balançando-a de leve para os lados.
— Cala a boca, você sumiu por meses! — Evie afastou-se, mas manteve o sorriso, cruzando os braços de forma descontraída. — O que você tá fazendo aqui?
— Aparecendo na vida da minha afilhada favorita antes que ela esqueça que eu existo. — Ele ergueu uma sobrancelha, avaliando-a de cima a baixo. — Você cresceu, mas ainda tem cara de quem pode roubar minha carteira se eu não ficar de olho. — Ela revirou os olhos, mas riu.
Adam era seu padrinho. Melhor amigo de sua mãe, ele estava presente na vida dela desde que ela se entendia por gente, nem sempre pessoalmente, já que ele morava em outro país, mas ainda assim, presente.
— Cresci mesmo, mas não o suficiente pra deixar você em paz. — Adam soltou uma risada calorosa, indicando o sofá.
— Jenna, pega uma água pra gente.
Evie se virou, só então percebendo a presença da mulher na sala. A loira se encontrava nos pés da escada, de braços cruzados.
— Eu não. Sou sua empregada por acaso? Pega você.
— Você sabe que eu tô brincando, princesa. — Adam piscou para ela, que revirou os olhos para ele, mas com um leve sorriso no rosto, saindo da sala em seguida.
Mais uma coisa estranha na família de Evie: A relação de Jenna e Adam. O homem sempre foi melhor amigo de Cora, mas a relação dele com a madrasta de Evie era uma incógnita pra Evie. Eles agiam como amigos íntimos que se conheciam a anos, mas Cora e Jenna mal se falavam. Era esquisito, mas Evie não perdia tempo questionando. Jenna era uma presença constante na vida de Evie e fazia sentido que Adam quisesse se aproximar por causa da afilhada, mas ainda assim era estranho.
— Senta aí, deixa eu te olhar um pouco antes que seu pai apareça e me expulse.
— Ah, relaxa. Ele foi trabalhar. — Evie se jogou no sofá ao lado dele, puxando as pernas para cima. — Então, você não vai me contar onde se meteu esse tempo todo?
— Hm, vamos ver... Entre salvar o mundo e arrumar desculpas pra não aparecer aqui? — Ele fez uma pausa dramática, apoiando o queixo na mão. — Acho que perdi a conta.
Ela revirou os olhos, mas a expressão carinhosa continuava no rosto. Adam tinha esse efeito nela — ele fazia com que as coisas parecessem um pouco mais leves, como se, por algumas horas, os problemas desaparecessem.
— Gostei do acessório! — Ele apontou para a tornozeleira dela. — Finalmente te pegaram ein?
— Ah, nem todo crime pode ser executado perfeitamente. — Evie revirou os olhos de maneira teatral. — Bom, tô feliz que você finalmente apareceu. Você não imagina o tédio que tá sendo o verão. Serviço comunitário, June e Jenna sendo... June e Jenna. — Ela suspirou, balançando a cabeça.
Adam franziu a testa, interessado.
— Serviço comunitário? Isso é sério ou você tá tentando me impressionar? — Evie fez uma careta.
— Infelizmente, é sério. Um juiz chato decidiu que eu precisava aprender uma lição sobre responsabilidade.
— Ah, então eles acham que você é um caso perdido. — Ele brincou, mas o tom tinha um toque de preocupação. — E como você tá lidando com isso? — Ela deu de ombros.
— Tá tudo bem. Melhor que ficar em casa sem fazer merda nenhuma ou ter que ser arrastada pela June pras festinhas kooks dela.
Adam estudou o rosto dela por um momento, aquele olhar clínico que ela conhecia tão bem. Ele sempre sabia quando algo estava errado, mas nunca pressionava — e era exatamente por isso que ela confiava nele.
— Então... Terapia, remédios, tornozeleira, serviço comunitário. — Ele pontuou. — Já sabemos teu presente de 18. Prisão ou internação.
Evie soltou uma risada, um tanto amarga, mas sincera. Adam tinha esse jeito de transformar as situações mais sombrias em algo quase suportável, e ela sabia que era a forma dele de cuidar dela, ainda que meio torta.
— Presente de 18? Que tal me levar pra um lugar sem nenhuma dessas coisas? — Ela retrucou, arqueando uma sobrancelha, desafiadora. — Talvez um passeio pelo Caribe, hein? Vou precisar de férias depois de tanto "crescimento pessoal".
Adam riu, bagunçando os cabelos dela como fazia quando ela era criança.
— Aí está minha garota. Sempre pensando grande. Mas sério, Evie, se precisar... Eu tô aqui agora, tá? Pra qualquer coisa.
Evie olhou para ele, aquele sorriso que quase mascarava a seriedade por trás das palavras. Ela sabia que ele estava sendo sincero, e isso fazia algo apertar em seu peito. Por um momento, pensou em contar tudo — JJ, o prédio, os remédios, o peso esmagador que sentia todos os dias. Mas então, a armadura que ela usava há tanto tempo voltou ao lugar.
— Eu sei, Adam. E valeu. Mas relaxa, eu tô bem. Sério. — Ela deu um sorriso tranquilizador, mesmo que soubesse que ele provavelmente não acreditava.
Adam a observou por mais alguns segundos, mas não insistiu. Em vez disso, mudou de assunto, puxando histórias de viagens que fizera e piadas sobre turistas excêntricos que conheceu pelo mundo. Evie ouviu, rindo de algumas coisas, mas sentindo um conforto genuíno na presença dele.
Por mais que a vida dela estivesse uma bagunça completa, pelo menos por um momento, parecia que as coisas estavam um pouco mais... normais.
"Ok," pensou ela, "talvez eu tenha que aceitar que algumas coisas simplesmente acontecem."
[•••]
Outer Banks, o paraíso na terra. Adam nunca imaginou que retornaria a essa maldita ilha. Quando partiu de lá, quinze anos atrás, jurou que deixaria para trás tanto o lugar quanto tudo o que aconteceu ali.
Mas, obviamente, não era assim que funcionava.
Não se tratava apenas de Evie, nem de Cora enquanto estava viva, nem mesmo de Jenna. Havia algo dentro dele, uma parte que sempre ficaria presa ali, como um fio invisível que o mantinha atado. Podia ir para o lugar mais distante, ficar o tempo que quisesse, mas, inevitavelmente, sempre voltaria pra lá.
E bom, nesse momento, as circunstâncias pediam.
Já era noite quando ele entrou na casa dos Wright. Jenna tinha dado a chave pra ele naquela manhã, caso precisasse, e ele achou que era uma boa hora para usá-la. Entrou a passos lentos e cautelosos, tomando cuidado para não fazer barulhos desnecessários, sabendo que as garotas provavelmente estariam dormindo. Adam seguiu direto para o escritório de Benício, onde pode ouvir imediatamente uma conversa abafada.
— Você realmente chamou ele? — A indignação na voz de Benício era quase cômica.
— Sim, querido, eu chamei. E, sinceramente, acho que deveria estar me agradecendo. — O tom carregado de ironia da mulher fez Adam abrir um sorriso.
— Agradecendo? — Ele soltou uma risada curta e sem humor. — Pelo quê? Por trazer um intrometido que desapareceu há anos e acha que pode bancar o herói agora?
— Não seja dramático, Benício. Adam não veio bancar herói. Ele veio porque eu pedi, porque nós precisamos de ajuda, mesmo que você esteja muito ocupado fingindo que consegue lidar com tudo sozinho.
— Nós? — Benício bateu com a palma da mão na mesa. — Não me inclua nisso, Jenna. Eu não preciso dele. Se você quer um conselheiro emocional ou um amigo para fofocar, o problema é todo seu.
— É sempre assim com você, não é? — Jenna cruzou os braços, o tom mais afiado agora. — Todo mundo é descartável, desde que você consiga manter essa fachada de que está no controle. Mas sabe de uma coisa, Benício? Você não está no controle. Não de Evie, ou da June, ou de mim, não da casa, nem de si mesmo.
— Não ouse trazer as meninas para essa discussão! — Ele apontou para ela, os olhos brilhando com raiva. — Você não sabe nada sobre o que é melhor para minhas filhas.
— Suas filhas? — Jenna inclinou-se para frente, a voz um sussurro venenoso. — Você só as chama assim quando quer fazer pose. O resto do tempo, elas são só mais um problema que você empurra para os outros resolverem.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Adam encostou-se à porta, os braços cruzados, aproveitando o espetáculo por alguns segundos antes de anunciar sua presença. O tom tenso de Benício e a provocação de Jenna eram uma trilha sonora curiosamente familiar. Afinal, conflitos não eram novidade na casa dos Wright.
— Talvez Adam seja a única pessoa nessa ilha que ainda consegue lidar com você — ela continuou, quebrando a tensão com uma calma calculada. — E, se quer saber, eu não pedi permissão porque não acho que você mereça.
Do lado de fora, Adam soltou um suspiro silencioso, cruzando os braços enquanto decidia se devia esperar ou interromper. Jenna, pelo visto, tinha vindo preparada para a guerra, mas ele sabia que Benício não era fácil de dobrar.
— Você gosta disso, não é? — Benício disse, o tom carregado de sarcasmo. — Desestabilizar tudo, transformar minha casa num campo de batalha, só para me forçar a jogar do seu jeito.
— Não é o meu jeito, Benício. É o único jeito que funciona.
— Ele não é bem-vindo aqui, Jenna. Você sabe disso.
Adam sorriu consigo mesmo, decidindo que era finalmente a hora de agir, e abriu a porta sem avisar, entrando na sala com sua presença imponente, como sempre fazia.
— Boa noite a todos, senhor e senhora. — Adam disse, provocando, fazendo uma reverência teatral.
Benício virou-se de imediato, os olhos semicerrados, já se preparando para atacar verbalmente. Jenna, por outro lado, inclinou-se para trás na cadeira como quem esperava exatamente aquela entrada.
— Então é assim que você faz? Entra na minha casa sem avisar? — Benício rosnou, erguendo uma mão acusadora. — O que isso virou? A casa da mãe Joana?
Adam ergueu uma sobrancelha,
claramente não impressionado.
— Sua esposa me deu a chave, e, pelo visto, ela achou que você precisava de mim. Não é verdade, Jen? — Ela deu um sorriso lânguido, cruzando as pernas e lançando um olhar desafiador para o marido.
— Precisar é uma palavra forte. Digamos que achei que seria divertido.
Benício bufou e balançou a cabeça, claramente sem paciência. Adam riu baixinho, o som grave e relaxado, enquanto fechava a porta atrás de si. Caminhou até o centro do escritório, passando os olhos pelo ambiente como se estivesse inspecionando algo que já conhecia bem, mas que agora parecia estranho.
— Divertido, hein? — Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo. — Bom saber que ao menos alguém aqui tem senso de humor.
— Isso não tem graça nenhuma, Adam — Benício rebateu, cruzando os braços. — E se você acha que vai entrar aqui como se nada tivesse acontecido, está mais iludido do que eu lembrava.
— Nada aconteceu? — Adam arqueou uma sobrancelha, o tom desafiador. — Cara, eu só entrei pela porta. Quem tá putinho do nada é você.
— Você não tem ideia do que 'tá falando — Benício retrucou, a mandíbula tensa, o tom carregado de frustração. — Esta casa não é o seu parquinho, Adam. Nem quinze anos atrás, nem agora.
Adam manteve o sorriso no rosto, mas seus olhos endureceram. Ele podia sentir as palavras mordazes de Benício tentando perfurar sua calma, mas preferia manter a pose. Era assim que eles sempre jogavam — uma dança de provocações, acusações veladas e hostilidades mal disfarçadas.
— Relaxa, Benício. — Adam se acomodou em uma das poltronas, como se fosse o dono do lugar. — Não estou aqui para tomar seu espaço. Só para resolver algumas pendências que, pelo visto, você prefere ignorar.
— Resolver pendências? — Benício soltou uma risada seca. — É assim que você chama abandonar todo mundo e desaparecer por mais de uma década? Não precisamos de heróis de última hora, Adam. Isso aqui não é o seu resgate pessoal.
— Talvez não, mas não foi o que Jenna me disse. — Adam cruzou as pernas, casual, apontando para ela com o queixo. — Parece que alguém aqui entende a gravidade da situação. Pena que não é você.
Jenna sorriu de canto, satisfeita com o rumo da conversa. Mas, antes que pudesse adicionar mais lenha na fogueira, Benício deu um passo adiante, o rosto tomado por uma raiva contida.
— Você abandonou o barco a quinze anos, lembra? — Ele se elevou, apontando o dedo. — Você fugiu como um garotinho covarde, e agora quer se intrometer?
— Quinze anos e fui mais presente na vida das suas filhas do que você. — Adam tombou a cabeça para o lado. — Acho que o problema não sou eu.
Benício congelou por um momento, os olhos estreitos e os punhos cerrados. O ar na sala parecia ter ficado mais denso, carregado de uma tensão que, apesar de antiga, nunca se dissipava por completo. Adam havia tocado onde doía, e isso era algo que Benício não conseguia deixar passar.
— Você não sabe nada sobre ser pai, Adam. — Benício rosnou, a voz abafada pela raiva. — Não tem direito de se intrometer. Você não viveu nada disso, não sofreu as consequências. Nunca teve que lidar com a pressão de ser responsável por essa casa, por elas!
Adam se levantou lentamente, sem pressa de reagir, mas sem tirar os olhos de Benício. Não, ele não era pai, ele nem tinha tido um. Mas ele tinha certeza que país não deviam ser assim. Pais deviam se importar, não ignorar os filhos como se fossem um problema. Pais deviam amar.
Adam deu um passo à frente, a expressão endurecida. A sala estava impregnada de um silêncio carregado, mas ele não hesitou. O tom dele foi baixo, mas firme.
— Sabe, Benício, eu não sou pai. Mas posso te garantir uma coisa: se eu fosse, não ia ficar escondido atrás de uma fachada de "tô no controle". Você nunca entendeu o que é cuidar de alguém de verdade, sempre foi sobre controle, sobre manter as aparências. E se você acha que está fazendo isso por elas, você está mais perdido do que eu pensava.
Benício ficou imóvel por um instante, como se estivesse processando as palavras. A raiva estava lá, ainda visível em cada músculo tenso, mas algo naquele olhar parecia vacilar. Talvez fosse o reconhecimento, ou talvez o eco das palavras de Adam, que finalmente tocavam um ponto sensível.
Jenna, observando tudo com um sorriso enigmático, se levantou da cadeira, interrompendo o momento de tensão.
— Chega de joguinhos, por favor — ela disse, com a voz fria, mas controlada. — Adam está aqui porque eu pedi. E, acredite, isso não tem nada a ver com você, Benício. Você já teve seu tempo para lidar com tudo isso, e olha onde nos levou.
Benício bufou, claramente em conflito, mas não retrucou. Adam percebeu o desgaste nas palavras de Jenna e o vazio nos olhos de Benício. Havia algo ali, uma fragilidade disfarçada de raiva, que não era mais tão fácil de ignorar.
— Eu te levo até a porta, Adam. — O tom de Jenna ficou mais suave quando se dirigiu a ele. Que deu uma última olhada em Benício antes de sair sem se despedir.
O caminho do escritório até a porta foi silencioso, até Jenna e Adam saírem da varanda. Quando a brisa do lado se fora os atingiu, pareceu que um peso saiu de ambos, era como se aquela casa carregasse a energia pesada do dono, mas quando saíssem, tudo ficasse bem. Ele se apoiou em uma pilastra, cruzando os braços e encarando a mulher.
— Seu marido é um idiota.
Jenna o encarou por alguns segundos, antes de soltar uma risada, o que fez com que Adam sorrisse também. Fazia muito tempo que não ouvia a risada dela.
— É, eu sei. — Ela terminou de rir com um suspiro, se movendo para ficar do lado dele.
— Você sabia disso antes de casar com ele ou foi um bônus de última hora? — Adam provocou, sem perder o tom descontraído. Jenna revirou os olhos, mas o sorriso ainda pairava em seus lábios.
— Acho que faz parte do pacote, não é? — Ela respondeu, cruzando os braços e olhando para o céu estrelado. — A gente acha que sabe no que está se metendo, mas a verdade é que só descobre depois de estar no olho do furacão.
Adam assentiu lentamente, sem desviar os olhos dela, sentindo o peso não dito nas palavras dela. O riso leve que compartilharam dissipou-se rapidamente, dando lugar a uma tensão sutil. Havia algo nos olhos dela, uma sombra de preocupação que ela não deixava transparecer totalmente.
— Não me chamou só por causa da Evie, não é? — Adam perguntou, direto, mas com a voz baixa, sem querer assustá-la.
Jenna desviou o olhar, fixando-se em um ponto distante na escuridão do quintal. Ela não respondeu de imediato, mas não precisava, Adam a conhecia talvez mais do que qualquer um. Ele não podia identificar nada em sua expressão, mas então haviam os olhos, o brilho deles era diferente, ele sabia muito bem.
— Só quero que você fique por perto por enquanto. É o que posso dizer. — Ela cruzou os braços como ele, a postura defensiva. — Confie em mim, Adam. É mais importante do que parece.
Adam estreitou os olhos, sentindo a pontada de desconfiança se misturar com curiosidade. Ele a conhecia, Jenna não entregava o jogo.
— Jenna, você me chamou pra essa confusão, entrou no ringue com Benício por minha causa... e agora quer que eu só confie em você?
Jenna suspirou, soltando o ar devagar enquanto passava uma mão pelo cabelo, um gesto que Adam sabia ser típico dela quando estava nervosa. Ela virou o rosto para ele, os olhos amêndoados brilhando sob a luz fraca da varanda, mas o sorriso que ensaiava não chegava aos lábios.
— É isso, é exatamente o que eu 'tô pedindo. — Mesmo com a clara instabilidade de sua mente, Jenna foi firme.
O homem suspirou, descruzando os braços e colocando as mãos nos bolsos, olhando para o chão. Havia algo mais alí, claro que havia, ele conhecia Jenna. Mas Benício estava certo, ele fugiu a quinze anos, mesmo que não fosse pelos motivos que o Wright imaginava. Ele não devia estar alí, não devia se arriscar tanto, mas Jenna no momento em que Jenna pediu pra que ele voltasse, ele apareceu imediatamente.
Ele soltou uma risada irônica. Era ridículo a forma como ele continuava na palma da mão dela.
— Eu não devia estar aqui. — Ele verbalizou seus temores. — Você sabe disso, princesa. É perigoso tanto pra mim quanto pra você.
Jenna demorou pra responder. Ela ficou ali, com os olhos fixos no horizonte, como se estivesse ponderando as palavras dele. O silêncio entre os dois era pesado, mas não desconfortável. Adam podia sentir o peso de sua presença, e o de Jenna, envolto na complexidade das palavras não ditas, da história entre eles e da tensão que ainda pairava no ar.
— Eu sei. — Ela finalmente falou, a voz mais suave, mas ainda cheia de uma força que ele não podia ignorar. — E eu não 'tô te enrolando, juro. É um assunto sério e eu reconheço. Exatamente por isso que eu 'tô pedindo pra que você confie em mim. Só preciso de mais tempo.
Ele suspirou. Sequer precisou pensar sobre isso, ele sabia que independente do que acontecesse, ele ficaria. O que quer que estivesse acontecendo, Jenna revelaria no tempo dela. Até lá, ele teria que esperar e observar.
— Certo. — Adam concordou, a
contragosto. — Mas você me conhece Jenna. Não gosto de mistérios por muito tempo.
— E é por isso que você vai acabar descobrindo, mesmo que eu não te diga nada. — Ela respondeu com um sorriso cansado. — Mas, por enquanto só faça o que você faz de melhor. Fique de olho em tudo. Especialmente nas meninas.
Por fim, ela se despediu, lhe dando um beijo na bochecha antes de entrar de volta para dentro da casa. Adam ignorou a forma como seu coração disparou e as borboletas em seu estômago, pois a bagunça em sua mente era muito mais preocupante.
Ele levou a mão até o relógio em seu braço, alisando a parte interna do pulso por cima da tira de couro. Ele sabia que tudo o que estava acontecendo eram consequências de suas escolhas e agora, tudo o que ele tinha que fazer era lidar com elas.
Ele só esperava que essas consequências não machucassem sua família.
5342 palavras.
Eu só acho que me empolguei um pouco. E estou um pouquinho indignada com o fato do maior capítulo da fic até agora ser só um capítulo de passagem, mas enfim, vivências né.
Não vou mentir, esse capítulo só demorou uma semana porque tem pouco JJ. Falo mesmo.
Nosso queridinho deu as caras e acreditem, tem muito mais sobre a história deles que vocês vão ter que desenterrar.
Bom, a pulga atrás das orelhas de vocês vai ficar aí um pouco, porque ainda temos 4 temporadas pela frente e muita coisa pra acontecer. (E querendo ou não, essa é uma trama secundária, então sinto muito)
De qualquer forma, não se esqueçam de votar e comentar o que acharam. A gente se vê, beijinhos.
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