Capítulo 4
Any Gabrielly 🦋
— Você vai nessa festa com a gente.
Sofya se levanta da cama, correndo até o outro lado do quarto, onde fica seu banheiro próprio – sortuda. Ainda sentada na cama, me viro na mesma direção.
— Ué, pensei que você não fosse. — Franzo as sobrancelhas
— Eu não ia porque ficar solitária sem minha melhor amiga, é muito chato. — Ela volta do banheiro bem rápido, sem nada verde no rosto e enfiando uma meia calça arrastão por debaixo do roupão, quase caindo enquanto tropeça. — Mas agora é outra história… só não quis dizer na frente do Noah que a gente vai, pra não dar o gostinho da vitória dele tão cedo.
Dou risada e depois me levanto, dando de cara com o espelho que ela tem no armário. Não acho que a roupa que estou usando seja a mais certa para uma festa.
— Não posso ir assim. — Olho para Sofya por seu reflexo no espelho.
— Eu te empresto uma roupa, relaxa.
Ela tira o roupão e abre o armário, tampando minha visão do espelho.
— Vai falar com o Noah, enquanto eu separo alguma coisa pra você.
Assinto com a cabeça saindo do quarto de Sofya, para entrar no de Noah. O dele fica no final do corredor e, a cada passo até lá, fico planejando o que dizer para ele. Tipo, falar com Noah é uma terafa muito difícil, porque ele sempre tem uma resposta engraçadinha na ponta da língua. Às vezes chega a ser irritante.
Suspiro e bato na porta três vezes, esperando…
A porta se abre subitamente, e Noah se encosta nela tão rápido, que ficamos próximos de um jeito extremamente perigoso.
— Oi. — Ele diz e sorri no mesmo nível de perigo que nossa proximidade.
— Oi. — Sorrio de volta e tento dar um passo para trás, mas ele está cheirando a sabonete…é um cheirinho bom, então não quero me afastar de verdade. — Tenho sua resposta.
— Seja breve, Rolim.
— Eu e sua irmã vamos na festa com você. — Afirmo, jogando os braços para trás e me balançando na ponta dos pés.
Noah observa meu "tique nervoso" e ri baixinho, passando brevemente a mão no cabelo úmido e bagunçado.
— Beleza então...vamos sair em quinze minutos.
Ele começa a fechar a porta, mas eu estico meu pé e o impeço de continuar.
— Mas vamos na minha moto, não no seu carro. E você vai ter me enviar por mensagem cinco das perguntas respondidas, pelo menos. — Acrescento com um falso ar de superioridade. É difícil se sentir superior perto de um cara que tem 1,80cm de altura.
— Como você quiser. — Noah se inclina um pouco para frente, mantendo nossos rostos a centímetros de distância. Isso destruiria qualquer garota, mas, pra mim – apesar de ser bem incomum –, eu consigo lidar numa boa. — Mas um dia eu ainda te dou uma carona, você vai ver.
Reviro os olhos e sorrio. Noah sempre tenta me dar uma carona, tipo, sempre mesmo, desde que nos conhecemos. É mais uma questão de orgulho, não é como se ele me visse como uma conquista em potencial. Ele só faz isso porque algum palhaço da turma disse que eu sou do "tipo difícil", e que nem aceitar carona eu aceito, e aceitar carona por aqui significa: quero dar pra você.
Eu nunca vou dar esse gostinho de aceitar uma carona para o Noah.
— Passar bem, Urrea. — Me afasto e me viro para ir. Quando já estou quase na porta da Sofya, ele grita:
— Você é impossível, Rolim!
Abro um sorrisinho discreto e então entro no quarto.
Sof já está praticamente toda "montada". Ela escolheu um vestido preto, simples, curto e de alças finas. Por baixo está usando uma camiseta preta transparente. Essa é a Sofya que eu conheço de verdade, e não a Sofya do quarto cor de rosa. Ela está ajeitando o delineado quando me aproximo, fazendo apenas um sinal com a mão livre para indicar que minha roupa já está preparada.
Pego o vestido de lantejoulas pretas em cima da poltrona, olhando para a meia calça de renda. Inclino a cabeça para esse look. Eu não sou muito de usar esse tipo de roupa, mesmo em festas – não que eu vá muito a festas, acho até que minha última festa foi a festa de aniversário do Noah no nono ano, quando eles ainda serviam bolo e limonada ao invés de pizza e álcool. Dou de ombros, é o que tem, penso.
Como já conheço Sofya a muito tempo e já fizemos isso várias vezes, tiro a roupa a li mesmo, me olhando no espelho enquanto me troco. Eu tenho essa mania de sempre me olhar no espelho enquanto estou me vestindo; é uma mania muito estranha, e eu nem sei porquê faço isso. Minha amiga olha para mim com o canto dos olhos brevemente, mas logo desvia o olhar e continua fazendo a maquiagem.
— Você ainda usa lingerie estampada? — Ela pergunta e dá risada.
— Você já viu o preço de uma lingerie normal?
Que pergunta idiota; ela é rica.
Depois de pôr o vestido de lantejoulas, que parece mais uma saia de tão curto e apertado que é, eu tiro o sutiã e o deixo junto com minhas roupas de antes.
— É só não usar nada por baixo; simples. — Sofya sorri maldosamente e eu reviro os olhos enquanto dou risada. Não consigo nem pensar em ficar sem lingerie por debaixo da roupa, é muito estranho e deve ser bem…frio.
Me sento na poltrona e termino de vestir a meia calça de renda, encerrando com as botas estilo militar que ela me emprestou. Quando me levanto, abaixo a cabeça e solto o cabelo do scrunchie, jogando minhas mechas castanhas tudo para trás. Ao olhar meu reflexo no espelho, percebo que a "baguncinha" de cabelo não ficou tão ruim, na verdade, ficou mais volumoso.
— Vem, deixa eu fazer sua maquiagem. — Sofya dá uns tapinhas no banquinho de frente para penteadeira e eu me sento lá, de costas para o espelho iluminado por pequenas lâmpadas.
É sempre ela quem faz minha maquiagem – quando eu preciso, no caso –, principalmente quando é algo mais para a noite, porque eu sou um desastre na hora de passar a base. Nunca sei quando está bom, e fico parecendo um fantasminha, ou uma pessoa que passou protetor no corpo todo, menos no rosto.
— Não exagera. — Peço
— Shhh, eu sei o que tô fazendo.
Estou de olhos fechados, mas posso quase sentir Sofya sorri de forma maldosa. Eu deixo ela fazer minha maquiagem, mas não significa que ela não seja uma doida varrida.
Enquanto a loira me maqueia, ouço batidas na porta.
— O que vocês duas estão fazendo aí dentro? Anda logo! — Reclama Noah
— Espera ai, porra! — Sofya berra e eu me controlo para não dar risada.
Se eu bem conheço Noah – ou o pouco que conheço –, ele deve estar bufando impaciente nesse exato momento.
— Ok, qual batom você quer? — Abro os olhos, olhando para os três batons que Sofya está apontando. Escolho o vermelho escuro e ela sorri em concordância. — Prontinho.
Eu me viro de volta para o espelho quando ela termina de passar o batom em mim, e sorrio com o resultado. O delineador e a sombra escura deixaram meus olhos castanhos maiores, mas, de certa forma, um pouco mais misteriosos. Sofya evitou o erro de afinar ainda mais o meu rosto, como da última vez, se preocupando mais com os contorno. Além disso tudo, estou brilhante e bonita. Gostei.
Sorrio para o reflexo da minha melhor amiga e faço um joinha para ela com os dois polegares, como quem diz que gostou.
Logo depois Noah volta a nos apressar, o que faz com que nós duas tenhamos que sair correndo pelo quarto. Pego minha mochila e Sof pega apenas o celular, enfiando dentro do sutiã. Bom, ela pode, já que tem mais busto que eu.
Quando abrimos a porta, Noah está encostado na parede, mexendo no celular de forma entendiada.
— Uau. — Ele diz assim que olha para nós duas. Fico meio envergonhada com a atenção especial que seus olhos me dão. — Estão bonitas…acho que valeu a pena o tempo de espera.
Ele sorri e enfia o celular no bolso da calça.
Noah também está muito bonito. No geral, ele está vestido como sempre – uma camiseta preta, uma jaqueta de couro e uma calça jeans escura com rasgos na coxa e nos joelhos –, mas ele consegue ficar ainda mais bonito quando recém bem arrumado.
— Vamos, vamos... — Ele indica que devemos ir na frente, e assim nós duas fazemos.
Enquanto caminho atrás de Sofya, e na frente de Noah, tenho a estranha impressão de estar muito exposta. Não sou fã de vestidos, ainda mais vestidos tão curtos como esses. Além disso, estou toda de preto, parecendo uma gótica que fuma e bebe até ficar com a maquiagem toda borrada. Ou talvez eu só assista muitos filmes.
Afasto esse pensamento da minha cabeça quando chegamos lá fora, pegando o céu escuro, com algumas poucas estrelas e com a lua 100% cheia. Aposto que vai fazer frio mais tarde, e eu não trouxe nem um casaquinho.
Entrego o capacete extra para Sofya e ponho o meu, que é azul e tem um monte de desenhos feitos a canetinha – um deles é um mostro de lama gigante engolindo o Empire State. Antes de subir na moto, olho para Noah entrando no jipe azul dele. Ele olha pra mim de volta, sorri e dá uma piscadela antes de fechar a porta.
Monto na minha moto e dou partida nela também.
🍒
A festa é na casa da Sabina. Já faz tanto tempo que não venho aqui, que chega a ser um pouco estranho. Mas até um pouco nostálgico, de qualquer jeito.
Levo um tempo para achar uma vaga, e quando acho espero Sofya descer da moto primeiro, para só então eu fazer o mesmo. Tiro o capacete da cabeça e ajeito o cabelo usando o espelhinho, tentando abaixar os fios que subiram com a estática.
— Nossa, como esse lugar tá cheio. Já me arrependi. — Sof me entrega o capacete enquanto resmunga, e eu o guardo dentro do banco, junto com o meu.
— Você se arrependeu? Eu nem estava afim de vir... — Olho ao redor e mordo o lábio inferior, nervosa. Festas não são minha praia, porque eu odeio tumulto e álcool não parece ser muito bom, apesar de todo mundo tomar essa merda nas festas.
— Bom, agora já era.
Sofya sorri com deboche e caminha do meu lado em direção a festa. Reconheço de cara a música que está tocando, porque é uma das músicas da minha playlist pessoal – A Different Way, DJ Snake. Pelo menos a música parece que vai ser boa pelo restante da noite.
Noah passa direto por nós duas, nos lançando um olhar de "cuidado por aí", antes de se juntar aos amigos idiotas dele.
Dentro da casa, há um misto de luzes coloridas, apesar de ainda estar um pouco escuro, e todo mundo tá muito colado uns nos outros. Tem gente que dança, gente que apenas aproveita para fornicar por aí e gente que brinca e conversa. Eu vou ser a garota que vai observar tudo sentada em um canto.
— O que a gente faz agora? — Pergunto para Sofya, praticamente gritando, porque a música tá muito alta.
— Enche a cara!
Ela segura minha mão e sai me puxando pela casa até achar a cozinha, que aparentemente mudou de lugar desde a última vez que estive aqui; eles provavelmente fizeram uma grande reforma. No balcão, há mais de quatro tipos diferentes de garrafas de bebida, e alguns baldes com salgadinhos que estão quase no fim. Pego um punhado de pipoca de microondas na mão, pondo tudo na boca de uma vez. Minha mãe me mataria se me visse comendo tanta gordura em um só punhado de pipoca. Eu nem deveria comer essas coisas…
— Quer beber o que? — Sofya enche um copo vermelho com dois tipos diferentes de bebida e eu franzo a testa, me perguntando se ela está tentando se matar.
— Tem água?
Ela começa a rir, e tenho certeza que seria muito mais audível se a música fosse mais baixa.
— Água? Numa festa? Amiga, qual foi? Vamos tentar se divertir, pelo menos!
Suspiro e reviro os olhos. Só uma.
— Qual a mais fraca ai? — Faço um gesto casual com o queixo em direção as garrafas de bebida.
— A cerveja. — Sof me entrega uma garrafa marrom, de vidro. Aproximo meu nariz da boca da garrafa, fazendo careta ao sentir o cheiro amargo da bebida; imagina o gosto, penso. — Vai, experimenta.
Respira fundo e ponho um gole pra dentro. O líquido desce quente pela garganta, espalhando um gosto estranho e ruim pela minha boca. Quando abaixo a garrafa, faço uma careta; isso é horrível.
— Aí, credo. — Limpo a boca com as costas da mão, pondo a garrafa de volta no balcão. — Prefiro passar sede, obrigada.
Sofya dá de ombros e bebe do copo dela, fazendo uma careta também, mas sem parar até ter posto tudo pra dentro de uma vez só.
— De-lí-ci-a. — Eu só vi ela falando assim uma vez, e foi quando o Henry Cavill apareceu sem camisa em Homem de Aço. — Agora vem, vamos dar uma volta.
Ela segura minha mão outra vez, voltando a me arrastar pelos quatro cantos da casa. Tem muita gente mesmo, e metade desse pessoal nem estuda na Bridgton High School. Alguns são de outras escolas pela área, e outros já deveriam até estar na faculdade, mas ao invés disso estão "curtindo" uma festa dada por adolescentes de 16 anos. Vai entender...
— Vamos mesmo ficar rodando tudo isso atoa? — Pergunto, depois de termos voltado da cozinha pela segunda vez.
— E você quer fazer o quê? — Na mesma hora começa a tocar um rap antigo, agitando a galera que dança. Sofya me olha com um sorriso bizarro no rosto e eu me afasto dois passos, sabendo bem o que ela quer. — Vamos…?
— Não, não, não! — A interrompo antes que se quer termine a pergunta. — Não vou dançar na frente de todo mundo.
— Any Gabrielly. Any Gabrielly-Any Gabrielly-Any Gabrielly. — Sofya apoia as mãos nos meus ombros e me sacode de leve. — Any Gabrielly! Acha mesmo que esses bêbados vão se lembrar se quer de quem comeram essa noite quando acordarem amanhã de manhã? Uma dança não é nada…
— Você está sendo uma péssima influência essa noite.
— Eu sempre fui, fofa.
Mesmo contra minha vontade, ela me puxa até a maior concentração possível de corpos dançantes. Sofya comeca a dançar imediatamente, remexendo os quadros em movimentos lentos e sensuais, tentando me fazer o mesmo. Como sou toda travada e estou bem sóbria, eu não consigo fazer isso direito. Ela, então, segura meus quadris e tenta guiar meus movimentos. De pouquinho em pouquinho, eu vou ganhando ritmo, até, enfim, entender o espírito da coisa.
Sofya me solta e eu danço sozinha, passando as mãos nos cabelos e tudo. Solto um gritinho de alergia junto com ela, que parece animada enquanto se remexe ao som da música. Não é tão ruim.
Dançamos três músicas inteiras, até eu começar a ficar sem ar e com sede.
— Preciso beber alguma coisa! — Me inclino na direção da minha amiga, para ela conseguir me escutar.
— Sinto em dizer, mas só tem álcool, camarada! — Sofya ri e mexe os ombros, bebendo um pouco da bebida que ela colocou no copo faz alguns minutos.
— Vou arranjar alguma coisa pra beber! Espera aqui!
Ela faz um joinha com o polegar, e depois joga o cabelo de um lado para o outro até se perder outra vez na dança. Eu sigo até a cozinha, onde encontro metade das garrafas vazias e com um número menor delas do que quando chegamos. Não tem nem uma coquinha gelada.
Suspiro e abro a geladeira, mas, aparentemente, Tess esvaziou tudo para ter certeza de que ia ficar tudo certo depois da festa; só tem energético e cerveja.
— Procurando alguma coisa? — Quase como invocar o demônio, ouço a voz de Sabina e levo um susto, fechando a geladeira imediatamente.
— Hã…oi, Saby. — Abro um sorriso sem graça.
— Que surpresa agradável ver você por aqui.
Ela abre um sorriso mais falso do que seu casaco de pele, depois passa por mim e abre a geladeira para pegar uma latinha de energético.
— Você nunca foi muito fã de festa. — Sabina fala como se eu fosse a única aqui que nunca tivesse gostado de festas... — Mas que bom que veio. Sem ressentimento?
Ela joga a latinha pra mim e eu a pego certinho, meio confusa. Não por causa da bebida, mas por Sabina Hidalgo está sendo legal comigo depois de tantos anos agindo como uma vaca sem motivos.
— Não quebra nada e não entra no meu quadro.
Antes de sair, a morena ainda me olha de cima abaixo, solta uma risadinha e some entre as pessoas. Eu, hein. Estranha.
Encaro a latinha de energético e me sento no balcão, a abrindo para dar um gole. O gosto não é melhor do que cerveja, e eu nem deveria tomar isso porque faz muito mal para o meu coração defeituoso, mas só alguns goles não deve me matar. Só dou uns quatro goles a mais, e depois despejo todo o conteúdo na pia, voltando a pular da pia.
Quando vou procurar Sofya onde a deixei, percebo que a perdi na multidão. Começo a procurar em todo canto uma garota que esteja toda de preto e tenha cabelos castanhos claros, cortados na altura dos ombros. Acontece que está escuro aqui, e essas luzes piscantes causam um efeito horrível na visão de qualquer ser humano. Ou eu só esteja morrendo por beber o que não devia.
Paro de andar e toco meu peito, para sentir meu coração. Ainda tá batendo. Ainda estou viva.
Volto a procurar Sofya.
Ela não está em lugar nenhum, e só espero que esteja bem, porque essas festas podem ser divertidas, mas também são perigosas.
Sinto minhas pernas doloridas, então procuro qualquer lugar onde possa sentar, achando o sofá. O problema do sofá é que toda a galera popular está toda reunida lá, alguns sentados no chão e outros nas poltronas e sofá. Acho que se eu sentar no cantinho…
Não dá outra; eles notam minha presença assim que eu me sento bem no canto mesmo, longe deles.
— Any Gabrielly Soares? — Bailey May ergue uma sobrancelha loira ao me ver, sorrindo com surpresa. — Uau…tá gata, hein.
— Para uma virgem? Ela tá sim. — Heyoon Jeong? O que ela tá fazendo aqui? Ah, é…claro, ela e Sabina são "amiguinhas". — Belo vestido.
Sorrio e balanço a cabeça, cruzando bem as pernas para ninguém olhar entre minhas pernas. A conversa entre eles volta a rola e eu tento não prestar atenção, mas é quase impossível não ouvir sobre suas conquistas de uma noite, ou fofocas falsas sobre outras pessoas e as mesmas coisas idiotas de sempre. Por que esse grupo é popular mesmo? Por beleza? Ok, é válido.
Fico batendo o pé no chão, olhando a festa rolando ao redor. Foi uma péssima ideia ter me deixado ser influenciada a vir para cá, porque, além de estar chato, é muito barulhento e eu não falo com ninguém, a não ser Sofya, que sumiu. Eu deveria estar no meu quarto agora, ouvindo e pondo para repetir todas as músicas tristes que eu baixei no iTunes hoje de manhã, enquanto desenho algo e me estresso pelo desenho não estar saindo direito. Talvez até ir para a casa da minha mãe um pouco mais cedo, já que vou ter que ir pra lá amanhã de qualquer jeito.
Enquanto observo os adolescentes bêbados – o que é bem errado, porque o limite de idade para beber é a partir dos 21 um anos –, eu desejo internamente ser mais com eles. Mas eu não consigo ver qual é a graça em encher a cara e depois transar com um desconhecido no andar de cima, vomitando sem querer no cara enquanto cavalga no pau dele. Isso é surreal pra mim, e nem consigo me imaginar numa situação como essa. Não mesmo.
Passando os olhos mais uma vez pela sala, percebo Noah sentado no chão e encostado no sofá, enquanto mexe no celular. Ele ri ou comenta algo com os amigos de vez em quando, mas, na maiores das vezes, ele parece mais concentrado no celular. Me pergunto o que teria de tão interessante naquela telinha brilhante. Aposto que tá marcando a próxima transa com alguém, por mensagem.
Quase como se tivesse um sexto sentido que percebesse quando está sendo observado, Noah ergue o rosto e nossos olhos se encontram por um milésimo de segundo, por que eu viro o rosto imediatamente, sentindo minhas bochechas ardendo de vergonha por ser pega no flagra. Com o canto dos olhos, percebo que ele sorri e volta a olhar o celular.
— Ah, ta legal, isso já tá ficando muito chato! — Sabina resmunga e solta uma risada, enquanto enrola um cacho escuro de cabelo no dedo indicador. — Vamos brincar um pouco.
— Verdade ou desafio, bora lá. — Incentiva Bailey, que parece bem animado com a ideia, igual ao restante do grupo ao ouvir sua proposta. Como esse jogo idiota pode animar tanta gente assim?
— Elly, querida, devia jogar com a gente. — Sabina direciona os olhos verdes para mim, sorrindo maldosamente. #MEDO.
— Hã…eu…hum…
Não consigo encontrar palavras, e ao invés disso, Noah fala por mim.
— Deixa ela em paz, Saby. — Ele deita a cabeça no joelho nu da garota, e a mesma passas os dedos no rosto e nos lábios dele de forma provocativa. Noah parace gostar.
— Só estou chamando ela pra brincar, Jacob. — Ela sorri e lhe dá um tapinha fraco e gentil em sua bochecha, por assim dizer. — Você deveria brincar com a gente também.
— Isso é jogo de criança.
Ele volta a levantar a cabeça, me encarando rapidamente com os olhos castanhos esverdeados intensos. Suspiro.
— Vai brincar ou não, Any Gabrielly? — Heyoon questiona e ergue uma sobrancelha para mim, enquanto beberica da bebida que tem em seu copo.
— Vou. — Respondo enquanto encaro Noah de volta, que curva os lábios em um sorriso maroto e passa a língua entre eles, balançando a cabeça levemente. Você é louca, ele provavelmente pensou. Isso ou deve me achar estranha.
Desvio o olhar dele e olho para Sabina, que devolve o sorriso de víbora. Odeio chama-la assim, mas foi o que ela mudou completamente desde que éramos pré-adolescentes.
— Muito bem, já que quase todo mundo topou, vamos começar.
O grupinho popular que se reúne ao redor do sofá, sentados no chão em sua grande maioria, não passam de rostinhos conhecidos que eu vejo todos os dias nos corredores da escola. A maioria deles joga algum esporte, é líder de torcida, ou só é legal o suficiente pra andar com os citados antes. Só não acho que todos eles se lembrem de mim – ainda mais estando embriagados –, porque eu sou tecnicamente invisível na Bridgton. E não, eu não acho isso o fim do mundo, até porque eu odeio receber muita atenção; estou bem sendo invisível até agora.
Talvez não seja uma boa ideia jogar verdade ou desafio com esse grupo de pessoas em particular, porque gente popular costuma gostar de ver outras pessoas sofrendo, seja por uma verdade terrível, ou por um desafio vergonhoso.
A primeira rodada começa com Sabina, que é desafiada a dar um selinho em cada um dos meninos da roda, o que ela faz até com Noah, que não está jogando. Logo depois Lamar conta sobre a primeira vez dele, o que faz todo mundo rir um pouco, incluindo o próprio dono da história. Heyoon tem que tampar o nariz e beber toda a cerveja de uma latinha, e eu chego fico assustada, porque isso pode ser vem perigoso. Para a sorte dela, fica tudo bem e ela só se engasga um pouco.
A brincadeira vai seguindo entre o grupo, que só faz coisas idiotas nos desafios e admitem coisas vergonhosas nas verdades. Eu sou a última.
— Verdade. — Digo
Sabina troca olhares com Heyoon, que sorri e depois olha para mim.
— Você é mesmo virgem? — Ela pergunta
Ergo uma sobrancelha e cruzo os braços. Sério? Essa é a pergunta. Eu ser virgem é algo óbvio para todo mundo nessa festa, é quase um domínio público. Ela mesma me chamou de virgem agora pouco.
— É, eu sou. E daí? — Tudo bem, eu tenho cara de virgem, principalmente pelas roupas que eu uso, mas eles precisam mesmo dessa confirmação? Tipo, o que essa informação mudaria na vida deles?
— Você ainda não transou? Sério? Tipo, todo mundo transou, tá transando agora ou já pensou nisso. — Heyoon ri baixinho, se inclinando um pouco para frente. Eles não parecem tão surpresos com a minha "revelação" – ooooh, eu sou virgem! –, parecem mais curiosos. — Por que você não…?
— Só porque você deu pra alguém na primeira oportunidade, não significa que eu tenha que fazer isso também.
Uivos como "ooooh" ecoam pela rodinha, deixando Heyoon sem graça. Ela revira os olhos e bebe do copo ao se encolher onde está sentada, evitando contato visual se quer com Lamar, que é seu "namorado". Todo mundo que sabem quem Heyoon Jeong é, também sabe que ela transou com um cara misterioso no porão da casa do Bailey quando tinha quatorze anos. Ela mesma contou pra todo mundo.
— Sua vez, Sabina. — Olho para minha ex-melhor-amiga, que estreita os olhos de víbora na minha direção. — Verdade ou desafio.
— Desafio. — Ela sempre escolhe desafio.
Abro a boca para dizer algo, mesmo que ainda não tenha pensado em nada, mas Bailey fala primeiro.
— Desafio você a dançar em cima da mesa. De sutiã.
Sabina ri e se levanta, abaixando a saia ultra curta que está usando. Ela também não costuma usar esse tipo de roupa curta, só em festas.
— Eu faria se estivesse usando sutiã. — Ela olha de canro para Noah, que sorri e morde o lábio inferior. — Vou só dançar.
Seu salto faz barulho quando ela pisa mesinha de centro, começando uma dança cheia de movimentos dos quadris, com investidas nos cabelos pretos perfeitos e nos seios. Praticamente todos os garotos da roda ficam hipnotizados, fazendo comentários engraçadinhos e dando uivinhos de alegria. Parecem lobos no cio.
Reviro os olhos para toda essa palhaçada, pensando seriamente em abandonar esse grupo e ir atrás de Sofya, que já está sumida a tempo demais.
Enquanto Sabina humilha todo o movimento feminista rebolando a bunda para um bando de tarado, percebo que Noah não está olhando para ela, talvez porque ele tenha acesso a bunda e aos peitos dela pessoalmente. O que me intriga, é que ele está olhando para mim. Para mim. Já o peguei me olhando assim vez ou outra nos quatro anos em que nos conhecemos, mas nada tão intenso ou duradouro como agora.
Ele está com uma pernas dobrada pra cima, assim pode usar o joelho como apoio para seu braço. Meu coração começa a bater rápido outra vez, dizendo que estou nervosa só por estar sendo observada por um dos caras mais gatos dessa festa. Eu só não entendo o motivo disso agora.
Desvio o olhar primeiro e pego meu celular dentro da mochila que estou carregando até agora, igual uma idiota. Mando mensagem para Sofya, porque não aguento mais.
"Cadê você???
Aqui já tá ficando estranho.
Eeeei! Sofya?"
Como ela demora para me responder, e até para vizualizar a mensagem, volto a guardar o celular. Para minha alegria, Sabina termina de dançar e volta para seu lugar, sendo recebida por aplausos masculinos.
A brincadeira continua e, por mais que eles tentem tornar tudo emocionante, está um tédio. Quase não percebo quando chega a minha vez de novo.
— Verdade ou desafio? — Sabina pergunta, enquanto me encara de forma ávida e cobresca. Essa palavra existe? Cobresca? Se não existia, agora existe.
— Desafio. — Escolho. Sempre que eu jogo essa idiotice – o que é bem raro –, gosto de intercalar entre a verdade e o desafio, para manter o equilíbrio.
— Eu desafio você a beijar o Noah.
Sabina inclina a cabeça na minha direção, mantendo o sorriso de víbora no rosto, apesar de agora parecer um pouco forçado demais.
Arregalo os olhos e sinto meu rosto arder intensamente quando olho para Noah, que devolve o olhar antes de se virar para a amiga colorida mais insuportável do mundo. Por que ela não pode ser mais a Sabina que eu conheci no jardim de infância?
— Anda gente, não temos a noite inteira. — Heyoon apressa, justo ela, que é que está mais doidona de álcool por aqui.
Meus batimentos cardíacos acelaram fora do normal, e eu só senti isso algumas vezes e quando quase morri foi uma delas. Mas acho que esse não é o caso, porque não dói, só estou tremendo um pouco. E isso se deve ao fato de Noah ter se levantado e estar caminhando na minha direção. Ele já é alto, e quando está de pé então, tenho até que erguer a cabeça para olhar pra ele.
Noah para de frente para mim no sofá, ainda de pé, e enfia as mãos no bolso. Acho que nunca tremi tanto. Me levanto também, ficando cara a cara com ele, que sorri de canto e ri baixinho. Atrás de nós, temos uma plateia formada por seus amigos idiotas, apenas esperando o cara bonitinho enganar outra garota.
Me inclino um pouco para frente e Noah faz o mesmo, tocando meu rosto com a palma de sua mão grande, enquanto me encara de forma intensa e profunda. Seus dedos roçam em meu cabelo, os afastando um pouco para trás. Quando ele vai me beijar, eu sorrio e desvio.
— Não vai rolar. — Sussurro em seu ouvido, tentando ignorar o efeito entorpecente que seu perfume causa em mim. — Cansei desse jogo idiota.
Ele me olha nos olhos, enquanto Bailey cai na gargalhada.
— Você acabou de levar um fora da Any Gabrielly Rolim Soares? Cara, você tá muito na merda! — Ele diz entre as risadas.
Dou alguns tapinhas fracos na bochecha de Noah e me afasto para bem longe desses idiotas, enquanto tento regular meus passos trêmulos, junto com a minha respiração. Saio ok dignidade, apesar de estar pegando fogo por dentro, e não sentindo sexual; estou morrendo de vergonha. Acho que nem quando fui no quarto dele hoje mais cedo, estive tão próximo do Noah assim, e isso desmorona o controle hormonal de qualquer garota. Minha pele ainda formiga onde ele tocou.
Preciso de ar.
— all for us —
enfim, a referência que seis gostam!
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