Capítulo 24
Any Gabrielly 🦋
Eu percebo a merda que eu fiz quando já estamos bem longe da propriedade Urrea. Eu não devia ter saído daquele jeito com o Noah, a Sofya vai ficar ainda mais irritada e meu pai preocupado, por eu ter ido embora sem nem um aviso prévio.
Mas, quando eu olho para o lado e vejo Noah dirigindo com toda a tranquilidade do mundo, minha mente entra em conflito e se separa em dois; uma guerra civil sendo travada ao vivo e dentro de mim mesma. Eu quero ficar com ele, mas ao mesmo tempo quero minha melhor amiga de volta. Eu tenho que escolher um lado, e tenho medo de por minha necessidade a cima da dela e acabar sendo taxada como egoísta.
Sinceramente, não tenho culpa pelos sentimentos alheios, tanto quanto não tenho culpa pelos meus próprios sentimentos. Ficamos confortáveis com aquilo que nos convém melhor.
- O que foi? - Noah sorri e apoia o cotovelo na janela fechada, mas sem tirar os olhos da estrada a nossa frente. - Se arrependendo?
- Talvez... - Sorrio de canto, apoiando a mão no rosto e amassando minha bochecha contra a palma. - Vai me contar para aonde está me levando?
- Um lugar especial. Relaxa, eu não vou te matar.
- Se me matar, eu te assombro a noite.
Noah da risada, lambendo os lábios e mordendo o inferior logo em seguida.
Viro a cabeça para o lado, olhando pela janela o ambiente se tornar menos florestal, e mais "humano". Um ambiente mais humano seria a construção de prédios, casas, asfalto rachado, postes de energia e tudo mais. Acho que gosto mais do lago, porque é tão...natural. É calmo por lá, e bonito, muito bonito.
Suspiro e fecho os olhos por alguns segundos. Não consigo me concentrar direito com tanto silêncio; vou continuar pensando que o que estou fazendo é errado.
- Acha que a gente tá fazendo uma besteira? - Olho para Noah
- Como assim? - Ele franze as sobrancelhas.
- É, tipo, será que a Sofya vai ficar chateada se souber que a gente saiu? Juntos?
Ele dá de ombros, ainda sem olhar para mim enquanto dirige. Seus cabelos loiros escuro estão caindo sobre sua testa, e Noah levanta a mão toda hora para passa-los para trás, e eu acho isso adorável. Gosto de pequenos detalhes.
- Eu não sei. - Ele diz, por fim. - Mas você não tá cansada?
- Cansada? - Inclino a cabeça levemente para o lado.
- É, cansada de nunca fazer o que você quer. Any, eu escondi o segredo da minha irmã durante anos, e, por todo esse tempo, eu me convenci de que isso ia deixa-la feliz. E deixou, mas uma hora eu ia cansar de suprimir o que eu também sinto, para ver outra pessoa ser feliz. Eu também mereço ser feliz, não acha?
Entreabro meus lábios, sem entender muito bem o que ele quer dizer com isso. Quer dizer, eu entendi a parte dele por a felicidade dos outros a cima da dele e agora querer mudar essa parte, mas o que eu tenho haver com isso?
- Merece, eu acho que merece. - Afirmo - Mas por que eu tô nesse meio?
Noah não responde, apenas olha para mim. Eu olho para ele de volta, meu coração batendo rápido. Eu quero acreditar que é o que estou pensando, mas as palavras de Josh vêem na minha cabeça o tempo inteiro - "Porque é o Noah Urrea; um galinha. Ele fica com todas as garotas que cruzam com o caminho dele, não importa quem seja. Dá falsas esperanças pra elas e depois parte seus corações, indo para a próxima vítima." Eu não quero ser a próxima vítima, porque cai na ladainha dele como todas as outras.
Vou precisar muito mais do que palavras pra acreditar no Noah.
Sou a primeira a abaixar guarda com o olhar, o ouvindo suspirar pouco depois.
🕊️
Antes do nosso destino final, Noah e eu paramos em uma das únicas lanchonetes abertas a essa hora de feriado. Eu espero no carro, pensando seriamente em deixar um bilhetinho e ir embora, enquanto ele foi comprar alguma coisa para a gente comer. Não estou só com medo de afundar mais as coisas com a Sofya, também estou com medo de mergulhar de cabeça com o Noah e no final me arrepender, por ser só mais um nome na cama dele.
Só Deus sabe a vontade que eu tô de beijar ele agora. Mas e o que vem depois? Alguém vai interromper a gente de novo? A Sofya vai descobrir e nunca mais falar comigo? Eu vou deixar o beijo se tornar algo mais e no final vou quebrar a cara? Por que eu simplesmente não consigo pensar só no que eu quero?
Noah tem razão sobre eu nunca pensar no que eu quero primeiro.
Ele entra no carro de repente e eu desperto dos meus pensamentos.
- Aqui, segura. - Ele me entrega um saquinho marrom e eu olho dentro. - Se quiser comer agora...mas já vamos chegar onde quero levar você. Uns cinco minutos, no máximo.
- Eu espero.
Sorrio e abraço a sacola com força, para não cair enquanto ele dirige.
- Ai, não vai me dizer mesmo onde estamos indo? - Pergunto, e acho que já é a terceira vez que eu faço isso.
Noah ri.
- Caramba, Rolim, você não confia em mim?
- Nem um pouco. - Balanço a cabeça e dou risada também. - Vai, diz!
- Ok, tá...vou te levar no meu lugar favorito. É tudo o que eu posso dizer.
Reviro os olhos e me recosto no banco estofado com tecido de couro. Confesso que estar aqui, com o Noah, é interessante. Estou nervosa pelo fato de estarmos sozinhos dentro de um carro, e toda vez que ele se aproxima durante alguns conversa, penso que meu coração vai saltar pela boca ou explodir o meu peito em mil pedacinhos. É inevitável. Quero pensar na Sofya, que é o maior motivo para eu não estar aqui, mas também quero pensar no quão bem me sinto dentro desse carro.
Como prometido, Noah dirije por só mais alguns minutos, até enfim chegarmos ao nosso destino final; a escola.
- O que a gente ta fazendo aqui? - Franzo a testa ao olhar para o grande prédio principal, enquanto saio do carro. - Eu não gosto de vim pra escola nem em dia normal, quanto mais em feriados, Noah.
- Eu, eu sei. - Ele ri e tira o saco marrom da minha mão, passando o braço por meu pescoço enquanto caminhamos para dar a volta na escola. - Só tenta confiar em mim, ok?
- Esse é meu maior medo.
Noah ri baixinho, mas não parece ser ofender com o que eu digo. Em silêncio, nós caminhamos juntos pela propriedade fechada da escola, até chegarmos ao campo, que é aberto e qualquer um pode entrar. Imagina se algum assassino em série entra aqui? Issa ser um verdadeiro cenário para um massacre.
Torço o nariz com meus pensamentos estranhos.
- O que viemos fazer aqui? - Pergunto
- Eu já vou explicar, deixa de ser ansiosa.
Ele vira o rosto para mim, sorrindo. Nossas bocas ficam próximas por esses dois, três, quatro, cinco segundos, e eu sinto vontade de beija-lo. Mas não o faço, se não as coisas podem ficar esquisitas entre nós.
Noah e eu só paramos quando chegamos no poste do "gol" - aquele arco enorme, de ferro amarelo, que se separar em dois partir de uma determinada altura. Ele senta no chão, me puxando junto, e nos encostamos no metal do poste amarelo. Abro a sacola marrom, pegando uma garrafa de refrigerante de cereja pra mim e a outra pra ele, junto com dois muffins de baunilha com gotas de chocolate.
- Que silêncio estranho... - Sussurro, apesar de ser apenas nós dois no campo.
Não há uma alma viva por perto, estamos completamente sozinhos, e isso causa um arrepio frio na barriga. As luzes do campo estão acesas, apesar da escola estar fechada, e o gramado e as arquibancadas ficam estranhamente maiores quando vazios.
- Eu gosto. - Noah dá de ombros e bate com a boca da garrafa de vidro no poste, para abri-la. Funciona, então eu faço o mesmo.
- E você trás todas as garotas aqui? - Olho para ele, erguendo uma sobrancelha.
- Não. Você é a primeira. - Logo depois, ele dá um gole no refrigerante, e seu pomo de Adão se move para cima e para baixo com o gesto.
- E você diz isso pra todas elas?
- É isso o que pensa de mim? Acha que eu sou o tipo de cara que faz e fala de tudo só por alguns minutos de diversão com uma garota na minha cama, ou no banco de trás do meu carro?
- Sim, eu acho.
Afirmo mais uma vez com a cabeça, bebendo um pouco do refrigerante logo depois. O gosto é doce, e as bolhas descem ardendo por minha garganta, mas ainda é melhor que champanhe. Eu realmente estou começando a me apaixonar por qualquer coisa de cereja; é muito bom.
- Bom, eu não sou assim. Você ouve boatos, não a verdade. - Com os dedos, Noah começa a puxar a grama, arrancando-a e olhando para o chão enquanto faz isso.
- Então qual é a verdade?
Posso me arrepender disso, mas me arrasto para mais perto dele e encosto nossos ombros bem de leve. Noah abaixa as pernas, as abrindo e segurando a garrafa no pedaço de grama entre elas.
- Sim, eu já transei com algumas garotas por aí e já fiquei com outras. Eu e a Sabina temos...ou tínhamos, não sei...um relacionamento de amizade colorida, mas não é tudo isso o que as pessoas dizem por aí. - Ele encosta a cabeça no ferro, olhando para o céu coberto de nuvens. - As garotas costumam sempre darem mole pra mim, e isso era divertido no início, mas com o tempo ficou muito entediante. Elas ficavam de gracinha, eu chegava nelas e acontecia muito rápido. Gosto de um desafio.
Noah deixa a cabeça cair para o meu lado, mas não está com aquele sorriso maldoso ou com intenções que habita seus lábios todos os dias. Ele está me encarando de verdade, bem fundo nos meus olhos. Mas não dura muito, porque volta a olhar para o céu e morde o lábio inferior.
- E como tá ficando chato, eu perco completamente a vontade de ficar com uma garota e deixo ela de lado. Aí parto para outra, tento de novo, mas enjôo fácil. - Ele mexe os ombros e faz uma pequena pausa para beber mais do refrigerante. - É por isso que existem tantos boatos sobre eu ser "pegador", quando na verdade eu não fiquei nem com a metade das garotas que dizem que eu fiquei. Eles só acham isso, porque toda garota que eu beijo acaba aparentemente magoada.
- E isso é culpa sua. - Cruzo as pernas, puxando o vestido para baixo. - Não sabe dar um fora sem ser gentil.
- Olha quem fala...
Noah ri com o nariz, empurrando meus ombros com os dele, de forma brincalhona.
- E a Sabina? Você disse que ela foi sua primeira garota.
- É, ela tirou minha virgindade e eu tirei a dela.
- Então o boato do porão na casa do Bailey é real? - Pergunto baixinho
- Por aí...
A história do porão na casa do Bailey May aconteceu quando estávamos no nono ano. Dizem que a Sabina e o Noah transaram lá pela primeira vez, durante a primeira festa que o Bailey estava dando sem a supervisão de um adulto. Eu não sabia se era verdade, porque haviam muitos boatos sobre Noah Urrea, e, às vezes, alguns deles parecem ser muito distorcidos para serem os verdadeiros. E eu nunca perguntei nada para a Sofya sobre, então sei lá...
- Eu gostava de ter ela por perto...a Sabina. - Ele continua, e eu apenas continuo bebendo o refrigerante enquanto escuto. - Era legal no início também. Nunca fui apaixonado por ela, isso eu já disse, mas ainda era legal. Mas aí ela passou a ser uma obsessiva, alimentando sentimentos por mim que eu não tinha por ela, e aí ficou chato também.
- Você fica entediado muito fácil. - Brinco e Noah ri baixinho, apesar de eu ter medo de ser a próxima garota que o entediará.
- A garota certa só não se pronunciou ainda...
Ele larga a garrafa de vidro quase vazia na grama, e estica a mão para tocar meu rosto. Meu primeiro pensamento sobre esse gesto é me afastar, mas estou muito hipnotizada por seus olhos para conseguir me afastar agora. Suas pupilas estão dilatadas, e dizem que isso acontece quando você vê algo de que gosta. É exatamente por conhecer esse fato, que eu estou hipnotizada agora.
Eu deito a bochecha em sua mão, sorrindo de canto. Noah sorri de volta, inclinando a cabeça na minha direção. Ele não me beija como penso que vai fazer, apenas fecha os olhos e encosta a testa na minha; eu faço mesmo. Seu nariz roça bem de leve no meu, por meu rosto e por meu pescoço. Posso sentir-lo inspirar, e gosto de pensar que está sentindo meu perfume, que também nem é grande coisa - é aroma de baunilha, do meu sabonete e do meu desodorante.
Quando está prestes a me beijar, a imagem da Sofya chorando por causa foto vem na minha memória. Eu cravo os dedos na grama e viro o rosto. Noah beija minha bochecha mesmo assim, pegando o cantinho dos meus lábios.
- Não, nada de beijo. - Digo em um sussurro, quase um sopro de voz. - Concordei em fugir com você, mas não pra isso.
Antes de se afastar, Noah prende a outra mecha do meu cabelo atrás da orelha - como fez na casa do lago - e beija o canto dos meus lábios mais uma vez. Essa parte de mim formiga e arde em calor, mas de um jeito bom.
Ele volta para a posição inicial; sentado com as pernas escancaradas, apenas encostando o ombro no meu e nem mais um toque sequer. Para disfarçar minha vergonha completa, pego meu muffin intocável e dou uma mordida; é muito bom.
- Você ainda não me disse porque justo aqui é seu lugar favorito. - Digo assim que termino de engolir o pedaço de muffin que estava mastigando.
- Verdade. - Ele diz, com a voz baixa e rouca, e ri em mesmo tom logo em seguida. - É meio complicado, na verdade.
- Temos tempo... - Dou de ombros
Noah suspira e olha para o céu quando começa a falar...
- Futebol é minha prioridade. É isso o que faço, o que vou fazer na faculdade e o que vou fazer até me aposentar. É o que meus pais querem que eu faça, é e o que eu quero fazer. Sem futebol, eu dúvido muito que eu vá conseguir uma bolsa de estudos só com minhas notas.
Apesar de ser um assunto definitivamente sério, ele ri baixinho, passando a língua nos dentes em seguida. Encaro o vasto campo verde e o poste de gol lá do outro lado; é um longo caminho. Acho que não ia conseguir correr isso tudo, caso fosse um membro do time Eagle Senior.
- Então - Noah continua -, às vezes eu me sinto sufocado com tanta pressão para ser o astro do time. Para ser o melhor. Se eu não for o melhor, o que eu vou ser?
Ele abaixa a cabeça, engolindo em seco e olhando para mim. Eu não ouso sequer dar uma espiadinha em seu rosto.
- Meus pais pensam assim também, porque sabem que sou um péssimo aluno e que minha irmã é que vai ser a "médica" da família. Minha única chance é o futebol.
- Ok. Futebol, campo de futebol...eu entendo a relação entre eles. - Franzo a testa e sorrio, soando como se isso fosse óbvio. - Mas ainda sim; por que aqui?
- Porque é pra cá que eu venho quando preciso me lembrar de que não posso parar agora. Eu olho pro campo e me lembro da sensação de adrenalina, a sensação de emoção quando estou jogando. - Noah abre um sorriso largo. - Eu amo como a torcida vibra, sempre que marco um ponto. Ouvir eles gritando meu nome...é isso o que eu quero, Any Gabrielly.
Devo admitir, essa foi a coisa mais "profunda" que eu já ouvir Noah Urrea dizer. Talvez porque eu nunca tenha conversado com ele nesse nível de intimidade, mas agora sinto como se eu e ele fizéssemos esse tipo de coisa o tempo inteiro.
- Isso é bonito. - Sussurro e deito na grama, apoiando minhas mãos no meu próprio colo. Olho para o céu, mesmo que não haja estrelas essa noite.
- Você acha? - Noah deita do meu lado, com um braço apoiado atrás da cabeça.
Olho para ele, mas o mesmo continua olhando para o céu, com o fantasma de um sorriso sincero nos lábios avermelhados. Seu rosto, iluminado pelas luzes fortes do campo, parace sereno mesmo depois de tudo o que acabou de me contar. Sem me dar conta do que estou fazendo, eu abaixo um braço e seguro sua mão livre, porque me agora me sinto segura o suficiente pra isso. Noah não hesita, muito menos olha para mim e torna esse momento constragedor, apenas entrelaça os dedos nos meus e sorri de verdade.
- Eu também tenho uma história. - Digo baixinho, tentando quebrar o silêncio. Não gosto de silêncio. - Eu tenho duas, na verdade.
- Sorte a sua que eu adoro histórias.
Dou risada e viro meu corpo de lado, pra conseguir olhar para o Noah.
- Então vou contar a que aconteceu primeiro.
No momento em que solto sua mão, ele vira o rosto para mim, franzindo o cenho. Eu me sento direito outra vez, ainda virada para Noah, e fico olhando para minhas mãos enquanto penso num jeito de começar a contar minha história dramática sobre DAC. Eu nunca sei como contar isso, então geralmente eu simplesmente não conto.
- Errr...eu estou doente. - Digo de uma vez, meio levantando os olhos para ver sua reação. Noah levanta uma sobrancelha, completamente surpreso, e pressiona os lábios um no outro antes de falar.
- Você tá o quê? - Ele pergunta, e até sua voz está mais alta do que antes.
- É...calma. Eu tô doente, mas não tenho síndrome de A Culpa é das Estrelas. - Franzo o nariz e balanço a cabeça. - Eu tenho DAC desde pequena.
- Tá. E o que porra é DAC?
- Doença Arterial Coronariana. - Abaixo a cabeça, porque não quero ver caso Noah faça aquela cara de pena antes mesmo de saber do que se trata DAC - todos sempre fazem. - Essa doença basicamente entope minhas artérias cardíacas com placas de gordura, e isso pode me matar se eu não me cuidar.
Solto um longo e pesado suspiro. A última vez que eu tive que contar sobre isso para alguém, foi quando percebi que Sofya era minha melhor amiga, e eu fiz ela prometer que não contaria pra ninguém, por isso Noah não sabia. Não é algo que eu considere como domínio público.
- Eu tomo remédios pra manter isso estável, não deveria comer tanta porcaria e não faço educação física porque são exercícios muito pesados, só é liberado exércitos aeróbicos pra mim.
- Eu...não sabia.
Noah senta na grama também, e segura meu rosto pelo queixo Suavemente. Ele levanta minha cabeça, sorrindo ao olhar para mim. Olho fundo nos seus olhos que estão bem escuros agora, por causa da iluminação, mas não vejo o sentimento de pena neles. Mas também não sei o que vejo - talvez solidariedade?
- Tem mais. - Respiro fundo e tiro sua mão do meu rosto - Quando eu tinha onze anos, fiz um transplante de coração, porque minhas artérias estavam muito entupidas e seria totalmente inútil abri-las mais.
Noah entreabre os lábios, surpreso pela minha revelação, afinal não é todo dia que as pessoas dizem isso por aí. Sem tirar os olhos dele, eu abaixo um pouco o decote do meu vestido, o suficiente para mostrar o espaço livre entre meus seios; é onde fica minha cicatriz. Ele segue o olhar até ela, engolindo em seco.
Todos os dias, quando me olho no espelho enquanto troco de roupa, eu olho para essa cicatriz e penso: eu vi a morte de perto, mas aqui estou eu me arrumando para aprender quanto continuar, bom, minha cicatriz desempenha o mesmo papel.
Seguro a mão dele delicadamente, a puxando até mais para perto de mim. Noah toca com o dedo a minha cicatriz, e eu contraio um pouco o corpo, porque sua mão está gelada.
- Por que nunca me disse isso antes? - Ele pergunta entre murmurios.
- Porque nunca tivemos uma conversa como essa. - Dou de ombros, soltando a mão dele, mas o mesmo continua tocando minha cicatriz. - Por favor, não sinta pena.
- Eu não vou.
Noah tira os olhos da minha pele entre os seios, e analisa meu rosto atenciosamente. Quando o toque de seu dedo começa a ficar quente, ele abaixa a mão e deixa de tocar minha cicatriz. Com as bochechas rubras, eu cubro essa parte do meu corpo o mais rápido possível e olho para outro lugar, porque agora estou me sentindo uma idiota.
Mesmo assim, ele se aproxima de mim e engancha o braço no meu pescoço. Deito a cabeça em seu ombro e ele deita a dele por cima da minha, me aconchegando em seus braços. Se até semanas atrás me dissessem que eu estaria aqui, no campo de futebol da escola com Noah e abraçada a ele, eu teria dado risada da pessoa e depois socado seu rosto.
Mas agora, isso não é tão ruim.
- Posso te levar em um lugar também? - Pergunto, atraindo a atenção dele para mim.
- Que lugar?
Levanto o rosto e sorrio para os olhos brilhantes de Noah.
- Você me trouxe no seu lugar favorito, agora é minha vez.
🫀
Noah para o carro de frente para a propriedade do Hospital Infantil de Bridgton. Eu suspiro, olhando para o prédio de vários andares se fundir em janelas brilhantes, cheio de quartos com crianças doentes.
- O que estamos fazendo aqui? - Ele me pergunta e desliga o motor.
- É aqui. - Sorrio de canto, ainda olhando para o prédio do hospital. - O meu lugar favorito.
- O hospital infantil? - Noah levanta uma sobrancelha pra mim. - Por que?
- Porque eles salvaram minha vida, e continuam fazendo isso com todas as crianças que passam por essas portas. Ou pelos menos com a maior parte da porcentagem.
Agora mesmo, quando estávamos parando um carro, vimos uma criança chegando de ambulância. Acho que era uma menininha. Os pais vieram logo atrás, e a mãe estava em prantos, exatamente como minha mãe estava a cinco anos atrás. Não sei o que essa criança tem, mas sinto e espero que vá ficar bem.
- Nossa... - Noah sussurra - Por que a gente não entra?
- O quê? Nem pensar!
Arregalo os olhos e me viro para ele, que está rindo de forma travessa.
- É só uma visita ao seu lugar favorito; que mal tem?
- Bom, minha mãe está lá dentro. - Cruzo os braços e mordo o lábio inferior. - Não quero que me veja aqui, porque acha que estou com o meu pai.
- E daí? Aposto que você está louca pra entrar lá. - Ele me empurra de leve com o ombro direito.
Ele tem razão, estou louca para entrar lá e falar com as crianças. Eu amo crianças, elas podem ser umas pestinhas, mas também são fofas e me fazem rir às vezes.
- Tá, tá! Vamos! - Não aguento, tenho que ir lá.
Saímos do carro, e alguns primeiros punhos de chuva caem em meu rosto, mas não é nada que exija que corremos até a porta de entrada. Estou animada, porque já faz muito que eu não venho visitar as crianças - eu vim uma vez a dois anos, porque minha mãe não queria me deixar em casa sozinha, então me trouxe para o trabalho com ela.
Assim que entramos na recepção, dou de cara com a senhora minha mãe escrevendo alguma coisa em uma prancheta. Ela não nota a gente, por isso eu seguro a mão de Noah e tento me virar para ir embora.
- Não posso, vamos! - Murmuro e puxo ele, mas o mesmo nem sai do lugar e me puxa de volta. - Noaaaaah. - Resmungo
- Nós vamos ficar aqui. - Ele sorri e pisca para mim, se virando para minha mãe. - Dona Priscila? E aí?
Minha mãe olha na nossa direção e abre um sorriso enorme, junto com os braços, antes de esmagar nós dois em um abraço ultra apertado.
- Noah Urrea, quanto tempo! - Ela diz e lhe dá um tapinha amigável no ombro. - O que estão fazendo aqui? E o jantar?
- Tava chato. - Noah abre aquele sorriso adorável e gentil, que deixa qualquer adulto derretido. - E a Any tava querendo ver as crianças da ala de cardiologia.
Ainda segurando minha mão, ele me empurra um pouco para frente com o pé e eu faço cara feia para ele.
- Owwwt, querida, isso é só fofo. - Minha mãe passa as mãos no meio rosto, beijando minha testa em seguida. - E vocês dois? Estão...estão namorando?
Ela da uma risadinha, tentando olhar de forma discreta para o ponto onde Noah e eu seguramos as mãos, mas sem a parte do discreto.
- O quê? Não! - Faço uma careta e solto a mão dele, sentindo meu rosto arder.
- Ainda. - Noah inclina a cabeça pra trás, sorrindo maldosamente e enfiando as duas mãos nos bolsos da calça. Ele falou brincando, é óbvio. Foi brincando, não foi?
- Minha filha é louca por você, devia chamar ela pra...
- Mãe! - Praticamente grito, arregalando os olhos. - Por que não leva a gente até lá em cima logo, hein?
Minha mãe ri baixinho, indo pegar os adesivos de visitantes para nós com a recepcionista. Uma vez tendo isso feito, ela nos conduz pelos corredores do hospital, que é todo decorado com desenhos coloridos. Cada piso de corredor tem uma trilha com patas de um animal diferente, e eu acho isso tão fofo.
- Então quer dizer que você é louca por mim? - Sorrindo, Noah vem andando a poucos centímetros atrás de mim e sussurra no meu ouvido. Fico arrepiada.
- Não sou, não. É paranóia da minha mãe.
- Claro, Rolim, claro...
Ele ri rouco próximo ao meu ouvido, e eu fico arrepiada outra vez. Antes de sair andando na minha frente, Noah beija o canto dos meus lábios e pisca pra mim. Tava demorando...
Uma vez já dentro do andar de cardiologia, minha mãe nos leva até um sala onde há algumas crianças internadas essa noite. Eu sorrio ao notar que elas estão conversando entre si, baixinho, mas ainda sendo crianças. Todas estão deitadas ou sentadas em suas camas, comendo a "ceia" de Ação de Graças que o hospital serve.
Quando entramos no quarto, toda a atenção das crianças é volta para mim e Noah.
- Hã...oi pessoal! - Sorrio e aceno, toda feliz por estar aqui.
- Oi, moça. - Respondem em unissono, e eu estou quase vomitando arco-íris de taba fofura.
- Vai lá... - Noah sussurra e me empurra para mais dentro do quarto. Ele não parece muito a vontade aqui, o que só torna esse momento ainda mais divertido.
Parada no centro do quarto, entre as camas das crianças, eu não consigo mais parar de sorrir. Todas elas olham para mim, parecendo confusas.
- Eu sou Any Gabrielly, mas podem me chamar de Any. - Digo - Aquele idiotinha ali na porta é o Noah.
Aponto para ele e todas as crianças seguem meu dedo, rindo da palavra "idiotinha".
- Isso, acaba com minha credibilidade na frente das crianças. - Ele diz e revira os olhos, arrancando mais risadas. Uma delas, um menininho, levanta a mão, como fazemos nas salas de aula.
- O que é credibilidade?
- Uma coisa que o Noah não tem.
As crianças dão risada outra vez e eu me sinto ainda melhor, por saber que estou tornando a noite delas um pouco melhor.
- Ele é seu namorado? - A menininha mais nova entre eles levanta a mão.
- Não, ele não é meu namorado. - Respondo da forma mais calma possível.
- Ainda. - Noah faz questão de dizer, piscando para mim outra vez. Reviro os olhos e me controlo do impulso de levantar meu dedo do meio pra ele na frente das crianças.
- É uma pena, porque ele é bonito. - Diz a mesma menininha de antes, seguido por um risadinha. Que coisinha fofaaaaa.
- Viu só, Rolin, eu sou bonito.
Noah passa a mão no cabelo, vindo mais para dentro do quarto também.
- Ela também é bonita! - O garoto ao lado da menininha diz.
- Eu também sou bonita, Noah. - Sorrio e ergo uma sobrancelha para ele.
- Eu sei disso; você é linda.
Sorrio e meu rosto esquenta outra vez, enquanto as crianças uivam um "uuuuuuh" cheio de malícia infantil.
- Tá bom, já chega! - Digo entre risadas - Terminem de jantar, vamos.
Quando vejo, Noah está indo de cama em cama falar com as crianças, e eu acho isso tão bonitinho. Ele para no garoto que me chamou de bonita, chegando até sentar na cama com ele enquanto conversam. Já eu, sigo até a cama da garotinha novinha ao lado. Leio sua prancheta ao me aproximar, me surpreendendo ao descobrir que também tem DAC.
- Oi, qual o seu nome? - Sento na beirada da cama e sorrio para ela.
- Megan. - Ela sussurra, com a vozinha fina. É muito pequena, menor do que eu quando estivesse nessa situação.
- Oi pequena Megan. Por que você não tá jantando como os outros?
Ela é a única sem nada, e talvez já tenha terminado, mas vai que né...
- Eu não posso comer, porque amanhã eles vão mexer no dodói que tem no meu coração. - Megan faz bico enquanto fala, toda assustada, tadinha.
- Eu também tenho um dodói no coração. - Passo a mão em seus cabelos lisinhos e castanhos, de forma gentil.
- Mesmo? E eles já mexeram nele?
- Claro. - Assim como mostrei a Noah, eu mostro minha cicatriz a Megan. Ela olha para a marca clarinha na minha pele com atenção. - Eu era um pouco mais velha que você.
- E doeu muito?
- Eu não senti nadinha... - Subo devolta o decote do vestido, voltando a alisar seus cabelos macios. - Mas é assustador, né?
Megan afirma com a cabeça e aperta com força seu golfinho de pelúcia.
- Eu vou ter essa cicatriz também? - Pergunta a assustada
- Vai sim, mas só os mais corajosos carregam cicatrizes como essas. - Pisco e consigo arrancar um sorrisinho da menina.
- Fiz amizade com o garoto do lado. - Noah empurra a cortina que separa a menininha do restante das crianças, e para de pé do meu lado. - Tenho um encontro marcado pra jogar futebol com ele, caso saia do hospital.
Solto uma risadinha, tirando a mão do cabelo da pequena Megan.
🥺
- Nossa, eu devia fazer isso mais vezes! - Comento toda alegre, enquanto saímos do hospital meia hora depois. Por mim eu ficaria mais, mas tiveram que "expulsar" a gente. - Me sinto tão bem agora...
- É, não foi ruim.
Noah sorri para mim, tirando a chave do carro do bolso, enquanto caminhamos até onde o deixamos estacionado.
- Isso sim é Dia de Ação de Graças de verdade. - Suspiro bem mais alegre e mais leve do que quando comecei a noite - O que você achou?
- Geralmente eu não gosto de crianças, mas essas são...incríveis.
- É por que elas são diferentes das outras crianças, que são mimadas e superficiais na maioria das vezes. As crianças lá de dentro dão valor para algo mais precioso; a vida delas.
- Uau, você devia escrever isso, Rolim. É sério.
Ele me empurra com os quadris e eu dou risada.
- Não...eu só sei disso porque passei por isso na pele. - Dou de ombros e olho para ele. Até que a noite está sendo divertida...
- É...tenho que te levar embora agora? Ou quer voltar pro jantar?
Nego com a cabeça, me lembrando de que minha mãe teve que ligar pro meu pai, para avisar que estou bem porque minha bateria acabou.
- Me deixa em casa, por favor. - Digo
Noah afirma com a cabeça, e assim que entramos na BMW ele dá partida.
Passo o caminho inteiro inerte a um silêncio diferente de quando entrei no carro hoje mais cedo. Antes eu estava com medo, desconfiada, mas agora estou feliz e aliviada por ter passado um tempo agradável com o Noah. Tanto que mal percebo quando finalmente chegamos na casa do meu pai.
Noah para o carro no meio fio, e eu encaro os pingos de chuva caindo no vidro. Ele está olhando para mim agora, mordendo o lábio enquanto provavelmente pensa.
- Então é isso... - Digo junto a um suspiro leve e um sorrisinho. - Foi divertido.
- É...foi a melhor noite de Ação de Graças que tenho em anos, valeu Rolim.
- A ideia de me arrastar para a escola foi sua.
Dou uma risadinha, já abrindo a porta do carro pra sair. Não quero que essa noite acabe, porque foi uma das melhores da minha vida, e eu não estou exagerando só porque o Noah Urrea. O problema, é que eu quero mais do que eu sei que posso desejar, e se Sofya soubesse o que estou pensando agora, com certeza ficaria mais magoada ainda...
- Quer subir um pouco? - Pergunto, já com um pé na calçada.
- Sério? Tem certeza? - Noah apoia o braço no banco em que estou semi sentada, olhando para mim.
- Absoluta. - Sorrio
Ele sorri de volta para mim, passando a língua nos lábios e sorrindo com malícia.
- Então vamos conhecer o quarto da Senhorita Rolim...
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o que é a vida? a vida é uma maravilha!
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