Capítulo 23
Any Gabrielly 🦋
É a quarta quinta-feira de novembro, o que significa que é Dia de Ação de Graças. Geralmente eu gosto da ideia de me empanturrar de pato ou peru assado, junto com uma tigela enorme de purê de batatas e suco de abóbora, enquanto assisto aos Giants na TV, mas infelizmente não é isso o que vou fazer esse ano.
Esse é o primeiro feriado de Ação de Graças que eu comemoro com meus pais divorciados. No ano passado, ficamos em casa e fizemos um jantar entre nós apenas. Apesar de que o casamento deles já estivesse uma merda muito antes de descobrimos sobre a Amber, foi um jantar divertido, e os dois estavam até conversando e se dando muito bem, coisa que não acontecia mais com frequência. E agora, minha mãe escolheu fazer plantão extra no hospital infantil e meu pai quer que eu vá com ele e com Amber para o jantar que os Urrea's estão oferecendo.
É o pior Dia de Ação de Graças que eu já tive, e olha que ele ainda nem começou.
Depois do longo e aconchegante banho quente, eu vou para meu quarto me vestir. Para essa noite nada especial, eu escolhi um vestido marrom claro, com uma estampa cheia de bolinhas brancas. Ele é de um tecido leve e fino, e eu preciso amarra-lo com uma cordinha da cor do vestido para fecha-lo ao redor do meu corpo. Há babados nas bordas, inclusive nas mangas longas, mas é tão simples que nem percebemos quando olhamos pela primeira vez – esse é um dos motivos por eu ter comprado o vestido. No cabelo, eu faço um coque simples, puxado para baixo e deixando dois cacho soltos ao redor do meu rosto. Nos pés, ponho meu único par sapatilhas brancas. Por fim, passo um pouco de gloss nos lábios, porque com esse tempinho frio de outono meus lábios estão começando a ressecar muito.
Quando estou pronta, finalmente, eu me observo no espelho com o look completo e suspiro. Nada mal, para um jantar.
— Any Gabrielly? — Amber chama e depois bate três vezes na porta, esperando que eu a deixe entrar. Reviro os olhos.
— O quê? — Grito
— Já está pronta? Seu pai tá querendo ir…
— Já desço!
Posso ouvir o som de seus saltos se afastando da minha porta, até mesmo quando está descendo as escadas. Como que uma mulher grávida de oito meses consegue andar de salto alto, pra cima e pra baixo, com tanta facilidade?
Enfim, sento na ponta da minha cama e entro no contato da Sofya. Hoje vai ser o mais perto que eu vou chegar dela desde a terrível noite do Peter K, e admito que estou com um pouco de esperança que ela fale pelo menos um "oi" comigo. Não podemos ficar brigadas pra sempre, uma hora vamos conversar.
Antes de descer, eu mando uma mensagem para ela e depois jogo o celular na minha bolsinha.
Espero ver você hoje…
🦋
A casa no lago dos Urrea's não é muito diferente da casa no lago da família da Sabina. É uma casa grande, rústica e moderna ao mesmo tempo, com uma varanda coberta de vasos de planta e trepadeiras nas colunas. Há um tapete vitoriano enorme logo na entrada, e eu tenho até pena de pisar nele, mesmo que ainda esteja subindo as escadinhas da varanda, na pequena fila de "homens de terno" que se forma para entrar na casa.
O Sr. Urrea – ou melhor dizendo, Marco – está na porta, junto com a esposa e os dois filhos. Todos os quatro estão muito bem vestidos, como se fossem a família americana perfeita. Sofya parece desconfortável no vestido azul todo engomadinho que está usando, porque fica passando o dedo na gola o tempo inteiro. Sorrio, me esquecendo por um momento de que ela não vai reclamar comigo, e então paro de sorrir.
Olhando um pouco para o lado, noto Noah quase imóvel ao lado da irmã. Ela o ignora completamente, sorrindo para os convidados que passam pela porta, para dentro da casa. Mas ele não parece dar a mínima pra isso, na verdade, parece entediado.
— Sílvio, Amber; é um prazer receber vocês aqui. — Wendy aperta a mão do meu pai e da minha madrasta, sorrindo largo. E eu, caralho? Sou invisível? — E nossa, que barrigão enorme. Pra quando é?
— Mês que vem. — Amber sorri orgulhosa, passando a mão na barrigona de grávida. Eu juro por Deus que se essa criança nascer no dia do meu aniversário, eu me mudo daquela casa.
Reviro os olhos discretamente, e com isso eles se focam em Noah. Ele olha para mim de volta, enfiando as mãos dentro dos bolsos da calça social e sorrindo de canto para mim. Sorrio de volta, mas paro assim que percebo que Sofya está olhando para mim também, mas como se eu fosse uma espécie de inseto nojento. Nunca pensei que ela fosse me olhar assim algum dia. É doloroso.
Desvio o olhar dos dois.
— Aproveitem o jantar. — Marco aperta a mão do meu pai, lhe dando um tapinha nas costas antes de entramos.
Na porta, Noah segue meu andar com o olhar esverdeado, mordendo o lábio inferior entre um sorriso. Eu tento não olhar para ele também, mas não consigo evitar, porque o mesmo está muito bonito usando aquela blusa social azul escuro e o blazer preto.
Atravessamos o corredor estreito da casa até a sala, onde nos encontramos no meio de um mar de homens de negócio e suas namoradas de 20 poucos anos. Parece que não é só meu pai que enfrenta uma crise de identidade…
— Bem vindos, bem vindos! — A Família "Perfeita" Urrea se junta a nós na sala, e quem fala é o Marco. — É uma honra recebê-los aqui hoje. Espero que aproveitem.
Com um simples aceno da cabeça, na direção da porta da cozinha, a fileira de garçons bem vestidos começam a circular pela sala carregando bandejas com bebidas. Em pouco tempo, a conversa começa a burburinhar pelo ambiente, junto da música suave que vem do piano sendo tocado por uma moça ao canto. Meu pai e Amber já se misturaram com os "amigos" de trabalho dele, e eu percebo que estou completamente isolada no meio da sala. Um garçom passa por mim, e eu pego uma taça de seja-là-o-que.
Dou um gole, e a bebida borbolha na minha boca, descendo arranhando pela garganta. Champanhe rosé. O gosto não é ruim, só arranha um pouco, por causa das bolhas. Meu pai não tá nem aí pra mim, então continuo bebendo.
Olho para o lado da sala, encontrando com Sofya, que está sentada em uma poltrona olhando para mim também. Seu rosto cora, e ela vira o rosto. Suspirando, eu dou outro gole na taça e o primeiro passo na direção da minha melhor amiga. A cada grande passo até lá, eu tento montar um diálogo rápido na minha cabeça, mas não consigo pensar em nada a não ser "oi".
Quando finalmente estou de frente para Sofya, todo o champanhe na minha taça já acabou. Outro garçom passa por mim, e eu deixo a taça vazia com ele.
— Oi, tudo bem? — Sorrio para ela, que olha pra mim de forma preguiçosa. Mas não sorri. Sofya não sorri.
— É…
— Hum…podemos conversar?
— Não. — Agora ela sorri, mas de um jeito muito frito e seco. — Não precisa falar comigo só por causa do jantar.
— Sof…
Ela se levanta na mesma hora e vai embora, cruzando entre os homens de terno. Suspiro frustada, pegando mais champanhe na primeira oportunidade que vejo. A noite só está começando, e eu tenho todo um jantar para conseguir ums conversa com ela. Mas agora eu preciso de ar.
Saio andando o mais rápido possível, arranjando espaço para chegar até lá fora. Só de entrar no corredor já me sinto um pouco melhor, e quando passo pelas portas duplas para a varanda é ainda melhor.
Inspiro o ar gelado do lago, fechando os olhos momentaneamente. Encostada na coluna que segura o telhado da varanda, eu dou mais alguns golinhos no champanhe, olhando para as ondinhas que o vento traz no lago. Já faz alguns anos que o lago não congela o suficiente no inverno para patinar no gelo, e eu me lembro da época que todo mundo vinha aqui patinar, porque essa casa ainda não tinha dono. Ela ficava trancada, mas mesmo se estivesse aberta, ninguém ligava pra ela quando se tinha um lago congelado enorme na nossa frente. Por que eu tô pensando nisso agora?
Abaixo a cabeça, sorrindo de canto enquanto termino meu champanhe. Dentro da bolsinha de lantejoulas brancas, meu celular vibra, o que é um ótimo motivo para dizer que estou ocupada.
J: Tá ocupada?
Agora?
Estou cercada por homens de terno e garotinhas de 20 anos.
Por que?
J: Ah, já sei, você tá no jantar de Ação de Graças do pai do Noah?
J: Já fui uma vez. É bem chaaaato.
Solto uma risadinha.
Põem chato nisso.
Como ele começa a demorar para responder, eu guardo o celular de volta na bolsinha e continuo admirando o lago, e o ventinho frio. Devia ter trago um casaco.
— E a Cinderela foge do baile… — Ouço a voz de Noah e me viro.
Ele está parado na batente da porta, com os braços cruzados e um sorriso pretensioso no rosto. Eu suspiro e me viro pra frente de novo.
— Vai me ignorar?
— Não estou te ignorando, só estou olhando pro lago.
Ouço seus passos rangendo na madeira da varanda, e pouco depois ele se encosta na outra coluna, a cinco passos de distância – que nem aquele filme, só que sem a parte da Fibrose Cística.
Agora estamos ambos olhando para o lago e o barquinho preso ao píer balançando. Eu ouso dar uma espiadinha em Christian, que estreita os olhos pela claridade de fim do dia enquanto encara o horizonte com intensidade. Posso quase ouvir as engrenagens da sua cabeça rodando enquanto pensa. Com as mãos enfiadas nos bolsos, ele não move nem um músculo e, por saber que eu nem deveria estar aqui fora sozinha com ele, olho para qualquer outro lugar.
— Então... — Noah começa, prolongando a palavra por alguns segundos. — Você e o José…?
José? Josh…Josh!
— É Josh. — Corrijo
— Tanto faz. — Ele revira os olhos. Eu acho. — 'Cês tão saindo?
— É…como amigos.
— E ele sabe disso? — Noah provoca e sou eu quem revira os olhos agora.
— Por que o interesse?
— Nada…só ouvi falar por aí de vocês.
Cruzo os braços e olho para Noah, mas ele apenas sorri provocante e morde o lábio lentamente. Não me distrai, caralho.
— É, estamos saindo como dois amigos. Não que isso seja da sua conta, é claro.
— Ele gosta de você, sabe disso, né? — Noah olha para mim também, abrindo um sorrisinho idiota e levantando uma sobrancelha. — Não vá iludir o garoto, Rolim. Você é muito boa em dar foras.
Meus lábios se curvam em um sorriso maldoso.
— Você ficou chateado pelo o que disse pra você na segunda? — Pergunto, pressionando meus lábios um no outro enquanto tento segurar o sorriso. — Vem cá, você não é acostumado a um fora, né?
— Não, nada haver. — Ele junta as sobrancelhas, franzindo a testa, e nega com a cabeça. — Só tô falando que você arranca a alma dos caras quando eles tentam te convidar pra sair. Pensa que eu não me lembro do ano passado? O James Stuart ia chamar você pro baile, e você mandou ele ir a merda. O coitado chorou no vestiário.
Ainda olhando para Noah, eu explodo em gargalhadas e o mesmo me acompanha. Inclino a cabeça para trás, sentindo meu corpo vibrar com a risada e minha barriga começar a doer em pouco tempo.
— É sério, para de rir. — Diz Noah, mas o mesmo ainda está rindo comigo.
Me obrigo a fechar a boca, rindo levemente abafado até ir cessando aos pouquinhos. Quando enfim paro, olho para Noah, e ele abre um sorriso bonitinho, e eu acabo sorrindo junto.
— Corta essa, eu sei que você não tá nem ai para "os corações que eu parto". — Me encosto na grade da varanda, virando a cabeça na sua direção. — Você tá é com ciúmes.
— Espera aí, como é? — Noah ri baixinho, umidecendo a língua com os lábios ao se virar completamente pra mim.
— É, você tá com ciúmes. — Continuo provocando — Sinceramente, foram só alguns beijos Noah, não precisava ter se apaixonado por mim.
Dou risada e ele sorri.
— Você bem que queria, né, Rolim?
— Pra quê? Pra Sabina pagar o Freddy Krueger invadir meus sonhos e me matar por "roubar o namorado dela"? — Reviro os olhos — Eu vi ela em cima de você no corredor da escola ontem; não acredito que ainda tá transando com a Sabina depois dela ter ajudado a magoar a Sofya com aquela foto.
— Eu não tô transando com ela. A Sabina tá tentando, mas eu não quero.
Noah se aproxima devagar, com cuidado, como se eu fosse morde-lo caso chegue perto demais ou algo do tipo.
— Legal… — Estalo a língua no céu da boca e olho para baixo. Por que me sinto desse jeito estranho quando tô com o Noah? Meu estômago se revira, enquanto várias borboletas voam tentando sair.
— Tá com ciúmes, Rolim?
Ele dá a jogada final, encostando-se de costas na grade da varanda e inclinando a coluna para trás, tentando olhar para meu rosto. Há um sorriso enorme e maldoso em seus lábios, e isso me deixa com o rosto ardendo.
— Claro que não, Noah. — Reviro os olhos para acrescentar a minha falsa paciência com ele. — Acorda pra vida; nem todas as garotas estão tão afim de você assim.
Ah, mas que imbecil! Por que eu não consigo parar de fingir? Eu sinto algo, mas não consigo admitir que sinto, porque meu orgulho é maior e quer manter minha dignidade no topo do pedestal, custe o que custar. Estou travando uma batalha entre meu coração e meu cérebro, e isso não é nada divertido.
— Ah, claro, tudo bem… — Ele debocha, mantendo o sorrisinho convencido no rosto bonito. — Afinal, foram só alguém beijos né? Não foi importante…
Eu sei o que ele está tentando fazer e…e tá funcionando. Noah quer que eu me sinta mal como ele provavelmente sentiu no dia em que disse o mesmo, eu não o culpo; fui bem dura com ele mesmo.
— Sei lá, é…talvez.
— Talvez? — Ele toca meu rosto com a mão, afastando a mecha solta do meu cabelo para trás. Minha bochecha arde com os esbarrões de seus dedos em minha pele, e eu travo no lugar, sem nem conseguir olhar para o Noah. — Você tem o dom de confundir minha cabeça, Rolim.
— Olha quem fala. — Movo meu pé no chão de um lado para o outro, porque estou começando a ficar ansiosa. — Você fica me olhando, mas nunca fala comigo. Quando fala, tem que ser grudado e é só pra me beijar, bem longe de toda a civilização humana.
Noah suspira, e o ar quente vem de encontro com meu rosto. Isso destrói as defesas que eu armei durante esses dias o evitando pela escola, e agora meu coração pulsa forte por ele outra vez. Odeio a facilidade que ele tem de saber exatamente onde me tocar e o que fazer para me deixar mais mole do que Maria-mole.
Ele aproxima mais o rosto do meu, respirando forte, e eu fecho os olhos por um momento e mordo o lábio inferior com força.
— E o que você quer que eu faça? — Sussurra, e seus lábios encostam bem de leve no meu pescoço.
Solto um suspiro e abro os olhos, mas apenas porque ouço o som de mais um carro entrando na propriedade. As rodas giram pelo chão de cascalho, e, enquanto para, Noah se afasta e volta a manter as mãos nos bolsos. Fico surpresa ao ver que é Joalin chegando.
Geralmente, Joalin usa roupas mais estilo street – camisetas do tipo de time de futebol, shorts jeans rasgados, botas estilo militar, tranças no cabelo –, mas hoje ela está impecável. Seus cabelos loiros estão presos em um alto rabo de cavalo perfeito, sua boca vermelha como sangue chama a atenção tanto quanto o vestido da mesma cor, e ela está mais alta por causa da saltos.
Ela vem caminhando com um sorriso adorável no rosto, mostrando aquela pequena abertura entre os dentes da frente, e parando na varanda. Seus olhos castanhos vão de mim, até Noah.
— O que é? Quer tirar uma foto também? — Reviro os olhos e me afasto de Noah mais ainda.
Assustada, Joalin arregala os olhos e depois corre pra dentro da casa.
— É oficial: você afasta homem e mulher. — Noah dá risada, mas para quando olho para ele e ergo uma sobrancelha.
— O que a Joalin tá fazendo aqui? Pensei que fosse um jantar de "negócios" do seu pai.
Noah desvia o olhar e coça a nuca.
— A Sofya convidou ela.
Levanto as duas sobrancelhas, cruzando os braços enquanto olho para a porta como se Sofya fosse sair de lá rindo e brincando com a "nova melhor amiga".
— Ótimo, agora ela já fez amizade nova. — Suspiro e passo a mão no rosto. — Não sei se quero ficar pra ver ela me ignorando.
Noah analisa meu rosto com cuidado, parecendo pensativo. Depois de alguns segundos, ele sorri e morde o lábio daquele jeito cheio da maldade de quem aprontou muito quando era criança.
— Então vamos sair daqui. — Ele diz, me pegando de surpresa. — Vamos pra outro lugar. Eu não gosto desses janteres mesmo.
Olho para a porta outra vez, depois para Noah, que ergue uma sobrancelha e estica a mão pra mim. É uma péssima ideia, mas…
Sorrio e deixo a taça de champanhe vazia em cima da grade, para segurar a mão dele. Ele me puxa varanda a baixo, correndo comigo na direção dos carros, provavelmente procurando o dele ou o dos pais. Acabamos ficando com a BMW 2019 do pai dele.
E a Cinderela foge do baile...
all for us
hm hm hmmmm esses dois....
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