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Capitulo 14

Any Gabrielly 🦋

Noah para o jipe de frente para o apartamento da minha mãe. Em silêncio, eu pego minhas coisas dentro da bolsa da Sofya, que ainda está desmaiada de sono, e até ronca às vezes. Minha mente ainda está um pouco nublada, e eu tenho a impressão de que se eu sair do carro, vou estar tonta e cambaleante; preciso de um café puro.

Abro a porta do jipe, para sair, mas Noah me impede antes.

- Espera aí. - Ele diz, apoiando o braço no outro banco enquanto se vira para olhar pra mim. É a primeira vez que fala comigo desde que saímos da festa da Sabina.
- Hã...o que foi? - A porta do carro está aberta, e eu já até botei um pé para fora, apenas esperando Noah.
- Você tá...tá menos bêbada agora?

Vamos ver; minha cabeça dói, mas não estou mais pensando em alcaçuz como um pau murcho de velhinho; estou meio tonta e com certeza molenga e deprimente. É, eu tô bêbada. No estágio final da pessoa bebum.

- É...mais ou menos. - Olho para Noah e mordo o lábio inferior. Há um estranho ar vergonhoso pairando entre nossos, e isso me deixa muito aflita, de certa forma.
- Tudo bem. Boa noite.

Balanço a cabeça, mas não digo nada enquanto saio do jipe, quase caindo por causa da altura entre o banco e a calçada, além da embriaguez não ajudar. Finjo que isso não aconteceu, e caminho rapidamente para a portaria do prédio, onde o porteiro assiste a gravação de algum jogo qualquer da NBA. Da onde ficam os dois únicos elevadores, posso ver o jipe de Noah dar partida e ir embora.

Solto um suspiro e entro no elevador que eu chamei, apertando o botão do andar da minha mãe.

Enquanto caminho pelo corredor, indo em direção ao apartamento, a velhinha do 30E me espia por uma fresta da porta, provavelmente me ouviu chegando - o fabuloso som da chegada de Any Gabrielly. Como está tudo muito silencioso, qualquer movimento ecoa pelos apartamentos desse andar, e não só eu faço barulho, como também posso ouvir a velhinha resmungar enquanto me espia descaradamente.

- Olha só, essa pouca vergonha...chegando a essa hora da noite, bêbada e quase sem roupa. - A ouço dizer e reviro os olhos.

Enfio a chave na abertura da maçaneta. Ou melhor, eu tento. Não estou enxergando direito, apesar das luzes no corredor, e minha cabeça gira tanto que meu corpo quer acompanhar. Tento outra vez, mas acerto a bochecha na madeira, fazendo a dor de cabeça pulsar intensamente.

- Olha só...onde essa geração vai parar, meu Pai?

Olho para a velhinha do 30E e levanto o dedo do meio para ela, fazendo cara feia.

- Vai a merda! - Grito, e logo depois ela entra, batendo a porta enquanto cita Deus e um monte de outros nomes bíblicos.

Quando enfim consigo acertar o buraco da maçaneta e entrar em casa, tento não fazer muito barulho, porque não quero chamar a atenção da minha mãe. Tínhamos combinado meia-noite, então tecnicamente eu cheguei bem antes do horário, mas não quero que ela me veja bêbada desse jeito; eu ficaria muito encrencada...

Acendo uma luz do abajur e levo um susto ao ver minha mãe saindo do corredor só de roupão, e carregando um taco de hóquei de gelo na mão - ela é canadense de sangue e, como uma canadense, adora hóquei de gelo. Quando vê que sou eu, ela abaixa o taco e apoia uma mão no coração, suspirando.

- Meu Deus, Any Gabrielly, você me assustou! - Ela diz e eu estreito os olhos, sentindo dor de cabeça.
- Shhhh! Fala baixo! - Peço em um sussurro.

Caminho até a cozinha e minha mãe me segue.

- Você está bêbada?

Olho para ela e dou de ombros, depois abro a geladeira atrás de um pouco de água, porque estou com a garganta seca desde que beijei Noah. Eu beijei o Noah Urrea. Eu, Any Gabrielly, beijei o irmão gêmeo gostoso da minha melhor amiga. É impossível não sorrir de canto ao me lembrar do gosto da boca dele na minha.

- Não acredito que você andou bebendo, Any Gabrielly. - Minha mãe apoia uma mão no quadril, me olhando com raiva. - Você não tem idade pra isso, e mesmo se tivesse, deveria tomar cuidado com a quantidade de álcool que ingere.
- Eu sei, eu sei...

Encho um copo com água até a boca e depois bebo tudo de uma vez só. Faço uma careta quando meu cérebro congela com a água gelada.

- Não tem esse de "eu sei". Eu me preocupo com você. Quem te trouxe em casa?
- O Noah... - Prolongo o nome dele em minha boca, terminando com um sorrisinho. Falar que ele me trouxe em casa soou de forma tão simples, que parece até que isso acontece com muita frequência, quando na verdade eu nunca aceito uma carona do Noah Urrea. Aí meu Deus, eu aceitei uma carona do Noah.
- O Jacob te trouxe em casa? E ele bebeu também?

Nego com a cabeça, porque ainda estou chocada demais com o fato de ter aceitado uma carona dele, para conseguir falar alguma coisa.

- Ah...bom, isso foi gentil da parte dele. Te trazer em casa, quero dizer. - Minha mãe senta na mesa, pondo o taco de hóquei em cima dela. A sigo com um olhar preguiçoso. - A não ser que vocês tenham transado. Aí ele é um idiota corrompendo minha menininha. Olha, precisamos falar sobre gravidez na adolescência, querida...
- Não, não! Mãe! - Tampo meus ouvidos com as palmas da minha mão, me recusando a ouvir minha mãe falar sobre sexo. Isso é nojento. - Eu sou virgem.
- Ah...quero que saiba que não tem ninguém aqui te pressionando a transar, ok? - Ela sorri, falando de uma forma tão gentil, que nem parece que está agindo feito louca. - E se você quer transar com o Noah, eu vou entender. Ele só vai continuar sendo um idiota por romper seu hímen...

Por que todo mundo acha que eu quero transar com o Noah?

- Eu não nasci pra isso, meu Deus. - Murmuro e fecho os olhos de forma momentânea. - Olha só mãe, eu não tô transando nem com o Noah, e nem com ninguém. E eu não quero transar com ele. Será que podemos mudar de assunto?
- Tudo bem, eu entendi. - Ela levanta os braços em rendição. - Mas ainda estou brava por você ter bebido. Isso faz mal não só pro seu fígado, mas também pro seu coração, meu amor.
- Eu sei. Nunca mais vou beber.

Choramingo e minha mãe sorri de canto, como se eu fosse um bebê de um aninho outra vez.

- Vem cá, vem, querida.

Ela abre os braços e eu caminho a passos preguiçosos até onde está sentada. Ajoelhada no chão, deito a cabeça em suas pernas e minha mãe me abraça, começando uma carícia bem gostosinha com as pontas dos dedos na minha nuca.

- Como os adultos conseguem beber tanto? É desgastante ter que aturar tanta falta de caráter depois de três cervejas. - Murmuro ainda se forma chorosa.
- É realmente um porre.

Ela ri do trocadilho, mas eu só consigo abrir um sorrisinho. Talvez eu só esteja precisando de uma boa noite de sono, porque estou morta de cansasso. Aconteceu muita coisa para uma só noite, e isso confunde a mente bêbada de qualquer pessoa, escurecendo seus pensamentos a um ponto em que posso até me esquece de como que fala.

- Any? - Minha mãe chama, e eu emito um ruído estranho como resposta, quase caindo de sono. - Cadê o seu tutu?

Olho para minhas pernas, mas não vejo meu tutu preto. Faço uma careta e depois choramingo outra vez.

- Eu perdi meu tutu. - Digo, com o rosto escondido no colo aconchegante da minha mãe. - E minha jaqueta também. Eu perdi meu tutuuuu!

Conhecendo bem a dona Priscila, sei que ela provavelmente está segurando a risada agora, apesar de também estar preocupada com meu estado chapado de álcool até o cu. Mães; vai entender elas...

- Eu compro um tutu novo pra você. Vem, levanta; você precisa se limpar e se ajeitar para ter uma boa noite de sono.

Segurando meus braços, minha mãe me puxa para cima e me guia pelo corredor do apartamento até o banheiro.

🦋

Me atirar de um prédio deve doer menos do que a dor de cabeça de uma ressaca.

Eu simplesmente acordo assim no dia seguinte, resmungando nos meus primeiros de muitos minutos de dor de cabeça, daquelas que pulsam com o brilho ou o som intenso, fazendo você desejar dormir por horas, até enfim passar. Mas não consigo dormir pelo mesmo motivo pela qual quero dormir. Até a ressaca me deixa esquisita e confusa.

Antes de minha mãe ir para o plantão do hospital, ela me dá um Tylenol e deixa meus remédios para o coração em cima da escrivaninha. Dessa vez eu tomo todos, porque, do jeito que Noah tem feito meu coração bater rápido e forte ultimamente, eu não quero correr riscos. Posso me sentir um pouco enjoada e meio fraca por perder muito sangue - porque vou ficar menstruada, e os anticoagulantes causam esse efeito durante essa época - nas próximas semanas, por causa dos remédios, mas pelo menos meu coração vai permanecer estabilizado.

Enfim, depois que ela sai pro trabalho, eu fecho todas as cortinas da casa, me enrolo no meu moletom preto com capuz, e fico rodando pela casa igual ao Edward Cullen com medo de brilhar no sol na frente dos "mortais". Talvez eu esteja com vontade de ver crepúsculo.

Não...

Me sento na cama do meu quarto, com meu caderno de desenhos, e tento desenhar alguma coisa que me distraia do tédio e dos meus pensamentos. Enquanto rabisco uma tartaruga usando óculos, enquanto pega um solzinho na praia com direito a água de coco e tudo, me permito pensar na festa de halloween pela primeira vez no dia.

Eu não me lembro de nada. Não, ok, talvez nada seja um pouco exagerado. Me lembro de chegar lá e de encher a cara com um desconhecido, depois, por algum motivo, eu vou parar no banheiro da Sabina. Mas, principalmente, me lembro de me agarrar com Noah nesse mesmo banheiro, o beijando de um jeito que faz com que eu não me reconheça direito. Aquilo foi quente.

Como posso me lembrar de ter o beijado, mas não me lembro do que aconteceu antes disso? Deve ser porque eu gostei do beijo, tipo, muito. Mas ainda não consigo acreditar que o beijei, porque, por mais que eu já tenha imaginado isso acontecendo - sem querer, mas já querendo -, nunca pensei que realmente fosse acontecer um dia. E isso foi errado e não posso deixar acontecer de novo, porque com certeza pode dar merda para o meu lado - a merda: Sabina Hidalgo.

Paro de desenhar a tartaruga e olho para a parede vazia do meu quarto, enquanto mordo o lápis. Já se passaram 11 horas desde que seus lábios tocaram os meus pela primeira uma vida, mas eu ainda consigo senti-lo perto de mim - sua respiração pesada, fazendo seu peito oscilar rapidamente sobre minhas mãos o apertando; sua língua acariciando gentilmente a minha, embora o beijo fosse bruto e quente, reproduzindo reflexos que derrubaram todos os objetos possíveis no banheiro; as mãos fortes dele apertando minha bunda. Sorrio de canto e fecho os olhos, tentando imaginar Noah me beijando agora, de novo.

Mas não consigo, porque eu estava tão bêbada, que acho que não aproveitei do jeito certo.

Volto a abrir os olhos, no mesmo instante meu celular vibra com a chegada de uma mensagem. O pego na mesinha de cabeceira.

S: Eu tô morrendo.
S: Minha cabeça parece uma bomba relógio.
S: Huuuuuummmmm!

Sofya me envia um emoji com o termômetro na boca, o que significa que ela está passando mal, ou está com mal estar. Envio outro de volta, mas ainda estou com medo dela perguntar alguma coisa do tipo "ei, meu irmão tava quase comendo você em cima da pia?"

Acordou agora?
S: Devia ter acordado mais tarde...
S: ...mas o Noah veio bater na minha porta.
S: Eu vou matar aquele filho da mãe por me acordar cedo.

Solto uma risadinha nervosa. Até agora tá tranquilo.

Eu tô morta também.
Minha cabeça tá explodindo...não aguento nem ver a luz do sol.
S: Sua mãe sabe que você bebeu?
Sabe e ficou brava, mas já passou.
...
E aí...como foi a festa pra você? Lembra de tudo?

Se ela se lembrar de tudo, com certeza a cena dela entrando no banheiro do quarto da Sabina é algo da qual se lembre. Mas, se ela se lembrasse mesmo, provavelmente já teria me dito alguma coisa.

S: Esse é o problema: eu não lembro de nadaaaa!
S: Só de poucas coisas, como ter chegado na festa, ter dito algumas merdas...
S: Também me lembro de vomitar, mas não sei onde ou quando, porque o Noah disse que depois eu apaguei.

Solto um longo suspiro, até mesmo sorrindo de canto pelo alívio. Pelo menos Noah não falou nada sobre o beijo, apenas contou as partes que seriam mais importantes para a Sofya.

S: Mas e você?
Também não me lembro de muita coisa.

Em seguida, envio um emoji de caneca de cerveja, da qual Sofya retribui junto a uma carinha risonha.

Eu nunca mais vou beber.
Guarde minhas palavras.
S: Ah, eu vou.
S: Até salvei a mensagem, pra jogar na sua cara quando você estiver se entupindo de batida de vodka com cereja na próxima festa!
Eu NÃO bebi badita de vodka com cereja.

Mas tenho a leve impressão de que sei como é o gosto. Noah. Claro, ele claramente bebeu esse negócio, porque estava com esse gosto na boca quando nos beijamos. E eu só sei qual é o gosto, porque gosto de cerejas e também dei alguns pequenos golinhos de vodka. Além dessa mistura, ele também tinha gosto de jujuba de morango. Foi tão doce. Literalmente.

S: Mas vai beber da próxima.
S: Ah, espera. Meu pai chegou.
S: Falo com você mais tarde!

Um emoji "pedindo silêncio" com o dedo surge na tela, o que é o nosso "tchau" e eu mando o mesmo de volta, bloqueando o celular logo em seguida.

Suspirando, eu volto a desanhar minha tartaruga. Ela está começando a parecer mais com caricatura engraçadinha, o que é minha especialidade; é divertido desenhar caricaturas.

Acho que eu não me lembro de uma época em que eu não tenha gostado de desenhar, é como se o sentimento de traças linhas em uma folha ou em uma tela simplesmente veio junto com o meu parto. É engraçado o jeito como eu me perco enquanto estou desenhando, tão ansiosa para por meus pensamentos no papel, que sempre acabo fazendo algo grande ou criativo - palavras da minha mãe. Não acho que eu tenha herdado esse dom de alguém da minha família, porque todos eles - tanto do lado meu pai, quando do da minha mãe - são normais, sem qualquer adereço que os faça especiais. A única coisa herdada aqui, foi a DAC, que vem da família da minha mãe.

Encaro novamente as paredes brancas do meu quarto, onde não há nenhum reflexo de inspiração dos meus próprios desenhos; todos eles estão pendurados no meu outro quarto, na casa do meu pai. Minha mãe até guarda alguns também, mas todos eles são antigos, de quando eu devia ter 9 ou 10 anos e meus desenhos eram horríveis. Desde o transplante de coração, nunca mais fiz outro desenho para os meus pais ou para qualquer outra; todos eles são apenas para mim.

Suspiro e volto a atenção para minha tartaruga, porque, no momento, isso é a única coisa que não me faz pensar o tempo inteiro nos lábios de Noah Urrea.

all for us

oii, espero que estejam gostando ✨💜

2/3

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