Aquela época do ano parecia juntar todos os problemas para Dorelle Tarth, escrever mais artigos, revisar mais coisas, ela não pensou que seria assim quando ingressou naquele estágio na Westeros Daily e depois foi contratada, mas via as coisas empilhando sob a sua pequena mesa no canto da sala enquanto os colegas saíam para afazeres banais, ignorando totalmente suas responsabilidades.

Ela tinha dois artigos para entregar, um deles ainda só no título inicial, as belezas de Dorne, como ela faria isso, ela nunca esteve lá, na verdade mal esteve na maioria dos lugares de Westeros, mal tinha saído de Stromsend, sua ida para Porto Real tinha sido mais tortuosa que qualquer coisa. Embebida em suas tarefas mal viu a chegada de Mynora Rosby, sua melhor amiga e editora de fotos da revista, se ela estava li e não limpando peles em seu computador, é porque havia problema.

── Eu não a escutei gritar hoje. ── Dorelle apoiou os cotovelos sob a mesa pequena. ── Mas você ainda está aí, de pé na minha frente, o que aconteceu?

── Ela está estranhamente de bom humor. ── Mynora comenta. ── E quer ver você.

── Eu?

── Sim, a redatora favorita dela. ── Mynora ri dando espaço a Dorelle.

── Ela não me paga como a favorita dela. ── A morena se levanta, passando pela amiga.

Ter Cosette Lannister de bom humor não significava muita coisa, a editora chefe da revista era uma caixinha de surpresas, daquele tipo que pode sair algo ruim ou muito ruim de dentro dela, depende do dia, mas é sempre problema, ela chamar alguém em sua sala na melhor das hipóteses significava demissão, mas Dorelle sabia que ela não tinha essa sorte com a loira.

Assim que bateu duas vezes na porta para anunciar sua entrada os olhos claros e expressivos de Cosette caíram sob ela, fazendo seu corpo estremecer, pobre garota Tarth, era o que ela pensou, sozinha numa cidade grande como Porto Real. Ela acenou para que Dorelle se aproximasse, tinha um estranho sorriso no seu rosto bronzeado.

── Como você está? ── A loira quis saber.

── Bem ... ? ── Dorelle respondeu incerta, Cosette nunca perguntava sobre como ninguém estava. ── Precisa de algo?

── Sim. ── A face séria se desenhou. ── Quero que você assuma uma coisa por mim.

── Oh, claro. ── Só podia ser, Dorelle sabia, mais trabalho. ── Qual o prazo? Eu vou estar fora na sexta, antes do natal, e só volto dia 10.

── Cancele. ── Cosette foi categórica. ── Isso é muito importante.

A loira esticou uma pasta e alguns papéis, os olhos de Dorelle estremeceram, não é que ela quisesse mesmo visitar Stormsend e a família, iria obrigada passar o natal e voltaria correndo, mas queria um tempo fora daquela loucura. Quando passava os olhos no tema do que precisava ser escrito ficou ainda mais incomodada, era sobre a Companhia Velaryon de Cruzeiros, algo fútil, longe de ser alguma intriga política, ela nunca recebia algo assim, acabaria virando nota de rodapé publicitário, porque ela tinha que cancelar sua viagem por isso.

── Posso escrever o artigo até o fim da tarde, Cosette. ── Dorelle riu sem graça. ── Não preciso cancelar minhas férias.

── Querida você não entendeu, você vai para esse cruzeiro. ── Cosette riu apontando para a pasta e a abrindo. ── Eu deveria ir, mas surgiu um compromisso em Essos, muito importante, terei que ir meu anjo.

── Eu? Num cruzeiro da Frota Velaryon? ── Dorelle não entendia por que ela, mas sabia que a viagem a Essos de Cosette tinha a ver com seu namorado bronzeado de Lys. ── Eu agradeço a oportunidade, mas tem redatores mais velhos e experientes.

── Por isso mesmo, não quero um velho lá, quero uma jovem bonita e ... ── Cosette ponderou com a cabeça. ── Precisava de alguém solteira, o cruzeiro está lotado, a maioria dos redatores é casado e eu confio muito na sua escrita. Seria você a revisar o texto de qualquer um deles, você sabe.

── Certo, hmm. ── Dorelle olhou novamente as folhas. ── Viajo no dia ... 25? Natal? Isso é em 4 dias.

── Desculpe, mas não posso mudar as datas. ── Cosette forjou um sorriso de canto. ── Passe no financeiro, eles vão te dar um cartão corporativo e essas coisas todas, é tudo por conta da revista, tudo mesmo, ok? Posso contar com você?

── É ... Claro. ── Dorelle forçou um sorriso no rosto.

Sair daquela sala foi a única coisa que Dorelle queria mesmo fazer, como um rompante ela correu passando por sua mesa e entrando no banheiro mais próximo Mynora viu e foi atrás dela, ficando fora do box e perto da pia, por sorte delas ninguém entrou no banheiro depois. A conversa das duas durou quase vinte minutos, Dorelle segurava para não chorar sentada no vaso, apertando os papéis nas mãos e Mynora ficava boquiaberta com o que ouvia, para a ruiva Rosby aquela era uma puta oportunidade para a amiga, já a Tarth via diferente.

Dorelle sabia que mesmo tendo que viajar tão em cima da hora ainda teria que arrumar suas coisas, passou no financeiro, pegou o que precisava e tomou a liberdade de dizer que Cosette tinha a liberado os dias que faltavam, se a chefe negasse, Dorelle podia só tomar a coragem que precisava e ir embora, mas a loira acabou por aceitar, sabia que devia aquilo a redatora.

Os dias seguintes foram em arrumar a mala e falar com a família que não passaria o natal com eles, a mãe ficou raivosa, o pai e o irmão visivelmente chateados, mas ainda sim mais compreensivos, no fim das contas ela acabou passando a noite de natal ao lado de Mynora em um evento para solteiros em um restaurante que a amiga já iria a tempos, com sorte achou uma vaga, paga pelo cartão corporativo da revista, eles devia isso a ela.

As duas beberam, choraram e se divertiram, Dorelle estava tão magoada com a mudança de planos que deixou-se levar, esquecendo do seu cronograma, no dia seguinte, com a cabeça enorme, ela lidaria com isso, agora com suas bochechas rosadas ela ria e cantava com Mynora a caminho de casa. Tudo, é claro, girou quando ela se deitou, ajeitando o despertador para o outro dia de manhã e se aninhando ao seu gato no sofá da sala, pobre garota Tarth, mal sabia o que a aguardava.

Na manhã seguinte, ainda com o corpo pesado, Dorelle não ouviu o barulho do alarme, tocando 3x, na quarta, já pensando que era Mynora ligando desesperadamente, ela olhou a tela, vendo o alarme e notando a hora, o salto a levou para fora do sofá, caindo de joelho com o chão e depois mancando rumo ao banheiro. Ao se olhar no espelho com a maquiagem borrada e o cabelo desgrenhado ela ouviu o celular berrar de novo, estava completamente atrasada.

Foi o banho mais rápido que ela tomou na vida, por sorte agradecia seu eu passado por organizar as coisas no seu apartamento e mala, pois a maior dificuldade agora morava em achar um táxi por aplicativo que a levasse de seu pequeno ap apertado até o porto. Era um engarrafamento sem tamanho, um olho na hora e outro no trânsito, xingando silenciosamente a ela e a Cosette por enfiá-la nisso, se perdesse o embarque poderia dar adeus ao seu emprego.

No porto ela se embrenha entre as pessoas, algumas tão atrasadas quanto ela, estranhou, a priori, a fila grande demais, o embarque já deveria ter começado, mas parecia ter mais gente dentro do hangar do que no navio, ela julgava. O empurra empurra desagradável, após despachar a mala, colocou Dorelle ao lado de uma mulher mais velha que ela, que parecia tão indisposta e ansiosa quanto a morena.

── Achei que já teriam embarcado a maioria das pessoas a essa hora. ── Dorelle olhou o próprio relógio. ── Não acredito que corri por nada.

── Já deveriam. ── A mulher ao lado reclamou. ── Mas por causa de uma ricaços tudo atrasou.

── Já vi que esse cruzeiro vai ser um problema. ── A Tarth reclamou junto. ── Você sabe quem ta atrasando isso?

── Targaryens. ── A outra se limitou a dizer.

Dorelle sempre via sobre eles nos jornais, ótimo, não tinha a menor ideia de que lidar com eles pessoalmente seria uma dor de cabeça, mas podia imaginar, mimados no mínimo. Ela ficou algum tempo naquela fila, havia passado da hora do almoço, cansada, com fome e pode-se dizer que até mesmo de ressaca, como ela não queria assumir, mas era verdade. Quando finalmente passou pela alfândega e embarcou no cruzeiro ela se deu conta de outro problema, uma imensidão de corredores.

A morena errou o andar, três vezes, parou para pedir informações e ficou cerca de quase duas horas andando como uma barata tonta, engolindo o próprio ego em pedir informação mais uma vez, até sair em um imenso corredor com menos cabines do que o habitual, o andar 12, parecia ser o certo pelo seu papel, ela se sentiu muito burra ao notar isso. Agradeceu aos deuses por não estar com a sua mala.

Enquanto caminhava na eternidade de cabines, pode ver uma movimentação a frente de uma, ela quis mesmo ignorar, com os pés cansados demais para lidar com outros problemas, mas ao se aproximar mais ainda notou que a dupla estava exatamente ao lado da sua cabine, obstruindo a porta enquanto conversavam intimamente. Primeiro ela ficou lá parada, os dois olharam de rabo de olho e depois ela pigarreou, claramente chamando a atenção deles.

── Posso ajudar? ── O homem a encarou de cima a baixo.

── Vocês estão na porta da minha cabine. ── Ela disse meio tímida. ── Só quero passar.

── Tem certeza que é esse? As pessoas costumam errar tanto o andar. ── A mulher com o homem riu. ── Não sei se você teria como pagar uma dessa.

── Mysaria.... ── O homem comentou rindo.

── Não menti, Daemon. ── Ela riu e depois olhou para Dorelle.

── Eu estou atrasada para uma videochamada, aqui está meu papel. ── Ela mostrou os dois, para que pegassem e olhassem, mas ambos só a encararam. ── Certo, de qualquer forma eu tenho o cartão da cabine.

── Primeira regra do mar, querida. ── Daemon riu puxando Mysaria pela cintura. ── Não se atrase.

Dorelle os vê se afastar e solta o ar pelas narinas, destravando a cabine e entrando. Realmente, aqueles dois tinham razão, ela não teria como pagar por aquilo, nunca, era uma cabine grande, com uma bela cama de casal e uma varanda, dava para ver o porto dali. Na cama havia uma pequena cesta de castanhas e um vinho, junto de uma mensagem que claramente deveria ser para Cosette, mas pedindo que ela aproveitasse a viagem, em nome do capitão Corlys.

Ela deitou na cama, olhando pro teto com um belo lustre, aquilo era longe da realidade dela, então descansou ali, na cama mais macia que já havia deitado na vida, por um tempo apenas fechou os olhos, até ouvir o celular tocar, ela Mynora, fazendo uma chamada de vídeo, sua barriga roncou em lembrança, ela não tinha comido nada o dia todo, mas atendeu o telefone.

── E aí, conta tudo, como é estar desse oásis dos ricos? ── A voz estridente da ruiva fez Dorelle sorrir.

── Até agora cansativo, de verdade. ── Ela ponderou. ── Tinha um casal folgado na porta da minha cabine, acredita? Se pegando, ricos são tão babacas.

── Esquece isso e aproveita, levou o biquini.

── Eu estou aqui a trabalho! ── A morena resmungou. ── Não pra pegar um bronze.

── Dá pra fazer os dois, chata! ── Mynora mostrou a língua. ── Preciso ir, te ligo depois, beijo.

Dorelle ficou silenciosa por um tempo, olhando o celular e a chamada acabando, assoprou o ar do peito para fora, cansada demais, a barriga roncou de novo, ela tinha pensado em escrever algo, mas a fome a fez encolher na cama, precisava se alimentar mesmo, não podia voltar a péssima mania de adolescente, não agora.