𝑻𝒘𝒆𝒏𝒕𝒚
— Okay, você tem certeza que gosta da Yoko?
— Sim, quer dizer, eu não sei. — Hayato mordeu o canudo do milk shake com força, as bochechas começando a ficar coradas.
— Está com vergonha por estar falando dos seus sentimentos, ou por admitir que gosta da Yoko? — continuou comendo o hambúrguer, observando as emoções do irmão se desenrolaram sobre a mesa do restaurante.
— Sei que não gosta dela, e que tem seus problemas com Yoshida, mas deveria conhecê-la antes de ter uma ideia formada.
Deveria dizer que sabia sobre a índole da garota, que sabia sobre todas as suas artimanhas contra uma criança apenas por ser bolsista, seu preconceito e o bullying que praticava.
Deveria, mas outra coisa chamou sua atenção.
— O quê sabe sobre mim e Yoshida? — indagou, ele pegou uma batata frita, a mordendo em seguida.
— Que têm um rolo mal resolvido entre vocês, Yo me disse apenas isso.
Um rolo mal resolvido era apenas a superfície, na época, se descobrissem que ele vendia droga, seria a fofoca do século. A vida que [Nome] estava levando após a morte do avô foi a camuflagem perfeita para as ações dele, ela fugia na calada para "Deus sabe onde", os baseados poderiam vir dos bares que frequentava, das amizades duvidosas que fazia, de qualquer lugar.
[Nome] disse que pegou de um amigo que fez na cidade, tirando a atenção dele, e mesmo que a confusão que foi aquele dia tivesse sido grande, não tinha como Hayato saber sobre qualquer coisa.
— Yo?
— Nossa, [Nome], não enche! Não sei para que fui falar disso!
— Para saber minha opinião. — se Yoshida era esperto o suficiente para enganar os próprios pais, não contaria a irmã, e assim, ela não poderia comentar nada com Hayato.
— E até agora você não disse nada concreto, só me zuou!
— Não estou te zoando, é fofo, mesmo que seja com Yoko.
— E então? Acha que é recíproco ou não? — seu tom foi esperançoso.
— Seria muito clichê se eu falasse que só o tempo pode dizer? — piscou docemente, a expressão do irmão murchou.
— Vocês são mulheres, não deveriam se entender?
— Apesar de sermos mulheres, somos diferentes, não sei do que ela gosta, e não a conheço para saber se ela sente alguma coisa por você.
— Ah porra, eu não deveria ter te falado nada disso. — estalou a língua, [Nome] deu de ombros. — e... Um presente?
— Bombons? — sugeriu, mas o irmão negou.
— Ela faz dieta, só come umas coisas específicas.
— Chocolate amargo? — Hayato fez uma careta cansada, ótimo, aquele assunto iria tomar bons minutos daquela tarde.
— Sem comida, vai ser mais fácil. Se fosse você, o que gostaria de ganhar? — [Nome] colocou a mão na bochecha, a mesa de madeira servindo como apoio ao cotovelo.
— Não sei... Mas ficaria satisfeita com os bombons.
— Okay. — esfregou o rosto, suspirando em seguida. — vou pensar em alguma coisa depois.
— Chama ela para sair, um cinema ou um parque deve ser legal.
— Eu estava pensando mais em um presente, sabe? Ela pode recusar sair comigo. — olhou a irmã com as sobrancelhas franzidas, a confissão de estar com medo de um fora brilhando vermelho em seu rosto.
— Então Yo que vai estar perdendo. — voltou a comer com uma sensação estranha preenchendo ela.
Era estranho, em plena tarde de quinta-feira [Nome] estava sentada em um restaurante com Hayato, conversando sobre os problemas amorosos dele e em como Yoko era difícil de agradar.
Parecia um dia normal.
Desde que acordara a inquietação a abraçava, estava mais que ansiosa por ir encontrar o irmão em um lugar tranquilo, conversar sobre qualquer coisa que não obrigasse [Nome] a mentir ou trocar de assunto quando um certo tópico aparecesse.
Falar sobre Yoko era cansativo? Sim, entretando, não era nada que fugisse do plano "dia tranquilo" que havia programado. Poderia lidar com um romance adolescente.
— Como será que o idiota do Takemichi conseguiu alguém tão legal quanto Hinata? — indagou mexendo o canudo.
— Hina é bem mais legal, desculpe.
O irmão virou o rosto, o humor mudando de "como vou agradar Yoko" a "me recuso que até ele tem uma namorada e eu não". A briga entre os dois era completamente unilateral da parte de Hayato, e uma parte de [Nome] se culpava por isso.
Se, talvez, tivesse sido mais insistente na infância, Mizuki não iria proibir Hayato de brincar com Takemichi, não encheria sua infantil mente de que ele era uma má influência.
Lembrava de como pedia a mãe para deixar Hayato sair de dentro da enorme mansão do avô, ele não ficaria sem ter o que fazer lá, claro, mas magoava [Nome] vê-lo sentado em um dos sofás das salas do primeiro andar, brincando de tabuleiro sozinho.
Ansiando correr entre os arbustos com os dois. Ansiando fazer parte da brincadeira ao redor da fonte.
Era raro Takemichi ir até a propriedade de Ichiro, entretanto, quando Mizuki aparecia e ordenava a Hayato que ficasse longe enquanto resolvia burocracias irritantes, em todas as vezes, [Nome] o puxava sorrateiramente para o andar de cima, ou pelas extensas faixas de terra que cobria ao redor da mansão e além.
A punição vinha quando voltava para casa, e mesmo assim, na próxima vez, fazia igual. Olhando com sua visão de adulta, percebeu que cada uma delas valeram a pena.
Porque eram as únicas lembranças felizes que tinha da infância
— Eu já acabei.
— Huhum, eu também. — pediu a conta, observando o irmão limpando uma mancha inexistente do moletom. — você poderia conversar com ele.
— O quê? Com ele quem?
— Não se faça de sonso.
O garçom trouxe a máquina e ela passou o cartão, saíram do estabelecimento com a recepcionista lhes desejando bom dia.
— Não é uma via de mão única, não posso fazer as pazes com alguém que não quer. — retrucou assim que pisou na calçada.
— Takemichi não sente nenhuma antipatia por você, Hayato.
— Não pense que eu vou simplesmente rastejar para uma amizade com ele.
— Não estou falando para serem amigos, mas você passou a noite na casa dele e ele não falou nada, acha que alguém que não gosta de você deixaria? — Hayato enfiou as mãos nos bolsos.
— Claro, você pediu. — [Nome] suspirou, começando a sentir irritação.
— Nem tudo que Mizuki disse para você é verdade. — o irmão a olhou de esgueira. — você já tem idade para saber o que fazer, mas ele não te ignoraria se tentasse conversar.
— Tks, quem sabe.
Ela se aproximou dele na calçada, com um sorrisinho que o fez revirar os olhos.
— Não começa, eu só disse quem sabe.
— Mas eu não disse nada.
— Sua cara entrega tudo. — [Nome] mostrou a língua.
E pensar que os dois poderiam ser amigos se Mizuki não se intrometesse. Ou se ela não tivesse se afastando tanto quando Ichiro morreu.
Agora, ela tinha oportunidade de ao menos ajudar a barreira imposta entre os dois ceder um pouco.
☾︎
— Olha, mamãe!
[Nome] olhou a menina apontar para um enorme peixe que tinha sua extensão brilhando em amarelo e vermelho claro, as luzes ciano e verde claros iluminavam o túnel em que estavam parados, observando atentamente cada minúsculo peixe que passava nadando ali.
Não havia dito que nunca fora em um aquário temático quando Hayato sugeriu que fossem em um, uma hora atrás, sentados em um dos bancos de uma praça enquanto debatiam qual filme escolheriam para assistir no cinema.
Ele pediu pelas atrações aquáticas como se não fosse nada, parecendo estar envergonhado com o pedido. Entretanto, [Nome] percebeu que deveria ter perguntado antes o que ele gostaria de fazer. Porque era para ser uma tarde legal e quase acabou estragando tudo depois da conversa que tiveram sobre Takemichi.
Ao lado, o irmão tagalerava sobre a espécie de tubarão que nadava acima deles com movimentos poderosos da calda, ele explicava com tamanho interesse que os olhos verdes pareciam refletir a pálida luz azul do tanque.
[Nome] também tentava prestar atenção, fingindo entender os nomes científicos que Hayato simplesmente falava como se fosse o abecedário.
— Está entendendo? — ele indagou, um sorriso pequeno aparecendo em seu rosto, o coração dela apertou.
— Sim. — um dos peixes de um pequeno cardume nadou rápido diante dos olhos de [Nome], ela o olhou voltar ao grupo, recebendo aquele incômodo como uma velha amiga.
— Ah, esse papo está chato, né?
— Não, eu apenas não esperava que você soubesse tanto sobre... Eles.
— Eu comecei a me interessar quando mergulhei perto de um coral, aí vi uma tartaruga nadando em direção ao mar aberto. — olhou o extenso tanque, os peixes e as algas através do espesso vidro. — fiquei lá até ela sumir.
— Deve ter sido uma... Boa experiência? — Hayato gargalhou baixo.
— Qual é, tem medo do mar? — provocou.
— Não. — cruzou os braços desnudos, o ar naquele setor era mais frio. — há quanto tempo mergulha?
A expressão do irmão se desfez, ele voltou a caminhar pelo chão escuro, prestando atenção a cada novo ser que avistava no tanque.
— Comecei um pouco depois de você ir embora, parei faz um ano.
— Por quê? Você parece gostar.
— Não tenho tempo, a escola me sobrecarrega demais e ainda me vem... E ainda me vem meu pai com as coisas da empresa, faculdade. — passou a mão pelos cabelos, suspirando parecendo ter tirado um peso das costas. — acabei cortando as aulas.
O aperto que ainda estava presente foi se dissipando com a raiva crescente, não sabia que merda Hiroshi tinha para querer empurra aquelas responsabilidades para o irmão tão cedo.
— Eu sei que metade das empresas são suas, e que a outra metade foi comprada com seu dinheiro. — admitiu subitamente, fazendo [Nome] parar perto de uma estrela do mar.
— Como sabe sobre isso?
— Ouvi em uma briga da mamãe e do papai. — a encarou sem nenhum brilho do entusiasmo de minutos atrás. — Achei que você tivesse voltado por elas, para reinvindicar seu direito como herdeira quando soube que sua casa havia sido destruída.
Um Ah fraco e desacreditado saira de seus lábios, um pequeno nó se formando na base de sua garganta, tal como uma pedra tentando atingir seu coração.
Se Mizuki fizera a cabeça de Hayato para que odiasse Takemichi, o que a impediria de fazer o mesmo com ela? Saber que o irmão pensava que apenas tal motivo a faria voltar.
Sua casa. Aquela mansão poderia ter sido um lar aos olhos do irmão. Mas ela não a queria, e poderia ter esclarecido aquilo se quisesse, entretanto... Não o fez, deixou que aquela dúvida florescesse na mente de Hayato.
O celular dele tocou, ele hesitou em atender, encarando [Nome] antes de trincar a mandíbula e aceitar a chamada.
O desenrolar da conversa fez ela perceber que era Mizuki do outro lado da linha, a voz elevada poderia ser escutada sem um viva voz.
Ele apertou o celular quando o agudo estalou do outro lado da linha. Observou a expressão de Hayato se moldar em uma falsa calma, e depois, desligar.
— Ela disse para eu voltar e preparar minhas coisas. — guardou o aparelho, nem mesmo olhando os enormes tanques a sua volta enquanto andava em direção aos corredores.
— Por quê?
— Porque, aparentemente, eu vou viajar esse final de semana, e deveria estar em casa neste momento. — a forma como frisou a palavra disse mais que o suspiro entrecortado dele.
— O quê acontece nessas viagens que você odeia tanto ir? — andou ao seu lado, captando qualquer mudança de expressão.
— Ele me apresenta investidores, me faz criar amizades com CEO's... É uma merda.
Toda a energia de Hayato foi sugada, deixando apenas que as pequenas manchas do sono acumulado rondasse seu rosto, e por um momento, acabou vendo íris negras ao invés do brilhante verde.
— Sei que muita coisa aconteceu com você enquanto estive fora, mas não voltei pelas empresas. — admitiu, sentindo um pouco de vergonha se instalar em si.
— Fiquei feliz quando te vi. — culpa se mesclou a vergonha, sabendo que ainda estava tão perdida quando voltara que preferiu ir a festas e passar a noite bebendo do que concertando as coisas.
A verdade era que ainda não sabia como iria resolver, sequer sabia se a ausência e se as coisas que havia feito tinham concerto.
— Eu ainda guardo nossa foto, sabia? — tirou o celular do bolso, ele era relativamente novo, mas a foto na capinha tinha as bordas amareladas.
Mostrou a assinatura atrás ao irmão, estava escrito com uma caneta roxa colorida em uma caligrafia de criança: Kaede Hayato e Miyazaki [Nome]. Um coração torto logo ao lado da iniciais I.M.
Lembrava do dia em que mostrara a foto ao avô e pedira a ele para escrever seu nome também, mas ele gargalhou baixo, dizendo que não queria estragar aquela lembrança com a escrita de um velho.
Entretanto, as duas letras eram cursivas e elegantes. Do mesmo modo que Ichiro também era.
— Eu achei que você tivesse perdido. — Hayato a pegou, os dedos tremeram por um segundo. — ah, esse dia eu derramei molho de cachorro quente no uniforme de futebol.
Apontou para a mancha na camisa azul escuro e branca, [Nome] elevou o olhar do molho até o sorriso banguela do irmão depois de ganhar o primeiro jogo do colégio.
Ela própria sorria, passando um braço ao redor do pescoço dele.
— Tinha um quadro, mas achei melhor deixar comigo depois do vidro quebrar.
— Depois eu vou tirar uma cópia para mim, não sei se tenho foto com você. — dobrou em duas, a entregando com um meio sorriso.
— Ah, não seja por isso.
O puxou pelo pescoço, emoldurando o celular para que pegasse os peixes atrás deles. A expressão de surpresa do irmão contrariava o beijinho que [Nome] mandava com um dos olhos fechados.
— Eu quis dizer uma foto bonita, não isso aí que você tirou!
— Mas ficou ótima! Podemos tirar uma toda pomposinha depois.
Apesar de continuar reclamando, Hayato não se afastou da irmã, deixando que o braço dela permanecesse em seu ombro até saírem do aquário.
Pelo menos o clima saira daquela densidade que ficara depois da ligação de Mizuki. [Nome] ainda pensava sobre o motivo dela deixar que o irmão ficasse tão exausto, o mandando em viagens com Hiroshi no final de semana e ocupando todo o seu tempo com o colégio.
Não era... Normal. Antigamente, era raridade escutar Mizuki gritar ou aumentar a voz com Hayato.
Agora, a forma como o irmão falava da mãe e do pai eram distantes demais, como se a época em que Hiroshi o apresentava como um troféu nas festas da alta sociedade nunca houvesse existido.
Ela pensou que não importava a situação em que a família estivesse, não iria deixar mais que respingasse no irmão. E foi uma promessa.
☾︎
A conversa foi perdendo o ritmo ao se aproximarem do verde gramado, o caminho em pequenos degraus marcava a entrada. Hayato parou de frente a [Nome], um sorriso cansado marcava seu rosto.
— Valeu pelo dia, e pelo presente. — balançou levemente a sacola em mão.
— Eu disse que ia te trazer uma miniatura da torre Eiffel.
— É, você disse. — mostrou a língua.
[Nome] riu, o som se dissipando ao ver quem se aproximava deles. Com a expressão contraída em raiva.
— Hayato, entra. — Mizuki mandou, cruzando os braços acima do blazer preto.
— Mãe, eu—
— Entra, agora.
O olhar de sua mãe era tão... Enojado que acertara a mente de [Nome], quase a fazia se sentir desconfortável.
— Eu ainda não me despedi da minha irmã. — ele rebateu, mas parecera com medo quando Mizuki saiu de seu lugar e se aproximou dele.
— Quando eu te der uma ordem, obedeça. — sua mão ia de encontro com o braço de Hayato, [Nome] percebeu a forma como ele se afastou para trás sem tirar os pés do chão.
— Não vai me dar nem uma boa tarde? — [Nome] tomou a frente do irmão, sorrindo de lado para a mãe.
— Não ouse falar comigo. E você, Entra. — tentou se aproximar novamente, ela acompanhou os passos. Como uma dança.
— Não foi essa a educação que a senhora me deu. — fez um biquinho, o olhar de Mizuki fervilhou de ódio.
— Olha, eu já vou entrar, vou apenas me despedir—
— Não. Você não entendeu? Sequer deveria estar tendo contato com ela. — respirou fundo, uma contagem regressiva antes de sair da sua pose de calma e elegância.
— Okay, alguém está bem irritada aqui. — [Nome] piscou os olhos meiga, virando-se ao irmão. — eu já ia embora, de qualquer forma. Pode ir maninho, nos falamos depois.
— Mas isso não—
— Kaede Hayato, cale a boca e entre.
Daquela vez, o irmão não retrucou, mas também não desviou do caminho de Mizuki ao passar ao lado dela. De cabeça erguida, apertando a mandíbula.
— Mãe, a falta de educação vem com o tempo, ou apenas não quer usá-la? — o aperto veio rápido, fazendo pressão em suas bochechas enquanto apertava mais as unhas na pele de [Nome].
— Você fez sua escolha ao ir embora.
— Perdão, mas estamos falando de quando fui mandada a França ou de quando tentou me obrigar a casar? — Mizuki apertou mais, a ardência se alastrando.
— Eu fui uma tola, deveria ter te tirado desse país mais cedo. — a sinceridade que se fez presente naquelas palavras fora destrutiva.
— Também poderia ter escolhido outro lugar, um mais quente, talvez. — a mãe a empurrou para trás antes de soltá-la, [Nome] inclinou a cabeça.
— Meu erro foi não ter escolhido. — arrumou os cabelos, voltando a ser Kaede Mizuki, a esposa perfeita, um exemplo de cidadã e uma ótima mãe. — essa não é mais a sua casa, saia daqui, e nunca mais chegue perto da minha família, entendeu?
— Sim sim, mas eu gostaria que me mandasse por escrito, sempre achei sua letra tão linda. — riu, Mizuki a olhou de tal forma que achou que a atacaria novamente.
— Suma daqui, [Nome].
Entrou, batendo a porta atrás de si. Ela não ficou tempo o suficiente para ver, mas o ruído a acompanhou durante a volta.
☾︎
A noite já havia tomado metade do céu quando chegou em casa, o silêncio do local contrastava com o tumulto dentro de [Nome]. Não pensara muito sobre a conversa que tivera com Mizuki, não quando chegou a cozinha de Takemichi e atravessou até a geladeira.
A garrafa de whisky estava pela metade, o irmão não havia respondido a mensagem que mandara.
Virou o primeiro gole, rolando o Instagram e lendo cada novo post. Então virou outro ao ver a ligação perdida, observou os números, achando a última combinação familiar, virou outro quando desistiu.
A pesquisa havia sido feito. Sabia que Hiroshi, de algum jeito, havia burlado a lei e estava gastando seu dinheiro como queria, sabia que Takemichi fazia parte de uma gangue e sabia que deveria apenas ver eles e ir embora.
Deveria pular as apresentações e deixar tudo para Hayato.
Como havia acabado com Hanagaki quase morto e um francês no coração do Japão? Aquilo, ela não sabia.
E quando não entendia alguma coisa, ficava pensando e pensando até achar uma saída.
Pensar que alguma coisa não tinha solução a assustava, que não importava o que fizesse ou o que falasse, não iria mudar o seu decorrer.
O familiar arrepio subiu por ela. [Nome] virou outro gole.
— Quem é você? — indagou, irritada com o modo que aquela casa parecia mais uma praça que uma área privada.
— Sanzu Haruchiyo. — respondeu, a roupa branca era idêntica a de Inui.
Lembrou quem ele era. Vice-capitão do primo e um incompetente no quesito "manter meu chefe a salvo".
Girou e guardou a garrafa, considerando se foi mesmo uma boa ideia ir morar com o primo.
— Takemichi não está. — não, ele não estava desde de manhã.
— Eu sei, não estou procurando por ele.
O cutelo sumiu do faqueiro em segundos. [Nome] pegou o objetivo afiado mais próximo, se defendendo com uma faca de legumes a medida que se afastava da pia. A lâmina da faca de Sanzu se chocou com a dela e bateu no mármore.
— Nem uma bebida antes? — sorriu, as cicatrizes em sua boca subiram quando a imitou.
O próximo golpe veio com mais força, a concentração dele se materializando a cada passo calculado. Seus dedos seguravam o cutelo com maestria. Okay, se ele sabia usar coisas afiadas, [Nome] mostraria o que aprendera.
Um contra-ataque lhe deu segundos de vantagem, ela o usou para desferir um chute no abdômen dele. Ele mal esperou se recuperar antes de avançar novamente, batendo lâmina com lâmina entre a cozinha e a área da piscina.
[Nome] cedeu na força que usava para repelir ele, flexionando as pernas antes de acertar seu queixo de baixo para cima com a ponta do pé descalço. A lâmina cantante quase acertou seu pescoço. Era uma manobra interessante e arriscada, qual usara tão pouco que perdeu a prática.
Ele tropeçou na linha de pedras que separava a grama do chão revestido com madeira clara. Ofegante.
Se aproximou, o álcool deixando um gosto ruim na boca.
O rabo de cavalo de Haruchiyo balançou ao se jogar para frente, empurrando o cutelo com as duas mãos. Deslizou o cabo da faca, virando a lâmina até que ela estivesse aprontada para o outro lado, então [Nome] a empurrou, se esgueirando rapidamente para atrás dele.
A cotovelada em suas costelas emitiu um som audível enquanto passava a perna em seu calcanhar. As mãos deles tentaram mudar a posição da faca, mas ela o puxou pelo braço, apertando seu pulso até ouvir o som do aço batendo no granito.
Haruchiyo caiu de joelhos na grama molhada ao sentir seus pés saindo do chão, [Nome] bateu com o pé em suas costas.
— Uma posição agradável, não acha? — indagou, o cutelo estava caído longe dos dois, entretanto, o nível da água estava agradavelmente alta naquele dia. — agora, você vai me dizer o que está fazendo aqui.
— E eu ainda quis esperar o passeio acabar, se divertiu? — [Nome] o agarrou pelos cabelos, a possibilidade dele estar vigiando ela com Hayato sequer passara por sua cabeça.
Não precisou arrastá-lo até conseguir submergir seu rosto na água, as bolhas subindo por seu nariz enquanto os segundos passavam.
— A primeira vez que fiz isso, — disse, quando o tirou, agarrando o rabo de cavalo o suficiente para ver seus olhos vermelhos. — foi em uma fonte, lá era mais confortável, eu podia ficar sentada, sabe.
— Eu deveria ter— o empurrou novamente, a respiração de Sanzu estava terrivelmente pesada ao voltar a superfície.
— Eu disse que você vai me dizer o que está fazendo aqui, ou então não vai falar nada, o que escolhe?
Ele ficou perigosamente calado, relaxando o corpo abaixo dela, [Nome] imediatamente se preparou para o impulso que Haruchiyo fizera. Ele era forte, ela teve que apertar e cravar as unhas na roupa branca dele, mantendo seu braço fixo no chão enquanto seu pé fazia o mesmo com o outro membro.
— Quem te enviou? — perguntou de novo, recebeu silêncio. Outro solavanco, ela fez pressão com o joelho esquerdo em sua coluna, o suficiente para escutar um barulho sair de sua boca. — responda.
A mão direita dele se moveu, se aproximando da coxa, [Nome] viu o objeto escondido ali, então deslizou o pé até seu pulso, o esmagando contra o chão.
Não parecia que ele iria desistir tão fácil, mas ele era um membro da Toman, provavelmente queria um acerto de contas sobre o carro e Saiko.
Ou não, se lembrava de Draken dizer que Sanzu Haruchiyo era alguém usado para executar ordens diretas de Manjiro. Talvez ele tivesse cansado de brincar de bonzinho e ser, finalmente, quem ele era.
Não fez outra pergunta ao afundar a cabeça de Haruchiyo na água novamente. A sensação da respiração pesada abaixo foi ficando mais forte.
Era a exata sensação que pensou que teria enquanto estava sentada naquela espreguiçadeira, desejando segurar os cabelos loiros do líder da Toman, sentindo o ar indo embora de seus pulmões.
Se tivesse bebido mais. Se Sanzu tivesse, por algum motivo chegado mais tarde... Não queria pensar.
— [Nome]! — a voz soou perto de seu ouvido, mãos envolveram seus ombros, a puxando para cima.
Sentia estar tão imersa quanto Haruchiyo, como se água tivesse entrado em seus ouvidos e não conseguisse saber o que Chifuyu falava.
Takemichi puxou Sanzu da água, sua boca puxava o ar em grandes quantidades, o peito subindo e descendo rápido, entretanto, os olhos estavam fixos em [Nome].
— O quê você fez? — o primo indagou enquanto tentava ajudar o loiro a levantar, mas levou um tapa na mão assim que a ofereceu.
Achou que Haruchiyo atacaria de novo, entretanto, ele riu baixo, acentuando as cicatrizes nas pontas de seu sorriso.
Hakkai estava parado na porta da cozinha, quase que perplexo com a situação. [Nome] deu as costas aos três parados na grama, pegando a faca do chão e a colocando encima da pia antes de subir.
Água havia respingado em si, molhando a curta camisa azul escuro que usava. A tirou assim que entrou no quatro, indo imediatamente até o closet, querendo se livrar da sensação de ter a roupa molhada grudada em sua pele.
Takemichi fechou a porta ao entrar atrás dela, parando no meio do quarto com o rosto pálido.
— Você quase matou ele. — disse, [Nome] colocou uma regata preta, ela cobria parcialmente a barriga e tinha a leveza que queria no momento.
— Acha que eu não percebi? — riu tirando a calça jeans escuro, subindo um short preto pelas pernas.
— Por quê? — voltou ao quarto, passando por ele, procurando o celular que provavelmente estava jogado em algum lugar da cozinha.
— Porque ele me atacou com um cutelo. — virou, odiando não saber o que ele estava pensando, odiando saber que ele havia visto.
— Sanzu não disse nada?
— Apenas o nome, talvez eu deva dar crédito a ele por ter se apresentado primeiro. — o sangue corria rápido pelas veias, mas não ousou se mexer.
— [Nome], Sanzu deve ter tido um motivo para fazer isso, e não um dos bons.
— Takemichi, posso lidar com isso. — tentou passar, mas ele interceptou a saída.
— Por favor, me escuta, não vai querer estar no meio disso.
— Eu estava na merda da sua cozinha quando ele apareceu, talvez você devesse dar um tratamento diferente ao seu vice-capitão. — não esperou resposta ao passar por ele.
— Se sabe que ele é meu vice-capitão sabe que ele não responde apenas e mim.
— Ah, tem o Manjiro Sano também, vou ligar e perguntar se por acaso ele mandou Sanzu me atacar. — o primo ainda a seguia escada abaixo.
— Mikey não é assim, e também é alguém que você não vai querer confronto.
— Gosto de um desafio.
O faqueiro estava completo quando entrou na cozinha, procurando incessantemente o celular, se haviam seguido ela até ali, as chances de terem feito o mesmo com Hayato eram altas.
— Já levaram o Sanzu. — Chifuyu apareceu passando a mão pelo rosto.
— O quê Draken disse?
— Não sei, Hakkai disse que vai dar notícias.
A noite chegou, e [Nome] procurava o celular a luz das lâmpadas ao redor dos coqueiros do jardim.
— Está procurando seu celular? — Matsuno indagou, tirando o aparelho do bolso. Ela se virou, andando até ele. — estava no chão, passei um pano para tirar a terra.
— Valeu.
Se afastou dos dois, entrando na conversa com o irmão. Ele respondera a mensagem que enviara antes de Sanzu aparecer, dizendo: Ela brigou um pouco, nada novo.
Suspirou enquanto enviava: então nada de aquário?
Era uma pergunta normal naquela situação, se ele respondesse igualmente normal, saberia que ele estava bem e não levantaria suspeitas de que alguma coisa tinha acontecido.
A resposta chegou dois minutos depois: até parece, na próxima vez vamos ao cinema, e você vai pagar a pipoca que prometeu.
Um peso gratificante saiu de [Nome] ao ler, os músculos tensionados se aliviando ao escrever: vou pensar se você desistir daquele filme faroeste.
Então também não vai ser de mistério. Um emoji entediado veio depois, o vislumbre de um pequeno sorriso apareceu.
Okay, decidimos no ímpar ou par.
Desligou o celular, voltando a mente ao problema que ia ser se Draken aparecesse ali naquele momento. Pegou a garrafa de whisky da pia e sentou na bancada, conseguindo virar um copo em pleno silêncio antes que Takemichi e Chifuyu aparecessem.
— O que você vai fazer?
— Beber um pouco antes que Draken apareça dizendo que a próxima coisa que vou fazer é jogar uma bomba na casa dele. — respondeu Matsuno, ele colocou dois dedo da bebida para si, virando com uma careta.
— Pior vai ser se ele cismar com você.
— Acredita que eu acho que nós estamos começando a se dar bem? — brincou, apenas Chifuyu riu.
— Vai ser de ajuda para você, ele tem seus problemas com Sanzu. — [Nome] virou um gole.
— Não a ponto de o querer morto, imagino. — se Manjiro sequer queria matar um traidor como Arata, dificilmente iria se livrar de um bom soldadinho como Sanzu.
— Não. — Chifuyu brindou de leve seus copos.
A quietude que se seguiu era cortada apenas pelo barulho do vidro batendo contra vidro, Takemichi não ousou falar nada. Pensava se era uma boa ideia deitar um pouco quando recebeu uma ligação de um número desconhecido.
— Alô?
— Pensei que não fosse atender. — [Nome] parou de balançar o copo, vendo duas chamadas perdidas de Adrien.
— Ah, eu não vi. O que foi? — da última vez que o viu, o deixara naquele hotel com várias garrafas de bebidas e uma série ruim passando na tv.
— Precisamos conversar, está ocupada?
— É importante?
— Não é nada para se alarmar, mas gostaria que viesse o quanto antes. — a ausência de qualquer tipo de piada não passou despercebido por ela.
— Está no mesmo lugar?
— Não, vou te enviar a localização.
— Okay.
— Vou te esperar ansiosamente. — então desligou.
[Nome] se levantou do banco, observando o lugar que ele enviou.
— Vou passar um tempo fora. — avisou, sabendo que era um péssimo momento para sair de Tokyo.
— Como?
— Por quê?— Chifuyu perguntou, um tilintar soou ao colocar o copo na bancada.
— Um amigo meu está com problemas. — falou, Takemichi arregalou os olhos.
— Aonde? Quanto tempo?
— Yokohama. Não sei. — calçou suas pantufas jogadas no canto da parede, se apressando em sair da cozinha.
— Espera, é muito importante? Você vai sair agora?
— Sim. — ele também se levantou do banco, como se estivesse prestes a impedir ela de sair. — vou voltar o mais rápido que eu conseguir.
Adrien poderia ser um conquistador com um sorriso de amante, mas não era burro, não iria usar o código que criaram naquele bar francês em vão.
Deveria ser como seu S.O.S, ou, como ele havia dito, minha oração de salvação.
Ele sabia o perigo que era para seus pescoços se encontrarem, então completou, ainda sorrindo, que nunca ficaria ansioso em vê-la.
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