01
"(...) duas famílias iguais na dignidade, levadas por antigos rancores, desencadeiam novos distúrbios, nos quais o sangue civil tinge mãos cidadãs."
— Romeu e Julieta, Prólogo
A NOITE ESTAVA AGRADAVELMENTE FRESCA EM PEDRA DO DRAGÃO, e também silenciosa; escutava-se apenas o som das ondas batendo na costa e recuando, repetindo o mesmo movimento constantemente, agitadas pelo leve vento que soprava.
Visenya amava caminhar durante as noites pela praia, amava o cheiro de maresia, e amava sentir a areia morna debaixo de seus pés descalços. Conseguia imaginar cada Targaryen caminhando por ali, desde a Perdição de Valíria. Conseguia sentir seus antepassados em seu sangue nesses momentos, e sentia-se pura, feita de fogo e sangue, como dizia o lema da Casa Targaryen, a Casa de sua mãe.
Visenya carregava o nome Velaryon, entretanto, assim como Jace e Luke, não era tola e cega ao ponto de não reconhecer a verdade que via estampada em si mesma cada vez que olhava-se no espelho: os cabelos e olhos escuros denunciavam que ela — assim como como Jacaerys, Lucerys e Joffrey — não eram filhos de sir Laenor Velaryon.
A jovem havia nascido poucos minutos depois de Jace, sendo sua irmã gêmea. Sua mãe ficara feliz em ter tido uma menina juntamente com um menino, e lhe deu o nome que homenageava a Conquistadora rainha Visenya, irmã-esposa de Aegon, o Conquistador. Conforme crescia, sentia a necessidade de conhecer sobre sua linhagem valíriana, e tornará-se uma grande conhecedora da história da Casa Targaryen, principalmente dos Conquistadores.
Quando era mais nova, aos nove ou dez anos, desejava ser como a rainha Visenya: forte, tão guerreira quanto o irmão, e capaz de usar uma espada. Lembravá-se de que sua mãe não vira problema em ter uma filha que soubesse manejar uma espada, mas sir Criston Cole e a Rainha Alicent aparentemente viram. Alicent Hightower sempre dizia que não era digno de uma mulher usar uma espada, e o Cole — responsável por treinar todos os príncipes — desprezava suas perguntas e com muita má vontade a dizia como segurar o cabo de uma espada.
Com o tempo, deixou os treinos de lado, pois em sua mente de nada adiantaria se o responsável por ensiná-la não tinha boa vontade para com ela e seus irmãos, e o rei não iria designar outro cavaleiro para que fosse treinada separadamente. Seu avô tinha a terrível ilusão de que seus filhos e netos se davam muito bem, e que Criston Cole era um homem honrado. Voltou-se novamente para seus livros, aprendendo a apreciar seus tataravós, os falecidos rei Jaehaerys e rainha Alysanne; havia coragem e força na inteligência de ambos, e rei Jaehaerys também era excelente na arte das espadas. Rainha Alysanne conquistava lealdade e boa vontade por onde passava, a Boa Rainha Alysanne.
Ela poderia ser uma mistura da guerreira Visenya com a boa Alysanne.
Crescer em Porto Real não fora um mar de rosas. Ouvir sussurros, sentir olhares de julgamento... algumas vezes chorava durante a noite por conta disso, pois mesmo tendo o carinho de sua pequena família, era difícil aguentar. Jace, talvez por ser seu irmão gêmeo mais velho, parecia sentir sua tristeza, mesmo que ela tentasse não demonstrar, e se oferecia para treiná-la sobre o que aprendia de espadas e por um tempo duelavam com espadas de madeira nos aposentos de sua mãe, mas ele não era um bom professor e novamente Visenya deixou as espadas de lado.
Uma das poucas coisas que lhe davam alegria na capital eram os dias que passava com seu tio Aemond, principalmente quando deitavam-se no bosque sagrado e liam um para o outro, ou comiam doces escondido; era como um pequeno paraíso na terra, um pequeno refúgio para ambos. Ali ele fez como Jace, e começou a ensinar o que aprendia sobre como manejar espadas, a única diferença era que Aemond era ótimo em ensinar, talvez por ser tão aplicado em tudo o que fazia.
Infelizmente tudo havia mudado após os acontecimentos em Derivamarca. Haviam se afastado, embora algumas cartas entre os dois continuassem a ser trocadas no decorrer dos anos... Mas eram poucas, e pouco serviam para diminuir a distância entre eles.
Aemond não a odiava por ter perdido o olho.
Visenya não estivera presente durante a briga, mas estivera presente quando todos precisaram se reunir diante do rei, vira Alicent Hightower agarrar a adaga e avançar contra Lucerys, exigindo seu olho como pagamento pela perda do olho de seu filho. Fora um escândalo, a mulher havia gritado e chorado, até mesmo cortado o braço de sua mãe, e Vi até mesmo sentira compaixão pela rainha consorte — afinal, ela sofria pelo filho.
Porém, a compaixão se esvaiu rapidamente quando, mais tarde, a garota esgueirou-se pelo lugar em busca dos aposentos de Aemond e flagrara Alicent e Otto conspirando juntos em um salão vazio, enquanto seu querido amigo estava sozinho e em dor deitado em sua cama. Ela não se importava tanto com seu filho, era uma hipócrita.
Aproximara-se da cama e segurara a mão de Aemond, sussurrando que sentia muito. Ele parecia levemente atordoado pela dor e pelos acontecimentos, mas murmurara que ela não tinha culpa de nada. Os dedos trêmulos alisaram de forma delicada o rosto do tio, cujo olhar entreaberto não a deixava, como se quisesse que sua última visão antes de adormecer fosse ela. Visenya se lembrava de suspirar e inclinar-se sobre ele, deixando um leve beijo sobre seus lábios.
Aemond sussurrara seu nome, e fechara o olho em seguida. E Visenya saira do quarto depressa, retornando para seus próprios aposentos.
Esse beijo rápido e inocente nunca havia sido mencionado depois disso, nem mesmo por cartas. Provavelmente ele não recordava-se, mas ela sim.
Mesmo depois desses anos, e de tantas coisas acontecerem — como a morte de Laenor, casamento de sua mãe com Daemon Targaryen, ela ter conseguido reivindicar um dragão — Visenya ainda sentia as orelhas arderem e o coração acelerar ao pensar no que fizera.
— Visenya! — uma voz feminina a chamou, fazendo com que saísse de seus pensamentos — Vi!
Virou-se e viu Rhaena, filha de Daemon com sua falecida esposa Laena, vindo graciosamente em sua direção com os cabelos prateados brilhando à luz da lua cheia e das estrelas. Ela estava em Pedra do Dragão, enquanto sua irmã gêmea Baela estava em Derivamarca com a avó, princesa Rhaenys.
— A noite estava linda, precisei vir caminhar — Visenya explicou, dando um sorriso leve, enquanto enlaçava seu braço no de Rhaena.
— Entendo completamente — ela respondeu, olhando para o céu, retribuindo o mesmo tom gentil — Mas sua mãe pediu que viesse chamá-la. Teremos uma longa viagem amanhã.
Visenya suspirou. Com o Serpente Marinha correndo o risco de morrer, o direito de Luke como futuro Senhor das Marés estava sendo questionado por Sir Vaemond Velaryon, que pedira uma audiência ao Trono sobre a questão, e Otto Hightower, Mão do Rei, aceitara rapidamente. Então todos voltariam a Porto Real depois de tanto tempo.
Bom, era apenas questão de tempo até que isso acontecesse.
— Queria ir com Balerion, não gosto de ficar longe dele — comentou, enquanto caminhava lado a lado com Rhaena de volta para o castelo — Infelizmente, nenhum de nós irá com dragões.
Ouviu o suspirar da prima e amiga ao seu lado.
— Ei — suavizou a voz — Não fique assim. Você terá um dragão, seja nascido de um ovo ou domado por você.
— Como sabe disso?
— Eu já vi em meus sonhos — sorriu, apertando a mão dela — Confie em mim, consegui a lealdade do dragão canibal e mais selvagem desta ilha porque sonhei com isso. Você terá um dragão.
A verdade era que, ultimamente, Visenya via muitas coisas em seus sonhos. Via dragões negros lutando contra dragões verdes, via sangue escorrendo pelas ruas e sobre a cabeça de cidadãos inocentes; via pessoas gritando e fogo caindo do céu.
Via sua mãe e seus irmãos mortos, via Daemon morto. Via todos os dragões mortos; e o brasão da Casa Targaryen ser consumido, ironicamente, pelo fogo até não restar nada do dragão de três cabeças exceto cinzas levadas pelo vento.
Acordava com uma terrível sensação de pânico e como se o sangue em suas veias houvesse congelado, e a única coisa que a aquecia eram as escamas quentes de Balerion. Talvez por isso sentisse tanta vontade de voar pelo mar com ele nas últimas semanas, sentia-se completa e protegida quando estava com o terceiro maior dragão do mundo conhecido, e um dos mais ameaçadores.
Seja lá o que fosse acontecer, sabia que o início do fim começaria a ser decidido no dia seguinte.
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