𝗔𝗩𝗘𝗥𝗬.

Eu observava minha melhor amiga com os cachos presos num coque desajeitado tagarelar sorridente enquanto fazia colocava mais e mais roupas dentro de sua mala. Kiara estava se aprontando para visitar Allison. Não parava de repetir sobre como estava feliz e que ela e a namorada tinham mil e um planos para esse final de semana. Mesmo tentando ao máximo demonstrar como eu estava feliz por ela, minha postura era total transparente com meu interior. Estou sentada na cama abraçando os próprios joelhos, meus olhos perdidos em algum ponto aleatório que não é o rosto ou a mala de Kiara. E, por mais que eu achasse adorável como minhas amigas me conheciam bem, às vezes eu só queria ter um pouco de sossego com meu próprio caos mental.

⏤ Por que eu sinto que você não está me escutando? ⏤ Carrera perguntou, dobrando uma blusa para encaixar dentro de sua bagagem.

Só então, percebo como estou distraída. Respiro fundo, ajeitando minha postura e sentando em pernas de índio sobre a cama.

⏤ Desculpa. Estou distraída. ⏤ confesso.

⏤ E vai me contar o porquê? ⏤ sua voz baixa me emite extrema empatia.

Eu me sentia confortável pra contar qualquer coisa para Kiara e Sarah, apesar de elas saberem como eu gostava de me preservar e guardar tudo pra mim. Sinto que elas usam isso como vantagem, pois cada vez que abro meu coração para as duas, é quase um carnaval pela minha dificuldade de expressar o que sinto.

⏤ Meus pais... foram fazer uma viagem. Não pude visita-los esse fim de semana. ⏤ forço um sorriso fechado.

Os olhos castanhos de Kiara me fitaram pela primeira vez desde que aquele assunto começou. Ela respirou fundo e deixou sua mala de lado, caminhando em minha direção e se aconchegando também na minha cama.

⏤ Olha, você não precisa ficar aqui sozinha. Pode ir pra Lahaina comigo. ⏤ nego com a cabeça repetidas vezes.

⏤ Está indo visitar a sua namorada. Não tenho o direito de atrapalhar vocês.

A cacheada tombou a cabeça pro lado, observando melhor o meu rosto. Ela acaricia minha mão de forma reconfortante.

⏤ Me viro bem sozinha, você sabe. Não se preocupa comigo.

⏤ Não me parece bem.

Kiara está visivelmente preocupada. Mesmo sem vontade alguma, coloco o meu melhor sorriso no rosto e beijo seus dedos da mão macia. Agora, ela deixa o semblante angustiado pra trás e sorri minimamente.

⏤ Prometo que está tudo bem.

Minha melhor amiga demora um pouco pra assentir, logo, beija minha testa e eu a ajudo à terminar de arrumar sua mala. Um pouco mais tarde, ela se despede de mim, dizendo que pra absolutamente qualquer coisa, era só eu telefona-la. Ela sabia bem que isso não iria acontecer, mas acho fofo sua preocupação. Estava feliz por ela. Sabia como seu curso era carregado e que seu momento de descanso era quando estava com Alissa. Ela fazia bem demais para a minha menina além de ser maneira pra cacete. Sinto falta dela por aqui. Está trabalhando demais em sua cidade, era plausível que não tivesse tempo para vir pra cá.

Durante todo o sábado, eu me sinto uma incógnita. Ninguém me mandou mensagem alguma me chamando para sair, afinal, eu só era íntima o suficiente das meninas do meu alojamento, e as duas tinham caçado seus devidos rumos pra suas famílias. Hoje o campus não está tão lotado como nos dias comuns exatamente pela brecha de poder ir pra casa descansar. Os alunos quase soltam fogos quando chega a sexta-feira. Incrivelmente, hoje não era eu que estava comemorando.

Eu deslizava pela tela principal do meu Instagram sentindo quase que meu corpo corroer de tédio. Só então, vejo que há uma nova notificação de que alguém novo me seguiu. Meu sangue ferve ao ler o nome de usuário. Pelo visto, ele não cansaria nunca. Não esteve satisfeito em passar vergonha me fazendo de seu urso de pelúcia durante o sono. Eu não tenho um pingo de paciência pra Rafe, de jeito nenhum.

Eu deixo o celular de lado e é literalmente questão de segundos para eu pular da cama com Sarah adentrando o nosso quarto feito um furacão. Ela joga as malas de lado, retira os sapatos e deita ao meu lado de costas. Ela não diz uma palavra. Fico quieta por algum tempo, tentando decifrar o que tinha acabado de acontecer e segurando as perguntas embaixo da língua, mas como sempre, ela parecia ler minha mente.

⏤ Meu pai e o Rafe brigaram de novo ⏤ sussurrou. ⏤ só faz carinho em mim até eu dormir e esquecer essa merda, por favor.

Só então noto como sua voz está embargada pelas lágrimas. Pouso meus dedos sobre seus fios loiros e cheirosos em um cafuné. Minha melhor amiga se aninha ao meu lado e, em minutos, adormece com a respiração calma. Acabo respirando fundo e encostando a testa em suas costas. Eu estava mesmo curiosa pra saber o que tinha acontecido, mas não perguntaria pra ela agora.

Também, não estou preocupada só com ela.

Toda vez que há um conflito envolvendo Ward Cameron e Rafe Cameron, as coisas sempre saem do controle. São exageradamente parecidos quando a questão é não abaixar a cabeça pra ofensas. Mas, eu também sabia como um lado da história sempre saía mais machucado. Obviamente era o mais novo.

A última vez que presenciei uma briga do pai e do filho foi no Natal. Após a meia-noite, me despedi dos meus pais porque Sarah havia me chamado pra ficar com ela após a virada. Quando cheguei lá, foram literalmente dez minutos de sossego, e a cena de Ward jogando o filho em cima da mesa cheia de comida nunca vai abandonar minha cabeça. Tenho arrepios toda vez que essas memórias vem à tona. Apesar da reputação e das atitudes, Rafe não merecia isso. Ser humano nenhum merece ser tratado feito bicho dessa forma.

Não posso evitar o aperto no peito. Apesar da idiotice que aconteceu, eu conheço Rafe desde que me entendo por gente. Frequentei sua casa, conheci sua família e sou grudada como carne e unha com sua irmã. Querendo ou não, tudo que era importante pra Sarah, também acabava se tornando pra mim.

Meus dedos vão até o perfil do garoto, retribuindo o follow. Só noto que meus dedos digitam uma mensagem pra ele quando estou prestes à enviar. Penso incontáveis vezes se era uma boa ideia me importar se nada havia saído dos eixos. Se não se tratasse de um assunto mesmo sério, eu estaria pouco me fodendo.

Estamos falando da relação mais tóxica de pai e filho que eu já presenciei na vida.

Ao mesmo tempo que solto meu ar, lhe envio a mensagem pelo direct.

E, literalmente cinco minutos depois, ele me responde.

Me arrependo no mesmo instante.

Maldito filho da puta.