
23 | Aquele com o Envelope
𝐀𝐐𝐔𝐄𝐋𝐄
𝒄𝒐𝒎 𝒐 𝒆𝒏𝒗𝒆𝒍𝒐𝒑𝒆
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Westwood, Los Angeles
12 de novembro
☁︎
Vivian encarava o chão naquele momento. Com pensamentos tão diversos rondando sua mente, enquanto podia ter o vislumbre dos seus pés balançando na sua frente de forma inquieta, demonstrando a sua ansiedade. A agonia interna em reviver aqueles momentos e finalmente estar lhes partilhando com alguém do seu ponto de vista.
Buscar por um psicólogo não foi problema. Na situação em que Vivian se encontrava, onde parte da sua vida havia sido totalmente exposta para os outros, tudo o que precisava era de alguém que realmente poderia confiar. E então remarcou uma sessão com a mesma psicóloga que já a acompanhava há três ou quatro anos.
A única que sabia da sua vida como ela contava, e que manteria segredo sobre tudo, respeitando sua moral de trabalho.
— E então?
A voz de Lizzie se fez presente na sala outra vez, mas Vivian já havia esquecido da pergunta enquanto pensava. E suspirou.
— Você acha que consegue sentir o mesmo, na mesma intensidade, por duas pessoas? — Ela repetiu, encarando a brasileira.
— Na mesma intensidade, não. Mas sei o que eu sinto pelos dois, e é tão similar que me assusta.
Ela responde com toda sua sinceridade, sorrindo, quase com desdém de si mesma. Se perguntava como poderia ser assim. Quais erros a tinham levado a alimentar aqueles sentimentos.
— E é essa intensidade que a impede de escolher um deles?
Vivian assentiu, estalando a língua logo depois.
— Tudo começou mais cedo com o Pedro, e eu sei que o que eu sinto por ele é um pouco mais forte. Mas eu não consigo “escolher” ele, ficar com ele, sabendo que eu tenho sentimentos por outra pessoa quase tão iguais aos que tenho por ele.
— Sente como se o traísse?
— Sim.
A resposta saiu em segundos, sem que ela sequer precisasse pensar sobre o tópico, e respirou fundo outra vez.
— Já não era justo antes, quando eram só sentimentos e conversas. Agora de fato aconteceu algo, o que é ainda pior. Já me envolvi com os dois, e mentalmente eu me sinto incapaz de comparar. Assim como me sinto incapaz de escolher.
— Muito bem…
Não era um elogio, ela estava apenas anotando mais alguma daquelas informações que iriam para a ficha de Vivian e que ninguém jamais teria acesso. Tudo para entender como ela lidaria com esse processo com o tempo. Como iria evoluir e se iria, o que imaginava que sim.
Vivian costumava ser uma pessoa bem resolvida, mas, mesmo assim, podia passar por turbulências, como estava acontecendo agora.
Ninguém era imune as armadilhas que o destino tramava.
— Você disse que sabe o que sente pelos dois. O que você sente?
Até então, ela não havia pensado sobre isso mais a fundo. Mas não deixava de ser verdade. Os sentimentos não deixavam de existir porque ela fingia que eles não estavam lá. Eles só cresciam com o tempo, mesmo naquelas tantas semanas em que ela havia os afastado. Não havia para onde fugir, como negar ou mentir. Ela não tinha opção a não ser falar, de uma vez por todas.
— Eu sinto.. apego. Carinho, paixão. Eu sei que se levássemos tudo mais a frente, eu poderia.. amar.
Lizzie parou de escrever no exato segundo em que a ouviu confessar, erguendo o olhar para a morena e a inspecionando. Ela havia sido sua terapeuta desde que a mulher chegou em Los Angeles, e sabia de todos os seus casos românticos, e que em nenhum deles ela esteve tão aberta para os outros e para si mesma como estava daquela forma.
Falar em amar de novo parecia um tópico distante para lidar, principalmente após o fim conturbado de seu último relacionamento, de anos atrás. E, se ela estava mesmo disposta a isso, se valia o risco, Vivian havia realmente mudado. A paixão pelos dois homens a havia mudado.
— Eu sei que parece precipitado, mas eu sinto que nunca fui tão similar e diferente de alguém, numa mesma medida, como eu sou com eles. É como se fôssemos um quebra-cabeça de três peças que nunca pode estar junto. Sempre falta uma na caixa.
— Você se sente incompleta sem um deles?
— Agora, me sinto incompleta sem os dois. Mas no dia em que Pedro foi me ver, eu.. Quis que Oscar estivesse lá.
Lizzie cruzou as mãos, deixando de anotar por um tempo.
— Porquê queria que ele estivesse lá?
— Para conversar. Sinto que se Pedro teve a chance de me ouvir com toda a minha sinceridade, ele deveria também.
— E como você sabe que essa.. Sensação de vazio sem um deles não é apenas você não suportando a ideia de não ter os dois, porque você já teve isso antes. Ou, porque, por dentro, não consegue se sentir bem quando sabe que alguém está magoado ou com raiva de você?
Ah, sim. Aquela velha sensação de achar que deve agradar a todos. Ou, pelo menos, de ter a consciência limpa sabendo que não havia ferido os sentimentos de ninguém. Vivian pensou com aquela resposta. E pensou muito, profundamente, tirando suas vontades submersas e expondo aqueles sentimentos guardados para si outra vez.
— Eu já sentia isso antes. Quando… não estávamos afastados. Quando tinha encontros com Pedro, ou com Oscar. Eu sentia que tinha que ser nós três.
— Tinha que ser?
— Eu queria que fosse.
As duas se olharam outra vez, com a psicóloga assentindo devagar e compreendendo. Em seu caderno, as notas lhe faziam entender bem a difusão de pensamentos da mulher em relação a como estava antes de tudo aquilo. Antes das suas férias, quando teve a última sessão. Uma viagem e foi o suficiente para lhe mudar por completo por dentro.
Antes que Lizzie pudesse complementar seu pensamento sobre aquela questão, o relógio marcando o tempo da sessão tocou, indicando o fim. Lizzie fechou o caderno, e Vivian suspirou, sentindo um certo peso ser tirado dos seus ombros.
Falar e ser ouvida. Esse era um dos remédios que ela precisava. Mesmo tendo feito isso com Florence e o próprio Pedro. Por algum motivo, agora parecia ser diferente.
— Não mentir, foi uma surpresa ouvir você falar tão bem sobre si e sobre seus sentimentos. Admiti-los em voz alta é importante para que seu racional e emocional compreendam e possam coexistir com isso. É algo que você precisava fazer, e, como sua terapeuta, eu sabia que aconteceria. Estava esperando o momento certo.
Vivian sorriu com conforto, tendo o olhar carinhoso de Lizzie sobre si. Definitivamente não eram as palavras que ela esperava ouvir quando saiu de casa para a terapia, mas que trouxeram um alívio tão bom para o seu peito, uma felicidade genuína. Algo que só aconteceu por reconhecer seu erro e buscar a melhora.
Por ela mesma e por eles.
— Obrigada, Liz. É.. Bom ouvir isso.
— Imagino que seja. Acho que podemos continuar com os encontros mensais.
— O que achar melhor.
— Perfeito. Se houver algum assunto e dificuldade que queira falar, podemos nos encontrar antes do previsto.
— Tudo bem. Obrigada novamente!
— Sempre disponha, querida!
Com um abraço caloroso, as duas se despediram, com Vivian saindo do consultório e descendo pelo elevador, respeitando seu próprio silêncio para apenas respirar fundo. Sem pensar demais, sem querer agir agora, impulsivamente. Com passos firmes, caminhou até o carro após passar da recepção, e só teve tempo o suficiente de sentar-se no banco e prender o cinto, quando o celular começou a tocar.
Não era incomum receber ligações, por menos que gostasse de atendê-las. Mas seu coração certamente bateu mais forte quando viu que era uma chamada de vídeo por Florence. Desde a confusão com os testes, ela não havia tomado coragem para fazer outros antes de conversar com Sam, que agora era oficialmente namorado após um pedido fofo que Vivian pôde presenciar.
Uma festa de halloween podia ser romântica as vezes.
Mas quando ela e Vivian conversaram sobre a morena finalmente estar indo para a terapia após meses e como havia tomado coragem para isso, Florence resolveu que devia parar de adiar e deixar o medo de lado. Havia feito a coleta ainda cedo e saiu do laboratório para abrir a cafeteria.
Agora, aparecia na tela de Vivian com o papel em mãos.
— Já saiu? — Vivian perguntou ofegante.
— Já! Sam saiu do trabalho e foi buscar.
— Oi, cunhada! — Sam gritou, virando o celular para que ela pudesse vê-lo acenando.
— Oii! Manda essa mulher abrir logo isso!
— Ela está quase estrangulando o envelope…
— Burra. Ei, explicaram o erro nos testes?
— Não. Disseram que pode dar falso negativo se a gestação for recente, e que o resultado válido dos testes é de até cinco minutos feito, depois pode acontecer de mudar sozinho, sim — Florence explica, voltando a virar o celular para si.
A ruiva então puxa o papel do envelope, enquanto Vivian pensava sobre a explicação que ela havia dado. E, enquanto Florence parece ler o que estava escrito, a morena tentava não roer as próprias unhas feitas há poucos dias.
A ansiedade dos três era uma só.
— Só diz números! Que porcaria de exame!
— Calma, amor.. Olha, diz aqui… Se a finalidade desse exame é teste de gravidez, o resultado acima deve ser considerado como..
— Positivo!
O grito de Florence quando lê faz um sorriso genuíno surgir nos lábios de Vivian, vendo perfeitamente quando o casal se abraça e, como boa cupido, aproveita do momento para tirar prints da chamada de vídeo, salvando aquele momento.
— Parabéns, casal! Titia Vivian chega na cafeteria em alguns minutos.
— Vem, titia. Nós três estamos esperando.
O sorriso de Florence era nítido, sem toda aquela tensão outra vez, como esteve no dia em que visitou a amiga. Tudo era diferente agora. Sam estava feliz e havia assumido compromisso com a mulher, cessando um daqueles seus medos. Aos poucos, tudo o que era certo estava voltando para o lugar.
Ainda feliz pela recente notícia, Vivian não se conteve quando parou o carro em uma daquelas lojas enormes a caminho de Bel Air, seguindo até a sessão de bebês e pegando alguns presentes consigo. Roupinhas de cor neutra e um par de sapatinhos brancos. Quando pagou tudo, voltou rápido para o carro, dirigindo até a cafeteria de Florence apenas tomando cuidado com a sinalização.
A ansiedade havia voltado para ela, mas agora por um bom motivo.
E, carregando os presentes, a bolsa e o celular na mão, ela adentrou a cafeteria, vendo Florence passar do balcão e correr até ela, dando um longo abraço na amiga. Ainda não haviam clientes, o que era menos estranho para quem visse de fora. E, pouco depois, quando as duas se afastaram, Vivian acariciou a barriga da ruiva, mesmo que ainda não mostrasse tamanho.
Sam, que estava sentado no balcão, sorriu, ficando de pé para abraçar Vivian. Os dois haviam se dado bem, compartilhavam a mesma energia calma o suficiente e surtados algumas vezes.
— Não me contive. O ruivinho já tem presentes! — Ela entrega a sacola enfeitada, ouvindo o riso de Florence.
— Eu sabia! Quando você demorou para chegar, eu disse a ele que você havia parado para comprar algo.
— Está ficando previsível, Vi.
— Se eu não comprasse nada, ela ia me xingar.
Os três riem, com os novos pais vendo os presentes que haviam ganho, e Vivian lia o papel que continha o resultado, buscando referências no celular para tentar calcular as semanas de gestação da amiga.
— Você deve estar com um mês e meio. Ou menos.
— Por aí. Vamos marcar a ultrassom para segunda.
— Aww… Sabe que tem que esperar até três meses para contar, para ter certeza… — Vivian diz, vendo os dois assentindo.
— Vai dar tudo certo, mas vamos esperar assim mesmo — Walsh comentou, puxando a mão de Florence para dar um beijo suave.
Os dois eram adoráveis juntos, e Vivian estava genuinamente feliz pelo casal, e por poder presenciar o momento. O dia havia ficado mais leve, um conforto que os três precisavam sentir. E logo começaram as conversas sobre se o bebê seria ruivo, como a mãe, ou loiro, como o pai. Era fofo de imaginar as possibilidades. Os momentos…
Eles podiam não ter total controle sobre o próprio destino, mas gostavam do caminho que suas vidas estavam tomando, mesmo com as surpresas inesperadas.
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Um capítulo mais morninho pra as coisas começarem a se acertar, como esperamos...
Já estamos entrando no último ato do livro, então não falta muito mais para acontecer. Apenas aguardem.
Beijoss!!
♡.
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