
ᥫ᭡ 030
— POR QUE ELA NÃO CONTA TUDO de uma vez por todas? — eu pergunto ao fim do episódio, cheia de dúvidas.
Desde segunda-feira nós quatro estamos assistindo à "Pretende Surpresa", um dorama da Netflix. Papai sugeriu que fizéssemos algum programa em família e esta foi a escolha de Felix. Eles já haviam começado antes, mas quando eu decidi me juntar a eles, Sumin disse que é nossa obrigação assistir tudo do começo. Desde então, estamos acompanhando a trama. Yongbok já decorou todas as falas.
Até o ponto em que assistimos, Hari está apaixonada por Taemoo, ela já o contou que estava se passando pela melhor amiga — cá entre nós, aquela peruca não engana ninguém —, mas os dois ainda não contaram nada ao magnata da família Kang.
— Se o Taemoo já sabe, por que ela não conta logo ao avô dele também? — questiono outra vez.
— É obvio! — Felix salta do seu lugar para me rebater. — Você já viu o que a Shin Hari já aprontou com o velhote? Ele vai detestar ela, mas é nunca que ele vai aprovar esse relacionamento.
— E ela manter isso em segredo dele vai mudar algo? — o pergunto de braços cruzados. — Quanto mais tempo ela mantiver isso em segredo, mais ela vai se embolar e mais chateado ele vai ficar por ela não ter explicado antes.
Meu irmão e eu estávamos prestes a começar outra briga por dorama. Eu queria dizer que não temos o costume de brigar por coisas bobas, mas nós somos deste tipo de irmãos. Ainda me lembro da primeira vez que aconteceu, foi quando assistimos "Herdeiros". Eu disse que a personagem principal era tão boba que chegava a ser chata, Yongbok falou que eu estava cometendo um crime e isso acarretou em uma grande discussão. Foi quando nós paramos de assistir juntos à k-dramas. Agora que lembro o motivo, penso que não é mais a melhor ideia.
Já é tarde da noite e nós não iremos mesmo começar uma contusão, meu pai está morrendo de rir enquanto Sumin ficava pedindo: "Crianças, não briguem". É claro quê não iremos, nós já passamos da fase — há recaídas —, agora somos civilizados.
— Já está tarde, vamos dormir que amanhã vocês tem aula — o outro Yang na casa diz, desligando a televisão. Meu irmão e eu ficamos chateados, mas temos que concordar.
— Boa noite pai, boa noite Sumin — digo me levantando e, quando Felix faz o mesmo, nós dois subimos os degraus para nossos quartos enquanto o casal continua na sala de estar.
A cada degrau pisado é alguma farpa lançada entre nós, meu irmão não vai sossegar enquanto eu não concordar com ele, mas eu não irei. Nós somos teimosos, nossos pais vivem reclamando sobre. Eu gosto de ter razão, é óbvio, mas o Lee está em outro nível, Felix tem a mania de algumas vezes tratar uma conversa como uma competição em que ele precisa ganhar. No geral, ambos somos extremamente competitivos.
Nunca chegamos a ter uma briga enorme, de fato, mas quem está vendo de fora sempre pensa que sim. Um dom bastante presente na nossa família é o da voz, usado casualmente para gritar. Quando conversamos pode ocorrer falas em tons deveras elevados que façam outras pessoas acharem que vamos começar a nos espancarmos a qualquer momento. Mas uma coisa importante sobre Felix e eu é que nós nunca, nunca mesmo, dormimos brigados um com o outro.
— Boa noite, Yoon! — ele me deseja em um bocejo, coçando os olhos e abrindo a porta do seu quarto.
— Boa noite, Lix! — eu digo.
Me despeço do meu irmão e espero que ele entre no seu quarto, para eu fazer o mesmo no meu, mas quando abro a minha porta, solto um grito de desespero.
Me assusto tanto que o som ecoa pelo corredor, fazendo um enorme eco. Meu melhor amigo e irmão volta ao lado de fora e me encara preocupado vendo a situação em que eu me encontro. Eu levo a mão ao peito e respiro ofegante de tão aterrorizada.
— O que houve? — Lee pergunta em um rompante.
— Ai meu Deus! — exclamo, tossindo de tanta a falta que me faz a respiração. — Esqueci a janela aberta, tinha um passarinho aqui dentro e ele voou bem na minha cara — eu conto uma meia verdade.
— Ele ainda está aí? — não sei se ele me pergunta para ajudar, ou para se esconder. — Você quer ajuda para tirar ele?
— Não precisa! — o impeço antes que ele entre no meu quarto. — Você não faz ideia do quanto eu queria me livrar dele, mas acabou de sair — o empurro para longe. — Obrigada, Lix! Boa noite, dorme bem, tchau! — digo apressadamente, batendo a porta e passando a chave.
— Então quer livrar-se de mim, Yang? — é Hyunjin quem me pergunta.
O bonito do Hwang está sentado na minha cama, com um de meus livros nas suas mãos, o folheando sem pressa. Parece estar gostando da maciez da minha cama, pois fica bem confortável nela. Já está se sentindo muito em casa. Pelo menos teve a consciência de deixar os sapatos encostados na janela e não sujar o meu quarto.
Por falar nela, vou até lá e a fecho antes que algum passarinho entre de verdade. Me esqueci completamente que a deixei assim, tornou-se um hábito involuntário. Mas mesmo que seja para ele que eu abri, faz algum tempo que ele não aparece — desde que Chris e eu terminamos, para ser mais exata —, então não esperei encontrá-lo aqui, por isso o susto.
Sento-me com ele e dou uma breve olhada no que ele lê, é "A Escolha", a continuação de "A Elite" e "A Seleção". Gargalho internamente, não imaginava que era o tipo de leitura que Hwang Hyunjin escolheria. Procuro observar as palavras que ele lê e rapidamente me dou conta dos seus pensamentos, passo a entender sua expressão facial de incredulidade.
As caras e bocas do garoto são cômicas, me divirto quando ele lê sobre as ações dos personagens e imita algumas como se viesse a trama. Acho que ele faz sem perceber, porque já o vi fazer algo desse tipo algumas vezes. É fofo, engraçado e, por breves instantes, me faz esquecer até que eu estou chateada pelo pânico que me causou agora pouco.
— Para quem está invadindo uma propriedade privada, você até que está bem confortável — digo.
— Oras, mas não é invasão se você diz que eu posso entrar por aquela janela... — ele aponta sem tirar os olhos do livro — ... quando eu bem quiser — ele me refuta, com razão.
— Você está certo — admito. — Mas não sabia que você é fã — aponto o livro.
Hyunjin enfim para de ler. Ele fecha o livro, o descansa ao lado do meu abajur, sobre a mesinha de cabeceira, e passa a me olhar diretamente. Hwang se espalha na minha cama, como se já não estivesse sendo folgado o suficiente.
— Comecei a ler faz algum tempo porquê me obrigou, já esqueceu?
— Oh, é verdade! — recordo. Ainda tenho uma certa dificuldade para associar Hyunjin e Wangja algumas vezes, ainda me parecem pessoas diferentes, quando não são. — Você está gostando?
— Não é tão horrível quanto pensei que seria — ele diz, mas sei que está adorando. — Eu já estou lendo este. Eu iria esperar até chegar em casa, mas você demorou tanto que eu resolvi fazer algo para passar o tempo.
— Faz muito tempo que você está aqui? — pergunto. Ele afirma positivamente com a cabeça. — Eu estava assistindo tevê com os outros, foi por isso que demorei.
— Uma família normal, legal — ele comenta com um fundo de amargor, raiva e arrisco, inveja.
— Somos una família legal, mas normal não, nunca. Você conhece o meu irmão? Ele é louco!
— Não fala assim, eu gosto dele — ele diz. Fico indignada, agora serão dois contra mim. — Na verdade, creio eu que a doida da família seja você. Você é louca de pedra, Jiyoon! — ele afirma convicto.
— Ei! — eu o dou um tapa. — Você veio aqui para me atormentar? — pergunto erguendo a mão, pronta para atacá-lo novamente, se preciso.
— Ai! — ele reclama de dor, levando a mão até o local onde os meus dedos ficam gravados. Eu deveria cobrar pela tatuagem, mas vou dar um desconto para amigos. — Não, mas também não vim para apanhar. Até porque...
— Ora, então me diga, para quê veio? — o interrogo, guardando a minha arma, os quatro dedos impressos na sua derme.
Hyunjin encolhe as pernas e se apoia melhor no meu travesseiro, descansando suas costas. Ele fica um tempo em silêncio, mas seu corpo fica inquieto, seus dedos dos pés movem-se sem calma dentro da meia preta. Imagino que queira me perguntar algo, mas conhecendo-o como conheço, ele vai tentar introduzir o assunto com calma. Hyunjin é o que minha mãe costuma dizer de alguém que "come pelas beiradas".
— Não é nada. Eu só fiquei pensando um pouco sobre a discussão que você e Bang Chan tiveram hoje cedo — ele diz. Sei que com "um pouco", ele quer dizer "muito".
— Estava pensando em quê, exatamente?
— Ah, sobre... — ele espalha os dedos pelos fios de cabelo. — Não sei — começa a soar estranho, impaciente. — Fiquei pensando sobre ele ter se irritado tanto com o nosso beijo. Quer dizer, quando você me beijou — ele corrige.
Eu suspiro. Não sei o que detesto mais, se é falar sobre o beijo, ou sobre como isso chateia Chris.
— Ele ficou chateado, outra vez por culpa minha — admito a culpa. — Sabe, eu queria voltar no tempo e mudar isso. Se eu tivesse escolhido ser apenas amiga dele, ninguém estaria sofrendo agora — digo, encolhendo os meus pés também. — Você deve me odiar, não é? Eu parti o coração do seu melhor amigo.
Ele respira fundo, eu também.
— Nós dois já tivemos esta mesma conversa antes — ele diz, mas eu não lembro quando.
— Tivemos? — pergunto. — Quando?
— Quando você esteve na minha casa — ele responde. Tento puxar as memórias daquela noite, mas não consigo. — Pare de pensar besteiras, eu não vou a lugar nenhum — ele diz exatamente as palavras necessárias para me fazer, tanto lembrar do momento, quanto aquecer o coração.
— Obrigada, Hyunjin.
— Estou aqui, mesmo que eu tenha sido um erro para você — ele fala, relembrando o que respondi a Chan sobre ter o beijado.
— Não fale assim, foi você quem me afastou — eu tento não parecer que estou lamentando.
— Você queria que eu não tivesse parado? — ele me questiona. Fico imóvel, perco a capacidade cognitiva. — Se eu te afasto é porque você me confunde — ele fala, vejo o seu corpo dar sinais de que está bravo, chateado. — Você me diz uma coisa, depois diz outra e de repente quer mudar de ideia?
Não entendo nada do que ele diz, fico tão perdida que parece que ele está falando em códigos. E olha que se fosse o morse eu compreenderia.
— Eu não entendo. Sobre o que estamos discutindo?
— Você disse que me odiava, Jiyoon — ele recorda do princípio. — Depois me contou que houve um mal entendido e que não era o que sentia de fato. Você quis que nós dois fossemos amigos e esteve tudo bem por mim. Mas toda vez que você diz uma coisa, sempre acaba falando outra para se contradizer, como aconteceu quando esteve em minha casa.
— Hyunjin, eu te juro, não sei o que aconteceu naquela noite depois que você me buscou no bar — conto a verdade, minha mente é um borrão. — A próxima coisa que eu lembro daquele dia é você segurando meu cabelo enquanto eu vomito. Depois disso, só o outro dia.
Hyunjin perde a cabeça. E lá vamos nós, outra vez brigando, logo após um momento fofo.
O garoto se levanta da minha cama e passa a andar de um lado para o outro do quarto sem parar, eu tento acompanhar o seu ritmo mas não consigo. Hwang passa as mãos pelos cabelos, respira fundo e evita olhar para mim por um tempo. Quando seus olhos caem sobre mim outra vez, sinto um arrepio, mas não do tipo positivo.
— "Eu ainda sou apaixonada por você, Hyunjin" — ele cita. — Isto refresca a sua memória, Yang?
Ai, meu Deus!
Quando ele diz, eu perco o equilíbrio, tropeço nos meus pés e por sorte caio na minha cama. Um flash de memória corre na minha mente, ele me leva ao passado, onde Hyunjin e eu estamos juntos, deitados no chão depois que eu tropeço nos meus próprios pés como agora, mas caio no chão. No instante começo a rir como louca e ele não entende nada, fica ainda mais preocupado e cobre a minha boca até que eu pare.
— Jiyoon, você está bem? — ele me perguntou naquela noite.
— Não, eu não estou... — o confessei com os olhos cheios de lágrimas.
Hyunjin se mostrou preocupado, me ajudou a sentar na cama e tentou descobrir o que eu tinha, mas eu não consegui controlar o choro por um bom tempo.
— Hyun-ji-jin... posso te contar um se-segredo? — perguntei aos soluços de tanto chorar.
— Claro — ele disse.
— Eu odeio isso! — falo, ameaçando chorar novamente. — Eu... não quero ser sua amiga — o conto. — Eu ainda sou apaixonada por você, Hyunjin.
É então que eu volto para o presente.
Não acredito. Eu realmente disse, realmente falei que gosto dele e não me lembrei de nada. Depois do que falei, foi quando senti o vômito vir e Hyunjin me arrastou até o banheiro. Por isso ele não acreditou que eu tinha me esquecido. Se eu lembrava de ter vomitado, como poderia esquecer o que se passou segundos antes?
Como eu fui deixar o meu cérebro se esquecer de algo assim?
— Hyunjin, eu realmente não lembrava, estava embriagada — tento arrumar uma desculpa para justificar minhas ações, porque admitir que o que eu disse é uma verdade seria me arriscar demais.
— Você não vê que este é exatamente o problema? — ele interroga. A veia saltando no seu pescoço parece querer explodir, fica pior quando ele discute em tom de voz baixo, para que não chamemos a atenção da minha família.
— Eu bebi, foi um erro, mas já te disse que não irei repeti-lo.
— Você anda cometendo vários erros, não é mesmo? Mas é engraçado, você não parece querer evitá-los — ele diz, furioso. — Eu não te entendo, juro que não entendo.
— O que você não entende? — pergunto. — Ou melhor, o que você entende? Me avisa porque eu te garanto que nem eu me compreendo mais.
— Eu não entendo quando suas palavras são reais ou apenas uma tentativa de manipular os outros — ele diz, me ferindo como bala de prata. — Se você ainda gosta de mim, por que não diz isso olhando nos meus olhos? Por que você precisa se esconder na bebida para ser honesta sobre os seus sentimentos?
— Isso não importa — eu me perco na minha própria confusão. — Não importa se eu gosto de você ou não, Hyunjin. Isso não muda o fato de que você é o melhor amigo de Chan, o meu ex-namorado.
— Jiyoon, quer saber? Para mim, já deu! — ele diz, passando as mãos pelos cabelos, entregando seu nervosismo. — Eu não quero mais ouvir sobre isso, nem sobre você.
— Hyunjin, calma... — eu seguro o seu braço.
— Não! — ele se solta de mim. — Serio, não venha atrás de mim. Não me procure enquanto você não entender o que se passa com o seu coração, você só vai acabar machucando todo mundo ao seu redor.
Ele fala e me deixa. Hyunjin pula a janela sem se importar com a altura, ele é louco. Eu corro imediatamente até lá, para me certificar de que está bem e o encontro de pé, correndo para pular a cerca nos fundos que divide nossas casas.
Eu penso em gritar por ele, mas já é tarde de mais, ele foi embora. Eu tranco a janela e volto para a cama, me jogo debaixo das cobertas e me estresso comigo pelas coisas que fiz, o resto da noite. Quero gritar, chorar, recuperar o que estava começando a ter com Hyunjin. Até quando eu vou continuar fazendo as mesmas escolhas erradas?
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