
ᥫ᭡ 002
O SOL SE MOSTROU RADIANTE diante da janela de Felix, assim que o dia amanheceu. Olho o relógio de cabeceira, são 06:00h e eu já o invejo por algo tão banal quanto é conseguir dormir. Não consegui pregar o olho por mais de duas horas, meus olhos tem tantas olheiras quanto há lágrimas.
Com pequenos sacolejos eu acordo meu irmão e evito ao máximo o contato visual, os meus olhos entregam por si só a tristeza que carrego. Yongbok se vira na cama e pede mais dez minutos, quando percebo que ainda é final de semana e não temos aula eu o concedo o desejo, ele volta a dormir e eu para o meu quarto.
Pego uma toalha, uma muda de roupa e vou direto ao banheiro. Assim que a água doce molha as minhas costas, a salgada molha o meu rosto, por mais que evite chorar as lágrimas escorrem sem espera. Choro em silêncio repreendendo esse sentimento inquietante dentro de mim, não consigo parar de me ver como estúpida ao sentir tanto por algo como isto.
O banho acaba mas as lágrimas não, parece uma tortura sem fim. Eu procuro escovar os dentes, me vestir e dar um jeito no cabelo, mas nada me faz sentir melhor hoje, cada vez que me olho no espelho sinto-me inútil. Eu entendo que é um sentimento passageiro, que assim como tudo que sentimos há um pico, mas que alguma hora acaba. Gostaria de poder fazer o tempo passar, assim me livraria desta angústia.
De volta ao meu quarto, em um ato de desespero eu abro o aplicativo laranja no meu próprio celular e nele entro em um dos rascunhos não publicados da história em andamento. Na minha mente todo o enredo já havia sido programado e colocado no rascunho escrito "Roteiro & Informações", mas de repente, joguei todo o planejamento para o ar e reescrevi um certo ponto da história para algo que condiz melhor à maneira como me sinto agora.
Cada palavra escrita pesa a mais no meu coração, o meu rosto molhado prova isso. O que coloco em texto é sentimental e completamente pessoal, mas quem saberá se no final eu troco todas as vezes em que escrevi "Hyunjin" por "Hyunbin"? Não importam quais sejam as palavras ou o nível de exposição, eu preciso disso. Quando o faço, é porque preciso desabafar, porque preciso compartilhar com alguém a dor, quero que mais alguém senta comigo, que console o personagem quando na verdade está me consolando. Eu quero me abrir com alguém, mesmo que eles nunca realmente saibam que sou eu quem na verdade está sofrendo.
Ao terminar de escrever apenas fecho o computador, não irei publicar nada ainda, preciso revisar tudo com muito cuidado, já que as lágrimas nos meus olhos impedem uma visão limpa e os sentimentos à flor da pele atrapalham minha interpretação. Respirei fundo e entrei na internet à procura de algum vídeo engraçado que me faça sorrir, mas o meu refúgio sempre acaba voltando à musica.
Quando encontro os meus fones de ouvido no meio da bagunça que é a minha penteadeira, os coloco nos ouvidos, ponho a minha playlist de festa — porque é a mais alto-astral de todas — e junto as minhas maquiagens em frente ao espelho. A primeira música toca e eu já me sinto mais relaxada, no mesmo instante começo realçando o desenho natural das minhas sobrancelhas. Eu fiz uma maquiagem simples e bonita, a única coisa que terei de caprichar mesmo é no corretivo para disfarçar as olheiras aparentes. Quando pronta e decidida, me juntei aos outros na sala de estar.
— Bom dia, princesa! — papai me saudou em seu perfeito humor, ele como sempre, estava lendo as notícias no seu iPad logo pela manhã. Quando criança o meu pai era o cara que ficava sentado em uma poltrona de couro, com uma xícara de café em uma mão e um jornal em outra, mas quando os jornais físicos pararam de ser entregues, ele se adaptou as tecnologias como pôde.
— Bom dia! — respondo simples, gostaria de estar no mesmo humor que ele, todavia o meu não era o pior.
— E esta carinha, ainda está com sono? — ele questiona ao ouvir um bocejo meu.
— Sim — respondo uma meia-verdade. Mas, antes que a conversa continue daqui e venham a surgir perguntas que precisarei responder com mentiras se não quiser parecer ridícula, continuei: — Para onde nós vamos? Sumin me contou que iremos sair juntos hoje.
— Sairemos após o café, tem um lugar que eu quero que você e o Felix conheçam — ele não esclareceu as minhas dúvidas, apenas me manteve mais curiosa. — Sirva-se querida, seu irmão já deve chegar também.
Eu não estava com fome, tampouco sujaria os dentes que acabara de escovar com algo solido, então tomei apenas uma xícara de leite quente. Minha falta de apetite não se deve apenas pela falta de ânimo, o real motivo é que raramente acordo com fome durante as manhãs. Só tomei o leite para me esquentar e tentar manter os olhos abertos, mas está mesmo é me dando mais sono.
Pouco tempo depois os outros dois juntaram-se a nós e quando todos se deram por satisfeitos, fomos para o carro. Desta vez é meu pai quem está no volante, ele adorava andar de carro pela cidade comigo e mamãe quando eu era pequena, é uma das coisas que me lembro claramente da minha infância. Ele ainda tem o mesmo hábito de dirigir com a janela baixa, sentindo o vento entrar pelo espaço vazio enquanto uma música antiga toca.
Eu olho pela minha janela e percebo conhecer o caminho, estávamos perto da minha escola. Para onde estamos indo? Para lá não pode ser, eu penso. Nós passamos em frente a fachada do colégio mas continuamos no mesmo bairro, umas duas ou três ruas depois nós estacionamos.
— Viemos visitar alguém? — pergunto diante do casarão após descermos do carro. Meu amigo Seungmin mora neste bairro, mas sua casa é um pouco mais distante do que estamos.
— Não parece que alguém mora aqui, Jiyoon — Felix diz, rondando o local com os olhos curiosos.
— Não ainda — diz o patriarca Yang.
— O que você quer dizer com isso? — Lix questiona. O homem mais velho então respondeu com uma ação, pegou o molho de chaves do bolso e abriu a porta com uma delas, nos dando a visão vazia de paredes, divisórias e interruptores.
— Crianças, sejam bem-vindos a nossa casa nova! — Ahn Sumin respondeu em palavras.
— Casa nova? — Felix pareceu bem mais surpreso do que eu. — Como assim? Por que eu sou o último a saber? E o nosso apartamento? — ele está cheio de perguntas hoje.
— Nós gostamos de lá, meu filho. Mas sua mãe e eu achamos que aqui é melhor para nós, fica perto do trabalho e do colégio, não precisaremos mais nos preocupar com manutenção e demora de elevador, atrasos ou que fiquem sozinhos em casa. Alguns dos seus amigos moram aqui perto, vocês nunca vão ficar sozinhos.
— Mas... mãe? — Felix procurou palavras, ainda não aparenta estar contente com a mudança.
— Sei que não parece muito conosco ainda, meu amor, mas verá que quando tudo estiver no devido lugar, você se sentirá em casa — Sumin tentou conformá-lo.
— Se é o que vocês querem... — ele irá aceitando melhor a ideia com o tempo. — Pelo menos agora vou poder dormir dez minutos a mais antes de ir para a escola.
— Vocês dois vão — papai corrigiu. — Jiyoon, Sumin e eu conversamos e... nós queremos que você venha morar conosco de uma vez por todas.
— Eu? — pergunto, mas não vejo outra Jiyoon por perto.
— Sim. Vai ser bom para você também, vai ficar perto da escola, de mim, do seu irmão — meu pai não consegue controlar a empolgação. — O que você nos diz, princesa?
Eu não sei, não faço ideia.
Legalmente, eu deveria ficar com a minha mãe até a maioridade, que já atingi no início do ano. Mudar para a casa do meu pai parece envolver ainda uma boa conversa com as duas partes, fora que também não sei se quero deixar a mamãe sozinha. Ao contrário do meu pai ela nunca se casou com outra pessoa, ela nunca teve nada sério o suficiente para me apresentar. Ir embora de casa seria abandonar ela também.
Por outro lado, eu acho que seria ótimo morar com o papai, Felix e Sumin, vivenciar essa nova experiência a longo prazo. Como eles já disseram, é perto do colégio e dos meus amigos, vou poder descansar mais antes das aulas e ter alguém para ir comigo à escola todos os dias, não precisaria mais ir sozinha e pegar um ônibus cheio em dias de semana.
— Pai, eu posso pensar melhor sobre isso? — pergunto receosa em dizer um "sim" logo de cara, sem falar com a minha mãe primeiro. — Acho que preciso falar com a mamãe antes de decidir algo. Eu já sou maior, mas permaneço filha dela.
— Claro! — ele concorda. — Mas você me promete que vai pensar com muito carinho?
— Eu prometo!
— Então vamos, vocês precisam conhecer o quintal — Ahn comentou animada.
Nós fomos imediatamente para os fundos da casa, onde tinha um amplo quintal com cobertura e até uma piscina, tudo cercado por uma cerca alta que ainda assim era possível ver os fundos da casa vizinha. O imóvel é realmente dez vezes melhor que o apartamento em que eles moram agora, além de mais espaçoso e bem localizado, dá para fazer ótimas festas aqui. E sei que Felix vai odiar estar presente em todas elas.
Eu me sentei à sombra de uma árvore, dando uma olhada ao redor enquanto espalhava os dedos na grama amarelando. Foi quando resolvi abrir o aplicativo laranja para ver se tinha alguma notificação, alguma mensagem. Mais especificamente, eu procurava por mensagens de texto do Wangja¹ (왕자).
Wangja ou ﹫httpsycho é um amigo virtual que fiz no Wattpad, ele foi o meu primeiro leitor e nós conversamos desde aquela época, nos tornarmos muito próximos e passamos a dividir quase tudo, menos questões super confidenciais. Embora sejamos amigos, são mínimas as informações pessoais que temos um do outro — sendo elas apenas nacionalidade e sexo —, nem mesmo sabemos se já nos encontramos na vida fora das telas. Mas acho que saberia se o conhecesse, seria impossível eu não reconhecer alguém tão marcante na minha vida.
Dou uma analisada nas mensagens e vejo uma dele perguntado se estou bem, já fazem alguns dias que eu dei uma sumida, ele deve estar preocupado. Respondo com um "É complicado" e digo que conversamos mais tarde. Eu desligo a tela do meu celular assim que vejo Felix se aproximar de mim, o moreno carrega duas caixinhas de suco de uva nas mãos, quando me encontra entrega-me uma e senta-se ao meu lado.
— Como você está? — ele pergunta sem me olhar diretamente nos olhos.
— Como se um caminhão tivesse passado por cima de mim — exagerei. — Aí o caminhão deu ré e passou de novo para se certificar que fez direito — exagero mais ainda.
Ele riu. É bom que um de nós esteja se divertindo com a situação.
— Que bom que pelos menos um de nós está sorrindo no meio de tanta desgraça — fiz um bom drama. — Estou brincando, para ser sincera, agora me sinto melhor do que ontem.
— E vai continuar melhorando, só não esqueça que está tudo bem que se sinta mal com isso, você gosta dele. É compreensível. Você não precisa fingir que está bem só porquê não quer parecer fraca ou boba, Jiyoon. Admitir suas fraquezas fazem de você alguém forte.
— Que ótimo conselho, para alguém que nunca nem namorou.
— Você sabe que treinador não joga — ele diz em um tom risonho. — E olha quem fala, você que além de não namorar está sofrendo como se houvesse terminado um relacionamento de anos.
— Obrigada por jogar na minha cara, fofinho.
— No fim das contas, é o meu papel como irmão — ele diz. — Você está pensando em vir morar com a gente? — pergunta.
— O que é que você acha sobre isso tudo? — peço sua opinião, que para mim, é uma das mais importantes.
— Também me sinto estranho, mas acho que vai ser bom. Seungmin mora aqui perto, não vou chegar atrasado na escola e sem tomar café da manhã, também é tranquilo aqui, no nosso prédio tem alguns vizinhos bem inconvenientes — ele me deu sua opinião sincera. — Se você vier será legal também.
— Não vou mentir, eu estou tentada a vir. Mas ao mesmo tempo, não quero deixar a minha mãe. Somos só nós duas em casa e eu sei que o mais próximo de uma criança que temos lá sou eu, mas não quero deixar ela sozinha. Ela trabalha muito e tem dias que chega bem tarde, quando isso acontece eu preparo o jantar e arrumo tudo em casa, por essas razões eu me paro pensando em como seria se eu não morasse com ela. Se ela pularia refeições ou se iria para a cozinha mesmo depois de um dia estressante no hospital.
— Eu entendo o que você quer dizer, mas tente fazer a escolha pensando em você. O seu pai também viveu sozinho por sete anos até casar com a minha mãe e ficou bem, sei que ela também vai.
— Eu vou pensar com carinho.
— Eu não quero influenciar na sua decisão, mas se você viesse nós dois poderíamos, não sei... sair escondido para a casa de algum dos nossos amigos e ficar até tarde — ele sugere, mas sei que tem medo que os pais descubram. — Se você contar a mamãe que eu dei a ideia eu te mato!
— Não vou, pode relaxar — eu ri do seu desespero repentino. — Vem comigo, vamos conhecer o resto da casa — o convido de pé. — O quarto maior será meu!
Eu corro em direção à porta dos fundos e Felix faz o mesmo, me arrependo no mesmo instante porquê sei que ele é completamente mais rápido do que eu. Como o esperado ele chega antes, entra pela porta de correr transparente, a empurra em direção a parede para que eu não entre e diz "Apenas pessoas autorizadas, aqui é a porta dos fundos!".
Sério Felix, como eu te amodeio.
❝Se Shin Yoojung não estava louca, qual outra razão teria para estar ali, no jardim dos Park depois de sua antiga sogra tê-la humilhado naquele exato local? A resposta para tal pergunta era curta, mas jamais simples, ela resume-se a uma palavra que consigo carrega mais significado que qualquer coisa já descrita: amor.
A mulher de longos cabelos caramelos foi correndo de encontro as flores, seu coração voltava a encher-se de vida apenas por ansiar vê-lo outra vez. Ela o viu pela janela do quarto dele e naquele momento ela sentiu algo dizendo-lhe que deveria voltar, mas ignorou os seus instintos e continuou o caminho de espinhos que percorria. Estar ali era muito para ela, ele reconheceu a sua coragem, seu esforço, seus sentimentos. Opor-se até as suas famílias, era a mais pura forma de amor.
Yoojung então saiu às pressas do jardim e foi direto a porta de entrada da casa, onde não esperou nem ser convidada, simplesmente abriu a porta e saiu rápido em direção ao quarto de Hyunbin antes que pudessem detê-la. A Shin só desejava uma coisa: estar de volta aos braços do homem que ama.
Ao chegar de frente ao quarto de Park, ela esperou tanto quanto fez para subir àquela porta — nada —, ansiava poder o abraçar e mantê-lo o mais perto que conseguisse. Colado ao seu peito esquerdo para ocupar o lugar que sem pouco esforço já lhe pertencia, que era seu por direito, o coração.
Mas o que acontece de fato aqui, é que na vida nem tudo são belas flores como as encontradas naquele jardim. Às vezes, quando você ama alguém, fica cego por aquilo e não vê os espinhos que estavam diante dos seus olhos por todo esse tempo. Sendo assim, quando a venda finalmente cai e os seus olhos estão livres para enxergar a verdade, o seu mundo parece desabar. Depositar as suas esperanças, sentimentos e expectativas em alguém pode ser completamente frustrante. Shin Yoojung sentiu-se ferida, traída, violada e morta por dentro exatamente assim que viu Park Hyunbin dentro daquele quarto ainda com poucas vestes, e acompanhado.❜❜
Glossário
Wangja¹ (왕자): Principe.
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