103 | The Cave
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103. A Caverna
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Não estou preocupado,
meninos. Estou com vocês
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Senti o cheiro de sal e o marulho das ondas; uma brisa leve e gelada despenteou meus cabelos quando me virei para contemplar o mar enluarado e o céu de estrelas. Estava parada no alto de uma rocha escura, sob a qual a água espumava e se revolvia. Eu olhei por cima do ombro. Às minhas costas, erguia-se um penhasco, escarpado, negro e indistinto. Algumas rochas, como aquela em que eu, Harry e Dumbledore nos achávamos, pareciam ter se destacado da face do penhasco em algum momento do passado. Era uma paisagem desolada e agreste; a monotonia do mar e da rocha sem árvore, capim ou areia a interrompê-la.
— Que é que vocês acham? — Perguntou Dumbledore. Era como se estivesse pedindo a nossa opinião sobre um bom lugar para um piquenique
— Eles traziam mesmo os garotos do orfanato para cá? — Perguntei; não conseguia de forma alguma imaginar um local menos convidativo para um passeio, principalmente com crianças
— Não era bem para cá. Há uma aldeiazinha a meio caminho dos rochedos às nossas costas. Acredito que traziam os órfãos para tomar um pouco de ar e ver as ondas. Não, acho que apenas Tom Riddle e suas jovens vítimas algum dia visitaram este lugar. Trouxas não poderiam chegar aqui, a não ser que fossem alpinistas excepcionais, e barcos não podem se aproximar das pedras; as águas ao redor são muito perigosas. Imagino que Riddle tenha descido; a magia teria sido mais útil do que as cordas. E trouxe com ele duas crianças pequenas, provavelmente pelo prazer de aterrorizá-las. Acho que só a viagem em si teria bastado, não?
Tornei a erguer os olhos para o penhasco e senti arrepios.
— Mas o destino final de Tom, e o nosso, fica um pouco mais adiante. Vamos.
Dumbledore fez sinal a mim e Harry para nos aproximarmos da borda da rocha em que vários nichos pontudos serviam para apoiar os pés e davam acesso às pedras arredondadas e semissubmersas na água junto ao paredão rochoso. Era uma descida traiçoeira, e Dumbledore, ligeiramente estorvado pela mão murcha, movia-se com lentidão. As pedras mais abaixo escorregavam por causa da água do mar. Eu sentia os salpicos de água salgada baterem em seu rosto, às vezes me entreolhando com Harry e suspirando com medo. Acho que o pior de tudo é que estava frio e eu estava de short, justo hoje eu não coloquei uma calça, nem mesmo uma meia-calca.
— Lumus. — Disse Dumbledore, ao chegar à pedra mais próxima do paredão
Centenas de pontinhos de luz dourada faiscaram na superfície escura do mar a menos de um metro abaixo do lugar em que estava agachado; a parede negra do rochedo iluminou-se também.
— Estão vendo? — Perguntou o diretor em voz baixa, erguendo um pouco mais a varinha. Me inclinei e vi uma fissura no penhasco onde a água escura remoinhava — Vocês não se importam de se molhar um pouco?
— Não. — Respondemos juntos
— Então, tire a sua Capa da Invisibilidade, Harry, não é necessária agora, e vamos dar um mergulho.
Nesse exato momento, Harry me olhou e eu soube bem o porquê. Eu não sei nadar e meu amigo sabe disso.
— Só segura meu braço, eu te ajudo. — Sussurrou ele me dando um sorriso pesado, triste, mas que dizia que ele ele estava ali pra mim
Realmente era muito bom que hoje eu não estivesse de salto alto e sim com um sapato baixo normal. Pensei quando observei, com a súbita agilidade de um homem mais jovem, Dumbledore escorregar pela pedra, cair no mar e começar a nadar de peito, com movimentos perfeitos, em direção à fenda na face do penhasco, a varinha acesa presa entre os dentes. Harry tirou a capa, enfiou-a no bolso e se virou para mim, estendendo o braço.
— Ok, vamos. — Suspirei fundo, enquanto ele me dava a mão para entrar na água junto com ele, e assim acompanhamos o diretor de forma lenta
A água estava gelada; as roupas pesadas de água enfunavam-se em torno de mim e me puxavam para baixo. Harry não estava tendo muita dificuldade em me ajudar, embora eu estivesse com muito frio e assustada, nunca gostei de nadar, pois lagos, oceanos, o mar em si me assusta.
Sorvendo profundamente o ar que enchia suas narinas com um travo de sal e algas, Harry, me puxando com ele, nadou em direção à luz bruxuleante que diminuía à medida que adentravámos a caverna.
A fenda logo se alargou, formando um túnel escuro que eu sabia que se encheria de água na maré alta. As paredes limosas tinham menos de um metro entre si e refulgiam como piche molhado à passagem da luz empunhada por Dumbledore. Um pouco mais para dentro, a passagem fazia uma curva para a esquerda, e vi que se embrenhava profundamente na rocha. Continuamos a nadar na esteira do diretor, as pontas de meus dedos dormentes roçando a rocha úmida e áspera.
Então o vimos sair da água mais adiante, sua cabeleira prateada e as vestes escuras refulgindo. Quando Harry e eu chegamos ao mesmo ponto, nos deparamos com degraus que conduziam a uma ampla caverna. Harry me ajudou a subir a escada, a água escorrendo de nossas vestes encharcadas, quando emergimos, tremendo descontroladamente, no ar parado e
enregelante.
Sem casaco e sem calça, não podia ficar pior.
Dumbledore estava de pé no meio da caverna, a varinha no alto, e girava lentamente no mesmo lugar, examinando as paredes e o teto.
— É, é este o lugar. — Confirmou Dumbledore
— Como o senhor pode saber? —Perguntou Harry num sussurro
— Tem magia conhecida. — Respondeu Dumbledore com simplicidade
Eu não conseguia definir se os arrepios que eu estava sentindo se deviam ao frio que penetrava meus ossos ou à mesma percepção de encantamentos. Apenas observava, juntamente com Harry, enquanto Dumbledore continuava a girar, evidentemente concentrando-se em coisas que não éramos capazes de ver.
— Isto é apenas a antecâmara, o saguão de entrada. — Disse Dumbledore, passados alguns instantes — Precisamos penetrar a câmara interior... agora os obstáculos erguidos por Voldemort é que barrarão o nosso caminho, e não os que a natureza criou…
O diretor se aproximou da parede da caverna e acariciou-a com os dedos enegrecidos, murmurando palavras em uma língua estranha que não entendi. Duas vezes Dumbledore andou ao redor da caverna, tocando a maior área da rocha áspera que pôde, parando ocasionalmente, correndo os dedos para frente e para trás em um determinado ponto, até parar finalmente, a mão espalmada contra a parede.
— Aqui. — Disse ele — Passaremos por aqui. A entrada está oculta.
Eu não perguntei a Dumbledore como sabia. Nunca vi um bruxo resolver as coisas assim, simplesmente com o olhar e o toque; mas já descobri, havia muito tempo, que estampidos e fumaça eram, em geral, marcas de inépcia e não de capacidade.
Dumbledore se afastou e apontou a varinha para a parede rochosa da caverna. Por um instante, apareceu ali o contorno de um arco, fulgurante e branco como se houvesse uma forte luz por trás da fresta.
— O senhor conseguiu! — Exclamou Harry entre os dentes que castanholavam de frio, mas, antes mesmo que as palavras saíssem de sua boca, o contorno desapareceu, deixando a rocha mais nua e sólida que antes. Dumbledore se virou.
— Harry, Rox, desculpem, me esqueci. — E apontou imediatamente a varinha para nós dois, fazendo nossas roupas ficaram instantaneamente quentes e secas como se tivessem sido penduradas diante de um fogo escaldante
— Obrigada. — Agradeci, mas Dumbledore já voltara sua atenção para a parede maciça da caverna. Não tentou outros feitiços, simplesmente ficou ali, parado, observando a parede com atenção, como se nela estivesse escrito alguma coisa de extraordinário interesse. Harry e eu ficamos muito quietos; não queríamos perturbar a concentração de Dumbledore.
Então, passados dois minutos completos, o diretor disse baixinho:
— Ah, certamente que não. Tão grosseiro!
— O quê, professor?
— Está me parecendo — Disse Dumbledore, enfiando a mão boa nas vestes e tirando uma faquinha de prata do tipo que eu usava para cortar ingredientes para poções — que precisamos pagar para passar.
— Pagar?! — Exclamou Harry enquanto eu franzia a testa — O senhor tem de dar alguma coisa à porta?
— Tenho. Sangue, se não estiver muito enganado.
— Sangue? — Eu ergui as sobrancelhas muito espantada
— Eu disse que era grosseiro. —Comentou Dumbledore, em tom desdenhoso e até desapontado, como se Voldemort se mostrasse aquém dos padrões esperados — A ideia, como certamente vocês terão captado, é que o inimigo deve se enfraquecer para entrar. Mais uma vez, Lorde Voldemort não conseguiu compreender que há coisas bem mais terríveis do que a lesão física.
— Bem, mas se for possível evitar... —Replicou Harry, que já sentira dor suficiente para não querer mais
Eu piscava os olhos, incrédula, não estava conseguindo acreditar naquilo.
— Às vezes, porém, é inevitável. — Disse Dumbledore, jogando para cima a manga das vestes e expondo o antebraço da mão machucada
— Professor! — Protestou Harry, adiantando-se depressa ao ver Dumbledore erguendo a faca — Eu faço isso, sou…
Ele parecia não saber o que dizer: mais jovem, mais apto? Dumbledore, porém, apenas sorriu. Houve um lampejo prateado e um esguicho escarlate; a face da rocha pontilhou-se de gotas escuras e brilhantes.
— Você é muito bom, Harry. — Disse o diretor, agora passando a ponta da varinha no corte profundo que fizera no próprio braço, fechando-o instantaneamente, da mesma maneira que Snape curara os meus ferimentos — Mas o seu sangue vale mais do que o meu. O seu e o de Rox. Ah, parece que deu resultado, não?
O contorno fulgurante de um arco reapareceu na parede e, desta vez, não se apagou: a rocha suja de sangue circunscrita pelo arco simplesmente sumiu, deixando uma abertura para uma aparente e absoluta escuridão.
— Depois de mim, acho. — Disse Dumbledore, e ele cruzou o arco comigo e Harry em seus calcanhares, acendemos depressa a varinha ao entrarmos
Nos deparamos com uma cena extraordinária: estávamos à beira de um grande lago negro, tão vasto que eu não conseguia divisar suas margens distantes, em uma caverna tão alta que seu teto não era visível. Uma luz verde e indistinta brilhava ao longe, talvez no meio do lago; refletia-se na água imóvel abaixo. O brilho verde e a luz das três varinhas eram as únicas coisas que rompiam o negrume veludoso, embora seus raios não tivessem um alcance tão longo quanto eu esperara. A escuridão era de certo modo mais densa do que a escuridão normal.
— Vamos caminhar. — Disse Dumbledore em voz baixa — Cuidado para não pisarem na água. Fiquem junto de mim.
Ele saiu margeando o lago, e Harry seguiu logo atrás, eu agarrei o braço do meu amigo enquanto andava. Voltei a sentir o pressentimento ruim e o frio na barriga, mas não era medo, tinha algo com esse lugar, algo que… eu não sei. Meus passos ecoavam como tapas na estreita orla de pedra que contornava o lago. Caminhamos uma boa distância, mas a paisagem não variava: de um lado, a áspera parede da caverna; do outro, a vastidão sem fim do negrume espelhado, no meio da qual havia aquele misterioso brilho verde. Achei o lugar e o silêncio opressivos, enervantes.
— Professor? — Perguntei por fim — O senhor acha que a Horcrux está aqui?
— Ah, sim. Tenho certeza que está. A questão é, como chegar a ela?
— Não podíamos... não podíamos simplesmente tentar um Feitiço Convocatório? — Perguntou Harry, convencido de que era uma sugestão idiota, mas querendo, mais do que admitiria, sair o mais depressa possível daquele lugar, e eu o entendia bem
— Certamente que poderíamos. —Respondeu Dumbledore, parando tão de repente que Harry quase colidiu com ele — Por que você não tenta?
— Eu? Ah... O.k.
Harry não esperara por isso, é óbvio, mas pigarreou e ordenou em voz alta, a varinha no ar:
— Accio Horcrux!
Com um ruído de explosão, algo muito grande e claro irrompeu da água escura a uns seis metros de distância; antes que eu pudesse ver o que era, a coisa tornou a mergulhar na água com um estrondo que produziu ondas largas e profundas na superfície lisa do lago. Eu arregalei os olhos, tremendo muito. Harry saltou para trás assustado quase colidindo comigo quando bateu na parede; seu coração ainda retumbava quando ele se virou para Dumbledore.
— Que foi aquilo?
— Alguma coisa, acho, que está pronta a reagir se tentarmos nos apossar da Horcrux.
Eu olhei novamente para o lago. Sua superfície retomara a aparência vítrea, escura e brilhante: as ondas tinham desaparecido anormalmente rápido; o meu coração, no entanto, continuou a bater com força. Pisquei os olhos assustada vendo flashes e gritos, um garoto se afogando, mas tudo piscava em menos de segundos. Tremendo muito eu colidi com a parede.
— O senhor achava que ia acontecer isso? — Perguntei ainda ofegante com a recente visão
— Achei que alguma coisa aconteceria se fizéssemos uma tentativa óbvia de nos apoderar da Horcrux, Rox. Mas foi uma boa ideia, Harry; o modo mais simples de descobrirmos o que estamos enfrentando.
— Mas não sabemos que coisa era aquela. — Replicou Harry, olhando para a água sinistramente lisa
— Que coisas são aquelas, você quer dizer. — Corrigiu-o Dumbledore —Duvido muito que seja apenas uma. Vamos continuar a andar?
— Professor?
— Que foi, Harry?
— O senhor acha que vamos precisar entrar no lago?
Aí sim eu me assustei. Harry e Dumbledore nadavam como profissionais, mas eu… eu me ferraria bastante se precisasse entrar na água.
— Entrar? Só se tivermos muito azar. —Disse Dumbledore para meu profundo alívio
— O senhor acha que a Horcrux está no fundo?
— Ah, não... Acho que está no meio.
E Dumbledore apontou para a luz verde e indistinta no centro do lago.
— Então teremos de atravessar o lago para chegar até a Horcrux? — Perguntei tentando não transparecer medo
— Acho que sim.
Nem eu e nem Harry dissemos nada. Meus pensamentos resumiam-se em monstros lacustres, serpentes gigantescas, demônios, cavalos-marinhos e fadas…
— Ah-ah! — Exclamou Dumbledore, tornando a parar; desta vez, Harry realmente colidiu com ele; por um momento, o garoto oscilou na beira da água escura, e a mão sã do diretor agarrou-o fortemente pelo braço e o puxou de volta, eu mesma segurei o seu braço, mas sabia que era mais fácil eu cair junto — Desculpe, Harry, eu devia ter avisado. Fique junto à parede, por favor, os dois; acho que encontrei o lugar.
Eu não fazia ideia do que Dumbledore queria dizer; até onde podia perceber, este trecho de margem escura era exatamente igual a qualquer outro, mas o professor Dumbledore, pelo visto, detectara alguma coisa diferente. Desta vez, ele estava passando a mão, não na parede rochosa, mas no ar, como se esperasse encontrar e agarrar alguma coisa invisível.
— Oho! — Exclamou ele feliz, segundos depois. Sua mão agarrara no ar alguma coisa que não consegui ver. Dumbledore se aproximou mais da água; Harry e eu observamos, nervosos, as pontas dos sapatos de fivela do diretor chegarem até o limite da borda rochosa do lago. Mantendo a mão fechada no ar, Dumbledore ergueu a varinha com a outra e deu uma pancadinha no próprio punho.
Imediatamente apareceu no ar uma corrente grossa de cobre esverdeado que se alongou do fundo do lago até a mão fechada de Dumbledore. Ele bateu na corrente, que começou a deslizar por dentro de sua mão fechada como uma cobra e a se enroscar no chão com um ruído metálico que ecoou vibrantemente nas paredes rochosas, e foi puxando alguma coisa das profundezas do lago escuro. Eu ofeguei quando a proa fantasmagórica de um barquinho veio à tona, tão verde e brilhante quanto a corrente, e flutuou quase sem marolas até o ponto da margem em que estávamos parados.
— Como é que o senhor soube que o barco estava ali? — Perguntou Harry espantado
— A magia sempre deixa vestígios —Respondeu o diretor, quando o barco bateu suavemente na margem —, vestígios por vezes muito característicos. Fui professor de Tom Riddle. Conheço o estilo dele.
— E o barco é... é seguro? — Perguntei incerta
— Ah, acho que sim. Voldemort precisava criar um meio de atravessar o lago sem atrair a cólera das criaturas que colocou nele, caso um dia quisesse visitar ou remover sua Horcrux.
— Então as coisas na água não nos farão mal se atravessarmos no barco de Voldemort?
— Acho que devemos nos conformar com a ideia de que, em algum momento, elas perceberão que não somos Lorde Voldemort. Até aqui, porém, temos nos saído bem. Elas nos deixaram erguer o barco.
— Mas por que deixaram? — Perguntei, não conseguindo esquecer a visão de tentáculos emergindo da água escura quando nos distanciamos da margem
— Voldemort devia estar razoavelmente confiante de que ninguém, exceto um grande bruxo, seria capaz de encontrar o barco. Penso que estaria disposto a arriscar a improvável possibilidade de alguém conseguir isto, porque sabia que deixara mais à frente outros obstáculos que somente ele poderia superar. Veremos se tinha razão.
Harry e eu examinamos o barco. Era realmente muito pequeno.
— Não parece ter sido construído para duas ou três pessoas. — Disse ele — Será que nos aguentará? Não será peso demais?
Dumbledore riu.
— Voldemort não deve ter se preocupado com o peso, mas com o poderio mágico que cruzasse o seu lago. Eu pensaria que ele deve ter lançado um encantamento sobre o barco de tal ordem que apenas um bruxo por vez poderá usá-lo.
— Mas então...?
— Acho que vocês não contam, Harry: são menores de idade e não qualificados. Oh, desculpe, Rox já tem dezessete, mas mesmo assim, só fez há pouco tempo. Voldemort com certeza jamais esperaria que um adolescente de dezesseis anos e uma jovem de dezessete chegassem aqui: acho improvável que vossos poderes sejam considerados, se comparados aos meus.
Tais palavras não ajudaram a levantar o moral de Harry, e Dumbledore, talvez percebendo isso, acrescentou:
— Um erro de Voldemort, Harry, um erro de Voldemort... a velhice é tola e esquecida quando subestima a juventude... desta vez, você embarca primeiro, e tenha cuidado para não tocar na água.
Dumbledore se afastou para um lado e Harry subiu cautelosamente no barco, o diretor fez um gesto para mim indicando o barco e eu subi também. O professor subiu em seguida, enrolando a corrente no fundo. Nós três ficamos espremidos; Harry não pôde se sentar confortavelmente, agachou-se, deixando os joelhos para fora do barco, que se pôs imediatamente em movimento. Eu era baixa, ou seja, pernas curtas que não ocupavam tanto espaço, então não me incomodei tanto. Não se ouvia outro som exceto o sussurro da proa cortando a água; o barco se deslocava sem ajuda, como se uma corda invisível o puxasse em direção à luz no centro. Em pouco tempo, deixamos de avistar as paredes da caverna; poderíamos estar no mar não fosse pela falta de ondas.
Eu baixei os olhos e vi o reflexo dourado da luz de minha varinha faiscar e cintilar na água escura enquanto avançávamos. O barco esculpia fundas rugas na superfície vidrada, sulcos no espelho escuro…
Então a vi, branca como mármore, boiando a centímetros da superfície.
— Professor! — Exclamei, e minha voz assustada ecoou sonoramente pela água silenciosa
— Rox?
— Acho que vi uma mão na água, uma mão humana!
Harry ergueu os olhos, espantado e abaixando as íris verde para água.
— Sei, tenho certeza de que viu. — Respondeu Dumbledore calmamente
Eu olhei espantada para a água à procura da mão que desaparecera, uma sensação de náusea subindo-me à garganta.
— Então aquela coisa que saltou da água...
Obtive a resposta antes que Dumbledore pudesse falar; a luz da varinha deslizara por um novo trecho da água e, desta vez, me mostrou um defunto de cara para cima centímetros abaixo da superfície: seus olhos abertos toldados como se tivessem teias de aranha, seus cabelos e suas vestes girando em torno dele como fumaça.
— Tem cadáveres aí dentro! — Falei horrorizada, e minha voz saiu muito mais aguda e diferente do que o normal
— Tem — Respondeu Dumbledore placidamente —, mas por ora não precisamos nos preocupar com eles.
— Por ora? — Respondeu Harry, despregando o olhar da água para fixá-lo em Dumbledore
— Não enquanto estiverem apenas boiando tranquilamente abaixo de nós. Nada temos a recear de um cadáver, meninos, como nada temos a recear da escuridão. Lorde Voldemort, que naturalmente tem um receio íntimo de ambos, discorda. Mas, de novo, ele revela sua própria falta de sabedoria. É o desconhecido que receamos quando olhamos para a morte e a escuridão, nada mais.
Eu não respondi; não queria discutir, mas mesmo sendo uma necromante, achei pavorosa a ideia de que havia cadáveres flutuando em volta e abaixo de nós, e, além disso, não acreditava que não fossem perigosos.
— Mas um deles saltou — Disse Harry tentando manter a voz estável e calma como a de Dumbledore — Quando tentei convocar a Horcrux, um cadáver pulou do lago.
— Verdade... E estou seguro que, quando apanharmos a Horcrux, veremos que são menos pacíficos. Mas, como muitas criaturas que habitam o frio e a escuridão, eles temem a luz e o calor que evocaremos em nosso auxílio, se houver necessidade. Fogo, Harry — Dumbledore acrescentou com um sorriso, em resposta à expressão atordoada do meu amigo
— Ah... certo — Concordou ele rápido. E virou a cabeça para olhar a luz verde, destino inexorável do barco. Agora, não podíamos fingir que não estávamos apavorados. O grande lago negro coalhado de cadáveres... parecia fazer horas que ele encontramos a professora Trelawney, que vi meus amigos … desejei de repente ter me despedido melhor deles… e Draco...
— Quase lá — Anunciou Dumbledore animado
De fato, a luz verde parecia estar finalmente aumentando, e minutos depois o barco parou, batendo suavemente em alguma coisa que a princípio não pude ver, mas, quando ergui a varinha iluminada, constatei que tínhamos chegado a uma ilhota de rocha lisa no centro do lago.
— Cuidado para não tocarem na água — Tornou a recomendar Dumbledore quando desembarcamos
A ilha não era maior do que o escritório de Dumbledore: uma extensão de rocha plana e escura em que não havia nada exceto a fonte daquela luz verde, que parecia muito mais forte vista de perto. Eu semicerrei os olhos; a princípio pensei que fosse algum tipo de lampião, mas logo percebi que a luz vinha de uma bacia de pedra muito parecida com a Penseira, apoiada sobre um pedestal.
Dumbledore se aproximou da bacia, seguido por mim e Harry. Lado a lado, a examinamos. A bacia estava cheia de um líquido verde-esmeralda que emitia uma luz fosforescente.
— Que é isso? — Perguntei em voz baixa
— Não tenho bem certeza. — Respondeu Dumbledore — Alguma coisa mais preocupante do que sangue e cadáveres.
Dumbledore empurrou para cima a manga das vestes que lhe cobria a mão escurecida e esticou as pontas dos dedos queimados para a superfície da poção.
— Não…! — Eu falei
— Senhor, não, não toque...! — Exclamou Harry assustada
— Não posso tocar — Informou Dumbledore com um ar de riso — Estão vendo? Só posso chegar até aqui. Tentem.
De olhos arregalados, Harry levou a mão à bacia e tentou tocar a poção, eu fiz o mesmo. As duas mãos bateram em uma barreira invisível a uns três centímetros que nos impedia de se aproximar mais. Por mais que empurrasse, aparentemente meus dedos não encontravam nada, exceto ar sólido e inflexível.
— Afastem-se, por favor. — Pediu Dumbledore
O professor ergueu a varinha e fez gestos complicados sobre a superfície da poção, murmurando silenciosamente. Nada aconteceu, a não ser, talvez, o brilho da poção se intensificar. Eu guardei silêncio enquanto Dumbledore trabalhava, mas, passado algum tempo, o diretor recolheu a varinha e achei que era seguro falar.
— O senhor acha que a Horcrux está aí dentro?
— Ah, sim. — Dumbledore examinou a bacia mais de perto. Vi seu rosto refletido, de cabeça para baixo, na superfície lisa da poção verde — Mas como alcançá-la? A poção não aceita ser penetrada à mão, desaparecida ou dividida ou apanhada ou aspirada, nem pode ser transfigurada, encantada, tampouco alterada em sua natureza.
Quase distraído, Dumbledore tornou a erguer a varinha, girou-a no ar e recolheu uma taça de cristal que acabara de conjurar do nada.
— Só posso concluir que essa poção deve ser bebida.
— Quê?! — Exclamou Harry — Não!
— Penso que sim: somente bebendo-a posso esvaziar a bacia e ver o que guarda no fundo.
— Mas e se... e se a poção matar o senhor? — Perguntei horrorizada
— Ah, duvido que produzisse tal efeito —Disse Dumbledore tranquilo — Lorde Voldemort não iria querer matar a pessoa que alcançasse sua ilha.
Eu não conseguiu acreditar. Seria mais um exemplo da insana determinação de Dumbledore de ver o bem em todas as pessoas?
— Senhor — Disse Harry, tentando manter a voz equilibrada —, senhor, é o Voldemort que estamos…
— Desculpe, Harry; eu devia ter dito que ele não iria querer matar imediatamente a pessoa que alcançasse sua ilha. — Corrigiu Dumbledore — Iria querer mantê-la viva tempo suficiente para descobrir como conseguiu penetrar tão fundo suas defesas e, o que é mais importante, por que queria tanto esvaziar a bacia. Não esqueça que Lorde Voldemort acredita que somente ele sabe sobre suas Horcruxes.
Harry fez menção de falar, mas desta vez Dumbledore ergueu a mão pedindo silêncio, franzindo ligeiramente a testa para o líquido esmeralda, evidentemente refletindo.
— Sem dúvida — Disse por fim —, esta poção deve produzir um efeito tal que me impeça de levar a Horcrux. Deve me paralisar, me fazer esquecer o que vim fazer, causar tanta dor que me distraia ou me incapacitar de alguma forma. Assim sendo, Harry e Rox, a tarefa de vocês dois será garantir que eu não pare de beber, mesmo que tenha de virar a poção na minha boca enquanto eu protesto. Compreenderam?
Seus olhos se encontraram por cima da bacia; cada rosto pálido iluminado por aquela estranha luz verde. Harry não respondeu e nem eu. Teria sido por isso que fomos convidados a vir, para forçar Dumbledore a beber uma poção que talvez lhe cause dor insuportável?
— Vocês lembram –— Disse Dumbledore — a condição que impus para trazê-lo?
Eu hesitei, fixando seus olhos azuis que tinham esverdeado à luz refletida pela bacia.
— Mas e se...?
— Você juraram obedecer a qualquer ordem que eu lhes desse, não foi?
— Juramos, mas…
— Eu os preveni, não foi, que poderia haver perigo?
— Foi — Respondeu Harry —, mas...
— Bem, então — Tornou Dumbledore mais uma vez, jogando para cima as mangas das vestes e erguendo a taça vazia —, já receberam as minhas ordens.
— Por que não posso beber a poção em seu lugar? — Perguntou o garoto, desesperado
Eu até me ofereceria, mas… eu estaria mentindo, não teria essa capacidade.
— Porque sou muito mais velho, muito mais esperto e muito menos valioso. De uma vez por todas, Harry, você e Rox me dão a palavra de vocês de que farão tudo que puderem para não me deixar parar de beber?
— Será que eu não poderia...?
— Dão?
— Mas...
— Sua palavra, Harry. E a sua também, Rox.
— Ah, tá bem… — Suspirei
Dumbledore olhou para Harry.
— Eu... está bem, mas…
Antes que Harry pudesse continuar protestando, Dumbledore mergulhou a taça de cristal na poção. Por uma fração de segundo, tive esperança de que ele não conseguisse tocar na poção com a taça, mas o cristal afundou na superfície que nada conseguira tocar; quando a taça se encheu até em cima, Dumbledore levou-a à boca.
— À saúde de vocês, meninos.
E esvaziou a taça. Eu o observei, aterrorizada, suas mãos apertando a borda da bacia com tanta força que as pontas dos seus dedos ficaram dormentes.
— Professor? — Chamei, ansiosa, quando Dumbledore baixou a taça vazia — Como está se sentindo?
Mas no segundo seguinte, as luzes piscaram e Dumbledore desapareceu, substituído por segundos por um garoto de uns dezoito anos, parecendo desesperado, bebendo da poção assim como o diretor, foi tão rápido que eu não o reconheci, mesmo sabendo que o conhecia de algum lugar.
Saltei para trás assustada e tremendo. Tem algo de muito errado aqui, e alguém com quem eu tenho uma ligação já esteve aqui, eu sinto isso.
Dumbledore, não percebendo o que aconteceu comigo, sacudiu a cabeça, os olhos fechados. Me perguntei se estaria sentindo dores. O diretor tornou a mergulhar a taça na bacia às cegas, encheu-a e bebeu-a.
Em silêncio, Dumbledore bebeu três taças da poção. Então, na metade da quarta taça, ele cambaleou e caiu contra a bacia. Seus olhos continuaram fechados e sua respiração se tornou ofegante.
— Professor Dumbledore? — Chamou Harry com a voz tensa — O senhor está me ouvindo?
Dumbledore não respondeu. Seu rosto se contraía, como se ele dormisse profundamente, mas experimentasse um terrível pesadelo. A mão com que segurava a taça foi afrouxando: a poção ia derramar. Harry estendeu a mão e agarrou a taça de cristal, mantendo-a em pé.
Eu estava tremendo, sem conseguir chegar perto, só olhando aterrorizada.
— Professor, o senhor está me ouvindo? — Repetiu Harry alto, sua voz ecoando pela caverna
Dumbledore ofegou, e em seguida falou com um timbre irreconhecível, porque jamais ouvi Dumbledore amedrontado daquela forma.
— Não quero... não me force…
Eu olhei para o rosto pálido que eu conhecia tão bem, para o nariz torto e os oclinhos de meia-lua, e não soube o que fazer. Harry olhou pra mim, desesperado.
— ... não gosto... quero parar... —Lamentou-se Dumbledore
— O senhor... o senhor não pode parar, professor. — Falei me aproximando e esquecendo o terror que invadia meu corpo — O senhor tem de continuar a beber, lembra? O senhor nos disse que não podia parar de beber.
— Tome… beba, professor… — Disse Harry, a mão segurando a taça tremendo
Odiando-se, sentindo repulsa pelo que estava fazendo, Harry forçou a taça a encostar à boca de Dumbledore e virou-a, fazendo com que o professor bebesse o que restava.
— Não... — Gemeu ele, quando Harry mergulhou a taça mais uma vez na bacia e encheu-a — Não quero... não quero... me deixe…
— Rox… — Harry olhou pra mim, apreensivo
— Ok, ok… me dá. — Estendi a mão pra ele que me entregou a taça, percebendo de imediato que eu tremia, podia tentar esconder, mas estava amedrontada; virei-me para o professor suspirando — Tudo bem, professor. Tudo bem, Harry e eu estamos aqui…
— Faça isso parar, faça isso parar. —Gemeu Dumbledore
Eu gritei quando vi novamente o vislumbre do garoto gritando, as mãos na cabeça.
— Não quero. Faça isso parar, faça isso parar.
Pisquei e Dumbledore estava na minha frente de novo.
— Rox? — Harry falou com a voz trêmula — Rox, o que foi?
— Nada. — Funguei segurando as lágrimas, embora aterrorizada. Quem era aquele garoto? Não era Voldemort, isso eu sabia; Respirando com dificuldade, me voltei para Dumbledore
— Não. Não. — Disse ele — Faça parar, por favor.
— Sim… sim, isto fará parar — Menti. E virei o conteúdo da taça na boca aberta do professor, os olhos quase lacrimejando
Dumbledore berrou; o ruído ecoou ao redor da vasta câmara e atravessou a água negra e parada.
— Não, não, não... não... não posso... não posso, não me force, não quero…
— Está tudo bem, professor, está tudo bem! — Falei em voz alta, minhas mãos tremendo tanto que tive dificuldade em encher a sexta taça de poção; a bacia agora estava pela metade — Nada está acontecendo com o senhor, o senhor está seguro, nada disso é real, juro que não é real... agora tome, tome…
E, obedientemente, Dumbledore bebeu, como se eu estivesse lhe oferecendo um antídoto, mas, ao esvaziar a taça, ele caiu de joelhos, tremendo, descontrolado.
— É tudo minha culpa, tudo minha culpa — Soluçou —, por favor, pare com isso, sei que errei, ah, por favor pare com isso e eu nunca, nunca mais…
Eu e Harry nos entreolhamos.
— Isto fará parar, professor — Disse Harry, sua voz falhando ao virar a sétima taça de poção na boca de Dumbledore
O professor começou a se encolher como se torturadores invisíveis o cercassem; a mão que ele sacudia quase derrubou a taça, novamente cheia, das mãos trêmulas de Harry, gemendo.
— Não os machuquem, não os machuquem, por favor, por favor, a culpa é minha, machuquem a mim…
— Aqui, beba isso, beba isso, o senhor vai ficar bom — Disse Harry desesperado, e mais uma vez Dumbledore obedeceu, abrindo a boca, embora mantivesse os olhos fechados e tremesse violentamente da cabeça aos pés
Então, ele caiu para a frente, berrando, esmurrando o chão, enquanto Harry me pedia pra encher a nona taça.
— Por favor, por favor, por favor, não... isso não, isso não, farei qualquer coisa...
— Beba, professor, beba… — Pedi tremendo, tentando não ver os flashes de novo, não ter o déjà vu de que aquilo já aconteceu
Dumbledore bebeu como uma criança morta de sede, mas, quando terminou, voltou a berrar como se suas entranhas estivessem em chamas.
— Não, por favor, chega...
Eu enchi a décima taça de poção e senti o cristal arranhar o fundo da bacia.
— Falta pouco, professor, beba, beba…
Harry amparou Dumbledore pelos ombros, enquanto eu levava a taça à boca dele, e mais uma vez o professor esvaziou a taça; Tornei a me levantar, e, quando estava enchendo a taça, Dumbledore começou a gritar mais angustiado do que antes:
— Quero morrer! Quero morrer! Pare com isso, pare com isso, quero morrer!
— Beba, professor, beba…
Dumbledore bebeu, e mal terminara berrou:
— MATE-ME!
— Esta... esta fará parar! — Ofegou Harry — Beba... já vai passar... já vai passar!
Dumbledore engoliu o conteúdo da taça até a última gota e então, com um enorme arquejo, rolou de borco.
— Não! — Gritou Harry, me assustando, eu tinha acabado de me pôr de pé para encher mais uma vez a taça; em lugar disso, larguei-a na bacia, e me atirei no chão ao lado de Harry que virava Dumbledore de barriga para cima; os óculos do professor estavam tortos, sua boca aberta, seus olhos fechados
— Ai, meu Merlim. Não! — Falei aterrorizada, enquanto Harry, sacudia Dumbledore
— Não, o senhor não está morto, o senhor disse que não era veneno, acorde, acorde: Rennervate! — Gritou Harry, apontando a varinha para o peito de Dumbledore; houve um lampejo vermelho, mas nada aconteceu — Rennervate... senhor... por favor… Rox, Rox, faz alguma coisa.
Mas a única coisa que comecei a fazer foi chorar, meu corpo tremendo descontrolado, o terror presente em cada partícula do meu corpo.
— Professor, por favor… — Gemi assustada
Os olhos de Dumbledore piscaram; o meu coração saltou no peito.
— Senhor, o senhor está...? — Disse Harry
— Água — Pediu Dumbledore rouco
— Água — Ofeguei — ... sim…
Fiquei em pé de um salto e agarrei a taça que largara na bacia; mal registrei o medalhão de ouro com a corrente enroscada embaixo da taça.
— Aguamenti! — Ordenei, espetando a taça com a minha varinha
A taça se encheu de água cristalina; Eu caí de joelhos ao lado de Dumbledore e Harry, ergui a cabeça dele e levei a taça aos seus lábios, mas estava vazia. Dumbledore gemeu e começou a ofegar.
— Mas eu pus... espere... Aguamenti! — Tornei a ordenar, apontando a varinha para a taça. Mais uma vez, por um segundo, a água brilhou dentro dela, mas, quando a aproximei da boca de Dumbledore, a água novamente desapareceu
— O que tá acontecendo? O que tá acontecendo? — Harry estava desesperado
— Eu tô tentando, Harry, estou tentando! — Exclamei, desesperada, meus olhos brilhando com lágrimas
O professor rolara para um lado e inspirava profunda e ruidosamente parecendo agonizar.
— Me dá isso! — Harry tomou a taça na minha mão, o desespero iminente — Aguamenti... Aguamenti… AGUAMENTI!
A taça se enchia e tornava a esvaziar. A respiração de Dumbledore foi enfraquecendo. Com o cérebro girando de pânico, eu percebi, instintivamente, a única maneira possível de obter água, porque assim tinha planejado Voldemort…
— Harry… — Falei, as lágrimas caindo
Ele entendeu na mesma hora e se atirou para a margem rochosa, mergulhou a taça no lago, erguendo-a, totalmente cheia, com água gelada que não desapareceu.
— Senhor... aqui! — Gritou Harry e, precipitando-se para Dumbledore, virou a água, desajeitado, em seu rosto
Foi o melhor que pôde fazer, imagino, porque a sensação gélida em seu braço livre não era o frio prolongado da água. Uma mão branca e escorregadia agarrara seu pulso, me fazendo gritar, e a criatura a quem pertencia puxava-o pela rocha lentamente de volta ao lago. A superfície não era mais um espelho; revolvia-se, e para todo lado que eu olhava, cabeças e mãos brancas emergiam da água escura, homens, mulheres e crianças, com olhos encovados e cegos, moviam-se em direção à rocha: um exército de mortos ressurgindo do lago negro.
— NÃO! — Falei atormentada levantando as mãos para o alto, e atirando duas daquelas criaturas horrendas para longe, os raios roxos cintilando vividos e meus olhos totalmente brancos
— Petrificus Totalus! — Berrou Harry, lutando para se agarrar à superfície lisa e molhada da ilha enquanto apontava a varinha para o Inferius que segurava seu braço: o morto-vivo soltou-o e tornou a cair espalhando água
— Estamos fritos. — Lamentei-me terrivelmente vendo meu melhor amigo se levantar, enquanto outros tantos Inferi já estavam subindo na rocha, cravando suas mãos ossudas na superfície escorregadia, seus olhos cegos e esbranquiçados fixos em nós, seus trapos encharcados arrastando pelo chão, os rostos encovados rindo debochadamente
— Você é uma Necromante, Rox. — Disse ele, me lançando um olhar confiante embora seu sorriso vacilasse
— Eu não sei invocar eles ainda, não sei criar um Inferi. — Falei aterrorizada, erguendo dois deles levianamente com as mãos e batendo um no outro, logo os lançando longe
— Experimenta controlá-los. Fazer eles lhe obedecer. — Propôs ele saltando para o lado próximo a mim e urrando “Petrificus Totalus!”, recuando e varrendo o ar com a varinha; seis ou sete mortos tombaram, mas outros tantos vinham em nossa direção — Impedimenta! Incarcerous!
Alguns tropeçaram, uns dois foram imobilizados com cordas, mas aqueles que galgavam a rocha atrás de nós simplesmente pulavam por cima ou pisavam nos corpos caídos. Minhas mãos tremiam, os raios roxos estavam um pouco fracos, embora meus pés não mais tocassem o chão, enquanto eu tentava juntar a magia para poder atacar.
Ainda cortando o ar com a varinha, Harry berrou:
— Sectumsempra! SECTUMSEMPRA!
Embora aparecessem cortes nos trapos encharcados e em sua pele gélida, eles não tinham sangue para derramar: continuavam a avançar, insensíveis, as mãos enrugadas estendidas para ele, e, ao recuar para mais longe, eles o abraçaram pelas costas, braços finos e descarnados, frios como a morte.
— AAAHHH!! — Gritei lançando com força raios roxos contra eles fazendo-os caírem duro no chão e soltarem Harry, mas outros tantos ou até mais apareceram e agarraram minhas pernas tentando me puxar para o chão e outros voltaram a abraçar Harry
— Rox, controla eles, tenta! — Pediu Harry desesperado enquanto seus pés perdiam o chão quando o ergueram e levaram seguramente, para a água, e eu percebi que não o soltariam, que ele se afogaria e se tornaria mais um guardião morto do fragmento da alma partida de Voldemort, como…
Eu ia acabar igualmente morta, meus olhos perderam o brilho e eles conseguiram me fazer cair, enquanto forçavam meus braços e eu fazia força pra usar minha magia, mas ela parecia fraca demais, me senti impotente, tremendo loucamente e com vontade de gritar.
Então, o fogo irrompeu na escuridão: carmim e ouro, um círculo de fogo que cercou a ilha e fez os Inferi que imobilizavam Harry tropeçarem e vacilarem, o mesmo para os que me seguravam; eles não ousaram atravessar as chamas para chegar à água. Largaram a mim e Harry; eu bati no chão, escorreguei pela rocha e caí, arranhando os braços, mas tornei a me pôr de pé, junto com Harry que ergueu a varinha e olhou assustado para os lados. Já eu, fiz duas chamas roxas enormes irromperem das minhas mãos antes de me virar.
Dumbledore estava mais uma vez de pé, pálido como qualquer dos Inferi em volta, porém mais alto que todos, as chamas dançando em seus olhos; sua varinha estava erguida como uma tocha e da ponta saíam chamas, como um imenso laço, envolvendo todos em calor.
Os mortos-vivos colidiram entre si, tentando, às cegas, fugir do fogo que os encerrava... Dumbledore apanhou o medalhão no fundo da bacia de pedra e guardou-o nas vestes. Em silêncio, fez sinal a mim e Harry para juntar-se a ele. Distraídos pelas chamas, os Inferi pareciam não registrar que suas vítimas estavam deixando a ilha; Dumbledore levou eu e Harry para o barco, o anel de fogo deslocava-se conosco, nos cercava, os atordoados mortos-vivos acompanharam-nos até a beira do lago onde mergulharam, agradecidos, em suas águas escuras. Eu, completamente trêmula, e já sem minhas chamas roxas, achei por um momento que Dumbledore não fosse capaz de subir no barco; o professor cambaleou um pouco ao tentar; aparentemente, todos os seus esforços convergiam para manter o anel protetor de fogo à sua volta.
Harry segurou-o e ajudou-o a sentar. Quando já estávamos espremidos e seguros a bordo, o barco começou a se deslocar pela água escura, afastando-se da rocha ainda envolta naquele anel de fogo; embaixo, os Inferi enxameavam, mas não se atreviam a emergir.
— Senhor — Ofegou Harry —, senhor eu me esqueci... do fogo... eles avançaram para mim e entrei em pânico…
— Eu… eu ainda não consigo controlar meus poderes. — Falei nervosa e ofegante — E… também esqueci do fogo.
— Muito compreensível — Murmurou Dumbledore. Me alarmei ao ouvir a voz do professor tão fraca
Tocamos na margem com uma batidinha, e Harry saltou, eu logo em seguida, voltando-se ligeiros para ajudar Dumbledore. No momento em que chegamos à margem, o bruxo baixou a mão da varinha; o anel de fogo desapareceu, mas os mortos-vivos não tornaram a emergir da água. O barquinho afundou no lago mais uma vez; se entrechocando, a corrente metálica também deslizou para dentro do lago. Dumbledore deu um grande suspiro e encostou-se à parede da caverna.
— Estou fraco…
— Não se preocupe, senhor. — Disse Harry imediatamente, ansioso com a extrema palidez do professor e seu ar de exaustão — Não se preocupe, levarei nós três de volta... se apoie em mim, senhor…
E, puxando o braço bom de Dumbledore por cima dos ombros, Harry guiou o diretor pela margem do lago, carregando grande parte do seu peso. Eu ia atrás, dando últimas olhadas na caverna.
— A proteção foi... afinal... bem engendrada. — Disse Dumbledore baixinho — Uma pessoa sozinha não teria conseguido... vocês se portaram bem, muito bem, meninos…
— Não fale agora — Pedi, apreensiva com a voz pastosa e os passos arrastados de Dumbledore —, poupe suas energias, senhor... logo estaremos fora daqui…
— O arco deverá ter se lacrado outra vez… minha faca…
— Não é preciso, eu me cortei na rocha — Falou Harry com firmeza —, só me diga onde...
— Aqui…
Harry esfregou o braço arranhado na pedra: uma vez recebido o tributo de sangue, o arco reabriu-se instantaneamente. Atravessamos a caverna externa, e Harry olhou para mim. Mais uma vez eu entendi o porquê.
— Segura no meu braço, acho que consigo com vocês dois. — Ele suspirou, o olhar vago
Eu observei, apreensiva Harry ajudar Dumbledore a entrar na água gelada do mar que enchia a fenda no penhasco e depois esticar a mão pra mim, que entrei tremendo muito.
— Tudo bem? — Ele sussurrou, ajudando Dumbledore enquanto eu me assegurava em não o soltar para me impedir de morrer afogada
— Sim. Vai ficar tudo bem, vamos sair daqui. — Falei, a voz trêmula
— Sim. Vai dar tudo certo — Harry começou a repetir sem parar, mais preocupado com o silêncio de Dumbledore do que estivera com a fraqueza de sua voz — Estamos quase chegando, professor... Posso Aparatar com o senhor para voltarmos... não se preocupe…
— Eu posso nos teletransportar daqui, Harry. Posso levar nós três… — Falei lembrando-me de repente — Vai ficar tudo bem…
— Não estou preocupado, meninos — Disse Dumbledore, sua voz um pouco mais forte apesar da frieza da água — Estou com vocês.
Hello bruxinhoooos!!
Como estamos?? Passando só pra avisar pra vocês se prepararem para o próximo capítulo...
Nos vemos sexta-feira.
– Bjosss da tia Nick.
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