{81} A Chave de Portal
Tive a sensação de que acabara de me deitar para dormir no quarto de Ginny quando fui acordada por mamãe, eu estava abraçada ao Méri, meu leão de pelúcia, como sempre fazia, e tive um belo de um susto quando ouvi a voz de mamãe.
- Hora de levantar, querida. - Sussurrou ela, se afastando para acordar Ginny
Me levantei ficando sentada na cama e encarei a porta seriamente. Ainda estava escuro lá fora, pude ver por uma janela. Ginny e Hermione estavam levantando também bastante sonolentas.
- Os meninos já estão na cozinha, desçam logo.
Com a maior relutância do mundo e com a vontade tremenda de ficar na cama, nós nos levantamos, pálidas e cheias de preguiça, nos vestimos em silêncio, sonolentas demais para falar, depois, bocejando e se espreguiçando, nós três descemos as escadas rumo à cozinha. Papai já estava lá, vestido como um trouxa, Harry, Rony, Fred e George também já estavam e pareciam igualmente cansados.
- Por que temos que levantar tão cedo? - Perguntou Ginny, esfregando os olhos e se sentando à mesa, logo eu e Mione fizemos o mesmo
- Temos que andar um bom pedaço. - Respondeu papai
- Andar? - Espantou-se Harry - O quê, vamos a pé para a Copa Mundial?
- Tá louco, garoto? - Resmunguei com a maior cara de sono enquanto tomava um copo de chocolate
- Não, não, a Copa vai ser a quilômetros daqui. - Disse papai, sorrindo - Só precisamos andar um pedacinho. É que é muito difícil um grande número de bruxos se reunir sem chamar a atenção dos trouxas. Temos que tomar muito cuidado com o modo de viajar até em tempos normais e numa ocasião grandiosa como a Copa Mundial de Quadribol...
- George! - Chamou mamãe rispidamente e todos se assustamos
- Quê? - Perguntou George, num tom de inocência que não enganou ninguém
- Que é isso no seu bolso?
- Nada!
- Não minta para mim!
Mamãe apontou a varinha para o bolso de George e disse:
- Accio!
Vários objetos pequenos e vivamente coloridos dispararam para fora do bolso de George; ele ainda tentou segurá-los, mas não conseguiu, e eles foram parar direto na mão estendida de mamãe.
- Mandamos vocês destruírem isso! - Disse ela furiosa mostrando indiscutíveis Caramelos Incha-Língua - Mandamos vocês se desfazerem de todos. Esvaziem os bolsos, vamos, os dois!
Foi uma cena desagradável; os gêmeos evidentemente tinham tentado contrabandear o maior número possível de caramelos para fora da casa e somente usando um Feitiço Convocatório mamãe conseguiu encontrar todos.
- Accio! Accio! Accio! - Gritava ela e os caramelos voavam dos lugares mais improváveis, inclusive do forro da jaqueta de George e das barras da jeans de Fred
- Gastamos seis meses para inventar esses caramelos. - Gritou Fred para a mãe, quando ela os jogou no lixo
- Que bela maneira de gastar seis meses! - Guinchou mamãe - Não admira que não tivessem obtido mais N.O.M.s!
No todo, o clima não estava muito simpático quando partimos. Mamãe continuava enfurecida quando beijou o rosto de papai, mas não tanto quanto os gêmeos, que tinham posto as mochilas às costas e saído sem dizer uma palavra à ela.
- Bom, divirtam-se. - Desejou ela - E se comportem. - Gritou para os gêmeos que se afastavam, mas eles não se viraram nem responderam - Vou mandar Bill, Charlie e Percy por volta do meio-dia. - Avisou mamãe à papai quando começamos a atravessar o gramado escuro atrás de Fred e George
Fazia frio e a lua ainda estava no céu. Apenas um esverdeado-claro no horizonte, à nossa direita, denunciava que em breve amanheceria. Se eu ao menos fosse uma bruxa maior de idade como Bill, Charlie e Percy, poderia aparatar e não precisaria acordar tão cedo.
- Então como é que todo mundo chega lá sem os trouxas repararem? -Perguntou Harry para papai
- Foi um enorme problema de organização. - Suspirou o papai - O caso é que vêm uns cem mil bruxos para a Copa Mundial e, é claro, não temos nenhum local mágico grande bastante para acomodar todos. Há lugares em que os trouxas não conseguem penetrar, mas imagine tentar acomodar cem mil bruxos no Beco Diagonal ou na plataforma nove e três quartos. Então tivemos que encontrar uma charneca deserta que servisse e instalar o máximo de precauções antitrouxas possível. O ministério inteiro vem trabalhando nisso há meses. Primeiro, é claro, tivemos que escalonar as chegadas. Quem comprou entradas mais baratas teve que chegar duas semanas antes. Um número limitado tem usado os transportes dos trouxas, mas não podemos ter gente demais entupindo os ônibus e trens deles, lembre que temos bruxos chegando de todo o mundo. Alguns aparatam, naturalmente, mas temos que escolher pontos seguros para eles aparecerem, bem longe dos trouxas. Acho que há uma floresta próxima que eles estão usando para aparatar. Para os que não querem aparatar, ou não podem, usamos os portais. São objetos para o transporte de bruxos de um lugar para outro em horas certas. Pode-se atender a grandes grupos de cada vez se for preciso. Foram instalados duzentos portais em pontos estratégicos da Grã-Bretanha, e o mais próximo da nossa casa é no alto do morro Stoatshead, por isso é que estamos indo para lá.
Papai apontou para uma grande massa escura que se erguia à frente, para além do povoado de Ottery St. Catchpole. Eu já estava começando a ficar animada e perder o sono.
- Que tipo de objetos são esses portais? - Perguntou Harry curioso
- Podem ser qualquer coisa. -Respondeu ele - Coisas discretas, obviamente, para os trouxas não as pegarem e saírem brincando com elas... coisas que eles simplesmente considerem lixo...
Caminhavamos pela vereda escura e úmida que levava ao povoado, o silêncio quebrado apenas pelo eco dos nossos passos. O céu foi clareando muito devagarinho quando atravessamos o povoado, o azul-tinta se dissolvendo em azul-escuro. As minhas mãos e pés estavam congelados.
Papai não parava de consultar o relógio. Já estávamos sem fôlego para conversar quando começamos a subir o morro Stoatshead, tropeçavamos ocasionalmente em tocas de coelho escondidas, escorregavamos em grossos tufos de grama escura. Cada vez que eu inspirava sentia meu peito arder e minhas pernas já começavam a se recusar a andar quando finalmente meus pés pisaram em terreno nivelado.
- Ufa! - Ofegou papai, tirando os óculos e secando-os na suéter - Bom, fizemos um bom tempo, ainda temos dez minutos...
Hermione foi a última a aparecer na crista do morro, apertando uma cãibra do lado do corpo.
- Agora só precisamos da Chave de Portal. - Disse papai repondo os óculos e apurando a vista para esquadrinhar o terreno - Não deve ser grande... vamos...
Nós nos espalhamos para procurá-la. E estávamos nisso havia poucos minutos, quando um grito cortou o ar parado.
- Aqui, Arthur! Aqui, filho, achamos!
Dois vultos altos surgiram recortados contra o céu estrelado, do outro lado do cume do morro.
- Amos! - Exclamou papai, encaminhando-se sorridente para o homem que gritara. Nós logo o acompanhamos.
Papai apertou as mãos de um bruxo de rosto corado, com uma barba castanha e curta, que segurava em uma das mãos uma bota velha de aparência mofada.
- Este é Amos Diggory, pessoal. - Papai o aresentou - Trabalha no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. E acho que vocês conhecem o filho dele, Cedric?
Só então meus olhos caíram em Cedric Diggory, e me veio a mente quando eu quase bati nele no ano anterior, não que eu me arrependa ou que eu realmente fosse fazer alguma coisa. Bom... ele estava bem bonito, eu poderia dizer.
- Oi. - Disse Cedric olhando para nós
Ginny e Mione se entreolharam com um sorriso cúmplice, e todos retribuímos o "Oi", exceto Fred e George, que apenas acenaram com a cabeça. Eles nunca haviam perdoado Cedric por derrotar o time da Gryffindor, no primeiro jogo de quadribol do ano anterior.
- Uma longa caminhada, Arthur? - Perguntou o pai de Cedric
- Não foi tão ruim assim. - Respondeu papai - Moramos logo ali do outro lado do povoado. E você?
- Tivemos que nos levantar às duas, não foi, Ced? Confesso que vou ficar satisfeito quando ele passar no exame de aparatação. Mas... não estou me queixando... a Copa Mundial de Quadribol, eu não a perderia nem por um saco de galeões, e é mais ou menos quanto custam as entradas. Mas, pelo visto, parece que me saiu barato... - Amos Diggory mirou bem-humorado para mim, Ginny, Mione e os meninos - São todos seus, Arthur?
- Ah, não, só os ruivos. - Esclareceu papai apontando para mim e meus irmãos - Esta é Hermione, amiga de Rox e Rony, e Harry, outro amigo...
- Pelas barbas de Merlim! - Exclamou Amos Diggory arregalando os olhos - Harry? Harry Potter?
- Hum... é. - Respondeu o garoto
Harry pareceu um pouco incomodado e talvez constrangido.
- Ced nos falou de você, naturalmente - Disse Amos Diggory - Nos contou tudo sobre a partida que jogaram com vocês no ano passado... Eu disse a ele: Ced, isto vai ser uma história para contar aos seus netos, ah, vai... você derrotou Harry Potter!
Harry não conseguiu pensar em nenhuma resposta a esse comentário, por isso ficou calado. Fred e George amarraram a cara outra vez e dessa vez eu também. Cedric pareceu ligeiramente encabulado.
- Harry caiu da vassoura, papai. -Murmurou ele - Contei a você... foi um acidente...
- É, mas você não caiu, não é mesmo? - Rugiu Amos jovialmente, dando uma palmada nas costas do filho - Sempre modesto, o nosso Ced, sempre cavalheiro... mas venceu o melhor, tenho certeza de que Harry diria o mesmo, não é? Um cai da vassoura, um continua montado, não é preciso ser gênio para saber quem voa melhor!
- Deve estar quase na hora. - Disse papai, puxando o relógio do bolso mais uma vez - Você sabe se temos que esperar mais alguém, Amos?
- Não, os Lovegood já estão lá há uma semana e os Fawcett não conseguiram entradas. - Disse o Sr. Diggory - Não tem mais gente nossa na área, tem?
- Não que eu saiba. É, falta um minuto... é melhor nos prepararmos...
Ele olhou para Harry e Hermione.
- Vocês só precisam tocar na Chave de Portal, só isso, basta um dedo...
Com dificuldade, por causa das volumosas mochilas, todos nos agrupamos em torno da velha bota que Amos Diggory segurava.
Todos ficamos parados ali, num círculo fechado, sentindo a brisa gélida que varria o cume do morro. Ninguém falava. Cada um segurando a bota velha de pano.
- Três... - Murmurou papai, com o olho ainda no relógio - dois... um...
Aconteceu instantaneamente. Tive a sensação de que um gancho dentro do meu umbigo fora irresistivelmente puxado para a frente. Meus pés deixaram o chão; senti Rony e Hermione de cada lado, os ombros se tocando; todos avançamos vertiginosamente em meio ao uivo do vento e ao rodopio de cores; meu dedo indicador estava grudado na bota como se esta o atraísse magneticamente para a frente, e então...
Meus pés bateram no chão; Rony me deu um encontrão e caiu; a Chave de Portal despencou no chão do lado da cabeça dele com um baque forte. Eu então ergui os olhos, Papai, o Sr. Diggory e Cedric continuavam parados, embora com a aparência de terem sido varridos pelo vento; os demais estavam caídos no chão, o que incluía eu.
- O sete e cinco chegando do morro Stoatshead. - Anunciou uma voz
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