{70} O assassinato do Hipogrifo
Nós quatro descemos para jantar com todos os alunos, mas não voltamos à Torre da Gryffindor ao terminar. Harry que levara a capa escondida na frente das vestes teve que manter os braços cruzados para esconder o volume. Entramos sorrateiramente numa sala vazia no saguão de entrada e ficamos escutando, até ter certeza de que o lugar ficara deserto. Ouvimos as últimas duas pessoas atravessarem o saguão correndo e uma porta bater. Hermione meteu a cabeça fora da porta.
— Tudo bem. — Sussurrou — Não tem ninguém... vamos vestir a capa...
Caminhamos muito juntos para que ninguém nos visse, atravessamos o saguão na ponta dos pés, cobertos pela capa, e descemos os degraus de pedra que levavam aos jardins. O sol já ia se pondo atrás da Floresta Proibida, dourando os ramos mais altos das árvores. Chegamos à cabana de Hagrid e batemos. Ele levou um minuto para atender e, quando o fez, ficou procurando o visitante por todos os lados, pálido e trêmulo.
— Somos nós. — Sibilou Harry — Estamos usando a Capa da Invisibilidade. Deixe a gente entrar para poder tirar a capa.
— Vocês não deviam ter vindo! — Sussurrou Hagrid, mas se afastou para podermos entrar. Depois fechou a porta depressa e Harry arrancou a capa.
Hagrid não estava chorando, nem se atirou ao nosso pescoço. Parecia um homem que não sabia onde estava nem o que fazer. Seu desamparo era pior do que as lágrimas.
— Querem um chá? — Perguntou ele. Suas mãos enormes tremiam quando apanhou a chaleira
— Onde é que está o Bicuço, Hagrid? — Perguntei, hesitante
— Eu... eu levei ele para fora. — Respondeu Hagrid, derramando leite pela mesa toda ao tentar encher a jarra — Está amarrado no canteiro de abóboras. Achei que ele devia ver as árvores e... e respirar ar fresco... antes...
A mão de Hagrid tremeu com tanta violência que a jarra de leite escapuliu e se espatifou no chão.
— Eu faço isso, Hagrid. — Ofereceu-se Hermione depressa, correndo para limpar a sujeira
— Tem outra no armário de louças. — Falou Hagrid, sentando-se e limpando a testa na manga
Eu e os meninos nos entreolhamos com desânimo.
— Tem alguma coisa que se possa fazer, Hagrid? — Perguntou Harry inflamado, sentando-se ao lado dele —Dumbledore...
— Ele tentou. Mas não tem poder para revogar uma decisão da Comissão. Ele disse aos juízes que Bicuço era normal, mas a Comissão está com medo... Vocês sabem como é o Lucius Malfoy... imagino que deve ter ameaçado todos eles... e o carrasco, Macnair, é um velho conhecido dos Malfoy... mas vai ser rápido e limpo... e eu vou estar do lado do Bicuço...
Hagrid engoliu em seco. Seus olhos percorriam a cabana como se procurassem um fio de esperança ou de consolo. Eu estava me sentindo péssima e cada vez que eu escutava o sobrenome Malfoy ficava bem pior.
— Ele vai vir aqui, o Dumbledore.Me escreveu hoje de manhã. Disse que quer ficar... ficar comigo quando a hora chegar. Grande homem, o Dumbledore...
Hermione, que andara vasculhando o guarda-louça de Hagrid à procura de outra leiteira, deixou escapar um pequeno soluço, rapidamente sufocado. Ela se endireitou com a nova leiteira nas mãos, lutando para conter as lágrimas.
— Nós vamos ficar com você também, Hagrid. — Começou ela, mas o amigo sacudiu a cabeça cabeluda
— Não vão fazer isso! — Ele nega — Vocês têm que voltar para o castelo. Acha que eu quero que vejam uma coisa horrível dessa? Não! Aliás, vocês nem deviam estar aqui... se Fudge e Dumbledore pegarem você fora do castelo sem permissão, Harry, você vai se meter numa grande confusão.
Observei que lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto de Hermione, mas ela as escondeu de Hagrid, ocupando-se em fazer o chá. Eu encostei minha cabeça no ombro do meu irmão tentando não chorar e ele segurou a minha mão, como se me transmitisse força. Então, quando Mione apanhou a garrafa de leite para encher a leiteira, ela soltou um grito.
— Rony!... eu não acredito... é o Perebas!
O queixo de Rony caiu.
— Do que é que você está falando?
Hermione levou a leiteira até a mesa e virou-a de boca para baixo. Com um guincho frenético, e muita correria para voltar para dentro da jarra, Perebas, o rato, deslizou para cima da mesa.
— Perebas! — Exclamou Rony animado — Ele está vivo! — Mas logo pareceu estranhamente confuso — Mas, o que o Perebas está fazendo aqui?
Ele agarrou o rato que se debatia e segurou-o próximo à luz. Perebas estava com uma aparência horrível. Mais magro que nunca, perdera grandes tufos de pelos que deixaram pelado seu corpo, o rato se contorcia nas mãos de Rony como se estivesse desesperado para se soltar.
— Tudo bem, Perebas! — Tranquilizou-o Rony —Não tem gatos! Não tem nada aqui para te machucar!
— Acho que você deve desculpas a alguém, Rony. — Chamei sua atenção e apontei com a cabeça indicando Hermione
— Tudo bem. Quando eu encontrar o Bichento eu peço!
Eu e Hermione estávamos prestes a falar alguma coisa, quando simplesmente, um vaso cheio de sementes que estava em uma prateleira atrás de nós se quebra. Me abaixo e pego em minhas mãos o objeto que havia o acertado.
— O que foi isso? — Rony pergunta, confuso
— Uma pedra.
— Ai. — Reclamou Harry ao ser acertado por outra pedra
Hagrid se levantou de repente, os olhos fixos na janela. Seu rosto, normalmente corado, estava da cor de pergaminho.
— Aí vem eles...
Nós quatro nos viramos depressa. Um grupo de homens descia os distantes degraus, à entrada do castelo. À frente vinha Alvo Dumbledore, a barba prateada refulgindo ao sol poente. Ao seu lado, caminhava, a passo rápido, Cornélio Fudge. Atrás dos dois vinha o membro da Comissão velho e fraco, e o carrasco, Macnair.
— Vocês têm que ir embora. — Disse Hagrid. Cada centímetro do seu corpo tremia — Eles não podem encontrar vocês aqui... vão agora...
Rony enfiou Perebas no bolso, e Hermione apanhou a capa.
— Eu vou abrir a porta dos fundos para vocês.
Acompanhamos Hagrid até a porta que abria para a horta. Eu me senti estranhamente irreal e mais ainda quando vi Bicuço a poucos passos de distância, amarrado a uma árvore atrás do canteiro de abóboras. O hipogrifo parecia saber que alguma coisa estava acontecendo. Virou a cabeça de um lado para o outro e pateou o chão nervosamente.
— Tudo bem, Bicucinho. — Disse Hagrid com brandura — Tudo bem... — E se virando para nós — Vão. Andem logo.
Mas nós não nos mexemos.
— Hagrid, não podemos...
— Vamos contar a eles o que realmente aconteceu...
— Isso é muito injusto...
— Não podem matar o Bicuço...
— Vão! — Disse Hagrid ferozmente — Já está bastante ruim sem vocês se meterem em confusão!
Não tínhamos escolha. Quando Hermione jogou a capa sobre nós, ouvimos as vozes na entrada da cabana. Hagrid ficou olhando para o lugar de onde tínhamos acabado de sumir.
— Vão depressa. — Disse, rouco — Não fiquem ouvindo...
E Hagrid tornou a entrar na cabana no momento em que alguém batia à porta. Lentamente, numa espécie de transe de horror, contornamos a cabana de Hagrid sem fazer barulho, mas antes eu dou uma última olhada em Bicuço, ainda sem acreditar. Quando chegamos do outro lado, a porta de entrada se fechou com uma batida seca.
— Por favor, vamos nos apressar. — Sussurrou Hermione — Não posso suportar, não posso suportar...
Nós quatro começamos a subir a encosta gramada em direção ao castelo. O sol ia se pondo depressa agora; o céu se tornara cinzento, sem nuvens, e tinto de púrpura, mais para oeste havia uma claridade vermelho-rubi. Meus olhos estavam começando a ficar marejados, eu tentava andar depressa, mas só conseguia chutar as pedras, impaciente.
Rony parou muito quieto.
— Ah, por favor, Rony. — Começou Hermione
— É o Perebas... ele não quer... parar...
Rony se curvou, tentando segurar Perebas no bolso, mas o rato estava ficando furioso; guinchava feito louco, virava e se debatia, tentando ferrar os dentes nas mãos do meu irmão.
— Perebas, sou eu, seu idiota, é o Rony.
Ouvimos uma porta fechar às nossas costas e o som de vozes masculinas.
— É agora... — Sussurrei já sem segurar as lágrimas
— Ah, Rony, por favor, vamos andando, eles vão executar o Bicuço! — Murmurou Hermione
— OK... Perebas, fique quieto...
Eles avançaram, dessa vez, eu quem fiquei paralisada, deixando as lágrimas correrem livremente no meu rosto.
— Rox, vem. — Harry segurou meu braço me puxando para andarmos
Harry, assim como Hermione, estava tentando não escutar o ruído surdo das vozes às nossas costas deles. Rony parou mais uma vez.
— Não consigo segurar ele... Perebas, cala a boca, todo mundo vai nos ouvir...
O rato guinchava alucinado, mas não alto o suficiente para abafar os ruídos que vinham do jardim de Hagrid. Ouviu-se um rumor indistinto de vozes masculinas, um silêncio e então, sem aviso, o som inconfundível de um machado cortando o ar e se abatendo sobre o alvo.
Eu fiquei paralisada sem reação, com as lágrimas escorrendo. Hermione vacilou.
— Executaram Bicuço! — Murmurou ela para Harry — Eu n... não acredito... eles executaram o Bicuço!
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