"Onde eu enfiei a minha dignidade quando fui fazer aquilo?!"

Em toda a minha existência, eu nunca odiei tanto a minha versão impulsiva quanto ali.

"Por que eu fiz aquilo?!"

"Eu fudi com tudo!"

"Eu beijei ele! Que merda eu fui fazer?!"

"Não vai dar nem pra terminar minha missão, ele vai acabar me matando antes"

Não conseguia nem distrair minha mente lendo, já que pra alguém que não queria romance na própria vida, minhas opções literárias eram bem opostas a isso. Eu nunca tinha parado pra pensar sobre o porquê de ter tantos livros daquele gênero. De Jane Austin e Shakespeare até inúmeros outros mais atuais.

"Eu devia passar a comprar mais de mistério"

Mas não dava pra ficar surtando por muito tempo, porque o Natal havia chegado e a turma iria comemorar toda junta. Mina me arrastou pro quarto dela pra me convencer a colocar uma daquelas fantasias femininas de natal.

__ Até que foi bem fácil, você nem tentou discutir! - ela estava certa, eu tava mais ocupada era tentando lidar com os pensamentos sobre o que eu tinha feito do que pra tentar qualquer discussão com ela.

__ Seria perda de tempo fazer isso - respondi com desinteresse.

__ Vermelho cai bem em você! - ela me disse colocando o gorro vermelho pra finalizar - Vamos lá Kira, se anima, é Natal!

Em troca, dei pra ela o sorriso mais falso que eu consegui fazer.

"Feliz Natal pra mim"

Enviei mensagens para o Hawks desejando feliz Natal e perguntando como ele estava, já que ele não dava sinais de vida a um bom tempo e depois desci pra me juntar a turma.

Era a primeira vez que eu comemorava o Natal com outras pessoas e talvez eu estivesse mais animada se não estivesse dividida entre vergonha e medo do que o Bakugou ia fazer comigo.

Mas ele estava meio ocupado com outra coisa. Mina e Denki tentavam de tudo pra colocar o casaco vermelho e o gorro nele, que se negava a toda tentativa dos dois. E Mina já estava começando a me implorar pra colocar aquilo nele a força.

__ Não custa nada vai! Por favor!

__ Eu não quero morrer. Continua insistindo, uma hora ele vai acabar cedendo - "Se não te explodir, é claro".

O professor Aizawa trouxe a Eri para comemorar com a gente e eu não imaginava que dava pra ver aquela garotinha mais fofa do que ela já era, mas ela tava perfeita com o vestido vermelho de natal.

E ela ainda trouxe aquele gato preto de brinde, que mais uma vez insistiu em ficar perto de mim. E eu não pude fazer nada a não ser ceder e pegar ele no colo antes que começasse a arranhar minha meia calça.

Em compensação, ele novamente começou a brincar com o meu cabelo, mas como era Natal e aquela bolinha de pelos era fofa eu acabei deixando.

__ Ele vai arrancar seu cabelo desse jeito, idiota - Bakugou disse se aproximando de mim e vendo o fofucho brincando com o meu cabelo como se fosse lã.

__ Desisti de tentar impedir - respondi - Fugindo daqueles dois?

Só recebi um "Tsc" em resposta, outra coisa bem comum nele quando não queria falar muito sobre alguma coisa. Mas eu precisava, principalmente pra impedir minha morte.

__ Sinto muito se passei dos limites com você ontem, Bakugou. Peço desculpas por aquilo - disse a ele e eu podia jurar que vi um leve rubor em seu rosto.

__ Você é uma praga que joga sujo, bruxa. Não fique se achando só porque venceu uma vez, vou arrebentar você na próxima vez idiota! - Ele disse me deixando ainda mais confusa.

__ Hã?

Aí eu percebi.

Ao contrário de mim que estava surtando internamente achando que eu tinha fudido com tudo, ele só tava mais irritado por eu ter revertido a situação da luta a meu favor do que por eu tê-lo beijado. Ele tinha encarado o que eu fiz como só mais um movimento de batalha, uma carta na mangá pra conseguir vencer e fazê-lo perder, por sinal a coisa que ele mais odiava no mundo.

"Por que você é assim loirinho?"

__ Bem, demonstrações de afeto feitas em momentos de luta acabam deixando as pessoas surpresas. Também é um modo de baixar à guarda do oponente em uma luta.

__ Nunca mais faça aquela merda.

__ Como quiser - falei a ele. Porém, tinha algo no fundo da minha mente me incomodando e não pude deixar de perguntar - Bem, você também pegou leve comigo, não foi?

__ Que merda! Óbvio que não idiota!

__ Podia ter explodido minha cara ou ter me arrebentado pra valer quando me jogou no chão, mas você me deu uma brecha pra usar - respondi insistentemente, mas ele só fechou a cara e saiu andando.

__ O que eu faço fofucho? Não faço a menor ideia de como lidar com ele - perguntei ao gato o levantando na altura dos meus olhos, mas só recebi um miado em resposta - Você também não sabe, né? Que pena.

Nossa noite de festas foi ótima, mas logo estávamos de volta com as aulas e o treinamento de heróis, dessa vez com uma simulação de roubo de uma joia de rubis em duplas. Fiquei com o Aoyama como companheiro e infelizmente, peguei Bakugou e Yaoyorozu como adversários. Só o universo mais uma vez bruncando com a minha cara pra variar.

__ Ça va être dur comme l'enfer - Aoyama dizia coisas em francês sem parar do meu lado e eu tava começando a achar que ele ia começar a ter um ataque nervoso também. Aquilo não era nenhum exercício de outro mundo, nossos adversários é que eram um problema.

__ Relaxa aí caramba! Não vai ser difícil porque eu não vou deixar!

__ Espera aí, você entende francês? - perguntou surpreso pra mim.

__ Eu tô meio enferrujada, mas ainda consigo entender.

Uma vez tive que lidar com o rastreamento de um grupo da lista de suspeitos que haviam se estabelecido na cidade. Consegui localizá-los, mas acabei falhando na hora de pegar mais informações sobre eles, porque eu simplesmente não entendia o que diziam.

Então, acabei sequestrando um dos membros e levando pra sede da Divisão de Inteligência. Deu tudo certo no fim, alguns heróis lidaram com a Organização, mas a Capitã me fez ter aulas de francês depois daquilo.

__ É legal ter alguém que entende e não ache que estou xingando ou amaldiçoando. Não que eu não faça isso às vezes - disse se virando pra mim com um sorriso.

Caminhando cada um com sua dupla em direção ao prédio para a simulação, não pude controlar meus olhos que procuravam pelo Bakugou. Aquilo já estava começando a se tornar um hábito constante pra mim.

__ Então, o que tá acontecendo entre vocês? - Aoyama disse do meu lado me chamando a atenção.

__ Nada - Mas minha resposta não foi o suficiente, já que continuava me olhando com expectativas.

__ Eu não sei muito bem - falei com um longo suspiro em seguida - Acho que, dessa vez foi minha culpa, mas ele não brigou comigo, então ainda tô em dúvida. É meio frustante, sabe?

__ E meio confuso. Por acaso, seria por causa de ontem? - O que ele disse me fez parar abruptamente e me virar pra ele com espanto - As coisas ficaram bem quentes no treino de vocês, eu tava passando por lá, foi uma cena digna dos filmes francesas. Se vão fazer esse tipo de coisa não deveriam ser em locais abertos, mon chéri.

"Quando foi que eu fiquei tão descuidada assim?!"

__ Por favor, não conta pra ninguém, principalmente pra Mina ou a minha vida acaba! - Só me restava pedir aquilo enquanto queimava de vergonha, já que não dava pra negar o que ele tinha visto.

__ Seu segredo está seguro comigo. Então, o que vai fazer a respeito disso?

__ Também queria saber.

__ Olha, se gosta del-

__ Não gosto - disse cortando o rapidamente.

__ Vamos fingir acreditar nisso por um instante. Mas, se por acaso estivesse a fim dele, deveria falar pra ele! Tudo bem que o Bakugou não tem o melhor temperamento do mundo e nem mostra interesse por outras pessoas, mas não signific-

__ Sua inocência é impressionante, mas eu prefiro morrer a admitir sentir qualquer tipo de coisa por ele - respondi rapidamente. "Ignorar tudo isso não vai ser um problema"

__ Sabe que só está tornando isso mais complicado, não é chéri? - "De todas as pessoas, ele seria o último a ter sentimentos por mim" pensei comigo mesma.

__ Não acha que devíamos estar treinando? Vamos logo! - disse a ele pra poder me livrar daquela conversa.

Levei nós dois para o terraço para decidirmos como agir e aguardar o sinal para iniciar a simulação. Eu tinha algo em mente sobre o que fazer, não era um plano mirabolante, porém talvez acabasse funcionando.

__ Caramba, o inverno bem que podia acabar logo - falei sentindo meu corpo se arrepiar como o vento gélido.

__ Então, como vamos roubar aquela joia deles? - Aoyama me perguntou.

__ Quem vai roubar aquilo vai ser você - respondi o deixando com uma expressão confusa no rosto - Eu só vou ser a distração.

__ Achei que iria preferir uma investida mais furtiva. Como pretende fazer isso?

"Primeira regra, conheça seus inimigos"

__ O Bakugou tem uma obsessão absurda por conseguir vitórias completas, ou seja, ele vai tentar de tudo pra pegar nós dois. Vou deixá-lo ocupado pensando em como se livrar da minha irritante presença e você surpreende a todos brilhando como vilão principal no fim.

__ Gosto de como você pensa.

__ Mas não consegui perceber muitos pontos fracos na Yaoyorozu, conhece algum?

__ Bem, ela é tão inteligente quanto você se tratando de estratégias, mas se cansa depois de um tempo, chega uma hora que ela também não pode mais criar coisas.

__ Acho que consigo me virar com isso. Vamos ver o que ela preparou pra gente - respondi a ele.

Me abaixei e coloquei as duas mãos no chão no terraço pra me concentrar totalmente no prédio e conseguir saber da estrutura interna do lugar. Precisava saber quais as áreas poderiam ser destruídas sem afetar a estrutura e as rotas de fuga mais promissoras.

Mas então, percebi o que minha dupla de heróis estava tramando abaixo de nós. Se eu não tivesse descoberto aquilo, poderia ser a melhor carta na mangá deles, mas acabou se tornando o ponto chave pro que iríamos fazer.

__ Olha só, ela é bem interessante. Yaoyorozu colocou umas coisinhas nos corredores pra nos atrasar e ainda por cima, trocou a joia por uma falsa.

__ Acha mesmo que vai dar pra gente?

__ Não se preocupa, só confie em mim - expliquei brevemente o que eu tinha em mente antes que o sinal tocasse.

__ Ei Aoyoma! - O chamei antes de entrar - Temos que ser os vilões aqui e não heróis. Não importa o que aconteça, segue o plano e em hipótese alguma volte por minha causa.

Yaoyorozu havia colocado alguns sensores de presença pelo lugar e enquanto Aoyama se divertia com ela e o Bakugou, eu me livrava daquelas coisas pra tornar a fuga do meu companheiro possível.

Eu podia ouvia as explosões vindo de não muito longe de onde eu estava e quando começaram a diminuir, percebi que já era minha hora de agir.

Mas acabei pensando em uma coisa que o Aoyama havia me dito antes de entrar. Perder o controle sobre os meus próprios sentimentos não era nada bom e só tava atrapalhando minha parte racional.

"Consegue mesmo lidar com ele quando você está assim?"

"Assim como?"

"Como uma boba apaixonada. Não negue, dá pra ver só pelo jeito que você olha pra ele"

"Para de hesitar, supera essa merda logo". Se eu não parasse com aquele sentimento idiota logo, ia acabar comprometendo meu trabalho. Eu só precisava superar, nada que os insultos dele não ajudassem a resolver.

__ Acho que eu vou ter que ser extravagante dessa vez - disse pra mim mesma enquanto alongava meus ombros. Precisava deixar uma rota de fuga para o Aoyama e chegar ao salão principal logo, então acabei por abrir buracos nas paredes a minha frente até chegar no meu companheiro.

Bem a tempo inclusive, já que a Yaoyorozu estava começando a colocar as algemas nele.

E o a joia falsa, estava exposta em um pedestal no centro do salão, que haviam colocado no lugar da verdadeira e até que era uma cópia parecida. Se eu não soubesse do que tinham feito, iríamos cair bem fácil.

__ Um já foi, só falta você bruxa - o loirinho disse se aproximando de mim e lançando suas explosões "Hora de enfrentar o diabo".

__ Sério isso? Vai estragar meu cabelo assim - Ele não hesitava em mandar mais explosões, me obrigando a ativar a barreira a todo momento.

O tempo era curto, se não tomasse cuidado com ele poderia acabar atrapalhando nosso roubo. Então, eu teria que começar meu papel como vilã.

"Ele já deve me odiar. Mais um pouco de ódio não vai fazer muita diferença mesmo"

Entretanto, antes que eu pudesse lançar meu ataque, Yaoyorozu fez sua jogada. Dava pra dizer que ela usou como base uma coisa parecida com a individualidade da Jirou. Eu não tinha percebido quando entrei no salão, mas havia caixas de som espalhadas ao redor dele.

Era um cerco perfeito e foi ligado na minha direção no instante que eu iria começar a causar problemas.

"Não consigo ativar meu poder?!" A resposta era bem simples, é difícil se concentrar quando sua mente parece que vai explodir com uma frequência tão aguda ecoando dentro dela. Aquela garota era realmente inteligente assim como Aoyama havia dito. Ela havia pensado em uma maneira de me conter e diminuir a vantagem que eu tinha.

E aquilo tava me fazendo começar a perder feio. Ela ligava e desligava a frequência movimentando as caixas na mesma direção que eu, me deixando desconcertada e me fazendo ser atingida por algumas explosões que eu não conseguia desviar. Mas me ferir não incomodava tanto quanto aquele som insuportável dentro da minha cabeça, mesmo que eu tampasse os meus ouvidos.

__ Que merda! PARA COM ISSO! - Aquilo me irritou tanto, que usei minha raiva pra liberar rajadas telecinéticas pra quebrá-las. No fim, minha melhor opção pra fazê-los focar em mim e esquecer da presença do Aoyama, seria ser um pouco mais dramática "Isso vai ser meio humilhante, mas lá vou eu".

__ Cansei disso. Vai em frente, pode me prender bonitão! - Disse estendendo os pulsos na direção do Bakugou, recebendo um olhar de choque e confusão - Vai, me algema aí! Minha cabeça não tá nada bem depois de tudo isso, eu já aceitei minha derrota!

__ Como se só isso fosse te parar! Luta de verdade ou vou te explodir aí mesmo seu pedaço de merda! - respondeu avançando novamente para o combate com mais raiva dessa vez.

"Ele tá mais bravo do que antes?!"

__ Vai quebrar meu coração assim - respondi encarando aqueles olhos escarlates de volta depois de desviar mais uma de suas explosões - Eu tô sentindo um ataque pessoal nessas ameaças aí, mas vou fingir que não pra continuar com a nossa amizade.

Mas parecia que tudo que eu dizia só deixava ele mais irritado. Pelo menos, aquilo significava que eu era mesmo uma distração irritante.

__ Vamos lá! Ficou mais lento depois de ontem? Eu ainda tô de pé, não vai fazer nada sobre isso?

O temperamento explosivo dele pode ser um ponto fraco pra ele às vezes, mas também virou minha própria derrota quando pegou ainda mais pesado em suas explosões, me lançando com toda força pra parede do salão.

Eu senti a outra parte da minha consciência querendo vir a tona, mas empurrei ela pro fundo da minha mente quando recuperei meus sentidos "Fica quietinha aí Kimiko".

E mais uma vez, ele estava perto demais de mim, com mais fogo nos olhos do que nunca, mas me fazendo sentir meu rosto queimar com a proximidade.

__ Seu pedaço de merda irritante - disse colocando as algemas nos meus pulsos - Acha que eu peguei leve dessa vez?

__ Aquele rubi tem a cor dos seus olhos, sabia? - falei quase como um sussurro, mas eu tinha certeza que ele tinha ouvido - Eu espero que o Aoyama tenha roubado ele pra mim.

O sinal tocou, o que significava que...

__ Acho que foi empate - disse me virando pra os heróis - Foi bem divertido!

__ Como assim? - Yaoyorozu disse confusa - Vocês dois foram peg- Cadê o Aoyama?! Ele estava aqui a um instante!

E como uma cena digna dos filmes, ele voltou para o salão em seu papel como vilão.

__ Isso foi mais interessante do que eu pensei que seria - meu companheiro de crime disse estendendo a mão e deixando o colar de rubis verdadeiro cair pendurado nela.

A cara dos dois era impagável. Eu podia ter sido pega, mas ver que meu plano tinha dado certo me deixou um pouco mais animada.

__ A regra era que os vilões deviam ser algemados e um sinal é dado para os professores quando isso acontece, mas a algema do Aoyama não foi fechada em nenhum momento, eu mesma garanti isso - falei sem conseguir conter o sorriso - E a ideia de esconder a joia nos dutos de ventilação teria sido otimá, se eu não soubesse, é claro.

Aoyama me ajudou a levantar e te tirar aquelas algemas de mim e dava pra ver claramente que ele também tinha ficado satisfeito com o resultado "Tenho certeza que te deixei bravo de novo, mas eu disse pra não me subestimar loirinho".

__ Sabia que você nem consegue esconder? Como ele ainda não percebeu? - Aoyama disse me provocando enquanto saíamos.

__ Para com isso - Um arrepio percorreu toda minha espinha, como se fosse um sinal de perigo, mas não levei muita a sério naquele momento "Será que aqueles sons afetaram meu cérebro?".

Mal sabia eu que aquela sensação não tinha nada a ver com aquilo.