A Dahlia Negra não era mais considerada um ser humano. Sob as rígidas instruções da Madame, ela foi tratada como um animal selvagem até que, por fim, foi isso que ela se tornou. Ela foi ensinada a sentir apenas raiva, mas era punida sempre que tentava liberar essa fúria. Ela foi ensinada a atacar primeiro e fazer perguntas depois, mas nunca teve permissão para se defender da dureza de seu treinador. Ela foi condicionada a não temer nada, mas a visão da Madame causava uma onda de pavor em seu corpo. Isso deixou a mente da Dahlia Negra fragmentada e em conflito, mas era tudo o que ela sabia... Ou, pelo menos, tudo o que ela conseguia se lembrar.

─ Você foi traída pelas pessoas em quem confiava. Deixada para trás para morrer.─ A Madame explicou friamente para a garota enquanto ela se mantinha em posição de sentido na instalação de treinamento.─ Você só foi salva pela misericórdia de nosso bom Presidente. Ele viu potencial onde outros viam escuridão. Por meio de suas missões, você ajudará a manter a paz.

A Dahlia Negra acreditou em cada palavra. Suas habilidades seriam usadas para um bem maior. Ela estava do lado certo da guerra, qualquer um que pensasse o contrário era um traidor e era seu dever eliminá-los.

─ Você é a soldada de um grande
império.─A Madame lhe ensinou essas palavras, garantindo a completa e total devoção da garota à causa.─ Você está sob nosso controle. Só atenderá às nossas exigências. Não ouvirá mais ninguém. Você entendeu, Dahlia Negra?.

E a Dahlia Negra respondia diligentemente:

─ Entendo, senhora.

Finalmente, por meio de manipulação mental e disciplina física, Snow conseguiu exatamente o que queria. Um monstro sem coração sob seu total controle. Seu soldado perfeito. Resistente, habilidoso, mortal. E sem perder tempo, ele foi rápido em colocar a lealdade dela à prova. Sua primeira tarefa foi uma oportunidade de tornar sua presença conhecida do público, montando guarda para Peeta Mellark enquanto ele discursava para a nação.

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A fanfarra familiar do hino do Capitólio soou no refeitório do Distrito Treze, alertando todos os presentes sobre a transmissão que vinha da tela. Katniss estava entre os olhares atentos, a melodia inesperada era uma pausa incomum, mas bem-vinda, dos debates internos que assolavam sua mente.

─ Olá. Boa noite. E sejam muito bem-vindos a todos em Panem.─A voz de Caesar Flickerman ecoou, desprovida de sua extravagância habitual, quando o homem estranhamente severo apareceu diante deles.─ Eu sou Caesar Flickerman. E quem quer que seja, o que quer que esteja fazendo, se estiver trabalhando, largue o trabalho. Se estiverem jantando, parem de jantar. Porque vocês vão querer testemunhar isso esta noite. ─A tensão na sala era evidente, muitas pessoas olhavam para o homem audacioso que ousava dar ordens.─ Tem havido uma especulação desenfreada sobre o que realmente aconteceu no massacre quaternário. E aqui está um convidado muito especial para lançar um pouco de luz sobre o assunto para nós. Por favor, dêem as boas-vindas... Sr. Peeta Mellark.

Katniss arfou ao ver Peeta pela primeira vez desde que se despediram na arena. Ele estava vestido com um terno branco impecável, cabelos loiros bem penteados e pele sem manchas. Ele não parecia nem um pouco como ela esperaria que um prisioneiro fosse. Parecia quase confortável e ileso. Se isso era bom ou ruim, Katniss não tinha certeza. Mas o verdadeiro choque veio da pessoa posicionada logo atrás de Peeta.

Ela parecia uma pacificadora com o macacão tático branco e a arma empunhada na mão. Mas não havia capacete para esconder seu rosto, apenas uma máscara bem ajustada sobre sua boca e nariz. Como uma focinheira usada para controlar animais perigosos. Isso não deixou espaço para Katniss questionar a identidade do misterioso soldado. Com seus olhos escuros e ameaçadores e sua estrutura inconfundível, a resposta era clara. A Dahlia Negra.

─ Peeta, muitas pessoas se sentem como se estivessem no escuro.─Caesar continuou, mas o mundo de Katniss havia implodido. Peeta estava vivo. Ele estava bem. Isso era uma piada, um truque da mente? Ela estava sonhando? Antes que ela percebesse, seus pés estavam se movendo por conta própria, impulsivamente levando-a para mais perto do garoto com quem ela havia passado as últimas semanas preocupada.

─ Sim, eu sei como eles se sentem.─Peeta brincou levemente, seu charme habitual aparecendo na entrevista.

Caesar deu um risinho baixo com o comentário antes de voltar ao modo profissional.

─ Agora, então prepare o palco para nós. Fale-nos sobre o que realmente aconteceu naquela noite final e controversa.

Katniss agora estava em frente à tela quando a imagem de Peeta retornou, olhando para ele com uma expressão de choque.

─ Bem, em primeiro lugar, você precisa entender que, quando está nos Jogos, você só tem direito a um desejo. É muito caro.

─ Você está vivo.─Katniss sussurrou baixinho, com os olhos lacrimejando ao vê-lo.

Caesar perguntou ao garoto:

─ Custa sua vida.

─ Acho que custa mais do que sua vida.─ Peeta esclareceu rapidamente, com uma perna cruzada sobre a outra, parecendo indiferente e calmo. Ele sempre foi melhor nas entrevistas do que Katniss.

─ Como assim? ─Caesar questionou com as sobrancelhas franzidas.─ O que é mais do que sua vida?.

─ Quero dizer que assassinar pessoas inocentes custa tudo o que você é.─Peeta explicou pesarosamente enquanto Caesar cantarolava em compreensão.─ Então você se agarra a esse único desejo e... E naquela noite meu desejo era salvar Katniss.

─ Sim.─Caesar murmurou com uma compaixão fingida, sentindo-se pressionado a continuar o ardil sob o olhar sem vida da Dahlia Negra.

Peeta suspirou pesarosamente:

─ Eu deveria ter fugido com ela mais cedo, como ela queria.

─ Mas você não fez isso.─Caesar interrompeu bruscamente, estreitando os olhos enquanto tentava arrancar as respostas do garoto.─ Por quê? Você foi pego no plano de Beetee?.

─ Não, eu fui pego tentando bancar o aliado.─Peeta admitiu com remorso, balançando a cabeça em desapontamento.─ E então eles nos separaram e... foi quando eu a perdi.─ Katniss podia ouvir a tristeza em sua voz, aproximando-se ainda mais da tela como se estivesse tentando confortá-lo.─ E então o raio caiu e todo o campo de força ao redor da arena simplesmente explodiu.

─ Sim, mas Peeta ─disse Caesar com firmeza e com palavras cuidadosas.─ Foi a Katniss quem o explodiu.

Peeta imediatamente balançou a cabeça em negação.

─ Não.

─ Você viu a filmagem.─Caesar apontou, mas Peeta não se convenceu.

─ Não, ela não sabia o que estava fazendo.─Peeta argumentou defensivamente.─ Nenhum de nós sabia que havia um plano maior em andamento. Não tínhamos ideia.

Caesar repetiu essas palavras como uma pergunta

─ Você não tinha ideia?.

─ Não.─Peeta confirmou categoricamente, sua confiança nunca vacilou apesar do interrogatório implacável.

─Tudo bem.─Caesar aceitou a resposta antes de continuar.─ Bem, Peeta, há muitos que acham isso suspeito, para dizer o mínimo. Parece que ela fazia parte de um plano rebelde.

Enquanto Caesar levantava as mãos para se isentar de qualquer responsabilidade pela sugestão, Peeta zombou irritado e retrucou.

─ Você acha que fazia parte do plano dela ser quase morta por Johanna e Dahlia? Ou parte do plano de ser paralisada por um raio? Não, nós não fazíamos parte de nenhum plano rebelde. Não tínhamos ideia do que estava acontecendo.

─Tudo bem.─Caesar murmurou suavemente quando o rapaz começou a ficar mais apaixonado e agitado em sua defesa.─ Eu acredito em você, Peeta Mellark. Obrigado.

Peeta só se acalmou quando sentiu o cano de uma arma encostar em suas costas. Ele se enrijeceu em seu assento diante da advertência silenciosa e murmurou em derrota.

─ Sim.

Agora que o garoto tinha recuperado o controle de seu temperamento, Caesar continuou com mais cautela

─ E eu ia pedir para você falar sobre a agitação, mas acho que você pode estar muito chateado.

Uma olhada atrás dele para a intimidadora  Dahlia Negra deu a Peeta a resposta de que ele precisava. Não importava se ele se sentia chateado demais para falar mais, não lhe estava sendo dada uma opção.

─ Não, eu posso.─Ele concordou, acenando apressadamente com a cabeça em sinal de conformidade quando a arma foi pressionada em sua pele.

─Tem certeza? ─Caesar perguntou pensativo, sem saber da motivação perigosa por trás da insistência do garoto.

─ Sim, absolutamente.─Peeta declarou o mais confiante que pôde, balançando nervosamente sob o olhar estreito da Dahlia.

─ Obrigado. ─Caesar respondeu, fazendo sinal para que Peeta falasse quando estivesse pronto.

Mas o vitorioso do Distrito Doze não teve muita chance de se preparar. Com a ameaça da arma atrás de sua cabeça, ele não queria dar à mulher um motivo para puxar o gatilho. Uma expiração profunda escapou de seus lábios quando ele se lembrou do discurso que recebeu a ordem de memorizar e repetir. As palavras não eram suas, mas estavam sendo forçadas a sair de sua boca como uma marionete sendo controlada por um mestre.

─ Quero que todos que estão assistindo parem e pensem no que uma guerra civil pode significar. ─Ele recitou cuidadosamente, garantindo que dissesse tudo exatamente como eles queriam que ele dissesse.─ Nós quase fomos extintos uma vez. E agora nosso número é ainda menor. ─A inquietação começou a crescer entre o povo do Distrito Treze, murmúrios de traição preenchendo o silêncio enquanto eles trocavam olhares de descrença.─ É isso mesmo que queremos fazer? Matar a nós mesmos? Matar não é a resposta. Todos precisam baixar suas armas imediatamente.

O discurso ficou inaudível quando o refeitório explodiu de raiva. As pessoas pularam de seus assentos para gritar de indignação, gritando insultos na tela sobre sua traição e deslealdade à causa deles.

─ Peeta ─Caesar se inclinou para frente em seu assento com interesse, alheio ao caos que as palavras de Peeta haviam causado no distrito esquecido.─ Você está pedindo um cessar-fogo?.

─ Sim, estou.─Peeta acenou com a cabeça em confirmação, apenas fazendo com que os gritos de protesto soassem ainda mais alto.

Enquanto as palavras de súplica de Peeta pelo fim da violência enchiam seus ouvidos, Katniss decidiu que não poderia mais ficar ouvindo os gritos de morte dele. Completamente dominada, ela começou a correr e se afastou do refeitório o mais rápido que seu corpo podia. Ela não sabia exatamente para onde estava correndo, até que chegou à porta do quarto de Finnick na ala médica.

─ Katniss, o que há de errado? ─Finnick perguntou roucamente, com os olhos ainda cobertos de exaustão e o corpo caído em derrota. Ele estava uma bagunça sem Dahlia, e o mataria saber o que havia acontecido com ela. Como ela poderia lhe contar?─ Aconteceu alguma coisa? Há alguma novidade?.

Ela tinha que dizer alguma coisa e tudo o que a garota conseguiu dizer foi um murmúrio trêmulo.

─ Eu vi a Dahlia.

Finnick se animou com a informação inesperada, os olhos imediatamente se voltaram para o rosto de Katniss para avaliar se essa era uma notícia boa ou ruim. Os longos dias sem nenhuma atualização sobre o bem-estar de Dahlia tinham sido uma tortura agonizante. Ele se viu incapaz de funcionar, deitado no berço por horas a fio, só conseguindo imaginar o pior cenário possível.

─ Como ela está? Ela está bem? Eles fizeram alguma coisa com ela? Por favor, diga-me que ela parece saudável. Ela disse alguma coisa? ─O bombardeio de perguntas pegou Katniss de surpresa, pois essa era a maior energia que ela tinha visto de Finnick desde que chegaram ao Distrito Treze. Ele até conseguiu se forçar a sair da cama e agarrar Katniss pelo ombro, desesperado por respostas que ela não podia lhe dar.

─ Finnick.─Katniss interveio, com os olhos arregalados de choque diante da reação espirituosa. O homem não soltou totalmente o aperto de mão, mas sua linguagem corporal suavizou-se o suficiente para relaxar na presença de Katniss. Ela não sabia como dizer a ele o quanto Dahlia parecia sem vida e obediente na tela, mas essa era a primeira vez que ela via um lampejo de esperança nos olhos dele. Sem querer estourar a bolha dele, ela acabou conseguindo responder─ Não sei como ela está.

Os ombros de Finnick se desinflaram em desapontamento. Não era o que ele queria ouvir. Ingenuamente, ele queria acreditar que ela estava sã e salva, descansando em seu apartamento no Capitólio. Mas ele sabia melhor do que ninguém que Snow não a deixaria escapar tão facilmente. Ela teria sorte se saísse ilesa.

Ao perceber sua derrota, Katniss queria mais do que tudo manter o otimismo do homem aceso. Tudo o que ela conseguiu pensar para levantar seu ânimo foi tranquilizá-lo

─ Mas ela está viva, Finnick... Ela está viva para você, então você precisa fazer o mesmo por ela.

Isso não era exatamente a verdade, mas serviu. Finnick já parecia mais determinado a sair da ala médica e começar a lutar para trazer Dahlia de volta. Porque, em sua mente, Dahlia estava lutando por ele.

Aguente firme, minha florzinha. Estou indo atrás de você.