A agitação nos distritos não melhorou à medida que a data para o anúncio do Massacre Quaternário se aproximava. Dahlia e Alaric quase não saíam mais de casa na Vila dos Vitoriosos, simplesmente para evitar os olhares atentos dos pacificadores que observavam cada movimento deles. Parecia que o Capitólio estava reprimindo os distritos, punindo-os até a submissão. O Distrito Cinco estava se opondo particularmente ao regime cruel, começando a revidar mais do que nunca. Eles estavam procurando por um sinal, alguém que os chamasse à ação. Ninguém sabia disso ainda, mas estavam esperando que a Dahlia Negra surgisse da faísca acesa pela Garota em Chamas.

─ Está um caos lá fora.─ Dahlia comenta nervosa, ouvindo os gritos distantes de seus concidadãos sendo transformados em exemplos para o resto deles.

As punições eram sempre ocasiões públicas como um aviso do que estava por vir para qualquer um que se aventurasse pelo mesmo caminho. Mas eram difíceis de assistir e sempre deixavam um gosto amargo na boca dos espectadores. Os dois vencedores faziam o possível para evitar isso quando podiam.

Alaric suspira desanimado, sentindo-se impotente para ajudar. Não havia muito que os dois pudessem fazer e eles odiavam ficar sentados sem fazer nada. Fechando as cortinas para bloquear o mundo, a dupla solitária se esforçou ao máximo para ignorar o cenário infernal em que seu distrito havia se transformado. Era a isso que sua pequena família havia sido reduzida. Apenas os dois se escondendo em uma casa grande com muitos cômodos vazios enquanto o tumulto reinava do lado de fora de suas janelas.

─ Vai ficar tudo bem, flor. ─Alaric tenta acalmá-la, mas nem mesmo ele se convence de suas palavras. Os tempos nunca haviam sido tão incertos. Ninguém sabia o que o dia seguinte traria e isso era aterrorizante, para dizer o mínimo.─ Só precisamos nos concentrar no anúncio do massacre quaternário e passar pelos jogos sem muitos problemas.

─ É mais fácil falar do que fazer.─ Dahlia resmungou sem entusiasmo, observando Alaric se deitar no sofá ao lado dela.─ Eu me pergunto que delícias que Snow nos reserva este ano.

─ Tenho medo de pensar no que se passa na mente daquele homem.─Alaric retruca com um estremecimento dramático, apenas para provocar uma pequena risada nos lábios de Dahlia.

É muito raro vê-la feliz hoje em dia. Na maioria das vezes, ela vagueia pela casa como um fantasma. O único que parece conseguir manter o sorriso em seu rosto é Finnick, mas ele está em seu próprio distrito esperando o anúncio.

Nada é tão imprevisível quanto os massacres quaternários . Elas são vistas como eventos importantes e geralmente são recebidas com muita expectativa pelo Capitólio. No entanto, isso aumentou ainda mais o estresse sobre os ombros dos cidadãos dos distritos. Quando todas as regras são jogadas pela janela, ninguém está a salvo do tormento dos Jogos.

O telão à frente delas é aplaudido quando Snow sobe ao pódio. Os olhos de Dahlia se estreitam só de ver o homem que é o cérebro por trás de todos os seus pesadelos. Ela deseja que ele sinta toda a raiva que flui por seu corpo antes que Alaric envolva gentilmente a mão dela com a sua e a acalme:

─ Acalme-se, flor. Você não pode machucá-lo por meio de uma tela.

─ Eu posso tentar.─ Dahlia murmura com teimosia, mas recua mesmo assim quando a voz de Snow ecoa alto pela sala de estar.

─ Senhoras e senhores ─sua voz era como unhas em um quadro-negro para Dahlia, mas ela se forçou a ouvir atentamente suas palavras.─ Este é o 75º ano dos Jogos Vorazes. E estava escrito na carta dos Jogos que, a cada 25 anos, haveria um massacre quaternário  para manter fresca para cada nova geração a memória daqueles que morreram na revolta contra o Capitólio.─Dahlia despreza as formalidades desse anúncio, desejando que ele se apresse e acabe com o sofrimento deles. Snow sabe muito bem como prolongar o sofrimento deles.─ Cada massacre quaternário é distinguido por Jogos de um significado especial. E agora, neste 75º aniversário da nossa derrota da rebelião, celebramos o 3º massacre quaternário ─ Ele faz uma pausa para dar ao público a chance de aplaudir enquanto levanta a carta até os olhos. Inclinando-se para frente em seu assento, Dahlia agarra a mão de Alaric ansiosamente enquanto uma sensação horrível se instala em seu estômago. Algo lhe diz que Snow está prestes a lançar uma bomba sobre eles.─ Como um lembrete de que nem mesmo o mais forte pode superar o poder do Capitólio. Neste terceiro trimestre dos Jogos quaternários , os tributos masculinos e femininos devem ser colhidos do grupo de vencedores existente em cada distrito.

Bum... A bomba cai.

O coração frio e negro de Dahlia se aperta de dor e sua mão escorrega da mão de Alaric. A garota não diz nada enquanto se levanta, com choque e traição estampados em seu rosto. Suas mãos tremem, acompanhando os tremores de seu corpo em convulsão, enquanto ela balança a cabeça com horror.

─ Os vencedores devem se apresentar no Dia da Colheita, independentemente da idade, estado de saúde ou situação.─ Essa é a última vez que Dahlia ouve a transmissão antes que Alaric a desligue.

Dahlia sente seu corpo desmoronar sob o peso da constatação. Todos os que ela ama são vitoriosos. Alaric, Johanna, Mags... Finnick. Seu querido Finnick. Como se todos eles já não tivessem sofrido o suficiente, Snow decide colocá-los de volta na arena que os quebrou em primeiro lugar.

─ Não... Eles... Eles não podem fazer isso.─Ela gagueja em desespero, com o peito arfando com respirações difíceis e o lábio inferior tremendo.─ Eles não podem fazer isso. Por que... O que...

─ Flor...─Alaric começa, levantando-se do sofá e aproximando-se lentamente dela como se ela fosse uma criatura ferida.

─ Não! ─Dahlia grita, afastando-se da mão reconfortante de Alaric quando ela se aproxima de seu ombro.─ Eles já levaram tudo! O que mais eu tenho que dar? Não posso fazer isso de novo! Por favor, eu não posso...─Sua respiração se torna errática e irregular, os pulmões ardem dolorosamente enquanto ela tenta respirar.

Por que Snow está tão empenhado em destruir os monstros que ele criou? Tudo o que Dahlia fez nos últimos anos foi para garantir que ela não perderia as poucas pessoas que lhe restavam no mundo. E agora, Snow a estava jogando de volta em uma arena com seus entes queridos e esperando que apenas um saísse vivo. Dessa vez, Dahlia tinha certeza de que não seria ela.

─ Dahlia, me escute.─Alaric exige severamente, com as mãos estendidas cautelosamente, mantendo a distância entre eles.─ Você e eu sabemos que isso não é sobre nós. Não tem nada a ver com os vencedores.

Concordando com a cabeça, os punhos de Dahlia se cerram de raiva quando ela finalmente percebe por que essa massacres quaternários foi organizada.

─ Katniss.─ Ela sibila venenosamente, sua mágoa lentamente se transformando em ressentimento e raiva. Como se ela precisasse de outro motivo para não gostar da garota em chamas.

─ Exatamente.─Alaric confirma, aproximando-se lentamente da garota nervosa.─ Ele quer Katniss morta sem fazer dela uma mártir.

─ Ele não terá problemas lá.─ Dahlia declara, endireitando a coluna com determinação.─ Eu mesma a matarei.─ Enquanto ela avança com um propósito resoluto, Alaric interrompe seus movimentos, envolvendo-a com os braços em um abraço tenso.─ O que você...

Alaric afasta a garota, olhando discretamente para as câmeras ocultas espalhadas pela sala de estar.

─ Eles estão nos observando, Flor.─Ele sussurra baixinho em seu ouvido, agarrando-se a Dahlia com força. Diante de suas palavras, o corpo de Dahlia se congela, mas Alaric disfarça isso abraçando-a com mais força.

─ Como você sabe? ─Dahlia pergunta baixinho, envolvendo seus braços em torno de sua figura paterna para manter o artifício

─ Se esses bastardos da Capitol acham que podem se infiltrar na minha casa e enchê-la de câmeras sem o meu conhecimento, eles têm outra coisa pela frente.─Alaric resmunga com amargura, lembrando-se do dia em que chegou em casa e percebeu que algo não estava certo no prédio. Algo havia mudado e ele sabia exatamente o porquê.─ Eles têm olhos e ouvidos em todos os lugares, e é por isso que preciso lhe dizer isso agora... A rebelião está chegando.─Dahlia luta contra a vontade de arregalar os olhos de surpresa, mantendo o rosto o mais neutro possível para evitar suspeitas.─ Katniss provocou resistência nos distritos e as pessoas estão revidando. É por isso que preciso que você confie em mim.

Dahlia tem muitas perguntas para Alaric borbulhando em sua mente, mas todas elas levam de volta à sua raiva de Katniss.

─ O que...

─ Estamos ficando sem tempo, Flor.─ Alaric interrompe rapidamente, cada vez mais consciente das lentes da câmera queimando em sua pele.─ Preciso saber se você pode confiar em mim... e se eu posso confiar em você?.

Será que ela está disposta a deixar de lado sua fúria para confiar no homem que moldou quem ela é hoje? Dahlia não tem certeza. Não há muitas pessoas em quem ela acredite sinceramente que possa confiar. Ela costumava confiar em sua família até que eles lhe deram as costas. Ela costumava confiar em seu distrito até que eles se encolhiam quando ela passava. Ela costumava confiar em si mesma... mas sua mente já a traiu muitas vezes.

Finnick sempre disse que colocaria sua vida nas mãos dela. Dahlia não podia deixar de discordar de sua fé. Suas mãos foram responsáveis pela queda de muitas vidas inocentes. Elas estão submersas no sangue das vítimas que massacraram. Elas estão marcadas, machucadas e espancadas. Até o demônio tremeria ao vê-las.

Mas Finnick tinha tanta certeza. Ele depositou cegamente sua confiança em uma jovem quebrada que só tinha dor nos olhos. Se um anjo dourado como ele pudesse encontrar a luz nas profundezas mais sombrias do coração da Dahlia Negra, então ela poderia lavar as mãos de suas manchas carmesim. Ela poderia aprender a confiar em si mesma novamente.

─ Eu confio em você.