─ Bem-vindos, aos 70º Jogos Vorazes Anuais.

Dahlia e Alaric mal conseguem conter o revirar de olhos que se tornou um hábito sempre que Magenta fala. Ele é inofensivo, mas sem noção, cego para as lutas das pessoas nos distritos, como todos os cidadãos do Capitólio.

Desde que chegou ao Distrito Cinco há dois dias, Dahlia não encontrou nenhuma repercussão esperando por ela quando voltou para casa. Alaric estava feliz por tê-la de volta, cumprimentando-a com um abraço de boas-vindas. Lavender havia amadurecido um pouco com o passar dos anos, mas ainda não estava pronta para perdoar a irmã, enviando-lhe apenas um breve aceno de reconhecimento. Mas o detalhe importante para Dahlia era que as duas estavam vivas. Ela se acostumou com as consequências imediatas de Snow quando agia mal e presumiu que ele agiria rapidamente. Parece que, desta vez, ele decidiu prolongar o sofrimento dela, fazendo-a esperar ainda mais.

Ao se distanciar do vídeo obrigatório que Magenta assiste com olhos ávidos, a mente de Dahlia repete as cenas de três dias atrás. O sangue jorrando em seu rosto. O corpo mutilado de Yarrow torcido de forma não natural. O familiar sorriso esculpido olhando para ela como se estivesse lhe dando as boas-vindas. A Dahlia Negra havia escapado dos Jogos e feito sua primeira vítima nos corredores sagrados do Capitólio.

Dahlia não se arrependia do que havia feito. Yarrow era seu alvo mais merecedor até então. Mas ela se arrependia da punição que enfrentaria por desafiar Snow mais uma vez. Uma sensação inabalável de pavor estava ocupando sua mente e ela não conseguia ignorar a vozinha em sua cabeça que gritava que algo ruim iria acontecer. Dessa vez, ela havia ultrapassado os limites. O que quer que Snow tivesse reservado para ela, Dahlia sabia que não seria bom.

─ Não foi maravilhoso? ─ Magenta exclama com entusiasmo quando o vídeo chega ao fim. Como de costume, ele não recebe nada além de silêncio da multidão de crianças ansiosas que aguardam para saber se viverão mais um ano.─ Agora é o momento que todos vocês estavam esperando ansiosamente. Selecionar um jovem e uma jovem sortudos para ter a honra de representar o Distrito cinco nos 70º Jogos Vorazes anuais.

Com os olhos nervosos de crianças tensas olhando para ela, Dahlia se lembra da época em que estava naquele lugar. Nada se compara ao medo de se perguntar se este é o fim da linha para você. Perguntar-se se este será o ano em que sua sorte acabará. Naquela época, ela tinha que pensar em sua família. Sua mãe, Rosie e Lavender se estressavam com as chances de Dahlia ser escolhida enquanto a garota de cabelos escuros ficava sozinha em meio a um mar de apreensão e nervosismo. Agora é Lavender quem está sozinha, como tem feito nos últimos anos. O relacionamento entre os irmãos estava mais tenso do que nunca, mas Dahlia não mudaria nada do que havia feito. Ela se ofereceria como voluntária todas as vezes se isso significasse que sua irmã não sofreria o mesmo destino.

Dahlia havia tentado ajudar Lavender a se preparar para a colheita, oferecendo até mesmo que a menina usasse o vestido que ela havia usado em sua colheita. Sua irmã recusou. Ela via aquele vestido como o Ceifador, pairando sombriamente sobre suas cabeças como nuvens de tempestade. Em sua opinião, a vida delas desmoronou no dia em que Dahlia usou aquele vestido e ela não queria ter nada a ver com isso. Dahlia não teve coragem de se livrar dele. Afinal de contas, ele pertencia à mãe delas. Ela decidiu usá-lo ela mesma, para se sentir mais próxima da família que havia perdido naquele dia... Inclusive Lavender.

A rejeição da irmã por parte da jovem garota magoou Dahlia mais do que qualquer punição de Snow. Ela ainda amava Lavender, mas o sentimento não era compartilhado. Lavender não sabia o quanto Dahlia havia se sacrificado para protegê-la e o quanto ela se esforçaria para mantê-la segura. Tudo o que ela via quando olhava para a irmã era uma casca da garota que antes admirava mais do que qualquer outra pessoa. Sua família estava destruída e as rachaduras nunca cicatrizariam.

─ Como sempre... As damas primeiro ─ Magenta declara com uma voz animada, girando precariamente em seus saltos ridículos para se aproximar da tigela. A respiração de Dahlia fica suspensa a cada passo que o acompanhante dá, sentindo o batimento cardíaco disparar de inquietação. Ela nunca havia tremido tanto em uma colheita antes, nem mesmo sozinha. Os alarmes não param de tocar em sua cabeça para avisá-la. Do que, ela não tem certeza. O fato de não saber o que está por vir a assusta mais do que qualquer outra coisa.

As unhas em forma de garra de Magenta arrancam um pedaço de papel com o nome da infeliz garota e o levantam com um floreio dramático. Com os pés trôpegos, ele retorna ao microfone com um sorriso radiante, os cílios coloridos tremulando como uma borboleta.

─ O tributo feminino deste ano do Distrito Cinco...─Ele abre o papel e vai anunciá-lo, mas faz uma pausa no meio da respiração. Um suspiro audível escapa de seus lábios pintados enquanto todos olham em volta confusos. Normalmente, Magenta era um acompanhante muito calmo, com a confiança transbordando por todos os poros, nunca se atrapalhando ou gaguejando em uma palavra. A perfeição absoluta em todos os momentos. Isso não era nada característico dele. Alguma coisa deve ter mexido com seus nervos.

A hesitação não alivia as preocupações de Dahlia à medida que os segundos passam sem nenhuma explicação. Os dedos de Dahlia vão instintivamente até a pulseira em seu pulso para acalmar seus pensamentos acelerados. Ela fica desapontada ao se lembrar de que ela foi queimada em uma pilha de cinzas e não oferece mais nenhum conforto. Magenta olha brevemente para Dahlia, cujos olhos ainda não se desviaram da figura vibrante do acompanhante. Seus olhos são estranhamente suaves, os lábios se curvam em uma carranca simpática antes de se voltarem para a multidão que aguarda.

─ Lavender Blossom.

O coração de Dahlia afunda como uma âncora nas ondas. Não é a irmã dela. Não novamente. Seu corpo está congelado em descrença enquanto sua mente tenta se recuperar. Sua irmã foi ceifada. Ela precisa ser voluntária. Ela precisa ser voluntária... Ela não pode se oferecer. Essa é a forma mais cruel de tortura que Snow poderia ter lhe dado. Ficar impotente enquanto vê o único membro da família que lhe resta ser forçado a participar dos Jogos

O choque de Lavender passa antes do de Dahlia, e seus pés levam a garota em direção ao palco. Seus olhos estão cheios de lágrimas não derramadas, tentando permanecer corajosa como sua irmã havia feito. Mas Lavender subestimou a força de Dahlia. Saber que está sendo levado para a possível morte e ainda assim encará-la com uma expressão determinada é uma façanha que poucos conseguem realizar. Dahlia fez com que parecesse fácil e, pela primeira vez, Lavanda percebeu como deve ter sido difícil. Quando seu mundo implode, você depende de outras pessoas para ajudar a carregar o fardo. Lavanda teve uma saída fácil na primeira vez, com Dahlia tomando seu lugar. Em sua segunda experiência com a morte, sua vida só foi poupada pelas ordens de um odioso presidente. Desta vez, parece que sua sorte havia se esgotado.

─ Lavender.─ Dahlia sussurra em choque enquanto sua irmã é guiada escada acima. Seus olhares se cruzam pela primeira vez em meses e Dahlia é subitamente levada de volta à 66ª Colheita dos Jogos Vorazes. Sua amada irmãzinha, com apenas doze anos de idade, sendo levada ao palco diante de seus olhos. A jovem que estava diante dela era mais velha agora, mas igualmente aterrorizada. Será que ela sobreviveria aos Jogos agora? Dahlia não sabia. Mas ela sofreria da mesma forma que Dahlia. E só esse pensamento fez com que o corpo de Dahlia se movesse para frente.─ Não! Lavender!.

Os pacificadores que estavam de guarda entraram em ação, agarrando a pequena estrutura da garota antes que ela pudesse alcançar a irmã. O caos se instalou quando Alaric se juntou à luta, o vitorioso mais velho tentando impedir que machucassem sua filha. A multidão começou a se revoltar ao ver Dahlia sendo arrastada para longe de sua irmã, enquanto as duas Blossoms lutavam nas garras dos pacificadores.

─ Saiam de cima de mim! Lavender! ─ Dália gritou, ignorando os braços que a puxavam para trás enquanto estendia a mão para Lavanda.─Lav!.

─ Dahlia! ─Lavanda também gritou, chutando e se contorcendo no aperto do pacificador para chegar até sua irmã.─ Dahls!.

As pontas de seus dedos se tocam levemente, as duas meninas tentando desesperadamente conectar suas mãos. Os pacificadores estavam se esforçando para empurrar para trás o enxame de cidadãos do Distrito Cinco, que protestavam ruidosamente. Os gritos angustiados de duas irmãs sendo separadas despertaram as pessoas para a ação. Muitos dos que estavam na multidão se lembravam do nome de Lavender sendo chamado tantos anos atrás e do nobre sacrifício de Dahlia. Os Jogos haviam destruído essa família e agora iriam fazê-lo novamente.

Quase lá, Dahlia incita seu corpo a continuar lutando e nunca ceder. Suas mãos se aproximaram agonizantemente, nenhuma das garotas disposta a recuar. As Blossoms sempre foram lutadoras até o fim. No momento em que Lavender finalmente consegue bater com a mão na mão de Dahlia, as duas se agarrando com unhas e dentes, a garota mais velha é arrancada com violência.

─ Dahlia! ─Lavender grita quando suas mãos são desconectadas e os pacificadores começam a arrastar Dahlia em direção ao Edifício da Justiça.

─ Não! ─Dahlia grita, tentando desesperadamente fincar seus calcanhares no chão.─ Snow, seu bastardo! Seu maldito bastardo! ─Os xingamentos altos e maliciosos da garota ecoam pela multidão, sendo ouvidos mesmo quando ela é jogada no prédio da Justiça e as portas se fecham atrás dela. Alaric estava ao seu lado em poucos segundos, pegando a garota em seus braços enquanto ela soluçava.─ Ele não pode fazer isso. Ele não pode... Ele levou tudo. Por que ele não pode me deixar em paz?.

Alaric gostaria de ter respostas para sua filha. Respostas para o fato de o mundo ter sido tão cruel com ela. Respostas para o fato de ela ter sido punida por querer proteger as pessoas que amava. Respostas sobre como diabos ela deveria continuar quando a correnteza estava empurrando contra ela. Mas tudo o que ele podia fazer era segurá-la enquanto a colheita continuava do lado de fora. A multidão ainda estava furiosa com a exibição dura, e a voz de Magenta mal podia ser ouvida em meio aos gritos altos.

Quando os dois tributos foram finalmente puxados para dentro com Magenta e um punhado de pacificadores, eles foram levados para longe dos Vencedores. Dahlia mal conseguia distinguir a forma de sua irmã sendo forçada a se afastar através de sua visão embaçada. Ela não tinha mais energia em seu corpo para tentar lutar. Elas se reuniriam no trem, onde Dahlia teria que se preparar para enviar seu único parente vivo para a arena que quase a destruiu.

Dahlia só se afastou de Alaric quando as taças de vidro foram retiradas do palco, ainda cheias com os nomes. "

─ Hey.─ Sua voz rouca grita para o atendente que carregava a tigela com os nomes das meninas.─Deixe essa aí.

─ Uh...─O homem gagueja inseguro, olhando para a tigela. ─ Eu não tenho permissão...

─ Deixe isso.─ Dahlia sibila, os olhos se estreitando em fúria enquanto seus punhos se fecham.─ Eu não vou pedir de novo.─ Engolindo com medo, o homem coloca a tigela no chão com cuidado e se afasta do intimidador vitorioso. Ajoelhando-se ao lado do recipiente, Dahlia enfia a mão e retira um nome.

Lavender Blossom.

Jogando-o de lado, ela pega outro.

Lavender Blossom.

Outro.

Lavender Blossom.

Lavender Blossom.

Lavender Blossom.

Dahlia se vê sentada em um ninho de papéis, todos decorados com o nome de sua irmã. A colheita foi manipulada. Lavender não teve a menor chance.

Um grito de raiva sai dos lábios da garota enquanto ela agarra a tigela com os nós dos dedos brancos. De pé, ela arremessa a tigela contra a parede mais próxima e observa o vidro se estilhaçar com o impacto. Com os punhos cerrados e as narinas dilatadas, ela não se importa com a bagunça que fez nos corredores imaculados. Ela não se importa com o fato de ter tido outro episódio maníaco para toda Panem ver. Snow está atiçando as faíscas de sua loucura e, com isso, ela queimará o Capitólio até o fim um dia.