XXXVIII - PARA MIM, VOCÊ ESTÁ MORTO
❝𝗘𝘂 𝗻𝗮̃𝗼 𝘀𝗲𝗶 𝗼 𝗾𝘂𝗲 𝗾𝘂𝗲𝗿𝗼 𝘀𝗲𝗿, 𝗺𝗮𝘀 𝘀𝗲𝗶 𝗺𝘂𝗶𝘁𝗼 𝗯𝗲𝗺 𝗼 𝗾𝘂𝗲 𝗻𝗮̃𝗼 𝗾𝘂𝗲𝗿𝗼 𝗺𝗲 𝘁𝗼𝗿𝗻𝗮𝗿.❞
- Friedrich Nietzsch
O QUE É O INFERNO? PARA MIM, é exatamente onde estou agora.
Existem poucas situações que sejam ainda mais constrangedoras do que acenar de volta para alguém, quando essa pessoa nem mesmo estava falando com você antes, mas ser vista na maior pregação pelo pai do seu namorado está em outro patamar.
Eu me encolho no sofá enquanto o velho grita com o filho. Como pudemos cometer um erro tão iniciante como o de não passar a chave na porta? Nenhum de nós pensou que alguém teria a coragem de invadir a sala do chefe assim, sem aviso e educação. O que não contávamos era com a presença do crápula que usufrui do mesmo sobrenome de Jisung.
- Que vergonha! - ele diz, irritado. - Vocês me enojam.
Neste momento, se eu pudesse fazer um desejo, eu gostaria de sumir. Tudo o que eu quero é me esconder, nem olhar para o meu namorado agora eu consigo. É vergonhoso de mais, humilhante de mais. Eu me sinto suja e tão constrangida. Como deixei algo assim acontecer?
- O que pensa que está fazendo aqui no meu escritório? - Han Ji questiona. Diferente de mim, ele não parece com vergonha.
- Seu escritório? Tsc... - ele fala como se Jisung tivesse dito algo errado. - Já está todo cheio de si, o mesmo garoto irritante de sempre. Você é igualzinho à sua mãe. Por acaso já se esqueceu de quem te colocou aqui?
O mais novo dos Han se levanta do sofá em estado de fúria. Eu o acompanho, mas fico atrás, agarrando o tecido da sua camisa num ato pouco corajoso de mantê-lo perto.
- Não se preocupe, eu não vou esquecer do que me trouxe até aqui, para essa vida de merda. Foi você. Você e o seu jogo sujo que me colocaram aqui. Estou aqui por você ser um corrupto viciado em jogos. - Jisung fala, sem medo do outro, ou pelo menos fingindo muito bem.
- Como você ousa falar comigo assim, moleque? - o mais velho eleva seu tom de voz.
Jisung fica em silêncio. Não entendo se foi o seu surto de coragem que passou, ou se ele estava se segurando para não dizer algo se arrependeria depois.
Ele respira fundo, passa as mãos pelos cabelos e rosto, nervoso. Ouço os seus calcanhares batendo num ritmo violento contra o chão, impaciente. Eu não consigo fazer muito, fico nervosa, contradiga na presença do outro. Além disso, tenho medo, não exatamente do Han mais velho, mas do que ele pode tentar contra Jisung e eu.
- O que você quer? - Sung pergunta num tom mais controlado.
- Eu vim saber no que você estava pensando quando fez a maior idiotice da sua vida, que foi cancelar o casamento. - ele reponde. - Mas eu já pude ver com os meus próprios olhos. Nós já tínhamos conversado sobre isso, Jisung.
A cada segundo, cada palavra que sai de sua boca e reação de fúria, eu penso mais sobre o desejo de desaparecer.
Sinto-me ansiosa. Nesta sala enorme e aberta, parece que uma névoa sombria e pesada tomou de conta da totalidade do ambiente, nos esmagando contra as paredes de vidro. Os dois parecem que vão partir para a briga a qualquer momento, é como olhar para dois lobos ferozes disputando por território. A reação mais lógica seria dar um basta na situação e acabar com isso de uma vez, mas esta é uma daquelas em que eu simplesmente não consigo lidar. Eu preferia fugir ou me esconder, já tive exposição de mais por hoje.
É agonizante olhá-los daqui, esperando apenas um estopim para que essa guerra ecloda. Eu quero fazer algo, mas por que simplesmente não consigo reagir?
Tão certa quanto a afirmação de que Jisung nunca encostaria um único dedo para machucar o seu progenitor, é a de que este sim, com certeza, feriria o filho sem pensar duas vezes, como o de costume. É por isso que tenho medo, me sinto aflita com a possibilidade de que ele faça algo do tipo, de ver o homem que eu amo sendo maltratado diante dos meus olhos, sem que eu possa fazer nada, devido a este meu bloqueio de pânico.
- Você me envergonha, envergonha toda a sua família. - o mais velho diz. - Uma vez na vida você poderia fazer algo que preste.
Jisung ri, sem humor algum. O seu peito sobe e desce numa respiração pesada e dolorosa. As coisas estão prestes a ficarem duas vezes mais intensas.
- Eu!? - ele coloca a mão sob o peito, os olhos se esbugalham. Em seus lábios, há um sorriso sarcástico, no rosto incrédulo. - A única pessoa nesta sala que envergonha toda a família é você.
- Veja bem o seu tom quando for falar comigo! - o outro lhe aponta o dedo.
- Não. - Jisung diz. Embora uma única palavra, é, inegavelmente, a mais libertadora.
- O que você disse...? - o pai se faz de bobo, tentando dar uma chance para o filho mudar seu posicionamento e corrigir sua fala, mas este não faz isso, está firme na sua resposta e vai continuar assim. - O que merda você acha que disse?
- Eu disse que não! - Jisung fala mais alto, quase como se esta pequena frase estivesse entalada no seu peito por muito tempo e agora, finalmente, está liberta. - Eu estou cansado, Yesung. - Han não o chama de pai. - Passei muito tempo pensando que te devia alguma coisa, mas esses dias finalmente acabaram. Eu já estou farto de me sentir uma pessoa ruim por te odiar tanto, quando, na verdade, você que é uma pessoa horrível. Eu não preciso gostar de você, não tenho que me forçar a te amar quando você é o meu maior agressor.
Han Ji diz tudo calmamente, mas eu o conheço bem o suficiente para entender como isso o machuca também. Ele encolhe os ombros, tensiona as costas, seus punhos se cerram e a voz começa a despertar sinais de abalo.
- Foi você quem levou a empresa que meu avô e bisavô levaram anos para erguer, ao topo do penhasco. - Han desabafa. - Eu estou tentando manter as pontas aqui, não deixar o nome da nossa família ir parar na cova que você mesmo cavou. Você sabe como foi difícil para mim? - seu tom se altera, carregado de ódio. - Eu tive que fazer muita coisa para arcar com o seu prejuízo, tive que demitir funcionários, reduzir gastos ao máximo, tudo isso enquanto preparava a inauguração de uma nova filial, para encobrir o rastro da sua sujeira. Enquanto eu dou a minha vida por algo que eu nunca quis, tudo o que você faz é extorquir o vovô para sustentar o seu vício.
Seus olhos ficam vermelhos, a sua raiva transforma-se em água no canto dos olhos. Elas ameaçam escorrer pelo seu rosto e Jisung não se importa, seu peito ficará tranquilo se ele disser tudo o que pensa e guardou dentro do peito por tantos anos.
- Desde pequeno tudo o que eu quis foi o seu amor e a sua aprovação. Quando a mamãe foi embora, você passou a me tratar pior do que era, me fez acreditar que era minha culpa o que aconteceu com o que deveria ser a nossa família. - ele diz, com os seus olhos ardendo. - Eu tentei a minha vida inteira fazer você me enxergar, mas quando você finalmente me viu, foi com desprezo. Você fingiu para todo mundo que nunca teve um filho, que eu nunca existi, tudo porque eu gostei de um garoto.
Durante toda a conversa, esta é a primeira vez que o meu corpo reage. Eu me coloco um passo ao seu lado e seguro sua mão. O meu antigo chefe olha com raiva, mas o atual não se incomoda, ele me olha com carinho.
- Eu fui expulso de casa, tive que arrumar um emprego quando ainda não tinha nem idade para trabalhar. Você até me fez ser expulso do apartamento que o vovô estava alugando para mim em segredo. - Jisung diz tudo o que sente, libertando-se da dor do passado que lhe prendia. - Eu tive sorte de conhecer Changbin e a sua família, eles sim foram mais para mim do que você. - ele diz, com dificuldade. - Você me trata como lixo desde que eu nasci, mas quando alguém tem que consertar as merdas que você faz ou encobrir as suas falcatruas, é só chamar o idiota do Jisung que ele vai correndo resolver.
Quando sinto a sua mão tremer agarrada com a minha, eu acaricio o dorso e a seguro com as duas mãos, envolvendo-a num ninho aconchegante e confortável.
- Eu tive medo durante muito tempo, mas esta fase já passou. - ele decreta. - Não, eu não vou me casar com Sana. Eu já conversei com os Minatozaki, esclareci tudo o que você tramava e deixei claro que, quando eu me casar, será por amor. Não vai ter casamento. Agora, por favor, suma da minha vida para sempre.
A sua voz falha, sua mão trêmula aperta a minha com força, da mesma maneira que eu apertava a da minha mãe quando tinha medo.
O silêncio que se forma agora possui ainda mais peso. Enquanto Jisung respira fundo seguidas vezes, num misto de raiva, ansiedade e medo, o seu pai se cala por um instante. Não consigo imaginar o que se passa na sua cabeça. Seus olhos vão para todos os lados, procurando sabe-se lá o quê, até que o seu dedo aponta para mim.
- Você! - ele me analisa com desprezo. -Isso é tudo culpa sua. - então dá um passo na minha direção, mas Jisung se coloca no meio de nós dois.
- Se há algum culpado aqui, é você. - Han Jisung diz, firme. - O que eu estou te dizendo agora não é por conta dela, apesar de ser ela quem me ajudou a abrir os meus olhos e me desprender da pessoa que eu esperava que você fosse.
- Você não pode estar falando sério. Você vai mesmo desistir de toda aquela fortuna por uma qualquer? - o seu pai questiona, falando sobre mim. - Pense em todo o dinheiro, porque mulheres como ela você pode encontrar em qualquer esquina.
"Mulheres como eu"? O que ele quer insinuar com isso? O que ele diz me irrita amargamente. Meu sangue sobe à cabeça.
Eu perco o controle, a postura. Não é que eu me importe com o que ele pensa, mas este senhor me irrita profundamente. Quem ele pensa que é para falar assim? É por conta do dinheiro? Para mim, isto é igualzinho ao seu caráter, não vale de nada.
Furiosa, eu saio de trás de Jisung e o puxo para o meu lado, assim fico de frente para o que chamam de ser humano e num súbito de coragem e ira, questiono:
- Como é que é? - fico quente, é o meu sangue que ferve. Agora ele vai ouvir. - Olha, eu posso até não ser de uma família rica, dirigir um carro de luxo... ou roubar da minha própria família, assim como o senhor faz. Mas eu tenho os meus princípios e caráter. - eu me defendo. - Sim, de uma coisa você está certo, eu sou como qualquer outra mulher. Sou forte, bonita, corajosa e luto pelo que eu quero e acredito. Já você é como qualquer outro verme, um ser desprezível.
- Com quem pensa que está falando, sua pirralha? - ele resmunga. Seus Ps são tão fortes que saem como cuspe. - Já esqueceu que sou eu quem paga a droga do seu salário?
- Não é verdade. Quem paga o salário dela somos eu e esta empresa que você vive tentando acabar. - Jisung o corrige. - Por que você não some de uma vez por todas e deixa de ser inconveniente? Você está passando vergonha.
O homem de fios grisalhos ri, ele parece (ele é) louco. Por um instante seu riso me apavora, ele está completamente fora de si.
- É fofo vocês pensarem que tem a escolha de ficarem juntos. - ele diz com um sorriso macabro no rosto. - Han Jisung, é melhor você me obedecer e se casar o mais rápido possível com a senhorita Sana, se não quiser ver a sua namoradinha atrás das grades.
- A única pessoa que vai parar atrás das grades aqui é você! - Han Ji diz sem medo.
O meu namorado se afasta de mim por um momento, apenas para ir até sua mesa, abrir uma das gavetas que estava trancada de chave e retirar de lá uma pasta recheada de folhas. Ele o entrega para seu pai, empurrando os documentos contra o peito do outro.
- Veja com os seus próprios olhos. - ele diz, seu tom é calmo e ainda assim ameaçador. - O seu esquema fraudulento, as contas no exterior que você usou para roubar o dinheiro da empresa, o laranja, as compras de todas as obras artísticas que você fez e que depois misteriosamente desapareceram, após você lavar o dinheiro. Eu descobri tudo.
O mais velho folheia as páginas com os olhos esbugalhados, assustados. Ele parece incrédulo, horrorizado. Depois de ver com os próprios olhos que tudo o que Jisung disse é verdade, ele acredita. A realidade e o medo do que pode acontecer o atingem com força, por isso ele se desespera e começa a rasgar tudo, loucamente. Pouco a pouco, os retalhos caem no chão. Ele se desfaz das provas.
- Você pode até me ver como um idiota, mas eu não sou um. - o Han mais novo diz, sossegado. - O que eu te dei era apenas uma cópia e só um terço de todo o material que eu tenho, apenas um gostinho. O original está guardado num lugar seguro, então nem adianta vasculhar a sala a procura disso.
- Você não está falando sério. - ele está inconformado. - Não conseguiria fazer isso com o seu próprio pai. Não é, filho?
- Se dependesse apenas de mim, você já estaria mofando na cadeia. - Jisung diz, sem piedade. - Se eu ainda não te entreguei, foi pelo meu avô, porque ele insistiu. Eu não iria te mostrar essas coisas, mas seria o único jeito de você crer em mim. Eu quero você fora da minha vida e dos meus relacionamentos, você não tem mais poder algum sobre mim.
- Han Jisung! - o velho o chama, bravo e alto. Ele usa a sua última carta na manga. - Eu sou o seu pai.
- Não, não é. Você nunca foi o meu pai. - ele diz, aceitando a realidade.?- Para mim, você está morto.
Suas palavras são fortes e dolorosas, sejam para se ouvir ou falar. Ele sabe que são, ele sente, por isso que os seus olhos procuram outra direção para se prender. Han Jisung não consegue dizer tais palavras olhando nos olhos do homem que tudo o que fez por ele foi dar-lhe a vida, mas nunca a liberdade.
O seu progenitor sente o peso da sua sentença, um músculo da sua mandíbula se contrai, depois disso ele apenas vai embora, sem dizer mais alguma palavra. A porta bate com força quando ele sai da sala, restando apenas um grande silêncio e uma energia extremamente carregada. Eu fico parada no mesmo lugar, ainda em choque, sem saber como me comportar agora.
Vejo quando Jisung vai até a mesa, inclina-se sobre ela, agarra suas mãos nas pontas e as suas lágrimas em silêncio pingam sobre o vidro. Eu imediatamente vou até ele abraço suas costas.
Jisung vira-se e se aconchega nos meus braços, deixando seu peito se rasgar num grito amargo quando as lágrimas caem mais e mais. Eu acaricio os nós das suas costas com o mesmo cuidado que se tem ao acariciar um cãozinho ferido, os seus braços se apertam ao redor do meu pescoço quanto mais eu o dou o conforto de que ele precisa. Ele se envolve no meu abraço cheio de carinho.
- Me desculpe por você ter que ouvir tudo aquilo que ele te disse. - Jisung pede, lutando para falar sem soluçar. Mesmo com toda essa avalanche de sentimentos que ele teve, Han continua pensando nos meus.
- Eu não ligo, Ji. - digo enquanto o consolo. - Não me afeta o que ele pensa de mim, me afeta é te ver assim, ver o que ele faz com você. - respiro fundo. - Você pode chorar, Jisung, mas eu não quero que você precise. Agora acabou, ele não pode fazer mais nada contra nós dois. Eu estou aqui com você, até o fim dos nossos dias.
Ele concorda enquanto acena com a cabeça. Uso as mãos para secar o seu rosto e, quando termino, dou um beijo na ponte do seu nariz. Jisung sorri contente, me observa com os seus olhos brilhando pelas lágrimas recém secadas, segura o meu rosto entre as mãos, sela os nossos lábios demoradamente e depois faz o meu coração saltar pela boa ao dizer:
- Eu te amo, Jiwoo.
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