XXXII - É TARDE DE MAIS PARA SE ARREPENDER
❝𝗔 𝗺𝗼𝗿𝘁𝗲 𝗽𝗮𝗿𝗲𝗰𝗲 𝗺𝗲𝗻𝗼𝘀 𝘁𝗲𝗿𝗿𝗶́𝘃𝗲𝗹 𝗾𝘂𝗮𝗻𝗱𝗼 𝘀𝗲 𝗲𝘀𝘁𝗮́ 𝗰𝗮𝗻𝘀𝗮𝗱𝗼.❞
- Simone de Beauvoir
COMER, DORMIR, LEVANTAR DA cama e até mesmo a música, nada disso me traz mais sentido. O meu mundo acabou naquela noite. Meu peito nunca esteve tão dolorido, minha cabeça nunca tão perturbada, os olhos tão secos e a garganta tão machucada. Ainda que eu chore, grite ou tente dormir, nada me tira deste tormento.
Eu estou trancado neste quarto escuro desde que voltei, a minha única companhia é Mingi, o cachorro. Minha vida sem sentido agora se resume em ficar deitado na cama o dia inteiro assistindo Netflix, não apareço na empresa desde antes de ir à Paris, meu pai não para de me ligar, mas eu não atendi nenhuma das suas tentativas de chamada, estou triste de mais para falar com qualquer pessoa, principalmente com ele. Estou tão deprimido que até mesmo o cachorro mais feliz do mundo parece com depressão, deitado ao meu lado por horas sem ânimo algum.
Meu celular toca sem parar, é ele. Eu não atendo. Desligo o aparelho e fico debaixo das cobertas, tento dormir, mas toda vez que eu fecho os olhos aquela cena se repete na minha cabeça, com ela me mandando embora e eu sem poder falar nada. É tudo culpa minha, eu nunca deveria ter aceitado este cargo. A minha vida começou a desandar quando eu pensei que pudesse construir uma relação com o meu pai. Eu o odeio, odeio ver que estou me tornando ele.
- Eu estraguei tudo, Mingo. - coloco o rosto para fora das cobertas e falo com o meu único companheiro, o tratando pelo apelido carinhoso. - Até você está triste que ela nos deixou. - acaricio seu pelo. - Me perdoe, é tudo culpa minha.
Se ela soubesse dos meus motivos, me aceitaria de volta? Acredito que não. Saber a verdade não muda o fato de que eu estarei no altar com outra mulher, afinal de contas. Isto é ótimo, além de me tornar o meu pai, sou parte Minho também.
Deitado afogando-me na depressão, ouço um barulho vindo da sala, o som de alguém abrindo a porta. Não me movi, nem me preocupei, se for um bandido que leve o quiser e de quebra ainda acabe com este sofrimento eterno que é a minha vida, não vejo alegria ou sentido em mais nada.
Depois do som da porta se trancando, ouço passos pesados e cada vez mais perto, definitivamente não é Soyoung. Como eu esperava, a porta do meu quarto é aberta, mas tudo que vejo no escuro é uma sombra baixa e musculosa. Então, de repente, a luz é acesa e Changbin quase me deixa cego com isso.
- Meu senhor, que chiqueiro. - ele reclama fazendo uma cara de nojo.
Eu não digo nada, somente cubro os olhos devido a claridade me machucando. Agora eu sei como os vampiros se sentem.
- Vamos levantar, princesa? - Seo fala com uma voz assustadora, sentando ao meu lado na cama. - Caralho, Jisung, faz quanto tempo que você não toma um banho?
- Eu sei lá, uns dois dias, por aí. - respondo.
- Deve ser por isso que ela te largou. - ele faz uma piada inoportuna. - Foi mal, cedo de mais. - ele se desculpa, mas eu não ligo, sempre nos ofendemos e a nossa relação está bem assim. - Levanta, eu vim te tirar da cama.
- Não quero.
- Me desculpe se pareceu que eu pedi sua opinião, isto é uma ordem. - ele impõe. - Eu não vou te deixar mofando aqui, levanta.
- Por que? - eu interrogo. - A vida é triste. A minha mãe me abandonou para fugir com o namorado, o meu pai me odeia e só me usa para continuar no poder, meu avô está velho e doente e, para completar, agora ela me deixou também. Eu nasci para ficar sozinho.
- Cara, se você gosta tanto dela, por que deixou ela ir?
- Porque era o que eu tinha que fazer. - respondo sem dar detalhes. - Eu precisei deixar ela longe para a proteger.
- Proteger de quê? - ele pergunta sem entender nada. - Do seu pai? Jisung, esse seu daddy issues já está indo longe de mais. Você tem que parar com essa sua mania de procurar aprovação em uma figura paterna. - diz o Seo, exatamente o que eu já ouvi de Jiwoo. - Sabe por que os seus relacionamentos nunca dão certo? É porque na primeira grande crise você desiste. Uma vez na vida para de chorar igual uma criança e aprende a lutar pelo que você quer.
- Por que lutar se todo mundo vai morrer mesmo? - o meu lado melancólico se sobressai.
- Porque é melhor morrer lutando pelo que ama do que viver sem nunca ter amado. - ele diz, filósofo de mais para o que eu estou acostumado vindo dele.
- Você acha mesmo que vale a pena lutar se toda vez que eu construo algo bom, alguém vai lá e acaba com isso para mim?
- Meu Deus. Jisung, o que ele fez agora? - Bin questiona, preocupado.
Era exatamente o que eu estava evitando, pensar nisso. Mas não preciso nem me esforçar para lembrar do que houve, minha mente parecia estar só esperando uma oportunidade para pensar sobre o assunto outra vez.
A verdade é que eu sou altamente manipulável.
Durante a minha vida inteira, meu avô sempre foi o meu exemplo de figura paterna, sempre bondoso e amoroso comigo, mesmo assim, parecia que faltava algo. Eu tenho um pai. Mas, por que para ele eu não existo? Mesmo que eu tentasse negar a sua existência e fingisse que ele estava morto, eu ainda o desejava por perto. No dia dos pais, eu ainda o mandava um presente e um cartão. Ainda que estivesse vivendo uma vida completamente oposta ao que ele havia escolhido para mim, no fundo, eu me importava com a sua aprovação.
"Faça isso pela nossa família, meu filho". Foi o que ele me disse antes de passar o cargo para mim.
"Família", fazia tanto tempo que eu não pensava mais em nós dois assim. Propositalmente, aquela foi a primeira vez em que ele me chamou de filho em dez anos.
Para o meu pai, tudo em mim sempre foi um problema. Os meus amigos, a minha música, orientação sexual, escolhas, a aparência semelhante à minha mãe; tudo. Piorou quando ela foi embora. Ele passou a me odiar ainda mais, porque toda vez que ele olhava para mim, era ela quem ele enxergava.
- Esquece, Changbin. - quem me dera poder fazer isso também. - Eu vou ter que me casar. - suspiro frustrado, cheio de ódio no peito. - Pelo menos Sana é uma pessoa decente.
- Você não está falando sério, está? - ele me interroga, incrédulo.
- Você não faz ideia do quanto eu gostaria que tudo isso fosse apenas uma brincadeira de mal gosto.
- Jisung, você não pode se casar com seguem que não ama. - ele diz, e eu concordo, mas tenho que aceitar o meu destino. - E se ela acabar gostando mesmo de você? Não seria justo com ela, alimentar a esperança de que um dia gostará dela sendo que ama outra.
- Isso não será um problema. - eu o garanto. - Por que você acha que os Minatozaki aceitaram este casamento? É claro que é uma transação de negócios, mas também vai servir para encobrir um boato. - eu acabo falando demais. - Não conta para ninguém, tá? Mas os japoneses só aceitaram este casamento para ninguém descobrir o fato de que a única herdeira da família é lésbica.
- Puta merda. - ele exclama. Impaciente, Seo anda de um lado para o outro do quarto. - Não importa, Jisung. A decisão ainda é sua, é você quem dirá ou sim ou não.
- Eu queria poder ter alguma saída aqui.
- Só pode ser divida de jogo.
Não ironicamente, ele está correto. Meu pai nunca foi um exemplo de honestidade. A empresa beira à falência, graças a ele.
Quando o seu casamento acabou, Yesung descontou toda a sua frustração em um vício, apostas. Corrida de carros, lutas de boxe clandestinas e até concurso de beleza infantil. Ele virou um grande apostador. E quando o seu dinheiro acabou, não é preciso que eu diga sobre o sistema de caixa dois que ele fez na empresa.
Ele roubou da própria família, tudo para alimentar esse vício idiota. Não sei dizer como, mas ele até que conseguiu esconder bem a fraude, o sistema só foi descoberto meses atrás. A sorte dele foi que quem descobriu foi o meu avô, bondoso como sempre, decidiu apenas afastá-lo da empresa. Mas com esse coração tão grande, ele se nega a ver que o filho tem um problema.
Com o afastamento repentino do filho, quem melhor que o neto para assumir o comando? Só precisou de algumas palavras de afirmação para me convencerem disso. Se eu tivesse dito não daquela vez, todos os meus problemas seriam evitados. Jiwoo e eu não teríamos brigado daquela vez, eu ainda estaria fazendo o que amo e agora não seria obrigado a me casar com alguém que mal conheço e jamais poderei amar.
É impressionante como mesmo afastado o meu pai ainda exerce tanto poder sob mim. De alguma forma que eu ainda desconheço, ele continua com dinheiro para apostar. O trato do meu casamento inclusive, é ele quem está realizando. Quando o casamento acontecer, todos os bens da família vão para o nome de Sana. No nosso contato conjugal, na divisão de bens, estará escrito que tudo adquirido depois do casamento será dividido entre os noivos. Eu fico com metade de uma marca multimilionária, Sana com metade de uma empresa prestes a declarar falência. Mas é claro que, depois do casamento, será só uma questão de tempo até o meu pai conseguir um jeito de me descartar e ficar com o dinheiro.
Enquanto eu explicava tudo isso para o meu amigo, sua cabeça parecia fazer um nó.
- Se você sabe de tudo isso, por que ainda não expos a situação da empresa? - ele questiona. - Se você explicar isso para a família Minatozaki, eu tenho certeza de que eles vão impedir o casamento.
- Eu sei de tudo isso. Mas eu fico pensando em Sana. - falo o primeiro motivo. - Quando o nosso casamento não acontecer, será questão de tempo até a família dela lhe arrumar outro casamento arranjado. Eu estou ciente de que ela não gosta de homens, mas tenho medo de que o seu próximo marido saiba, não se importe e a force a coisas que ela não quer. Se ficarmos juntos, pelo menos ela estará legalmente com alguém que a respeita e será livre para ficar com quem ama também, mesmo que em segredo.
- E você, como que fica no meio dessa história? - ele faz o questionamento que eu estava evitando esse tempo todo.
Eu fico péssimo, me afundando na minha tristeza cada dia mais. Não tenho o que fazer. Mesmo que eu tenha a certeza de que jamais encontrarei a felicidade, ela ainda pode. Odeio estar machucando-a assim, mas ficar ao meu lado deixará ainda mais feridas.
Ser da família Han é um castigo. E Lee Jiwoo é boa de mais para pagar por algo que não tem culpa.
- Você não acha que Jiwoo vai aceitar ter algo com você mesas condições, ou acha? - Bin reforça seu ponto com outra pergunta.
- Não, eu sei que não. É por isso que eu jamais pediria isso a ela.
Eu me calo, é então que Seo Changbin começa a passear novamente pelo meu quarto, mais um pouco e as marcas dos seus pés poderão formar um buraco.
- Não há nada mesmo que você possa fazer para evitar essa dor de cabeça toda? - ele interroga num fio de esperança. - Eu aprecio que você se importe tanto com Sana-ssi, mesmo não a conhecendo tão bem, mas esta é uma batalha que ela terá que lutar. Você pode ajudá-la, Jisung, mas não deste modo.
- Por mais que eu queira acabar com tudo isso também, não posso dizer não. Eu tenho medo pelo que meu pai irá fazer.
- O que mais ele pode tirar de você? - Changbin parece estar em um estado de descrença. Eu também estaria se não soubesse do que meu pai é capaz. - Ele já está te privando de ficar com o amor da sua vida.
Se eu me caso, a perco; se não me caso, ele tem os seus meios de tirá-la de mim. De qualquer maneira, eu sou um perdedor neste jogo. A minha vida estava arruinada desde o momento em que eu nasci como parte desta família.
- O que mais me importa é ela, Binnie. - Lee Jiwoo, o que tínhamos... isso era o mais precioso para mim, fazia todo o resto parecer nada. - Isso é o que mais me preocupa, o que ele fará com ela no momento em que eu o disser o primeiro não.
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