XVI - TUDO O QUE EU (NÃO) SEI SOBRE VOCÊ
❝𝗡𝗮̃𝗼 𝗲𝘅𝗶𝘀𝘁𝗲𝗺 𝗺𝗲́𝘁𝗼𝗱𝗼𝘀 𝗳𝗮́𝗰𝗲𝗶𝘀 𝗽𝗮𝗿𝗮 𝗿𝗲𝘀𝗼𝗹𝘃𝗲𝗿 𝗽𝗿𝗼𝗯𝗹𝗲𝗺𝗮𝘀 𝗱𝗶𝗳𝗶́𝗰𝗲𝗶𝘀.❞
- René Descartes
DEVO TER OUVIDO ERRADO. A princípio, foi o que pensei. Minha segunda hipótese era "não é o mesmo Jisung que eu conheço, não existe apenas um Han Jisung no mundo", mas no instante em que o vi subindo ao palco, todo formalmente trajado e com uma postura impecável, soube que é mesmo ele. Ali eu jurei que poderia ter um ataque cardíaco.
O que está acontecendo? Estou sendo vítima de uma pegadinha super elaborada? Não consigo raciocinar direito, o som alto das palmas abafam a voz na minha cabeça.
Ele pega o microfone. É real.
Jisung se apresenta num tom tão casual que, se eu não o conhecesse, pensaria que é natural dele. Han proferiu um discurso ensaiado, o que só eu pareci perceber. Não é autêntico, não é Han Jisung.
Primeiro estágio: negação.
Eu fiz de novo. Deixei ele entrar na minha vida, pouco a pouco ele foi me conquistando, tomando um lugar no meu coração para que, de uma hora para a outra, alguém simplesmente puxar o meu tapete e tudo o que eu pensei ter construído, desmorone. Não, ele não é assim. Algo está errado.
Minha mente se embola numa confusão de teorias infundadas para tentar explicar o que está se passando aqui. Não há um fato além do que ele mentiu para mim. Talvez eu não o conheça tão bem quanto eu achei que faria. Eu não sei nem mesmo a sua cor, filme, música ou comida favorita, essas pequenas coisas bobas que importam. Eu conheci um lado diferente de Jisung, enquanto pulava etapas.
Quando a conversa fiada acaba, todos voltam a se concentrar em suas vidas e fofocar sobre as alheias. Eu não tiro os olhos dele. Ele sequer me vê, tampouco pareceu me procurar pelo salão. Com tantos olhares para ele, o meu passa despercebido. Jisung parece até confortável nessa posição, todo elegante e recebendo as atenções. Seu pai está sempre ao seu lado, como se o guiasse e instruísse o que fazer.
Seu... pai. Em todas as vezes que o assunto surgiu, Han me disse que não tinha um. Se alguém mente sobre ter um pai vivo e bem sucedido, quando tudo o que eu pedi foi para ser honesto comigo, o quanto mais ele poderia mentir? O que mais Jisung me esconde?
Me sinto feita de idiota. Eu me abri com ele sobre coisas tão importantes da minha vida, compartilhei pensamentos sombrios, dividi minhas dores e nada foi recíproco. Ele nunca foi verdadeiro comigo? Foi tudo uma mentira? O que era real e o que ele inventou? Em algum momento os meus sentimentos foram correspondidos? Mais desses questionamentos invadem a minha mente.
Sinto uma falta de ar repentina. O seu erro coloca toda a confiança que eu tinha nele como um ato burro. É difícil evitar este sentimento de ser tratada como um objeto, usada. Para ele, comigo pode ter sido apenas diversão, eu nunca saberei, nem sei se conseguiria acreditar. A confiança é um pilar, sem ela nada se sustenta.
Eu tive tanto medo de me aproximar novamente de alguém e acabei me interessando outra vez pela pessoa errada. Talvez isso seja um traço comportamental meu, procurar os mesmos relacionamentos para tentar dar a eles um fim diferente. É verdade que Jisung mentiu para mim assim como Huye, e agora, será meu chefe, tal como o ex. Estou sempre me envolvendo em relacionamentos fadados ao fracasso, provavelmente por não aceitar que sou eu quem está fazendo todas as escolhas erradas.
- Jiwoo, você está bem? - Shin Ryujin me pergunta, preocupada. - Você parece pálida.
- Eu preciso tomar um ar. - é tudo o que eu consigo falar numa situação como esta.
Me apresso em sair do salão, sinto-me sufocada no meio de tanta gente.
No exterior frontal do local, vou para uma área arborizada. Passo por um corredor de arbustos até estar debaixo dos galhos de uma cerejeira sem frutos. Seguro o cabelo com uma das mãos, como se me preparasse para prendê-lo num rabo de cavalo e com a outra me abano. O ar aos poucos aparenta voltar a circular novamente no meu corpo e chegar até o meu cérebro. Volto a ser minimamente racional.
Preciso que, pelo menos por essa noite, meu coração se acalme. Ainda que eu não esteja a trabalho, este não é o ambiente para um surto de pânico. Eu preciso ser profissional, agir com classe e não ser a maluca que deu um chilique com o chefe novo.
Com sorte, não irei esbarrar com Jisung no meio desse tanto de gente que está aqui e a quem ele com certeza deve ser apresentado. Mas caso eu dê azar, vou tratá-lo apropriadamente e fingir que não o conheço, o que não deixa de ser uma verdade.
- Jiwoo, Jiwoo! - escuto uma voz conhecida me chamado em um grito silencioso, se é que isso é possível.
Olho na direção da voz e vejo que é a minha sênior, Lee Sunmi. Ela vem correndo na minha direção, parece agitada e nervosa.
- Oi, sunbae. Precisa de alguma coisa? - pergunto, me recuperando dos segundos atrás de pânico. - Aconteceu algo?
- Eu preciso de um favor. Aconteceu um problema com Hyungseo. - ela diz angustiada. - Ela está tendo uma reação alérgica ao camarão que comeu sem perceber. Eu estou indo levar ela no hospital agora e preciso que você tome conta do senhor Han para mim.
- Eu não posso ir com ela ao hospital?
- Ela já está no meu carro e eu vi tudo o que aconteceu, é mais conveniente que eu vá. - ela fala tudo com muita pressa. - O senhor Han tem negócios importantes que quer fazer com a senhorita Minatozaki e ele não fala japonês, cuide para que tudo ocorra bem. Eu preciso ir logo, estou confiando que você vai dar conta.
Eu não faço ideia de que negócios o senhor Han tem ou pretende ter com a família japonesa, ou quais possíveis conflitos além da barreira de idioma eu terei que resolver, mas não possuo tempo para opinar, minha sênior vai embora as pressas e o que me resta é atender ao seu pedido.
Por que eu?
Ryujin e Chaeryeong também estão aqui, mas é sempre Lee Jiwoo quem se mete nessas enrascadas. Talvez a forma como eu saí da sala, passando meio mal, tenha chamado a atenção da ruiva alaranjada e ela resolveu procurar por mim primeiro.
Retorno ao salão e procuro pelo chefe, o antigo ou o atual, mas quem vejo primeiro é Hyunjin, junto deles. Obrigada, mas tentando parecer que não, eu os cumprimento formalmente e informo o motivo de Sunmi ter saído para o Han mais velho. Ele parece não se importar com a substituição.
As senhoritas Minatozaki e Hirai estão na mesa que encontro os Han e Hwang. Cumprimento as duas em japonês, mas Sana me responde em coreano. Ela fala no meu idioma de uma maneira tão naturalmente fofa que me faz sorrir sem perceber. Quando faço um elogio sobre sua pronúncia, ela faz uma expressão confusa e apenas acena olhando para os lados, assim eu percebo os limites do seu coreano. Falarei com ela apenas em japonês o resto da noite.
Sento-me na cadeira entre ela e Hyunjin. Um ponto positivo deste assento: estou ao lado de duas pessoas que até o momento possuo boas opiniões. Um ponto negativo: se eu girar o meu rosto à 45°, tenho uma visão clara de Jisung.
- Mais cedo, eu ia dizer que pelo que eu soube, as apostas é que se trataria de um anúncio de casamento. - Hwang sussurra para mim.
- Mas o chefe já não é casado? - eu questiono sussurrando também. Lembro desse detalhe.
- Separou quatro meses atrás. - ele responde. Foi um pouco antes de eu entrar para a empresa. - Mas ninguém imaginava que o motivo era a posse do filho.
- Nem você sabia disso? - questiono. Hwang é secretário de Han Yesung, se tem alguém com acesso à informação confidencial, este alguém é Hyunjin.
- E quem iria imaginar que o chefe teria um filho secreto? - ele deixa um questionamento.
"Filho secreto". Pelo visto eu não fui a única pega de surpresa com a notícia chocante.
Eu nunca conheci bem o senhor Han, se muito o encontrei antes de trabalhar aqui foram três vezes. Eu não sei absolutamente nada sobre a sua vida pessoal, nem se tinha filhos, mas pensei que talvez eu fosse a única que não sabia sobre Jisung.
Seja lá o motivo dessa mentira, ela com certeza tem proporções maiores do que eu imaginei.
Os próximos três minutos se passam, na medida do possível, tranquilos. Tento manter os meus olhos fixos no lado esquerdo da mesa, onde o meu vizinho mentiroso não está. Fico mais tranquila quando começamos a falar de negócios, ajudo como posso enquanto evito respirar até o mesmo ar que o Han mais novo.
- Senhorita Minatozaki, ficará aqui até quando? - o meu (ex) chefe pergunta em nosso idioma. - Jisung adoraria levá-la para conhecer a cidade.
Eu me encarrego de lhe traduzir tudo, mas parece não ser preciso para a sua amiga, já que a morena ri de forma contida antes mesmo que eu abra a minha boca. Ela não é de falar muito, mas percebo que tem uma boa compreensão do nosso idioma, tanto quanto das intenções deste convite.
- Pelo visto o anúncio de casamento ainda está de pé. - Hyunjin sussurra ao meu ouvido, rindo baixinho da sua própria análise.
Ótimo, agora além de fingir que não conheço Han Jisung, terei que ficar aqui enquanto o seu pai - que eu acreditava estar morto - tenta arranjar um casamento para ele.
Não estou olhando para Jisung agora, mas posso sentir o peso do seu olhar caindo sobre mim, queimando minha orelha e a camada superficial da minha pele. Ele está observando Hwang e eu cochichando de vez em quando. Se o conhecesse, saberia se é ciúmes ou que ele sabe que estamos falando dele.
- Eu vou estar na cidade até quarta-feira. - ela diz. Eu me encarrego de traduzir. - Posso encontrar com vocês amanhã, seria esplêndido. - ela é mesmo, não ironicamente, um poço de simpatia.
- Está combinado então. - ele diz. - Eu tenho certeza de que vocês vão se dar muito bem. Olha só para vocês dois, ficam tão bonitos juntos. - o mais velho sorri adorando a situação.
- Está marcado. - é tudo o que eu digo a ela. Eu quase rolo os olhos depois da fala do homem mais velho, mas me contenho.
Permito-me olhar para Jisung por alguns instantes, a fim de analisar sua expressões corporal e facial, mas desvio o olhar antes que possa concluir minha avaliação ao notar que ele já me observava antes. Sinto minhas bochechas arderem, pode ser tanto vergonha quanto raiva, estou dividida, constrangida e irritada.
Ele é um idiota, agindo tão tranquilo como se isso não fosse nada. É um insulto que ele esteja tão pouco abalado, quer dizer que eu não significo tanto assim. Eu deveria ter imaginado.
Não aguento mais um minuto aqui. Mal começou e eu já estou prestes a explodir.
Peço licença e me retiro da mesa por alguns instantes, sei que não é o melhor a se fazer e que provavelmente isso me deixará em maus lençóis com o chefe, mas ele se aposentará em breve mesmo e, quanto ao outro, eu já dividi lençol o suficiente com Jisung para ele não se importar que eu fuja dele na noite ou minutos seguintes.
Chego à cozinha, agitada. Saio pela porta dos fundos, olho um amontoado de caixas de papelão ao lado de uma lixeira e só penso em chutar elas. Eu penso em destruir tudo e liberar esses sentimentos negativos, mas desisto, eu acabaria chorando, estragando a minha maquiagem, minha noite e de quebra o meu emprego - não por chorar, mas pelo surto de raiva que viria depois.
Após longas lufadas de ar, a vontade de chorar passa. Na minha garganta, ainda sinto um gosto amargo; minha cabeça ainda está sobrecarregada de dúvidas e inseguranças, o meu peito ainda dói como se alguém o esmagasse, mas eu não posso lutar contra o tempo, preciso voltar àquela mesa.
Sendo assim, respiro fundo mais uma vez, dou meia-volta e como se já não fosse o suficiente, esbarro exatamente em quem eu não queria ver. O meu nariz colide no seu queixo, sinto mais um local dolorido. Eu somente levo a mão ao lugar machucado e tento passar reto. Finjo não ser ninguém, mas ele segura o meu braço, me impede a passagem.
- Você vai sair assim? - ele interroga. No seu tom não há julgamento e sim medo. - Você não está nem olhando na minha cara direito.
- E você estava esperando o que? Que eu me curvasse diante de você à noventa graus? - questiono sem paciência alguma, puxando o meu braço de volta. - Não tem ninguém aqui, Jisung, eu não preciso te tratar com formalidade, embora seja exatamente assim que se deva agir com estranhos. - já que ele reclamou que eu não o encarava, isso eu digo olhando fundo nos seus olhos.
Estágio dois: raiva.
- Estranhos? - ele questiona com pesar, fazendo parecer que minha fala o ofende, quando na verdade é o que somos. - Qual é, você me conhece, Jiwoo!
- Eu conheço mesmo? - meu tom é amargo e rancoroso. - Para ser honesta, acho que eu não conheço mais nem as leis da vida porquê, aparentemente, os mortos ressuscitam! Seu pai parece bem saudável, aliás.
- Está bem, esta parte eu reconheço. - ele faz o mínimo, meus parabéns. - Mas é bem mais complicado do que parece. Quando eu disse que o meu pai está morto é porque ele realmente está para mim, este homem comigo não me conhece, nunca foi meu pai, nem mesmo nos gostamos.
- Você tem uma maneira bem diferente de agir com as pessoas que você não gosta. - eu digo. - Sorri, acena e concorda com tudo que um diz. Imagino como é com outras. Dorme com elas... esquisito, né?
- Espera um pouco. Uma coisa não tem relação com a outra. - é o que ele diz, mas sua palavra agora tem o mesmo valor de nada. Jisung tenta se aproximar, mas ele dá um passo para frete e eu dois para trás. Não quero que ele se aproxime ou me toque. - Jiwoo, todas as coisas que eu te disse eram verdadeiras.
Um riso amargo escapa entre os meus dentes.
- Como quer que eu acredite nisso agora, Han? - questiono num tom menos agressivo, sinto a vontade de chorar chegando, preciso me controlar. - Para mim, parece que todos os momentos bons que tivemos juntos foram falsos.
Os beijinhos, os sorrisos bobos, as vezes que ele implicava com o meu senso de humor duvidoso, o "piquenique" durante meu intervalo, as vezes que jantamos, os papos gostosos que tivemos, as refeições que desfrutamos juntos e muito mais. Todas as minhas memórias favoritas com ele vão se destruindo por conta de mentiras.
Eu vejo no seu olhar como ele não entende o quanto isso me afeta, como as mentiras que me cercaram a vida inteira me transformaram na mente fraca e um pouco problemática que eu sou hoje. Mas é assim que sou, cheia de feridas. Ele não entende, talvez ninguém entenda, porque sempre será mais fácil para qualquer um me apontar o dedo do que se por no meu lugar.
- Por favor, me escuta. - ele pede, mas não estou em estado emocional adequado para sustentar uma conversa que não se torne uma troca de farpas. - Você me prometeu que conversaríamos.
- Não. Eu prometi que conversaria com Jisung, o meu vizinho, o cara que eu confiava, que aparecia na minha porta com perguntas aleatórias tarde da noite e cantava Taylor Swift comigo a caminho do trabalho. Mas para mim agora você é apenas Han, o meu chefe e um tremendo de um mentiroso.
- Eu continuo sendo o mesmo de sempre, vizinha. - ele fala. Meu coração aperta, sinto meus dutos lacrimais ardendo, preciso sair antes de desabar.
- Você quer que eu te escute? - respiro fundo uma, duas vezes. - Tudo bem, mas com uma única condição. - imponho. - Diga para mim honestamente que você não sabia sobre ter que assumir o cargo até alguns minutos atrás, me fala que você não mentiu para mim o tempo inteiro.
Cada palavra sai como uma súplica, um desejo profundo de que ele responda com um "sim", para que eu volte a poder confiar nele outra vez. Todavia, ele fica calado.
- Inacreditável.
- Jiwoo, por favor... - ele tenta me tocar outra vez, eu recuo.
- Não! - dou um basta. - Eu não tenho saúde mental suficiente para conversar com você agora. - é difícil expor os meus sentimentos de vulnerabilidade numa situação como essa, mas agora eu só quero ficar longe disso. - Por favor, não insista, eu preciso de espaço.
Não digo mais nada, aproveito que ele fica quieto para conseguir escapar. Me afasto dele e sigo o caminho de volta, tento me recuperar deste abalo emocional nesse intervalo de tempo. Coloco um sorriso falso no rosto e volto para a mesma mesa de antes, Jisung demora para retornar. Pelo tempo que esta noite durar, espaço é justamente o que eu não irei ter.
Minha mente ordena meu coração a esquecer tudo isso, mas ele é rebelde. Procuro uma distração em qualquer lugar, me envolvo na conversa e tento prolongar o papo o máximo que eu puder para não ter tempo de olhá-lo nos olhos, ou pensar nele.
Quando o senhor Han sai da mesa eu fico mais aliviada, mas volto a tensionar quando Jisung permanece perto de mim. O mais velho sobe ao palco para revelar quem levará o prêmio de funcionário do ano.
Chaeryeong é quem vence, mas eu não consigo a prestigiar como queria. Tento ficar feliz pela minha amiga, forço minha boca a sorrir e exibo os meus polegares para o alto como um sinal de aprovação, mas tudo que consigo pensar o resto da festa é em como eu me sinto profundamente magoada por Han Jisung.
Eu me apaixonei novamente por alguém que não vale a pena. Outra vez a mesma história trágica e verídica, com personagens diferentes, mas o mesmo coração que é partido no fim. Não importa o quanto eu tente, ou com quem eu tente, parece que estou fadada a ser infeliz. Se o meu destino é sofrer por amor, então eu prefiro nunca mais amar outro alguém.
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