X - VOLTA O CÃO ARREPENDIDO
❝𝗤𝘂𝗮𝗻𝘁𝗼 𝗺𝗮𝗶𝘀 𝘀𝗲𝗶 𝗾𝘂𝗲 𝘀𝗲𝗶, 𝗺𝗲𝗻𝗼𝘀 𝘀𝗲𝗶 𝗾𝘂𝗲 𝘀𝗲𝗶.❞
- Sócrates
AQUELE DIA, QUANDO JISUNG retornou à mesa, eu não me atrevi a perguntar o que tanto conversou com o ex, eu não quis invadir a sua privacidade. Não é da minha conta, eu sei disso. Então por que está me incomodando?
Acho que é algo sobre a maneira como ele ficou ao voltar. Han perdeu completamente o foco, ficou aéreo o resto da noite, como se somente a sua forma corpórea estivesse lá, até que resolveu acabar com tudo e voltamos logo para nossas casas.
Foi uma noite agradável, na medida do possível. Do início até antes de sair com o noivo, Han e eu nos divertimos à nossa maneira. Quando a noite acabou, ele me deixou na porta de casa - o que não requer muito esforço, pois somos vizinhos -, Jisung até dava algumas risadinhas, mas algo na sua voz continuava soando esquisito aos meus ouvidos. Houve um suposto beijo na minha bochecha, que acabou atingindo o canto dos meus lábios e nos despedimos com inocentes sorrisos.
Me senti tão bem, mas bastou chegar em casa para que um turbilhão de pensamentos me consumissem por horas. Será que eles discutiram? Jisung parecia bem abalado. Talvez isso não se deva a uma briga, eles podem ter conversado sobre o passado e... arrependimentos.
A dúvida me deixa angustiada ainda hoje. Não vi o meu vizinho o resto do fim de semana, então minha última lembrança sua ainda é aquela meio chateado e estranho. Eu saí bem cedo de casa hoje, cheguei na empresa e peguei um café enquanto separava alguns documentos em ordem alfabética, porque organizar me tranquiliza. Mas hoje nem isso, parei na letra 'I', em algum ponto eu já estava roendo as unhas, outra vez curiosa sobre os acontecimentos que eu não presenciei da noite de sábado.
- Olá? - um estalar de dedos me traz de volta ao mundo real. - Amiga, você está me escutando? - Lee Chaeryeong pergunta.
- Não. - sou honesta. - Desculpa, você pode repetir? Prometo que agora só tenho olhos e ouvidos para você.
- Eu quero saber se você está com a papelada sobre os novos fornecedores chineses de zíper. - ela me explica. - Eu preciso dar uma olhada.
Respondo positivamente com a cabeça, então procuro a pasta na pilha que estava arrumando. A minha organização se mostrou bem eficaz, foi só procurar na letra 'C' e em segundos eu já estou com o material do fornecedor de sobrenome Chou, em mãos.
- Obrigada. - ela agradece pelo arquivo. - Mas, vem cá, você está bem? Estou te achando meio perdida hoje.
Quem me dera fosse só hoje, eu estou perdida o tempo todo, sejam nos meus pensamentos ou na confusão que é a minha vida. Eu já me perdi nos meus sentimentos, no meu relacionamento e até de mim mesma. Mas agora o que me preocupa é não saber lidar com esta sensação esquisita que me deixa com raiva e chateada de pensar neles dois juntos outra vez.
- Não é nada, eu só estava pensando em algumas coisas. - é o que digo. - Bobagem.
- Se você diz. - ela concorda de maneira subtendida ao meu pedido de deixar para lá. - Se você precisar de mim, estarei na minha mesa.
O tempo vai passando devagar. Procuro escapar dos meus pensamentos direcionando o foco para a organização dos meus arquivos, é engraçado como eu estou fazendo isso como se não tivesse trabalho para fazer, mas é o que me acalma e eu estou comprometida a não deixar o resto acumular também.
Tento ficar tranquila. Não penso nele. Não penso na conversa. Não penso sobre ele ter ficado estranho. Não penso sobre os seus beijos.
Argh, talvez eu devesse só ligar para ele de uma vez.
Paro e respiro. Deixo a "faxina" de lado e vou tomar um copo d'água, acho que estou me rendendo à loucura. Só fico um pouco mais aliviada quando Felix entra na nossa sala, Lee sempre me distrai. Ele vai até a mesa de Chaeryeong, um metro depois da minha, senta-se em uma cadeira giratória desocupada e, com os seus pés, ele toma impulso e fica entre nós duas.
- Vocês já estão sabendo que a festa de aniversário da empresa vai ser adiantada este ano? - ele puxa o assunto.
- E qual é a data nova? - minha vizinha de mesa questiona.
- Pelo que eu ouvi, no dia 14 do mês que vem. - Felix responde. - Eles estão adiantando em quase dois meses.
- E por qual motivo? - eu questiono.
- Eu não sei, gente rica tem dessas, eles podem fazer o que quiserem, quando quiserem. - ele dá de ombros. - O que me interessa mesmo é o prêmio de funcionário do ano. Boatos de que já é meu.
- E como que você pretende ganhar se está mais aqui do que no seu próprio departamento? - Chaeryeong implica.
- Porque eu, sem passar tanto tempo por lá, faço mais coisas que você que fica aqui o tempo inteiro. - ele rebate. - Se esta empresa não tem os projetos vazados é graças a mim.
- Quem vocês acham que vai ganhar? - questiono genuinamente curiosa e afim de evitar uma briga. - E não pode nomear a si mesmo, Felix.
- Sendo assim... - ele repensa. - Acho que fica entre o secretário Hwang e... - ele faz uma pausa. - Lee Chaeryeong. - e então diz o nome da prima como se estivesse tossindo, sem querer admitir a concorrência. - Mas todos sabemos que o prêmio será meu.
- Aham, só se for o de corno do ano.
- Este ninguém me rouba. - reivindico a posse. - Sobre o funcionário do ano, eu vou ficar torcendo por vocês.
Os dois agradecem no mesmo segundo, então se entreolham e voltam a brincar de irritar um ao outro. Eu dou risada baixinho, tento não me envolver no casos de família.
Estava divertido ver os dois brincando e discutindo sobre isso, mas o meu celular logo vibra sobre a mesa com uma chamada. Olho para a tela que indica ser de um "número desconhecido". Franzo a sobrancelha. Quem que não esteja adicionado aos meus contatos pode ter meu número? Não sei, vai ver é alguma coisa importante.
- Eu vou atender esta ligação, já volto. - anuncio aos dois antes de sair.
Me retiro em silêncio. Sigo pelo corredor à procura de um local tranquilo para conversar, o prédio não é barulhento, mas eu gosto de ter a minha privacidade. Próximo aos elevadores, há a parede ao canto que é toda de vidro, daqui de cima posso ver a ponte sobre o Rio Han.
Tudo me lembra ele.
Me aproximo da parede de vidro e observo a vista da cidade, coloco o polegar sobre o vidro, medindo o tamanho da perspectiva que tenho daqui sobre a ponte. Atendo a chamada e espero algo ser dito, mas fica tudo em silêncio, então resolvo verificar se é mesmo alguém querendo se comunicar comigo ou algum trote.
- Alô? - procuro por resposta do outro lado da linha.
- Vejo que eu estava certo, você ainda tem o mesmo número. - não é um estranho quem me liga, é Huye. Se bem que o "desconhecido" na chamada faz um pouco de sentido, já que eu nunca o conheci de verdade, ele apenas me mostrava o que queria.
- O que você quer? - interrogo sem muito humor ou paciência.
- Retribuir um favor. - ele fala. - Estou com algo que te pertence, pode me encontrar para eu devolver?
- Não, eu já disse que não é preciso. - relembro. - Faça o que quiser. Guarde de recordação, jogue fora, queime ou dê de presente para a sua namorada. Não me importo.
- Nós não estamos mais juntos. - sua voz aerada ecoa no silêncio eterno que fica.
Ouvir tal frase me faz sentir contente. Não compreendo. Talvez esteja assim porquê me alegra saber que ele quebrou a cara, que está triste e sofrendo o que me fez sofrer.
- Pode me ver? - ele insiste. - Estou na cidade. Está livre para almoçar comigo hoje?
- Eu estou bem ocupada. O que tem de tão importante para me dar? Não há nada com você que me seja de muito valor, então não precisa se incomodar. - ou me incomodar.
- Jiwoo, por favor. - ele não vai parar enquanto não conseguir o que quer.
- Se quiser me entregar alguma coisa, manda pelo correio.
- Não é algo que eu possa simplesmente embrulhar e mandar te entregar. - ele continua falando, eu já deveria ter desligado. - Eu só quero falar com você uma última vez e te devolver algo importante. No nosso restaurante favorito, às 11:00h.
Ele não merece. Não merece que eu sequer cogite a ideia de encontrá-lo. A maneira como ele me tratou, me largou... Myung não deveria esperar que eu fosse minimamente gentil com ele. Mas acho que sou idiota. Meu coração é tão bobo que quer dar a oportunidade de ouvir o que ele tem a dizer, nós dois somos muito diferentes. Minha mãe costuma dizer que isto é uma qualidade em mim, que tenho um bom coração; Soojin diz que ser assim me torna fácil de enganar e, bem, ela está correta.
- Tá, tudo bem. - me dou por vencida. - Você terá cinco minutos do meu tempo e nada mais.
Soojin estaria se debatendo em casa agora se soubesse. Ah, meu Deus, quando é que eu vou aprender?
Depois disso eu desligo a chamada. Volto para a sala em silêncio e com mais uma coisa para pensar, me sinto tão burra por ter concordado com isso. Mas tem também este outro lado meu que diz que pode ser uma boa oportunidade para conversar e dar a chance de ele se desculpar. Não quero ser a ex rancorosa que guarda mágoas para o resto da vida, o que em hipótese alguma quer dizer que eu pretenda manter contato.
Largo o celular na mesa e espero dar o meu horário de almoço, os dois Lee ainda estavam conversando quando me sentei e continuam assim. Tento entender do que se tratam as risadas, mas me perco no conteúdo da conversa.
- Lix, conta para ela do dia que você foi preso. - Chaeryeong ri, lembrando da história.
- Você já foi preso!? - eu interrogo supresa. - Como assim?
- Não é bem assim que aconteceu. - ele tenta se defender. - Quando eu tinha uns doze anos, tive uma quedinha pela minha professora de inglês. Ela era muito bonita e gentil, o aniversário dela estava chegando e eu queria tanto dar um presente. Pedi dinheiro aos meus pais, mas eles não me deram. - ele vai contando. - O que acontece é que eu sempre tive muitas habilidades com informática desde novo, então eu... encontrei algumas informações pessoais sobre ela.
- E com isso ele quis dizer que hackeou o computador da professora, encontrou todas as informações pessoais dela e ainda fez uma compra no cartão de crédito da coitada. - ela gargalha.
- Espera aí! - ele protesta sobre a forma como ela exibe os fatos. - Eu comprei uma caixa de chocolates, que eu mandei entregar para ela com um cartãozinho meu desejando parabéns. Foi assim que ela descobriu que fui eu, confesso que para algumas coisas me faltavam a inteligência de outras.
- E ela te entregou para a polícia? - fico cada vez mais curiosa e chocada.
- Tecnicamente... sim. O meu pai é policial, ela me dedurou para ele. Naquele dia, depois do colégio, ele me trancou em uma jaula que ficava próximo à mesa dele e só me deixou sair de madrugada, quando fomos para casa. - ele explica tudo. - Então, de certa forma, eu fui preso.
- Você deve ter sido uma criança e tanto.
- Eu confesso que aprontei muito. - ele não nega. - Me arrependo de ter usado o meu poder para o mau.
- Se lembra daquela vez que você hackeou o sistema do colégio e mudou a minha nota? - a prima relembra outra história. - Foi um bom uso do seu poder.
- Não se compara àquela vez em que eu inscrevi a minha ex como mesária voluntária quando ela me largou. - ele recorda com um sorriso contente. - Mas eu já parei com isso. Hoje sou apenas o funcionário exemplar da Cheshire.
- Acredito. - Chae finge, mas muda de assunto. - Jiwoo, você vai almoçar com a gente hoje?
- Sim, mas combinei de passar em um lugar antes. - eu digo. - Podem ir na frente, me mandem a localização e eu encontro vocês lá.
- Certo, estamos indo então.
(•••)
Poucos minutos depois, já estou no restaurante combinado. Só de olhar a fachada já revivo várias memórias, nós costumávamos vir aqui nos dias dos namorados. Naquela época as coisas eram diferentes, eu me sentia diferente em relação a ele, parecia que Huye realmente me amava. Mas não importa mais, já acabou.
Entro no restaurante e já o vejo sentado em uma das mesas. Estranho quando não o encontro acompanhado de nada que indique ser item meu, ele disse que tinha algo para me devolver.
Aproximo-me lentamente, o som do meu salto agulha batendo no chão ecoa pelo salão quase vazio, ele me observa caminhar até ele. Myung me puxa uma cadeira, estranho todo este cavalheirismo quando nem mesmo educado ele tem sido comigo. De qualquer forma, me acomodo no assento e espero que ele comece a ladainha. Seja o que for que tenha para me dizer, que seja rápido.
- Você está linda. - ele elogia. Tenho vontade de vomitar.
- Por que queria tanto me ver? - vou direto ao ponto, não quero demorar aqui.
- É que eu tenho pensado muito em você desde que nos vimos da última vez. - ele diz.
Conforme ele vai falando, vou entendendo as suas verdadeiras intenções. Posso não ser mais nada dele, mas ainda acho que conheço essa parte sua, sei exatamente onde ele quer chegar. Esse papinho, os elogios, galanteios, não caio mais nessa.
- É estranho você mencionar isso, porque eu não pensei em voce sequer uma vez. - como eu gostaria que isto fosse verdade.
- Ah, docinho... não seja tão dura comigo.
Eu deveria mesmo era bater nele, ou jogar o vinho de sua taça em sua camisa branca, ou sei lá. Ele está tentando me engabelar com a conversa furada que já ouvi milhares de vezes antes, mas não vou deixar a velha história se repetir. Eu não devo deixar ele me convencer do contrário. Para início de conversa, eu não deveria nem ter vindo.
- Huye, se você não tem mais nada para mim, estou indo embora.
Fico sem paciência, em seguida sem reação. Myung Huye simplesmente retira uma caixinha vermelha do seu terno, a abre e coloca sobre a mesa, empurrando-na em minha direção. Me assusto ao ver o meu antigo anel de compromisso em minha frente outra vez.
- Isto é seu, sempre foi.
Travo totalmente, tela azul no meu sistema. Fico imóvel por longos minutos apenas encarando a aliança, não deve ser sério, não tem cabimento. Ele acha mesmo que pode ser um completo babaca, me mostrar uma aliança e presumir que tudo vai voltar a ser como era?
- Que tipo de piada é essa? - interrogo confusa, a mente completamente perturbada dele me espanta.
- Não é piada, meu docinho. Eu estou falando sério.
- Para de me chamar assim! - me estresso. A cabeça chega a doer, desejo que tudo isso não passe de um pesadelo. - Você não deve achar mesmo que eu vou aceitar isso.
- Por favor, linda, me escuta... - ele agarra a minha mão sobre a mesa, segura firme sem deixar-me soltar. - Te deixar foi um grande erro! Eu estava cego, fora de mim. Me perdoe pelo que eu fiz, eu mudei, sou um novo homem, todo seu. - com a mão livre, ele toca o meu rosto.
Sinto-me esquisita, confusa. Não queria dizer que sim, mas ele ainda mexe comigo. Fico perdida nas minhas emoções, quero o ver bem longe, mas não consigo me soltar dos seus toques. Desejo mais que tudo por um ponto final nessa história, mas estou sempre adiando e escrevendo mais e mais.
- Me dê uma segunda chance para eu provar que te mereço. - ele continua com a ideia. - Você sabe que eu te amo e que... não importa quantas outras mulheres passem na minha vida, eu sempre vou voltar para você no final do dia.
No dito momento, eu tenho um ataque de riso. E não, não é uma situação engraçada, o que me faz rir mesmo é o tamanho da minha burrice. Como fui capaz de pensar em acreditar em algo que sai de sua boca? Esta última frase, ela sim me matou, porque ele não pode mesmo achar que me convenceria.
O homem na mesa me encara de maneira estranha. Eu respiro e enxugo as lágrimas, parte de riso, parte de ódio e arrependimento. Recobro a minha consciência e caio na real de quem ele realmente é. O cara diz que me ama, no outro dia me trai e abandona, para depois querer voltar como um cãozinho arrependido. Não mais. Acho que finalmente consegui o ponto final de que eu precisava. Eu me dei conta mais do que nunca que estava a minha vida inteira nadando profundo onde só haviam sentimentos rasos.
- Ya! - não me importo de o meu tom de voz soar arrogante. - Por que você não pega esse anel e...
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