VII - UM DIA DE CADA VEZ
❝𝗦𝗲𝗷𝗮 𝗾𝘂𝗮𝗹 𝗳𝗼𝗿 𝗼 𝗽𝗮𝗶́𝘀, 𝗰𝗮𝗽𝗶𝘁𝗮𝗹𝗶𝘀𝘁𝗮 𝗼𝘂 𝘀𝗼𝗰𝗶𝗮𝗹𝗶𝘀𝘁𝗮, 𝗼 𝗵𝗼𝗺𝗲𝗺 𝗳𝗼𝗶 𝗲𝗺 𝘁𝗼𝗱𝗼 𝗼 𝗹𝗮𝗱𝗼 𝗮𝗿𝗿𝗮𝘀𝗮𝗱𝗼 𝗽𝗲𝗹𝗮 𝘁𝗲𝗰𝗻𝗼𝗹𝗼𝗴𝗶𝗮, 𝗮𝗹𝗶𝗲𝗻𝗮𝗱𝗼 𝗱𝗼 𝘀𝗲𝘂 𝗽𝗿𝗼́𝗽𝗿𝗶𝗼 𝘁𝗿𝗮𝗯𝗮𝗹𝗵𝗼, 𝗳𝗲𝗶𝘁𝗼 𝗽𝗿𝗶𝘀𝗶𝗼𝗻𝗲𝗶𝗿𝗼, 𝗳𝗼𝗿𝗰̧𝗮𝗱𝗼 𝗮 𝘂𝗺 𝗲𝘀𝘁𝗮𝗱𝗼 𝗱𝗲 𝗲𝘀𝘁𝘂𝗽𝗶𝗱𝗲𝘇.❞
- Simone de Beauvoir
A NOITE DE SÁBADO FOI BEM agitada. Mesmo quando todo o show acabou, nós continuamos no pub, bebendo e jogando conversa fora. Eu sei que prometi nunca mais beber, mas uma vez não faz mal. Pelo menos acordei na minha cama, pois esta promessa eu levei a sério.
Diferente do dia anterior, meu domingo passou super rápido. Quando menos espero, já é segunda-feira. Será o meu primeiro dia nessa empresa nova e, pela primeira vez, devo agradecer à minha insônia por me colocar de pé logo cedo.
Eram cinco e meia da manhã quando eu resolvi levantar, ao invés de ficar bolando de um lado ao outro da cama. Tomei um bom banho, arrumei o cabelo e apliquei uma quantidade sutil de maquiagem, mas que ainda assim cobrisse as minhas olheiras. O próximo passo foi tomar café; cookies e leite, para ser exata - o meu café acabou.
Estava muito cedo, então parei quieta por um instante, o que gerou uma série de questionamentos sobre o trabalho, do tipo "Eu estou segura de que esta é mesmo a decisão correta?", um clássico, e até mesmo "Será que os meus colegas lá vão me odiar também?". Eu me enturmo fácil, mas criar laços duradouros nunca foi uma tarefa fácil, sem contar que eu não passei por um processo de seleção, eles devem estar esperando por algo especial em mim que não há.
Percebo que passei tempo de mais questionando novamente as minhas escolhas, mas não sei dizer o quanto com clareza, pois o meu celular apagou. É sempre assim, o tempo inteiro no carregador e nunca tem bateria. Como também me livrei do relógio da sala, tomo como base a última vez que olhei o horário - quando fui tomar café - e resolvo descer, antes pegando um carregador portátil e minha bolsa.
Passo o pequeno trajeto de elevador tentando ligar o meu aparelho de bateria viciada e tomo um baita susto quando consigo. Faltam dez minutos para o meu expediente começar e o trajeto leva em torno de quinze minutos. O que me deixa com duas opções: colocar minha vida nas mãos de um mototaxista, ou, arrumar uma maneira de quebrar uma perna e ter uma desculpa para o atraso.
Começo a entrar em desespero do lado de fora do saguão. Que tipo de impressão eu passarei chegando atrasada já no meu primeiro dia? Estou realmente cogitando a possibilidade de ir correndo. Não me fará chegar no horário, mas ainda é mais seguro que dizer a um mototáxi "pode ir rápido que eu estou atrasada".
De repente, um carro preto para ao meu lado, com os vidros altos me impedindo de ver quem está dentro. Sem mais, nem menos, o motorista buzina. O susto me faz dar um pulo, sou arremessada um passo para trás. Observo os vidros descendo vagarosamente, pronta para brigar com quem estiver lá dentro.
- Olá, moça bonita. - Han Jisung me cumprimenta com um sorriso ladino.
Neste momento eu tento, juro que tento fazer a minha melhor cara de raiva, mas ele me derrete. Sem perceber já sorrio. Não sei se sou carente de atenção ou narcisista por perder a raiva após um simples elogio.
Vamos, Jiwoo. Recomponha-se! Pense em alguma coisa, não fique sorrindo feito uma palhaça. O café e o suco. Isso! Estou irritada outra vez.
- Já está irritada tão cedo do dia? - ele questiona. Bem, é obvio, estou atrasada e quase sofri um ataque cardíaco.
- Está sendo um dia horrível. - eu o respondo.
- Mas ainda não são nem oito horas. - ele diz, conferindo o horário no relógio em seu pulso. - Para onde você está indo? - Jisung pergunta, vejo então uma oportunidade. - Você precisa de carona? - ele oferece antes mesmo que eu faça o pedido.
Obrigada meu Deus.
- Sim, seria ótimo. - agradeço sorridente ao entrar no carro.
- Olha só, agora você parece bem feliz. - ele comenta, balançando a cabeça negativamente enquanto eu exibo um sorriso satisfeito. - Para onde, madame?
- Para à Cheshire, chofer. - entro na brincadeira. - Você sabe onde fica, certo?
- Sim, senhora. - ele confirma, saindo do acostamento, mas estranhamente entra na rua errada. - Eu conheço um atalho. - Han se adianta, parece ler os meus pensamentos, devo tomar cuidado.
Me acomodo no banco e espero chegar ao meu destino. O clima é agradável, o vento sopra para dentro do carro, mas eu logo subo o vidro, receosa de que o barulho possa atrapalhar o condutor. Desvio o olhar para Jisung por alguns segundos, ele dirige tranquilo batucando os dedos no volante. Dos seus lábios saem uma melodia baixa e conhecida, ela fica presa na minha mente até sair da minha boca também, até chegar num ponto em que estamos cantando a música juntos.
Respiro fundo quando acaba a música. Me sinto leve e tão tranquila, nem me lembro mais das preocupações de antes. Foram apenas um minuto e meio dentro deste carro com ele e eu já me sinto diferente. Há algo de misterioso na presença de Han que me deixa assim, serena e relaxada.
- O que você está indo fazer lá? - Jisung pergunta sobre o meu dia para matar o tempo.
- Eu vou a trabalho. - o respondo. - Relações internacionais. R.I, para os íntimos.
- Interessante. Combina com você. - diz Han, de olho na estrada. - Você me disse que viajava bastante a trabalho e isso parece realmente com algo que você faria. Se não trabalhasse com isso, eu chutaria que você seria aeromoça.
- Hmm... talvez. Eu gosto de viajar, mas tenho que admitir que algumas vezes podem ser chatas e exaustivas. Viajar a trabalho é diferente de a passeio. - digo. - Mas e você, com o que trabalha? - interrogo curiosa. - Espere, deixe-me adivinhar. - o observo bem. Pelo que conheço de Jisung, tenho uma ideia do que ele pode ter cursado. - Aposto que você se formou em música.
- Na verdade, foi em economia. - ele diz, o que me choca. - É um curso bom. Trabalha calculo, administração, contabilidade, análise de dados, finanças e tem até um pouco da parte histórica também.
- Wow, essa me pegou de surpresa. - falo ainda tentando absorver à ideia de um Han Jisung economista.
- É surpreendente para mim que eu tenha feito isso também. Hoje eu vivo da minha música, que é o que eu realmente amo. Além de tocar com a banda eu ando fazendo algumas demos para alguns artistas também. O lance de economia foi só pelo meu avô.
- O seu avô te induziu a fazer o curso?
- Não. Eu só... queria deixar ele orgulhoso. - ele responde com um pequeno sorriso. - Eu sempre fui ligado ao lado artístico e ele me apoiou a vida inteira, mas eu sempre senti que ele gostaria que eu me tornasse um homem sério e com um daqueles empregos chatos e monótonos. Por isso entrei no curso, talvez eu devesse ter desistido ao invés de concluir e dar esperança ao velho de que seguiria naquele ramo.
- Como a sua família reagiu quando você contou que não iria ser economista e sim musicista? - fico realmente interessada.
- O meu avô me desejou sucesso e até foi no primeiro show da nossa banda. - ele responde sorridente, mas, no segundo seguinte, seu sorriso se vai. - À minha mãe eu nunca contei, ela foi embora de casa quando eu ainda era criança, fugiu com o meu professor de reforço, agora deve estar no Chile ou sei lá. Já o meu pai, passou cada segundo da vida dele descontando suas frustrações em mim, mas agora já não importa mais, porque ele morreu.
- Nossa... eu sinto muito. - fico sem ter o que dizer e nem sei como reagir a isso.
- Não sinta. Honestamente, eu nunca o reconheci como ser humano, muito menos como pai. - ele diz, cheio de rancor. - Mas agora é hora de você viver o seu inferno. - Jisung fala, apontando com a cabeça para a janela assim que o carro para.
É só então que percebo que chegamos, e a tempo. Tento abrir a porta e sair, mas minha mão trava na maçaneta. Meu coração preocupado não me deixa partir. A origem que essa conversa tomou tornou o clima meio pesado, me deixando com um aperto no peito e a vontade inquietante de fazer algo por ele.
- Você está bem?
- É claro, já faz muito tempo. - ele fala, mas não estou segura das suas palavras. - Agora é melhor você ir, antes que se atrase.
- Obrigada pela carona, Jisung. - agradeço, retirando o cinto de segurança. - Você vai estar ocupado hoje à noite? Pensei em te convidar para jantar, para te agradecer pelo favor.
- Não é preciso. Amigos trocam favores. - ele diz. Achei que fosse apenas eu quem insiste nessa história de "amigos".
- Vamos, por favor. - faço um pequeno drama. - Pense nisso como uma cordialidade entre vizinhos, já que eu não fui no seu comitê de boas-vindas. - eu sugiro. É uma maneira de pagar pela carona e ainda não desperdiçar toda a comida que minha mãe me trouxe. - Avise a Changbin, ele também está convidado.
- Se você insiste, tudo bem. - ele concorda. - E sobre Changbin, eu aviso, mas acho que ele vai estar ocupado hoje. Deve ficar fora a noite toda, depois eu te explico.
- Okay. Agora eu preciso ir, obrigada novamente. - reforço e me despeço. - Jantar às 19:30h.
Depois que Jisung vai embora, resta apenas eu, de frente a fachada do prédio. Parece estranho, tão grande que faz eu me sentir pequena. Alguns anos atrás eu jamais pensaria em estar dando este passo, a caminho do local que costumava ser tratado como território inimigo.
É novo, assustador e também excitante. Devo confessar que estou morrendo de medo das consequências que esta minha decisão pode ter, mas devo acreditar que pelo menos uma vez as coisas darão certo para mim. Seguirei com isto sem me preocupar com os efeitos colaterais, é a minha vida, e eu pretendo vivê-la, um dia de cada vez.
Me apresso a entrar, com medo de que este surto de coragem inteiro tenha sido um lapso momentâneo e eu desista. Vou até a recepção e me apresento a uma das secretárias, ela me entrega um crachá com as minhas informações e indica o caminho que tenho que ir. Passo pela segurança, colocando o crachá sobre o sensor da roleta que logo me libera, pego o elevador de serviço para o quarto andar.
Sigo pelo andar procurando no meio das salas com paredes de vidro a que me mostra a porta com a placa que sinaliza "relações internacionais". Encontro no fim do corredor e adentro sem chamar muita atenção. Procuro por a nossa chefe do departamento, Lee Sunmi, mas não sei quem é ela. Todos parecem muito entretidos com os seus afazeres, exceto pelo único homem na sala, que está a repor uma xícara de café, próximo à uma bela mulher morena, em seu crachá diz "Lee Chaeryeong".
Ele olha na minha direção e esboça um sorriso simpático, eu devolvo o ato, me aproximando. Ele não possui um crachá de identificação, pelo menos não está com ele agora. O loiro é bonito, simpático e as suas belas sardas me chamam a atenção. Fico em dúvida se ele trabalha neste departamento - e só não está com a identificação agora - ou se é um modelo.
- Olá. Eu sou Lee Jiwoo, sou nova por aqui. - me apresento aos dois, seguido de uma reverência.
- Bem-vinda, Jiwoo. Me chamo Lee Felix, garoto de programa. - ele me faz tombar um pouco para trás. - Isso quer dizer que eu trabalho com T.I. - ele explica, gargalhando. - Nunca perde a graça.
- Ignora ele. - a morena diz. - Lee Chaeryeong. - ela se apresenta. - Você deve estar procurando por Sunmi Sunbaenim¹ (선배님). Vem comigo, eu te levo até ela.
Eu agradeço a moça e a acompanho até a sênior. Sunmi-nim estava ocupada ajudando uma das garotas, mas assim que chegamos ela toma um tempo para nos atender. Fico admirada com tamanha beleza, do rosto angelical até os longos fios de cabelo com ondas ruivas.
- Sunbaenim, esta é Lee Jiwoo, a novata.
- Lee Jiwoo-ssi, é um prazer te conhecer. - ela me cumprimenta educadamente. - Espero que possamos trabalhar bem, todos juntos. Bem-vinda ao time.
- Obrigada. - eu agradeço.
- Pessoal... - a ruiva chama à atenção dos outros. - Quero que todos recebam bem a nossa nova colega, Lee Jiwoo. A tratem bem e façam ela se sentir em casa, Jiwoo ficará conosco de agora em diante.
Fico surpresa com a recepção calorosa, nunca aconteceu nada parecido. Faço uma breve introdução sobre mim e ao fim uma promessa de dar o meu melhor e me esforçar para ter um bom trabalho em equipe.
Como a mais velha estava ocupada, Chaeryeong ficou encarregada de me localizar. É uma sala média, nem pequena, nem grande. Existe a parte mais séria, num lado da sala, com as mesas, computadores e armários organizadores, já no outro é uma ala mais divertida e informal, com puffs enormes no chão e uma área para café com alguns biscoitinhos.
- Vocês têm um belo espaço. - eu elogio.
- É verdade. Nós trabalhamos bastante, mas também tem essa parte mais descontraída que não faz a gente ficar tão exausto. - ela diz. - Este lado é mais como um centro recreativo, a gente mata o tempo aqui quando não está fazendo nada ou simplesmente quando precisa de uma pausa.
- É algo que outras empresas deveriam pensar em adotar também, este lado mais descontraído e casual.
- Sim, eu concordo. - ela diz. - Jiwoo-ssi, quantos anos você tem?
- Eu tenho 23, por quê?
- Eu também. Tudo bem para você se nós nos tratarmos informalmente? - ela questiona, eu concordo. - Você sempre quis trabalhar com isto? - Lee continua nossa conversa.
- Sim, mas quando eu entrei no curso pensei primeiramente em ser diplomata.
- E por que mudou de ideia? - ela questiona, verdadeiramente interessada no assunto.
- Estabilidade. - eu respondo, sem esclarecer que isso se deve ao fato de eu já ter saído da faculdade direto para o meu antigo emprego. - Mas não deu muito certo. Um dia eu te conto.
- Tá legal. - ela aceita o meu comentário meio vago. - Esta aqui é a sua mesa, do lado da minha. - Chae indica. - Aqui neste documento tem as regras da empresa e um contrato de convivência que nós criamos aqui e foi anexado à pasta. - ela me mostra o envelope branco sobre a mesa.
- Certo. - vou dizendo a cada item que ela lista.
- Também tem as informações do seu e-mail comercial. É por onde você entrará em contato com clientes e fornecedores e se precisar de algum documento ou informação relacionado à empresa. Tomei a liberdade de colocar o meu cartão para você adicionar o meu contato e eu vou te adicionar no nosso grupo do Kakao daqui a pouco. A propósito, estes são os seus cartões.
Eu pego um dos pequenos cartões em mãos. Olhar para eles agora me traz a confirmação de que é tudo real. Tem o meu nome neles e eu vou fazer de tudo por isso, é uma nova chance para mim, um recomeço daquela minha vida caótica.
- Acho que entendi, obrigada por explicar.
- Agora pode parecer ser muita coisa, mas com o tempo você se encontra. Se precisar de ajuda com qualquer coisa, pode me chamar. - ela se deixa a minha disposição. - Nós vamos almoçar todos juntos hoje, fora da empresa, já que o restaurante daqui está em reforma. Junte-se a nós, se quiser.
- Claro, seria ótimo. - eu confirmo presença. - Mais uma vez, obrigada, Chaeryeong.
- Não há de quê. É legal ter você aqui. Agora eu vou te deixar trabalhar, bem-vinda ao time.
Fico sozinha com as minhas coisas, na minha mesa. Respiro aliviada, há muito o que fazer daqui para frente.
Dou uma olhada no time em volta, Chae me falou um pouco sobre nossas outras colegas aqui. Além da Lee e eu, há Lee Sunmi, Shin Ryujin e Myung Hyungseo. Eu nunca estive em um time composto somente por mulheres antes, a energia é outro nível. É muito bom poder trabalhar com pessoas competentes e que te deixem tão confortável.
Parece que pela primeira vezes em meses eu posso finalmente parar e respirar. As coisas caminharão bem agora, sinto no meu peito que algo bom vai surgir daqui. Quero aproveitar a sensação de liberdade e alegria que me atingem, me desvincular completamente do passado é como poder finalmente correr livre, sem correntes.
Glossário
1.┊Sunbaenim (선배님) : Sênior. Que tem mais experiência; mais antigo numa profissão ou atividade.
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