Capítulo II - O Caminho Entre Espinhos
Gae Jo
DEITOU OS OLHOS NA PAISAGEM lhe parecendo muito com um infinito. O Céu tocava a terra despretensiosamente. Gae Jo sentia-se ainda menor diante do mundo e seu Destino.
Era estranho ver campos tão abertos, quase nenhuma árvore, seria tão normal viver num lugar assim? O lugar lhe parecia distinto, além do tamanho, era principalmente pelas grossas trepadeiras espinhentas que rodeavam o terreno. Fora isso, não tinha muito o que olhar. Então caminhou, a corrente grossa ainda rodeava-lhe as mãos, soando-lhe tão estranho, não é como se houvesse algum lugar para fugir ali naquele deserto de terra e grama. O pequeno casebre além no horizonte também não parecia-lhe muito viável. Não havia rios, a floresta mais próximo ficava há quilómetros, logo a frente montanhas silenciosas, nenhuma civilização a vista.
A fileira de servos estancou um instante, os olhares cansados a espera de alguma ordem. Um homem a frente parecia fita-lhes de cima, chamavam-lhe Hastafe. Era tão gordo que os botões de sua camisa pareciam ao ponto de estourar, notou Gae Jo. Quando bateu os olhos na carroça que chegava e a fila que vinha logo atrás, parecia tão indiferente quanto visse um enfileiramento de gado.
__ Onde deixo esses aqui, Wym?
Dois velhos conversavam ao longe, mal o olharam, apenas indicaram para soltar junto dos outros, havia mais duas hordas de escravos enfileiradas. O campo parecia incrivelmente cheio, olhando mais de perto, quanto mais se aproximavam notou que nenhum deles estava acorrentado. Isso já.. uma coisa boa. Tentou se esforçar a um otimismo, não soube ao certo se cabia-lhe bem.
Sem as correntes, uma dor a menos, seus sentidos pareciam estranhamente mais aflorados, o suor escorreu com mais intensidade, seus olhos ardiam com o sol.. Tão repentinamente escaldante.
__ Não parece tão sombrio olhando assim, hein? __ A voz repentina próxima aos ouvidos lhe sobressaltou.
Encontrou um par de olhos grandes e negros, lhe observando divertidamente. A moça era incrivelmente alta, era sua noção inicial. jamais vira alguém tão alto ou imaginou que existisse.
__Kafe, hm? Já viu um desses por aqui, Urie? Estou surpresa.
Gae Jo quase não notou a presença do homem atrás de si, se sobressaltando duplamente, eles são bons em esconder suas presenças, foi só o que concluiu, o homem baixinho que atendia por Urie era quase não pequeno quanto uma criança, esguio e olhos finos, atentos. Parecia procurar algo em si que não se deu bem o quê seria.
__ Me surpreende que você não tenha visto um, onde é aquela sua ilhazinha pacata mesmo?
__ O que te faz pensar que já vi algum desses por lá?__ riu, analisando o garoto de forma descarada__ E eu não tenho uma memória tão viva assim...
__ Onde há coisas como gigantes pode haver qualquer coisa, é o que penso.
__ Vocês são.. Mesmo prisioneiros aqui?__ Teve de perguntar. Pareciam tão leves, a vontade.
Gae Jo mantinha uma posição defensiva, o anão ergueu uma sobrancelha.
__ Ele tá suspeitando de nós, Thristy, você é muito chamativa pra uma condenada da justiça.__ Cutucou-lhe o braço, parecia sério, mas Gae Jo suspeitou que estivesse tirando sarro de si.
A mulher gargalhou, Gae Jo olhou ao redor de cenho franzinho, começando a se incomodar pela atenção que os dois atraiam pra si, ainda mais unida pelo fato de todos o encararem por ser o único kafe ali.
Se recordou do jovem que migrara para sua aldeia vindo de Sihutan, Lyt ou algo assim, e como em tão pouco tempo todos o conheciam e sabiam tudo sobre si, simplesmente porque se vestia como um nômade e falava de forma estranha. estrangeiros.. Não era bom ser um estrangeiro. Agora ele entendia, ali, ele era o migrante de Sihutan.
Não queria atenção, queria se misturar, sabia que chamar a atenção nunca era algo bom. Das poucas vezes que estivera na cidade, era uma lição bem clara. Ainda mais ali.
Thristy notou seu rosto preocupado, sussurrou algo para seu amigo, talvez pedindo que fossem mais discretos em consideração ao novato.
__ Não precisa ter medo, venha, podemos ser estranhos, a princípio, mas pode ter certeza que tem gente muito mais estranha por aqui.
Gae sentiu um arrepio breve em suas costas. Sim... Esses olhares. Sentia uma estranha energia desde que adentrara melhor aquele lugar. Não eram apenas os guardas, haviam pessoas verdadeiramente perigosas ali. Mas até aquele instante, não sentira o mesmo daqueles dois.
Então, por um momento, aceitou a mão que a misteriosa mulher parecia lhe oferecer.
__ Quem é você?__ percebeu o olhar do pequeno atrás deles, era fácil de esquecer dele quando não falava nada__.. Vocês dois, quem são?
__ Thirsty, ex-acadêmica hamari, de Askar. __ E fez uma breve reverência que Gae não compreendeu.
Hamari lhe soou como algo associado à magia, não soube bem porquê, porém não se interessou o suficiente para perguntar.
__ Urie, de Sihutan. __ E deu de ombros, Ah, faz sentido. Pensou, assentindo mais pra si do que ao pequeno, os enormes buracos em suas orelhas e o manto lhe eram familiares.__ Sua vez, garoto.
Gae se encolheu, era estranho se apresentar assim.
__ Gae Jo, de Mogj.
__ Que longe.__ Foi só que Urie comentou, antes de voltar ao trabalho.
Thristy fez uma expressão estranha, então pediu que a ajudasse a carregar alguns caixotes, que Gae Jo não chegou a conferir o que continham, porém, eram insuportavelmente pesados, fomo pontuou bem Urie.
__ Ilha da Montanha Modj fica ao Sul do Reino, não é? __ Perguntou, Gae Jo notando que ela estivera matutando aquilo durante aquele tempo.
Ele assentiu, pegando o terceiro caixote, deveria haver ao menos cinquenta, pensou.
"São mais de setenta?!", confirmou Thirsty, nunca fora bom em contas mesmo.
__ Como foi pego rapaz? Roubo? Comida? Mendigava?__ Urie acrescentou, "Matava?", e Thristy o fuzilou com o olhar. __ Deixe-o responder.
Gae Jo ficou silencioso por um tempo desconfortavelmente longo, os dois imaginaram que deveria ser grave demais para se dizer facilmente. "Compreensível. Maioria aqui sente o mesmo..". A jovem o analisava da cabeça aos pés. Parece tão inocente e inofensivo. Mas não posso esquecer que tipo de lugar é esse, e como as pessoas enganam facilmente. Gae Jo ergueu os olhos negros, como se lesse seus pensamentos.
Então Urie contou brevemente sua história até ali, o que se resumia a ter roubado um barco, e supunhasse que o dono não era alguém qualquer. Ele parecia esperto demais para ser pego tão facilmente.. Mas seu pai sempre dizia para não julgar precipitadamente alguém, ainda mais um estrangeiro.
__ Meu pai ... Eles levaram meu pai por traição. Foi só uma coincidência que eu estava ali também.. Não vi grande coisa, pra falar a verdade, foi tudo.. repentino. Houve um grande tumulto, quando me dei conta ele só.. desapareceu__ percebeu o maxilar da jovem trincar por instinto__ Haviam encontrado algum tipo de livro.. Eu não.. Não entendi bem. Reviraram a biblioteca, queimaram o que sobrou após acharem. Então carregaram meu pai, o surraram, levaram aos chutes.
__ Seu pai era um tipo de Libertário? No nevoeiro Sul eles fazem sucesso.
Gae negou, não entendia de política, mas sabia que não o acusaram seu pai com nada do tipo.
__ Ele se escondeu na biblioteca? É meio estúpido, há lugares mais espaçosos na cidade. Além de ser fácil para-__ Thristy lhe deu um tapa leve. Ele se calou, percebendo o olhar do garoto.
__ Eu sinto muito por seu pai, Gae Jo. Mesmo um guerreiro tem de saber quando cair. Tenho certeza que seu pai lutou até o fim, todas as histórias que ouvi de Kafes.. É um povo corajoso, seu povo__ Apertou seu ombro, uma empatia fervilhante em seu olhar. Gae sentiu-se engolindo seco. Era uma mulher intensa de muitas formas, sabia-o. Apenas sabia-o.
Então sorriu, um sorriso de dentes espaçados, porém, unicamente belo. Um calor no meio do frio de gritos e xingamentos.
__ Venha, vamos te mostrar o lugar. __ Carregaram a carroça enquanto lhe dava um breve resumo do que chamava, "áreas seguras" e "áreas vermelhas".
Áreas seguras eram as mais movimentadas. As gangues não costumavam "cercar" onde se via muita gente ou onde o olhar de Hastafe alcançava. Áreas vermelhas eram territórios demarcados, encontros de gangues, tráfico, negociações. "Nunca é bom andar sozinho, de qualquer forma, em nenhuma área." E sorriu, dando-lhe uma piscadela.
Gae não sabia ainda como se sentia diante daquela mulher. "O que quer de mim? Espera que eu corresponda alguma coisa? É porque sou kafe?", sua fala seu povo demarcou na mente do garoto durante as semanas que se seguiram. Encarava os ombros largos à sua frente com muita atenção. Podia ser jovem, mas não era tão inocente como julgavam. Thristy parecia tão certa de sua parceria, e isso trazia uma estranha sensação de estar sendo usado.
Por enquanto, ali com eles, sentia seus sentidos se acalmarem, e fora-lhe o suficiente para confiar neles no tempo que se seguiu. E também... Não havia nenhuma outra opção concorrente.
À noite descobriu que podia ser ainda mais aterrorizante do que qualquer conversa sobre áreas seguras ou vermelhas. Tudo parecia manchado de vermelho. Urie dormia à uma diferença de dez camas da sua e Thristy desaparecera na metade da noite. Pensou tê-la visto nas sombras, entre as árvores, talvez perto do pequeno lago, mas não se atreveu a aproximar-se e checar. Estava mais preocupado em conseguir dormir.
Gae Jo ouvia Norvin roncando, se surpreendia como todos os outros conseguiam dormir com aquele barulho. Menos Borr, este parecia estar a sua vigia, Gae tinha arrepios ao erguer os olhos e se dar com aquela verruga espumosa no meio de sua face. Tinha medos, e um deles era não saber exatamente o que homem tenebroso vigiava, ou esperava.
Norvin era um dos homens que Thristy lhe apontou como pertencente da área vermelha, também era um dos mais antigos ali, logo que entrara para se trocar, ele seu grupo espancavam um garoto novato. Passou direto, evitando contanto visual como sua mais nova amiga lhe indicou que fizesse.
De alguma forma funcionou. Agora simplesmente não sabia como lidar com a esmagadora presenta fantasmagórica de Borr no seu escalço.
Comentou com Urie sobre, o homenzinho fez uma expressão estranha e lhe disse para ter cuidado, e talvez dormir com um galho ou pedra afiada perto do travesseiro. Seria o suficiente para afastá-lo.
Thristy lhe dizia para não ter medo. Homens como Borr e Hastafe cheiravam esse tipo de coisa, e "se alimentavam disso", bastava não erguer os olhos, porém, não se curvar por completo. Manter-se neutro, assim sobreviveria mais tempo.
A jovem lhe protegia indiretamente, isso ele notara, só não sabia como, e muito menos porquê.
De certo percebeu que era forte, para um adolescente. Contou-lhe como trabalhara na fazenda, e mesmo com ajuda, fazia maior parte do trabalho sozinho. Seu pai nunca estava em casa, e isso surpreendeu o pequeno Urie, o que Gae Jo supunha ter uma mente tão limitada quanto seu tamanho em relação à esses assuntos. Talvez seja coisa de sihutanos.
Na hora do almoço, lhe questionou sobre mulheres. Muito surpreso por ter nenhuma em sua família.
__ Fazia o trabalho da fazenda inteiro?
__ Não era tão grande assim..__ comentou, confuso. Thristy riu ao seu lado.
__ Ele era pobre, meu amigo anão, é assim que o mundo funciona. Fora das capitais, qualquer homem pode cuidar de suas atividades, independentemente de serem femininas ou masculinas.
__ E sua mãe?
__ Nos abandonou__ deu de ombros, e por alguma razão Thristy acariciou seus cabelos.
__ Seu pai o criou sozinho..__ concluiu, entristecida.
"Parece ter pensado bastante em meu pai."
__ Um Guerreiro kafe, rebelde do governo, e um pai solteiro. Realmente um homem de valor.__ Disse, pensativa, mastigando um pedaço duro de carne.
__ Meu pai não era guerreiro e muito menos rebelde.__ Franziu o cenho, bebericando um suco aguado e marrom.
__ Por que o capturaram se não fora uma coisa nem outra? Não disse que tinha um livro revolucionário?
__ Meu pai tinha muitos livros, era um professor. E ajudava o bibliotecário da cidade.
Gae Jo nunca havia precisado falar de seu pai de tal forma em qualquer outra situação. "É estranho falar dele... E não saber onde está." Percebeu expressões estranhas lhe encarando, não as entendeu.
__ Seu pai.. Que tipo de professor ele era?
__ Tinha uma cabana velha na Vila. Não passava de quinze alunos, é uma vila distante, ele era conhecido por todos.. É um lugar cheio de velho, sabe. Não existem muitos... Como nós.
"Como nós" soava amplo o suficiente para descrever o que seu pai representava naquela aldeia pacata. Thristy pareceu de repenbte tão.. dispersa; fitava o céu, estava triste. Gae se surpreendeu pela mudança repentina. Urie fez um sinal, como quem diz, "deixe-a um instante", e o chamou para lavar os pratos.
__ Você é ágil, o prefiro àquele nojento do Leoky.__ Soltou uma risadinha, quase tropeçando em algum pé erguido em seu caminho.
A pequena pia mal se via, totalmente coberta de louça suja. Vamos passar ao menos uma hora nisso.. Suspirou. Estava questionando-se se preferia empurrar carroçar a ter enfrentar aquela montanha quando a voz do anão interrompeu seus pensamentos.
__ Hamari... __ Surpreendeu Gae iniciando a conversa__ Eles são assim, entende? Maioria são professores e acadêmicos, sabe. Thristy simpatiza e com qualquer um que... Faça um trabalho além do teórico. Ela sabe que o exército do rei caça revolucionários com o afinco de quem não se importa se um boato pode ser real ou não. Nós sentimos verdade em você, garoto. Conhecemos muita gente, ajudamos muita gente...__ permanecia com os pequenos olhos na espuma escura que cobria toda a pia__ Seu pai, um professor rural.. Isso é só.. Cruel. É cruel demais. Então, eu a entendo. Eu sinto o que se passa naquela mente e coração grande.
Urie tentou sorrir, mas cessou, os olhos marejados de Gae o impediram de tentar qualquer mínimo consolo.
Parecia-lhe que demorou muito para cair a ficha. Permaneceu a enxugar os pratos diligentemente. As memórias cinzentas, à medida que as revirava, recitava como mantras internos; o rosto sereno de seu pai, enxugando os olhos cansados de um dia inteiro de trabalho, as costas curvas, o rosto castanho, límpido, parecia tão jovem e velho ao mesmo tempo.. Tão simplesmente... cansado. Mantinha os olhos negros horas e horas, encarando o fogo baixo da fogueira, como se questionasse, não a si mesmo, mas algo maior. Quem sabe algum Deus? Não sabia no que acreditava. Nunca perguntou. Via um resquício de fogo, os olhos na madeira, em seus pensamentos.
Então.. Cessava. Percebia a presença do pequeno Gae. A criança sabia, talvez superficialmente, pensava na mãe, pensava na pobreza. Pensava no mundo e nos livros. Pensava em tudo. Tudo... Gae Jo também se questionava, naqueles pensamentos de criança, queria ir pra cidade. E um dia, com a simplicidade da criança que fora, decidiu que iria. O caminho não fora tão longo, pediu que Yhwa, a empregada de um nobre velho e sua vizinha, lhe ajudasse a levar alguns pacotes pro pai. Seu pai não lhe pedira nenhum pacote, claro. Atravessou cada calçada, cada rua, com aquele ar inocente de quem espera alguma coisa.
"Meu pai vem aqui todo dia.. Deve ser muitíssimo melhor do que a vila." Apesar de não se recordar de nenhum outro morador desejar ou ansiar pela cidade.
A criança que espera ver um segredo, o adolescente que descobre um segredo... A criança fora recebida com repreensão, mas seu pai.. Seu pai era bom. Era simplesmente bom. Lhe pôs em seus ombros, andando pelo que chamavam, área de vendas, um tipo de lojinha muito grande, e que não vendia só roupa e comida, se surpreendeu. O pequeno Gae se via familiarizado com algumas daquelas frutas, mas outras nunca ouvira falar. Perguntou ao pai, e claro, ele sabia tudo. "Seu pai sempre sabia tudo." Lhe contou coisas, e que em sua mente de criança, ele esqueceria. Mas o que julgou importante, não esqueceu.
"Kafe nojento."
A mulher da venda de frutas estranhas dizia. Em alto e bom som.
"Kafe, Kafe, kafe, kafe, kafe, kafe." Parecia estampado naquelas bandeiras encardidas.
Ele nunca havia pensado grande coisa disso, até... Mantinha os olhos murchos, no caminho de volta, apertava a mão de seu pai, Ele... Passa tanto tempo naquele lugar... Pensar isso o deixou terrivelmente deprimido.
Seu pai lhe perguntou em casa, se gostaria de ir no dia seguinte. "A cidade é chata." E foi o que respondeu.
Perguntou-lhe, qualquer dia, o que significava ser um kafe. E seu pai, que sabia de tudo, pela primeira vez, não parecia saber de muita coisa. Havia um sorriso estranhamente complacente naqueles lábios cor de café.
O caminho até o dormitório fora silencioso por parte de Gae Jo, porém Urie não se acanhou, falava novamente com a desenvoltura de sempre. Estava quase anoitecendo, e Gae Jo procurava a gigante com o olhar. Ela foi rápida dessa vez. Percebendo como Urie parecia falante, perguntou-lhe casualmente onde sua amiga dormia, já que não vira nenhum tipo de dormitório feminino.
Antes que o anão respondesse, ouviu murmúrios de algum lugar, e estes fizeram os ombros do desenvolto sihutano se encolherem.
Um pequeno grupo se aproximava, Gae não se lembrava do rosto de nenhum deles. Ouvira um nome familiar, "Ryfoth", sabia que ele era de certa forma importante, se considerasse uma hierarquia da área vermelha.
Um deles cumprimentou Urie sarcasticamente. O amigo paralisou por um instante.
Um dos colegas de Ryfoth, que lhe encarava com certo desdém, inclinou-se sobre um ancinho e disse-lhe maliciosamente, "parece que o anão conseguiu um amiguinho novo". Gae Jo percebeu os ombros de Urie tremulando.
__ Eu não... Entendi__ Gae Jo fitou-lhe, porém, o anão olhou-lhe de soslaio, sem sorrir.
__ Um anão pagão de Sihutan.__ Repetiu o homem grosseiramente.
__ Pagão?__ Repetiu Gae Jo.
__ Por favor não use esse termo, pequeno Kafe. Você não.
O grupo continuava com suas provocações, Gae os olhava com cautela. Percebia Urie verdadeiramente assustado pela primeira vez desde que chegara ali.
__ Desculpe...__ Foi a única coisa que o honesto Gae Jo conseguiu dizer.
__ Você é gentil. Não se importe tanto. Você não ser... como eles, já melhor do que um desculpe por educação.
Porém, Gae não se sentia merecedor de nenhum elogio, conforme o grupo os rodeava, ele sentia tão incapaz de erguer os olhos quanto no dia que acabara naquela cela imunda. Entendia ao menos um pouco aquela impotência, olhando para Urie... Então, aquele seria um daqueles momentos. Andou um passo para trás, sentindo a parede em suas costas.
Urie abaixava a cabeça, o que pareceu um convite para o primeiro golpe. Não pareceria tão forte, mas o homenzinho voou com uma facilidade que reverberou risada entre os malfeitores.
__ Você viu isso, Ry? Ele voou no ar igual um boomerang. Se eu bater de novo será que ele volta?
Gae percebeu o tal de Ryforth indiferente, entretanto, parecia .. Sim, estava lhe encarando, desviou o olhar. Deve ser algum conhecido de Borr.. riu internamente. Odiava aquele sentimento. Apertou o punho, lembrando-se do quão estúpido seria pedir ajuda. Não há ninguém aqui... Justamente porque sabem que estamos aqui. Não viria ajuda.
Suspirou, tentando se convencer que já estava esperando por isso. Eram tantos xingamentos que ele já não sabia muito bem o que ocasionara aquela raiva e ataque. Seria ódio por Urie? Seria simplesmente ter se aproximado dele? Ouviu algo sobre ser um caipira, outro até parecia saber sobre a denúncia de traição.. Traidor.. Eles eram nacionalistas? Isso faria sentido. Sentiu o primeiro chute com firmeza nos dentes, não cambaleou. Era forte. Sempre fora. Assim como seu pai.
Repentinamente se recordou da frase de Thristy "Mesmo um guerreiro tem de saber quando cair. Tenho certeza que seu pai lutou até o fim." Ela sempre tinha tantas certezas... Ele só sabia se desviar delas. Por que estava filosofando naquele momento? Sua mente precisava se focar em manter-se firme, pensou, quase não vendo de onde vinham tantos golpes. Um atrás do outro, sem técnica, sem ordem, era apenas violência. Lá vinha outro golpe, e outro.. e outro.. Estava farto, o sangue deslizando em sua tez, o gosto salgado na boca.. Um Guerreiro tem de saber quando lutar também..
Vindo como uma finalização, um chute alto, diferente dos outros. Ali ele soube, soube que cairia.
__ Você certamente sabe como apanhar, hein?__ o malfeitor do ancinho se abaixou ao seu lado, Gae Jo tinha o rosto enterrado no chão, mal podendo vê-lo, o sangue parcializando sua visão, a boca cheia de terra.
__ Pare, Dewe, ele está quase inconsciente. __ ouviu a voz de Ryforth distanciando-se.
"Meu corpo inteiro dói..". Apagou. Percebeu as vozes, se diluirem... Estava tão escuro. Não via Urie, não fazia ideia quando caiu, o último pensamento antes de desmaiar por completo.
Então, algo parecia explodir, estilhaçar.. Destroçar. Fogo. Era quente e se espalhava rápido. Dentro, ou seria fora? Não sabia, não via nada. Seria um incêndio? Não. Respondeu imediatamente. Pulsava e empurrava. Ele conhecia aquele sentimento, aquela força, fora com ela que despertara na cela, fora com ela que...
Sim. Conseguia enxergá-la agora, tão clara como o dia. Ergueu o braço, tocá-la, apreciá-la. Parecia viva. É claro que estava.. Estava dentro de si. Uma pequena chama amarela, quebradiça e forte ao mesmo tempo, maleável e firme. Uma força e uma corda, puxando, puxando...
Seria ele quem estava sendo puxado? Teve a sensação de ter seu corpo erguido, mas ainda não via nada. Para onde ela queria lhe levar? Estava cego. O fogo era o que seus sentidos haviam se metamorfoseado.
__ Gae Jo!__ Ouviu uma voz feminina gritar-lhe.
Tão repentino. Então.. Estou acordado?
"Essa... É Thristy? Quando ela-"
__ Gae Jo! Pare! Pare!
"Não consigo.. Não consigo entender.. Está tão quente, ainda sinto esse tambor, como se precisasse esvaziar.."
Então duas mãos puxam seu rosto, e só o que vê são os olhos negros de Thristy e seus lábios mexerem. Percebe inconscientemente algo cair de suas mãos.
"Aquilo... É um ancinho?". E sangue. Muito sangue. Estava banhado em sangue.
__ Eu... Eu fiz..?__ Murmurou, sentindo os braços de Thristy o impedindo de cair de cara no chão novamente.
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