❝ I'll always protect you.❞
olá 👁️👁️ espero que todos estejam bem
sem enrolação, meus amores. Só vamo
peguem lencinhos, lanche. Oq precisarem sjwhshwjwjws 🗣️
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aqui o link do edit que me deu toda essa puta ideia que no fim, precisei tirar da cabeça 🤡
vamos lá ☀️🌑🧿
Boa Leitura!
~~~~x~~~~
⚠️ Alerta de gatilho ⚠️
• Contém: abuso, agressões físicas e verbais e menção de estupro.
Se não se sente confortável, pode se retirar, não tem problema nenhum. ❣️
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A definição de perfeição nunca será igual na mente de ninguém. Seja adulto, criança ou idoso. A diferença irá pairar no ar, mas não quer dizer que isso seja propriamente ruim.
Algumas pessoas sempre serão mais ambiciosas que outras. E no caso de Liam Dunbar, um garotinho muito esperto e de apenas seis anos, a perfeição em sua visão eram os momentos que compartilhava com seu melhor amigo toda tarde após a escola.
E eles não precisavam de muito. Apenas do silêncio, alguns brinquedos e do quintal de Liam que era recheado de flores coloridas, estas cuidadas por sua mãe, Jenna.
Ninguém nunca havia perguntado ao pequeno menino loiro o que seria perfeição para ele, mas se caso ocorresse, Theo com certeza estaria na equação.
— Desce daí! Sabe que a tia Jenna vai brigar se ver você aí em cima! — Theo pediu quase batendo o pé. Seus olhos verdes concentrados em um Liam arteiro que no momento escalava a árvore mais alta do quintal de campo aberto.
Theo podia ter só oito anos, mas as vezes parecia ter mais em algumas ocasiões que envolvessem Liam em perigo.
— Falta pouco pra alcançar a bola. Espera aí, Theodore! — Liam disse o nome completo do amigo propositalmente, lançando um olhar zombeteiro ao menino mais velho. Theo bufou estreitando os olhos para o loirinho, aproximando-se mais da árvore. — E eu não estaria aqui se não tivesse arremessado a bola estilo jogador de futebol. — Revirou os olhos. Impulsionando seu pequeno corpo mais para cima outra vez.
— Eu já pedi desculpas. — Resmungou num tom cansado. Pousando as duas mãos na cintura enquanto assistia Dunbar. Seu coração estava apertado só de testemunhar a altura em que ele se encontrava. — É sério, Lee... desce dessa droga. — Soou quase manhoso. O que muitas vezes fazia Liam desistir. O loirinho não resistia.
— Nem começa com essa voz fofa. — Disse entredentes e com um beicinho, mas alto o suficiente para o outro ouvir. Theo bufou buscando paciência. — Eu vou pegar essa bola e você vai ficar bem aí quietinho me esperando. — Ditou com toda convicção. Seu rostinho sério arrancando uma breve risada de Theo. Adorava aquele menino. — Tô quase. Espera..
O som do galho se partindo, o qual Liam apoiou seu pé com a maior confiança, ressoou pelo ambiente. Seguido do grito do menor.
Theo agiu rápido, por puro instinto talvez. Sequer calculando nada.
Mal notou o momento em que seu corpo foi ao chão, mais especificamente, numa posição sentada. Liam estava bem aconchegado em seus braços. Os bracinhos do mesmo envolta de seu pescoço como um coala amedrontado.
Theo agradeceu em seus pensamentos por ter a estatura maior que a do outro, ou se não teria sido bem pior. Ambos tinham as respirações ofegantes devido ao choque.
— Eu te falei pra não subir, Liam... — Raeken murmurou próximo ao ouvido do loirinho, seus braços aumentando um pouco mais o aperto ao redor do tronco de Liam, em proteção. Sua voz ainda um tanto falha, recuperando-se devagar de toda a adrenalina. — Tá tudo bem? Tá doendo alguma coisa?
Theo apenas recebeu um fungar em resposta, logo junto as lágrimas em seu ombro, molhando sua blusa. Liam somente o apertou mais no abraço, dando a Theo uma noção mais que suficiente de como seu ritmo cardíaco estava acelerado.
— Não. Não chora, Li. — Lamentou o mais velho tentando esconder o nervosismo, enquanto acariciava os cabelos na nuca do loirinho. Liam apenas soluçava baixinho, assimilando o susto do seu jeito. Theo apenas deixou, não cessando os carinhos. — Eu segurei você, não foi? Sempre vou te segurar, sempre vou te proteger. — Continuava da melhor maneira que sabia, a tranquilizar o mais novo.
Começou até a balançar seu corpo levemente, assim como sua mãe fazia consigo quando precisava o acalmar das crises de choro que tinha pós ataques de asma.
Theo não reparou muito nos minutos se passando, porém a essa altura Liam já possuía um batimento mais tranquilo, assim como sua respiração. Embora o aperto no abraço não tenha diminuído.
— P-Promete? — Liam disse de repente, sua voz embargada e meio baixa. Por um instante Theo se sentiu confuso com a pergunta, até se recordar das palavras que disse anteriormente.
— Prometo. Sabe que sim. Você é muito importante. — Garantiu no mesmo volume para não perturbar a paz do outro, a convicção sendo palpável. Theo afrouxou minimamente os braços no tronco do mais novo só para deixar uns beijos na bochecha do mesmo.
Liam deitou a cabeça sobre o ombro do Raeken, dando mais abertura para o amigo continuar com o agrado. O que fez Theo rir fraco.
— Não me solta. — Pediu Dunbar num tom para lá de dengoso, quase voltando a chorar. E Theo prontamente o obedeceu, retornando a enlaçar o corpo do garotinho. Puxando-o mais contra si.
— Ainda quer brincar? Pode ser pique-pega. — Sugeriu em meio aos beijos que depositava pelo pescoço pálido de Liam, este que só negou com a cabeça. Aconchegando mais o rosto no ombro de Raeken.
— Podemos só abraçar hoje enquanto vemos desenho? Acho que minha energia sumiu. — Confessou timidamente, a pontinha de medo do amigo recusar sua proposta. Theo por sua vez, sorriu gentil assentindo logo em seguida. Passando seu braço esquerdo por debaixo das pernas de Liam, erguendo-o em seu colo.
Theo sempre foi sapeca o suficiente ao ponto de ficar brincando de levantar Liam e correr por aí com ele nas costas. Podia não ser uma das crianças mais altas de sua turma, mas tinha uma força razoável. E sem contar que Liam só alcançava até seus ombros, então carregá-lo e arrancar risadas dele era seu passa tempo favorito.
Assim que adentraram a residência pela porta dupla de vidro que havia nos fundos, agilizaram para pegar alguns lanchinhos para a sessão de desenhos no sofá. Ambos trabalhando em equipe, mas obviamente com Theo se encarregando de subir até os armários. Se antes era protetor com Liam, agora estava ainda mais.
Após deixarem os salgadinhos na mesa de centro. Não tardaram em ligar a TV, deixando num volume tranquilo para não atrapalhar a mãe de Liam que trabalhava no escritório no andar superior da casa.
Se arrumaram nas almofadas após escolherem o programa animado. Se enrolando nos braços um do outro. Liam em toda sessão de desenhos se deitava entre as pernas de Theo, as costas apoiadas contra o peito do menino mais velho.
Era um costume entre os dois, e agora com a queda nada divertida de Liam da árvore, o loirinho parecia ansiar por mais conforto que o habitual. Theo não o negaria isso.
— Será que sua mãe deixa você dormir aqui hoje? Não tem escola amanhã, seria tão legal... — Entrelaçou sua mãozinha livre junto com a do mais velho, seus olhos voltados para o desenho, mas era nítido que não o assistia. — Por favor, Teddy.
Theo esboçou um sorriso ladino ao ouvir a ideia e o apelido. Enterrando o nariz no meio dos fios bagunçados do menor. Inalando o cheiro de bebê que o mesmo tinha.
— Com certeza ela deixa. Mas só se a tia Jenna pedir, então vou falar com ela depois. — Usou sua velha tática que nunca falhava. Sentindo-se satisfeito ao ver Liam comemorar baixinho, beijando sua mão entrelaçada com a dele. — Agora, relaxa e come. Você merece. — Beijou os cabelos loiros a sua frente. Levando seus olhos a TV.
Não demorou muito até o silêncio ser quebrado. Detalhe o qual Theo já esperava.
— Não é melhor pedir agora? — Liam murmurou sugestivamente, ansioso. Enquanto brincava com os dedos do menino mais velho.
Theo riu anasalado. Largando o salgadinho que comia para abraçar mais o outro.
— Paciência, Li. Não vou sumir. E tia Jenna ainda não terminou de trabalhar. Não vou atrapalhar ela, entende? — Explicou calmo como sempre. O que fez Liam sossegar por hora, enrolando-se mais no aperto de Theo.
3 semanas depois.
Não vou sumir. Estas foram as exatas palavras gravadas na mente do pequeno Liam, como ferro em brasa sobre a pele.
Seria uma frase cotidiana se não levasse em conta o fato de que Theo havia se mudado de Beacon Hills. Mais precisamente, nesta manhã.
Para uma criança de apenas seis anos, não deveria fazer tanta diferença. Mas para Liam fez. Ao ponto de fazer seu peito doer intensamente enquanto chorava durante a noite.
Havia sim se despedido de Theo, de toda a família Raeken, que infelizmente precisaram ir para Los Angeles devido a uma proposta de emprego que apareceu para o pai de Theo. Mas nada o preparou para a dor que a saudade o trouxe, um vazio surreal. Gostaria que fosse drama como muitos disseram a sua volta, mas não tinha como não sentir.
Jenna fez o possível nos primeiros anos. Acalmando o choro de Liam até fazê-lo dormir, lidando com as febres emocionais. Até ajudava os meninos a conversarem por vídeo chamada.
No começo foi bom, amenizava a saudade. Contudo, o tempo foi se estendendo, e Theo parou de receber as ligações. Era como se a família Raeken tivesse sumido do mapa. E isso levou Jenna a desistir de tentar, pelo bem de seu filho.
E bom, Liam também se obrigou a enterrar tudo isso no fundo de sua mente. O que pareceu uma solução viável, mas não fácil. E de todo modo, o transformou em seu oposto.
De uma criança energética e alegre, para uma mais quieta e observadora.
Dizem que o tempo cura as feridas, ainda mais as da infância. E em partes isso pode até ser verdade, mas e quando envolve feridas que foram tão judiadas ao ponto de modificar a essência?
Liam desconhecia resposta, então apenas foi vivendo com o fardo de ter que aturar tais marcas. De ter que assimilar que alguém muito importante, simplesmente se tornou uma página virada em sua vida.
As consequências dessa situação estressante chegaram aos poucos. Tal como mal se lembrar de sua infância toda, só alguns flashes específicos. Ter medo constante de abandono e promessas muitas vezes vazias.
Mecanismos clássicos de defesa que podem ser até uma boa proteção em alguns casos, porém também podem ser a ruína. Infelizmente Liam não escapou da segunda opção.
Tudo ocorreu no auge de seus vinte e quatro anos, ao conhecer um rapaz muito simpático e gentil. Andrew era o nome.
Se conheceram na faculdade. Ambos de prédios diferentes, mas gostos e ideias até que bem parecidas, o que ocasionava em conversas longas e muitas risadas. Liam cursava história, enquanto que o outro era mais da área de exatas, logo, arquitetura sendo sua paixão.
Gostos profissionais bem distintos, mas que com o tempo ambos fizeram funcionar. Principalmente ao despertar de novos sentimentos. Cenário este que, quase fez Liam fugir inúmeras vezes devido a seus problemas de confiança.
Lutou muito com as novas sensações. Andrew esperando-o com toda calma para que se organizasse mentalmente. O que manteu Liam com uma impressão positiva sobre ele por um longo período de reflexão.
Dunbar recuou diversas vezes em seus pensamentos, quase como um certo instinto ou algo semelhante. Mas decidiu por fim se dar uma chance. Chance de sair da zona de conforto que criou e tentar sentir novamente o gostinho clássico da felicidade.
De fato foi, inicialmente, algo bem diferente do que esperava. E não um diferente ruim quando se entregou de vez a Andrew. O conhecia tempo suficiente para se sentir a vontade logo de cara, então alguns detalhes não foram novidade para si. Entretanto, a leveza que sentia ao lado do rapaz foi o fator fundamental para que se visse quase que viciado na companhia do outro homem, isso sem contar nos carinhos e toques íntimos.
Andrew não era alguém difícil de agradar, logo, o rapaz amava o jeito de ser de Liam. A todo momento não perdia a oportunidade de elogiar o loiro, encorajá-lo a buscar objetivos pessoais. Aumentando cada vez mais a confiança do mais novo.
Liam se sentia muito bem ao lado do namorado. Uma sensação de acolhimento tão palpável que chegava ser até assustador, pois nada nessa vida era tão perfeito. Outrora pensasse que fosse só mais uma de suas crises de insegurança a medida que o tempo ia passando.
Contudo, no fundo ele sempre soube, quase como uma sensação fantasma estranha. Era mais um daqueles instantes onde a intuição manda certos sinais sutis, ainda que não tivesse a capacidade de compreendê-los.
Hoje, embora que da pior maneira, eles os decifrou. E bom, como gostaria de não ter avançado com Andrew.
Demorou um tempo considerável para que mudasse radicalmente seus pensamentos sobre o rapaz. Todavia, não era como se quisesse acreditar que aquela pior versão apresentada a ele subitamente, fosse a verdadeira face de Andrew.
As grosserias começaram depois de exatos quatro meses juntos, e então veio os insultos, humilhações. Tudo sutilmente calculado, digamos assim. Sempre querendo inferiorizar Liam por ter cursado história ao invés de algo voltado para medicina ou até direito. Sendo que muito antes, Andrew vivia elogiando o loiro e enaltecendo sua escolha profissional.
Dunbar acabou por criar o hábito de o rebater no mesmo nível, ainda que se arrependesse depois. E então as chantagens emocionais se iniciaram, e as forças de Liam para calar o outro ficaram cada vez menores. Somente vez ou outra se defendendo verbalmente até que enfim deixasse o outro falar sozinho.
O que com certeza, piorou tudo ainda mais.
Liam cogitou várias vezes se tudo aquilo não era só mais um período ruim que todo casal passava, que logo retornariam para aquele clima leve e divertido do início. Esse otimismo acabou rapidamente assim que veio a primeira agressão física. Tão de repente que mal teve reação.
Estavam brigando para variar. Que se iniciou da maneira mais estúpida na visão de Liam. Havia se tornado algo rotineiro até, detalhe cansativo que se instalou no dia a dia deles.
Era mais uma vez Andrew diminuindo Liam, que chegou cheio de animação para contar ao namorado sobre ter conquistado um estágio como professor em uma universidade. O outro homem não perdeu a chance de debochar, proferindo palavras nada gentis como se não fosse ter impacto nenhum no mais novo.
Liam explodiu naquele momento ao rebater, atitude que raramente permitia acontecer. Ele também não mediu suas palavras. Ameaçando da forma mais clara terminar tudo e ir buscar a vida que julgasse ser boa para si.
Uma onde não envolvesse Andrew na equação. O que deixou o outro homem em silêncio por uns instantes.
Dunbar nunca temeu tanto antes uma simples quietude. Contudo, passou a detestar assim que um soco foi deferido em sua face.
A estatura maior de Andrew sempre foi uma vantagem sobre Liam, que infelizmente tinha uma altura mediana. Poderia até ser musculoso assim como o namorado, mas injustamente o outro homem sempre tinha as técnicas mais convenientes para o desarmar.
Liam passou semanas usando óculos escuros por onde ia. O olho roxo custando a desinflamar. As pessoas perguntavam, e ele até pensava sobre confessar tudo. Aquela pontinha de ansiedade para falar, porém seu corpo inteiro travava com uma simples pergunta sobre estar bem.
Mas o mais importante que o abalou nisso tudo, o fato de que não reconhecia mais o homem que escolheu para ter ao seu lado. E sentia-se quase que preso naquilo. Andando em círculos, meio perdido. Não demorou muito para que todo o amor e admiração que sentia por Andrew, se tornasse repulsa.
Após a primeira agressão era sempre aqueles discursos e atitudes cansativas na opinião de Liam desde que se iniciou os abusos verbais.
Andrew vinha se desculpando, aparentando a princípio arrependimento, sendo gentil repentinamente. Parecia voltar a ser aquela versão agradável no início do relacionamento. E embora Liam sentisse falta e até aceitasse as desculpas, não via mais sentido nenhum em sua atual situação.
Não queria mais Andrew em sua vida, e até que tomou essa decisão com rapidez apesar do emocional e físico abalados. Todavia, o problema maior foi conhecer o quanto Andrew poderia ser irredutível. Principalmente com decisões que saíam da boca de Liam.
Ele tentou se impor, levantar a voz, expor suas vontades. Apelou principalmente para luta corporal quando estava sendo demais.
Entretanto, tudo apenas se transformava em um motivo atrás do outro para que as surras que começou a receber se tornassem algo sucessivo, e então evoluísse para um nível pior onde Andrew o impedia de sair de casa.
Gradativamente Liam foi perdendo seu brilho no olhar, ainda mais ao perder o estágio na universidade devido as vezes em que Andrew o atrapalhou tanto no horário da manhã, que chegava atrasado como consequência ao ter que fugir das brigas e mais agressões.
Sem mencionar na necessidade frustrante em precisar fingir estar tudo bem para sua mãe nas ligações de vídeo. Jenna havia se mudado de Beacon Hills após Liam entrar na faculdade. Isso a pedido do próprio que como de costume incentivava muito a mulher loira a ir conhecer mais sobre o mundo, mas também a aprender como se divertir.
Afinal, a Dunbar mais velha era de trabalhar muito para dar a ele do bom e do melhor desde o início, então pareceu justo na época.
No entanto, as circunstâncias atuais nunca fizeram Liam desejar tanto sua mãe por perto. E certamente odiava a nova versão que havia assumido de si mesmo.
Antes fosse aterrorizador se olhar no espelho e não se reconhecer mais com todos aqueles hematomas. Neste período ainda sabia quem era, pelo menos.
Porém, no quadro atual, a única coisa que restava sentir em meio a bagunça era resignação. Além dos medos constantes.
A mente de Liam parecia anestesiada em alguns momentos, ainda que ao mesmo tempo se mantesse sempre em alerta na presença Andrew. Sua verdadeira essência parecia ter desintegrado, assim como sua saúde mental.
Porra, não podia nem sair para relaxar no balanço instalado na varanda da frente de sua casa. Andrew havia criado uma cisma estúpida com o vizinho ao lado, apenas porque Liam gostava de ser gentil com as pessoas num geral. Diferente de Andrew.
Desde então, o interior da residência já era um cenário contínuo em seu dia a dia. Afinal, da última vez que botou o pé para ficar pelo menos algumas horas fora da casa quando o clima esquentou demais, apanhou tanto que acabou por desmaiar.
Apenas se recordava de alguns flashes, e da voz sufocante do namorado afirmando inverdades sobre estar se oferecendo para outro durante sua ausência.
É, ele com certeza não gostaria de um replay daquele dia.
— Liam! Porra! Onde você colocou minha pasta com aqueles documentos? — Nem de manhã cedo tinha permissão de acordar com calma. Mesmo que de qualquer jeito não se sentisse a vontade o suficiente nem para dormir a noite toda. — Eu tô falando com você, idiota!
Liam se encolheu automaticamente, as mãos tremendo. Apertou em seus dedos a xícara de café agora vazia.
Encontrava-se na cozinha depois de ter desistido de voltar a dormir. Pesadelos conturbados perturbando o resquício de paz que deveria ter durante a madrugada. Mas como tudo ao lado de Andrew, tinha que ser uma completa bagunça cheia de tensão.
— E-Eu não peguei! — Quase lamentou em voz alta por ter gaguejado. Havia respondido no mesmo tom que o outro, que neste instante estava longe. No andar superior em seu escritório.
Local o qual Liam sequer tinha interesse em bisbilhotar. Não só devido ao medo, mas também porque obviamente, tudo relacionado a Andrew, ele queria manter distância o quanto fosse possível. Ainda que morassem debaixo do mesmo teto.
Logo os passos pesados e firmes que conhecia bem, soaram com intensidade. Indicando a aproximação repentina do outro homem.
Liam comprimiu os lábios e abaixou a cabeça minimamente. Fazendo o que sempre optava como melhor opção, ou talvez fosse só o instinto falando mais alto.
Odiava contato visual com Andrew. Odiava fitar aqueles olhos castanhos e não encontrar mais nada do cara por quem se apaixonou há exatos dois anos e meio atrás.
Apenas enxergava alguém desequilibrado, instável. Alguém que o aterrorizada. E sinceramente, não só Andrew havia perdido o controle como também Liam já não controlava mais a si mesmo.
As vezes enquanto as horas passavam, se via recordando-se do tempo em que tinha forças para revidar, se impor verbalmente. No máximo ainda conseguia bloquear as investidas nojentas e nada delicadas de Andrew, mas ainda assim, se sentia na maior parte do tempo, impotente com tudo ao redor.
Não era assim que havia se imaginado no futuro, embora não fosse tão otimista quando mais jovem.
Andrew foi caminhando até ele num ritmo casual, quase lento. Os sapatos sociais parecendo pesados demais ao soarem contra o piso de madeira. O que já era de costume Liam ouvir.
Um som tão simples e pequeno. O dava calafrios.
— Sei... não pegou, mesmo? — O timbre estranhamente calmo ao parar a poucos metros dele. Liam respirou fundo e engoliu em seco, negando com a cabeça. Ainda de costas para o outro. — Vamos, Liam... se você voltar atrás na mentira, talvez eu até seja... gentil hoje. — Cuspiu aquelas palavras como se fosse uma simples conversa pela manhã sobre um filme qualquer.
— Mas eu não... — Liam murmurou no automático. O pânico agindo mais rápido do que ele gostaria em seu corpo. Virou um pouco sua cabeça para o lado direito, respondendo sobre o ombro. — Eu não peguei sua pasta, Andrew. — Tentou soar confiante e sério do melhor modo que pôde.
Logo ouviu um bufo meio debochado. E então Andrew se aproximou mais, com as mãos no bolso da calça, a postura intimidante. Ele adorava o encurralar.
— Liam, se vira e olha pra mim. — Disse autoritário, ainda que o timbre neutro se destacasse um pouco. Liam sentiu seu lábio inferior tremer, o coração acelerando. — Agora, Liam. — A respiração quente do maior em sua nuca foi o estopim. E assim, Liam obedeceu, virando-se com calma.
Entretanto, o contato visual não foi imediato. Apenas sabia encarar os pés de Andrew. Sua respiração tremulando um pouco.
Seu corpo quase cedeu com o ato a seguir, por conta do choque. Um grito preso em sua garganta. Nunca agradeceu tanto por estar literalmente colado a bancada, pois a proximidade foi a única coisa que o impediu de ter um acidente pior.
Andrew havia o empurrado de uma vez para o encurralar na estrutura de mármore. E segurou seu maxilar com força suficiente para deixar o hematoma que já residia ali há três dias, ainda mais roxo novamente.
Liam tinha consciência de que Andrew detestava quando não o olhasse de volta. Porém, era mais forte que ele. Eram tantos sentimentos nauseantes juntos.
— Quando eu mandar fazer uma coisa... faça. — Andrew praticamente rosnou ao sentenciar. Intensificando o aperto no rosto de Liam, que mirava aquelas orbes azuis agora marejadas, para ele. — Então, minha pasta...
— Eu já disse que não sei. — O interrompeu, ainda que em tom baixo. Fechando seus olhos por uns segundos. Andrew arqueou uma das sobrancelhas, prensando ainda mais Liam contra a bancada. O que fez o menor grunhir.
— Tá dizendo que estou mentindo? — A frieza por trás das palavras do outro era quase tortura. Liam sentiu seu lábio inferior tremer. Tentou negar com a cabeça, mas isso só incentivou Andrew a travar mais sua liberdade de se mover. — Usa a boca. Sei que adora falar.
— Eu... você não tá mentindo. É só q-que... não peguei. Eu juro. — Olhou fundo nas orbes vazias do maior. Buscando mais fôlego durante a pausa. Andrew riu fraco. — Não mexo nas suas coisas. — Murmurou baixinho. Xingando-se mentalmente quando uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha esquerda.
Andrew suspirou longamente. Limpando a lágrima do loiro num ato súbito e vazio, embora delicado de um jeito momentâneo.
Liam precisou se apoiar rápido no banco ao seu lado para não cair assim que o mais velho o soltou abruptamente. Suas pernas meio trêmulas não passando despercebidas, o que divertiu o mais alto que riu de escárnio.
— Tem razão. Deve estar no meu carro, provavelmente. — Deu ênfase na última palavra antes de começar a se afastar. Deixando clara a ameaça no ar de que ainda existia a possibilidade de Liam ter que pagar por qualquer dano que houvesse em seu dia. — Até mais tarde, lindo. — Apenas proferiu de um jeito meio robótico o apelido aleatório. Sem vida.
Liam o assistia paralisado em seu lugar. Apesar de seu ritmo respiratório alterado. Sentiu boa parte do peso devido a tensão, se esvair de seus ombros no momento em que Andrew deixou a residência. O barulho do carro indicando sua saída definitiva.
Contudo, após alguns segundos de silêncio, seus joelhos cederam. Acomodando-se abaixo da bancada como uma criança pequena. Os joelhos encolhidos contra o peitoral ao abraçar as pernas.
Não era novidade que as vezes passasse a maior parte da manhã ou da tarde chorando em algum canto da casa. Antes até tentou evitar e ser mais produtivo para ocupar a cabeça, inicialmente.
Mas quando nem lhe era permitido trabalhar. Sempre seria uma luta não ceder aos inúmeros medos e pensamentos intrusivos. E não enlouquecer, ainda que cogitasse seriamente já estar maluco.
Desde que tudo pirou para ele, acumular o que sentia virou rotina. Fazia isso por um certo tempo a fim de não irritar Andrew, até que transbordava em algum momento. Como agora, por exemplo.
Afinal, nunca foi de chorar muito desde que conseguia se lembrar, mas atualmente quando o fazia, parecia não ser capaz de parar.
E era ainda pior em algumas ocasiões ao chorar na frente de Andrew, que detestava e só o agredia mais como resposta. Talvez na esperança de que isso o calasse de vez, num modo geral para que não atraísse atenção de fora.
Liam riu baixo quase histérico em meio aos soluços com o pensamento. Enterrando seu rosto molhado nos joelhos. Apertou mais as mangas do moletom folgado que trajava.
Andrew até podia continuar tentando o silenciar, mas Liam não iria cessar tão rápido assim em suas tentativas mínimas. Ainda que parecessem inúteis.
Não seria a última vez que se permitia gritar durante os surtos de raiva do outro homem até os pulmões cansarem e ele desmaiar. Iria conseguir alguma ajuda sim, nem que morresse tentando.
Ele precisava se agarrar a isso.
*
Faltava uns quinze minutos para dar nove horas da noite, e Liam suspirou fundo satisfeito consigo mesmo por ter tirado forças de sabe sei lá onde para preparar algo decente para si. Afinal, Andrew só comia fora, para sua pouca fonte de alegria.
Ânimo havia sumido de seu vocabulário nestes períodos sombrios, então era raro que se movesse rumo a cozinha por vontade própria. Não se alimentava direito fazia um tempo, então esse pico de energia foi uma vitória.
E sem contar que possuía um medo surreal de estar em tal cômodo com vários objetivos cortantes ao redor, e Andrew chegar bem na hora. Liam já não tinha a mente mais tranquila como antes, e logo vizualizava inúmeros cenários perturbadores que poderiam ocorrer.
Evitava ao máximo algumas coisas para sua própria segurança, porém hoje, simplesmente não se importou com muita coisa além de ocupar sua cabeça inquieta para variar.
E cozinhar sempre foi algo que, secretamente, o animava um pouco. Não era sua atividade favorita, mas ainda assim o arrancava sorrisos suaves. Sentia que por pelo menos um segundo fazia algo certo ao conseguir montar uma refeição inteira sem desistir.
Um semblante calmo pela primeira vez em dias, se destacava em seu rosto. Sua atenção voltada para a televisão ligada num volume razoável, enquanto degustava de seu prato a macarronada com almôndegas feita por suas mãos.
Não estava tão boa quanto a que sua mãe fazia quando criança, mas também não era de um todo ruim. Seu cérebro ainda conseguia associar esse prato a sua infância, então memórias boas vez ou outra vinham em seu raciocínio. Mesmo que poucas vezes no dia.
E ironicamente, a maioria das lembranças sempre envolviam ele. Aqueles belos pares de olhos verdes cheios de vida, voltados para si. Ambos brincando até cansar no quintal de sua antiga casa ou no quarto dele quando faziam festas do pijama que eram compostas por somente os dois.
Liam sorriu levemente com os pensamentos, meio entristecido. E claro, sentindo-se ridículo por sentir falta de alguém que muito provavelmente sequer se lembrava dele a essa altura. Mas de qualquer forma não havia o que fazer com aquelas memórias a não ser, se contentar com os fatos.
Theo foi uma figura importante em sua infância e não tinha como negar isso apesar dos contratempos, e assim como sentia falta dele, sentia falta de todo o resto. Do período em que passou ao lado dele. A época leve e divertida antes de tudo isso do agora.
Todavia, deixando essa parte de sua vida de lado. Se pudesse voltar no tempo, com certeza teria recuado mil vezes de Andrew se fosse preciso, e nem voltaria atrás como fez.
Podia ter se tornado uma pessoa meio solitária depois da ida de seu melhor amigo de infância, mas talvez fosse melhor assim e só não quis enxergar isso antes.
Porventura, tivesse um maldito ímã para isso. Que atraísse pessoas dispostas a machucá-lo. Sendo assim, era melhor ter continuado sozinho.
Liam mal notou que chorava silenciosamente. Seu rosto já molhado e o resto da macarronada esquecida no prato em seu colo. Os ruídos baixos da TV ecoavam pela casa, o que quase abafou o cantar de pneus repentino no lado de fora da residência.
O mais novo pareceu não se importar tanto com o barulho por uns instantes ao ter seus devaneios interrompidos. Concentrado por hora em só acalmar sua respiração. Ainda que esboçasse uma expressão um tanto confusa enquanto enxugava suas bochechas.
Somente tomou alguma atitude ao captar os passos pesados de Andrew se aproximando da porta. A compreensão tomando sua face. Provavelmente nunca moveu tão rápido seu corpo. O medo fazendo-o agir no automático.
Se empenhou para desligar a televisão e levar o prato para a cozinha. Retirando da bancada qualquer faca ou garfo que tenha deixado a vista no processo. Não tinha ideia de qual seria o humor do momento de Andrew, então não hesitava em se previnir.
A porta não demorou a ser destrancada, e com certa brutalidade, ocasionando estrondos desnecessários.
Liam respirou fundo mantendo-se atrás da bancada por breves segundos. Suas mãos agarrando nervosamente as laterais do moletom que trajava.
A silhueta de Andrew atravessou o curto hall de entrada em passos instáveis. E isso enviou um gelo cortante pela coluna de Liam. Ele conhecia bem esses trejeitos, e os odiava. Ter visto Andrew bêbado tantas vezes podia ser uma vantagem, mas além de tudo também era cansativo. Lhe trazia péssimas memórias onde o maior era protagonista.
Antes se titularia a pior pessoa do mundo por desejar que alguém fosse dormir na rua. Porém, quando se tratava de Andrew, ele simplesmente não era mais capaz de ter empatia.
Liam engoliu em seco, dando um passo para trás.
— Olá pra você também... — Andrew murmurou numa dicção meio embolada ao se virar na direção do namorado. Seu sorriso relaxado e olhar predatório dando repulsa em Liam instantaneamente. — Como sempre... não atendeu minhas ligações. — O timbre era calmo ao verbalizar. O que angustiava Dunbar.
Andrew tropeçou por um milésimo segundo, apoiando-se no mármore da bancada. Seus olhos escuros encaravam Liam, visivelmente esperando alguma coisa. O loiro analisou o mais velho da cabeça aos pés, ainda receoso com a ideia de se aproximar.
— Querido... — Liam quase engasgou ao se forçar a dizer tal apelido. Seus pés movendo-se devagar, no ritmo que seus instintos permitiam a fim de cruzar a cozinha. Andrew o espreitava sem disfarçar. — Você quebrou meu celular, lembra? Por isso não atendi. — Explicou-se com calma. Equilibrando seu tom de voz. Não queria soar alterado. Todo cuidado era pouco.
— Então, a culpa é minha? — Andrew riu fraco como se não acreditasse. Seu tom ainda normal, mas sua postura indicava claramente irritação. Liam negou com a cabeça no mesmo segundo, já estando na sala perto do sofá.
— Não foi isso que eu disse. — Liam afirmou com toda segurança que lhe restava. Apoiando um pouco seu quadril no encosto do sofá atrás de si. Não estava relaxado de forma alguma, mas sempre poderia fingir.
Andrew deixou o silêncio pairar entre eles por curtos segundos. Talvez assimilando as palavras de Liam, o que seria muita novidade a essa altura.
Tal palpite foi totalmente descartado quando subitamente Andrew se aproximou. Ainda que bêbado, seus passos conseguiram ser até que firmes.
Liam segurou no fundo da garganta um ruído assustado assim que Andrew passou o braço esquerdo por sua cintura. Apalpando-o em toques pesados e nada gentis. Logo avançando mais ao descer o rosto para beijar seu pescoço.
O menor apertou os lábios para não gritar de primeira. Não queria piorar tudo ainda mais. Suas mãos trêmulas indo de encontro aos braços de Andrew, tentando sutilmente afastá-lo de si.
Mesmo que sua força não fosse semelhante há tempos com a do mais velho devido a sua má alimentação atualmente, ainda era capaz de ao menos derrubar o outro quando bêbado.
— Não. Andrew, para. — Liam mandou ao se esquivar para trás. Tentando seu melhor para não transparecer o pânico em seu timbre. Suas mãos firmes nos braços do outro, empurrando-o de leve. Ele parecia só insistir mais. — É sério. Chega. — Tornou a falar de novo, a voz mais séria.
Andrew apenas riu anasalado a medida que guiava sua mão direita até o cós da calça moletom de Dunbar, que deu um sobressalto ao senti-lo tocar em suas partes. Essa foi a gota d'água.
O menor apenas agiu, mal assimilando suas ações. Golpeou no meio das pernas de Andrew usando seu joelho, logo desvencilhando-se dele numa corrida curta. Chegou do outro lado da sala perto da lareira velha, ajeitando suas roupas com as mãos trêmulas.
Nem tinha forças para chorar no momento, apenas... choque, repulsa.
Andrew lamentava raivoso enquanto isso. Em posição fetal caído no chão gelado. Liam até cogitou correr para a porta da frente, mas então se lembrou que a chave estava com Andrew em algum dos bolsos dele, e se aproximar com certeza era uma péssima ideia agora.
Estava preso com o maior. E não tinha ideia do que fazer para sair dessa. Há tempos que não agredia Andrew, então sabia que deveria esperar pelo pior.
— Seu desgraçado... — Resmungou o mais velho. O rosto do mesmo ainda colado ao chão devido a dor. Liam se encolheu. — Se acha esperto, é? — Disse alto ao lutar para ficar de pé outra vez. Dunbar negou com a cabeça freneticamente.
— Eu disse pra parar e você não me ouviu. — Quis se bater por sua voz ter soado embargada, o que arrancou uma gargalhada de Andrew.
Liam nunca desejou tanto poder só se fundir com os tijolos da estrutura da lareira para sumir de vez.
— Acha que manda em alguma coisa aqui, Liam? — Andrew perguntou retoricamente. Já de pé, mantinha seus passos num ritmo calmo, como se quisesse torturar o mais novo. E de certa forma, Dunbar não duvidava de mais nada vindo dele. — Venha até aqui. Vamos. Seria incrível lutar com você novamente. — O deboche não era novidade para o menor. E se sentia tão aterrorizado maior parte dos seus dias, que nem se irritava mais.
— Só me deixa em paz. — Liam não tinha ideia de como teve energia para verbalizar. Não quando sua respiração estava tão pesada.
Andrew apenas negou com a cabeça lentamente. Enviando um falso olhar preocupado a medida que rompia o espaço pessoal de Liam cada vez mais.
O menor virou seu corpo numa tentativa rápida de fugir da mira do outro, mas foi prensado com tanta força contra os tijolos atrás de si que o resmungo pela contusão feita em suas costas foi difícil de segurar.
Estava encurralado. O mais velho imobilizava seus braços para baixo, apertando-os sem dó, parecia querer quebrá-los. E o cheio de álcool era insuportável. Entretanto, apesar da dor, Liam não cessou o contato visual com Andrew, resistindo.
— Lembra o que aconteceu na última vez que chorou desse jeito? — O maior proferiu com nostalgia. Como se fosse algo fantástico de se recordar. Obviamente só ele partilhava dessa visão. Liam apenas respirou fundo, as lágrimas banhando sem controle sua face. — Parece que faz de propósito pra me irritar. — Seus olhos castanhos carregam uma admiração estranha só por vê-lo assim. Liam o odiava tanto.
— Pode parecer difícil de acreditar... mas o mundo não gira em torno de você. — Dunbar falou a última parte elevando o tom de voz sem querer. Conduzido pela raiva. Arregalou os olhos ao se dar conta. Porém, já era tarde.
O golpe desferido em sua barriga o fez perder o fôlego por alguns segundos, seguido de socos certeiros que acertaram sua testa e parte da bochecha direita.
Liam nem se importou de conter os gritos, como sempre fazia. E obviamente, só agravava mais a situação para ele. Mas para ser honesto, o menor não se preocupava mais como antes com esses detalhes. Apenas desejava que acabasse logo. Ele estando morto ou não.
Até há um ano, era cauteloso quanto a não estressar Andrew e virar saco de pancadas. No momento atual, tinha dias que não perdia a oportunidade de tentar atrair atenção do lado de fora. E aos poucos o namorado foi notando isso, não pestanejando em usar táticas agoniantes.
— Você vai ficar quietinho. Chega de palhaçada. — Andrew ordenou entredentes, o tom ameaçador. Sua mão livre residia sobre a boca de Liam, que chorava alto. Ambos no chão, Andrew por cima dele, prendendo-o. — Mandei calar a boca, porra! — Gritou no rosto do mais novo, que precisou reunir forças de sabe-se lá onde para ficar minimamente quieto.
Andrew voltou a prendê-lo pelos pulsos contra o piso, apertando-os com tanta força que sem dúvida, se ele quisesse, os quebraria fácil. Liam o encarava nos olhos quase sem piscar devido ao pânico, sua respiração entrecortada.
Suas lesões latejavam muito, seu corpo parecia que iria desligar. O que quase se tornou seu foco principal devido ao incômodo, mas nada doeu mais do que ver Andrew desafivelar seu cinto da calça social que trajava, retornando em seguida a segurar seus pulsos.
Liam não queria acreditar no que estava prestes a acontecer. Não quando lutou tanto para evitar. Sua garganta secou ao sentir o mais velho puxar o cós de sua roupa de baixo.
Ele tinha total consciência do que Andrew pensava dele, ou melhor, como o via. Não passava de um brinquedo que ele gostava de torturar todos os dias. No entanto, Liam não queria esse rumo, se afundar mais. Não queria que o homem cujo um dia era apaixonado, o violasse mais do que já violou.
Ele apenas pensou rápido, talvez. Liam não saberia explicar ao certo. Somente aplicou um golpe que provavelmente esteve enterrado em sua memória desde os tempos que brincava de lutinha com os amigos. A origem do ato não importava muito.
Dunbar esticou seus braços para trás repentinamente, o que fez Andrew perder a estabilidade e cair para frente sobre si, ocasionando na soltura de seus pulsos. Ele jogou seu corpo de lado ao ganhar mais liberdade para mover seu tronco, passando o braço direito pelos ombros de Andrew e prendendo-o com suas pernas.
Ele guiou seu braço esquerdo para segurar a cabeça do mais velho pelos cabelos, apertando os fios com toda sua raiva. Mordeu a orelha esquerda do outro com fúria e sem hesitação.
Os gritos de Andrew ecoavam pela casa, até que sentiu um gosto metálico em sua boca. O mais velho batia a palma da mão no chão diversas vezes, e com muito custo, Liam o soltou.
Dunbar cuspiu o sangue e um pedaço do que seria parte da orelha de Andrew assim que se pôs de pé. Suas mãos tremiam, mas pela primeira vez, não era medo. E sim, raiva.
— Quando eu mandar fazer uma coisa... faça. — Liam berrou o quanto seus pulmões permitiram. Ainda que sua respiração ofegante o atrapalhasse. Há tempos que não soava tão raivoso assim. Geralmente guardava tudo como se fosse um cofre.
Andrew ainda no chão, lhe enviava um olhar para lá de enfurecido. Concentrado em pressionar seu ferimento ao invés de se mover.
— Como sempre... você é bem criativo. — Ele respondeu de maneira amarga. Liam apertou as mãos em punhos. — Mas adivinha... eu também. — Esboçou um sorriso cínico ao mesmo tempo que se levantava. Evidenciando estar segurando algo em sua mão suja do próprio sangue.
Liam respirou fundo buscando calma do melhor jeito que podia, mas foi então que sentiu. Uma ardência e dor aguda lhe chamou atenção na lateral de seu abdômen. O que o fez abaixar o olhar.
Havia sangue manchando seu moletom, que mesmo sendo preto ainda era capaz de se ver a enorme mancha vermelha crescendo quando observada de perto.
Dunbar entreabriu os lábios um pouco devido ao choque. Sua mão esquerda indo de encontro ao ferimento, mas pairando sobre ele em hesitação.
Andrew emitiu uma risada satisfeita. Liam redirecionou o foco a ele. Logo percebeu com mais nitidez dessa vez, a faca de bolso que parecia muito mais uma faca de caça, na opinião de Liam.
Andrew vivia andando para cima e para baixo com aquela coisa. E Liam sempre pedia para que deixasse aquilo longe dele.
O mais novo sentiu uma lágrima solitária deslizar por sua bochecha. Andrew riu mais, adotando uma pose relaxada diante de Liam.
— Não sou alguém que gosta de mudar os velhos hábitos... — Disse o maior, que brincava com a faca suja do líquido vermelho. — Óbvio que eu não deixaria de andar com minha clássica companhia de emergência. — Continuou a girar o cabo da faca entre os dedos.
Liam finalmente pressionou a mão sobre a lesão, e precisou morder os lábios para não gritar.
— Agora, você vai receber um castigo divertido... — Andrew informou. Ignorando completamente seu próprio ferimento enquanto caminhava na direção de Liam. — Divertido pra mim. — Enfatizou antes apertar o passo. A faca bem posicionada na mão direita.
Liam lembrou rápido do vaso velho e pesado que ficava na estante sobre a lareira, não hesitando em pegá-lo. Andrew estava faltando pouco para o acertar com a faca novamente, quando recebeu o vaso em sua cabeça.
Liam cambaleou para longe do maior assim que o mesmo caiu desmaiado. E recostou as costas por um instante na parede, a fim de tentar a todo custo ajeitar sua respiração.
Mal conseguia desviar suas orbes azuis do corpo caído, isso até se lembrar de sua contusão. Esboçou uma careta chorosa ao abaixar a cabeça, encolhendo-se. Um soluço escapou por seus lábios.
— Eu te odeio tanto. — Murmurou a Andrew a poucos metros dele após fungar. A dor tão clara em seus olhos quanto o azul de sua íris.
Ele forçou suas pernas a se moverem o mais depressa dali assim que recolheu do chão a faca de Andrew. Indo rumo até o banheiro naquele andar mesmo. Localizava-se no corredor ligado ao hall de entrada, e logo adentrou o local.
Trancou a fechadura de modo desajeitado devido ao nervosismo. Deixando-se em seguida ceder contra a porta devagar. Jogou a faca para longe de si, vendo-a deslizar pelo piso até bater na banheira.
Era como se sua mente tivesse sido anestesiada. Ficou inerte por longos minutos sentado no tapete. Assimilando tudo de sua maneira. Até que o silêncio se tornou perturbador demais e então começou a chorar compulsivamente. Cobrindo seu rosto com as mãos.
Isso apenas o trouxe mais nojo de toda a situação ao ter o sangue fresco sujando-o mais ainda.
Liam se ergueu agoniado e apoiou o corpo na pia, ligando a torneira. Lavou tanto suas mãos que só se deu conta da vermelhidão nelas assim que todo o sangue nos dedos havia descido pelo ralo. E então, elevou o olhar, encarando o espelho.
Estava mais péssimo do que imaginava. Visíveis hematomas formando-se no canto de sua testa, bochecha e sobrancelha. As lesões latejavam como um inferno, e sem contar no inchaço.
Liam suspirou trêmulo tentando se manter de pé, abafando um grito ao receber as ondas da dor aguda já conhecida por ele. Desejava só poder ignorar aquele corte em seu abdômen. Ele choramingou baixinho curvando-se um pouco sobre a pia.
Dunbar não queria olhar. Não sabia se tinha estômago forte o suficiente para encarar a aparência daquilo, mas não parava de sair sangue.
Liam puxou o ar com força antes de voltar a sentar no chão. Abrindo os armários embaixo da pia. Puxou o kit de primeiros socorros e o abriu rapidamente, analisando se ainda possuía material suficiente.
Se deu por satisfeito ao ver a caixa de metal cheia, porém o pior seria agora.
O menor murmurou vários xingamentos enquanto se arrastava até o outro lado do banheiro. Apoiou suas costas na parede gelada, descansando a nuca contra ela por uns segundos. Nunca havia abandonado esse hábito. Enrolar até ganhar coragem.
Quando ergueu o moletom, quase desejou poder ter forças para sair do banheiro só para fazer uma lesão pior em Andrew. Afinal, ao menos tinha alguma vantagem pela primeira vez.
O corte era na horizontal, parecia ter mais ou menos sete centímetros. Era profundo como Liam imaginou, e com certeza precisaria de pontos. Porém, no momento, dava para improvisar algo e aguentar até o dia seguinte.
Claro que ele não curtia a ideia, mas não havia o que fazer. Dunbar não tinha forças para tentar arrombar a porta ou janelas a fim de chegar ao lado de fora. E quanto mais esforço fazia, mais sangue parecia querer sair da ferida.
Ele vasculhou no fundo de sua mente instruções básicas de como fazer um curativo descente para uma lesão daquele tamanho. Gastando tanta gaze e esparadrapos que até perdeu a conta. Sentia-se exausto. Gostaria de apenas se desligar de tudo e sumir.
Enquanto isso no lado de fora da residência, logo ao lado, um certo adolescente curioso encontrava-se espreitando a casa vizinha de seu deck da frente. Apoiado no corrimão, o garoto de cabelos cacheados tentava a todo custo obter alguma visão boa do lado interno da casa.
Ele considerava muito Liam. Ambos tinham gostos bem parecidos e se aproximaram nos últimos meses. Gostava de conversar com o rapaz mais velho por horas, e as vezes até ficavam no deck da casa do Dunbar até o final do dia. Claro que, somente quando Andrew viajava.
O garoto odiava aquele homem com todas as forças. E pela primeira vez desde que notou uma energia estranha naquele cara, possuía coragem o suficiente para fazer o que tinha em mente há tempos.
— Alec, filho. Eu ligo ou você quer ligar? — A mãe do garoto saiu depois de alguns minutos procurando seu celular. Afinal, Alec estava de castigo, então o jeito era usar o dispositivo dela.
A mulher de traços latinos colocou-se ao lado do mais novo, mantendo-se paciente. Alec virou o rosto olhando para ela. Ele sorriu suavemente em agradecimento, pegando o celular da mãe sem hesitar.
— Obrigado por acreditar em mim. E sim, eu mesmo vou ligar. — Alec tinha uma expressão carinhosa para a mulher, mas assim que discou o número da polícia e pôs o celular contra o ouvido, a suavidade em sua face sumiu automaticamente.
Depois de escutar todos aqueles gritos. Ele precisava fazer alguma coisa para ajudar Liam.
*
Na delegacia era até estranho em alguns dias ter toda essa calmaria no horário da noite, mas felizmente não era uma observação ruim na concepção de Theo.
O rapaz preferia mil vezes trabalhar sossegado na quietude do que ter várias pessoas ao seu redor lhe pedindo dicas ou só enchendo o saco por diversão durante intervalos. Raeken podia ser conhecido por ser paciente, mas para tudo existia um limite. E sua bateria social sempre acabava mais cedo do que ele gostaria.
Ficou encarregado junto de seu parceiro, a cuidar do horário noturno dessa vez enquanto organizava casos que seriam arquivados de acordo com a decisão recente do juiz. Noah pediu essa ajudinha.
A equipe de tal agenda que cuidaria de outras tarefas não era muito extensa, então funcionava bem. Sempre era mais ativo a noite do que a luz do dia. E Isaac com certeza se certificava de mantê-lo acordado. Cuspindo besteiras em seu ouvido ao invés de trabalhar.
— E que tal essa? — Isaac questionou mais uma vez. Exibindo a tela do celular de Theo, este que revirou os olhos claros antes de guiá-los até o loiro, encarando o visor com desinteresse. — Ela é gata, vai. — Tentou de novo.
Theo suspirou fundo, voltando a separar o resto dos documentos a sua frente na mesa.
— Sabe que eu não gosto de mulher, Isaac. Pelo menos te situa se vai ficar fuçando meu Tinder. — Enviou um olhar zombeteiro na direção do amigo, que ficou corado de vergonha por esquecer um detalhe tão importante de seu melhor amigo.
— Puta merda, desculpa. Eu tô maluco hoje. — Isaac passou a mão pelo rosto, rindo sem graça. Theo teve que rir junto. Seu amigo estava visivelmente exausto. — Só quero ajudar. Faz um tempão que não te vejo sair com alguém. Seu Tinder tá até desconfigurado nas preferências. — Bufou ao encarar o celular do Raeken outra vez. A indignação em sua face.
— Sabe que dei um tempo nessa porcaria de app. Ando sem paciência. — Theo esboçou uma careta enquanto lia rapidamente os papéis em seu colo para verificar do que se tratava antes de por na pilha designada.
Isaac suspirou deixando o celular do outro de lado sobre a mesa. Recostou as costas na cadeira giratória que estava.
— Queria ajudar a arrumar um sortudo pra você. Acho que poderia amenizar esse mal humor. — Comentou o loiro num tom brincalhão, como se não quisesse nada. Theo riu baixinho negando com a cabeça, a atenção ainda voltada para o que lia.
— Tô pensando em virar a idosa dos gatos. Já tenho a Athena mesmo. — Raeken deu de ombros com uma expressão cínica. Erguendo a cabeça para encarar o amigo que lhe enviou um olhar mortal. Sabia como irritar Lahey.
— Não inventa. Eu posso te forçar a morar comigo, Scott e seu sobrinho. — Estreitou os olhos na direção do outro. Detestava a ideia de Raeken seguir sozinho, sem uma família própria. Não desde que ele perdeu os pais, e então só restou ele e Tara.
— E ficar sem dormir assim como você e Scott? — Devolveu num tom risonho. Assistindo Isaac rir anasalado e negar com a cabeça. Não era por mal, ele adorava Seth. — Eu passo, viu. Muito obrigado. — Tocou a coxa de Isaac como se fosse um consolo suficiente a sua rejeição.
— Ele é um bebê de três meses. Você queria o quê? Deixa de ser ruim. — Lahey bufou uma risada, segurando a mão de Theo. — E não tente fugir. Sabe que sou persuasivo. — Soou convencido.
— Um persuasivo reconhece outro, meu amigo. — Theo arqueou uma das sobrancelhas, lançando um falso olhar sedutor que arrancou uma risada contagiante de Isaac que logo afastou sua mão da dele. — Mas obrigado. Você sempre cuidando de mim. — Foi sincero dessa vez. Ajeitando-se em sua cadeira.
— Que tipo de melhor amigo eu seria? — Soou indignado. Sorrindo de forma atenciosa para Theo, que riu acanhado. — Mas sério, vai nos visitar mais vezes pelo menos. Seth já reconhece sua voz e fica agitado toda vez que você vai lá. — Sugeriu ao Raeken com uma empolgação até adorável. Não que Theo fosse dizer isso em voz alta.
— Claro que vou. Não quero ser um tio desnaturado. — Sorriu ladino ao ver a alegria genuína no rosto de Isaac. — Mas saiba que eu não vou trocar fral-
— Isaac! Theo! — A voz de Noah Stilinski soou repentinamente. A poucos metros deles, o homem mais velho antes encontrava-se quieto e concentrado em sua sala a horas. — Prestem atenção aqui, rapidinho. — Pediu sério. Seu corpo apoiado no batente da porta.
— Estamos ouvindo, xerife. — Theo respondeu num tom profissional, o timbre mais grave. Arrumando sua farda meio amarrotada por sempre se sentar desleixado. Isaac riu dele discretamente.
— Acabei de receber. Denúncia anônima. Suspeita de violência doméstica. — Foi direto ao ponto. Sua expressão séria, indicando o quanto desgostava do teor das denúncias. Sua empatia o fazia se sentir péssimo com as atrocidades que aconteciam na cidade. — Quero vocês amanhã de manhã no endereço que vou passar. — Disse por fim, antes de sair da vista dos rapazes.
Isaac e Theo se entreolharam. Lahey deu de ombros, voltando a se ajeitar em sua cadeira para retomar a arrumação dos documentos.
Theo suspirou coçando a nuca. Teria que por um lembrete no celular para não esquecer de ir em casa antes do amanhecer para dar comida a Athena.
— Você ainda vai trocar a fralda do Seth. Tô apostando nisso. — Isaac disse após segundos de silêncio. Theo franziu a testa em deboche ao fitar o loiro.
— Aí já quer demais. — Falou negando com a cabeça, emitindo um riso nervoso.
*
🕰️ 7:08 AM
Liam acordou num sobressalto. Ridiculamente por conta dos cantos dos pássaros no lado de fora. Havia apagado no chão do banheiro após ter passado um sufoco do inferno para remover todo o sangue de si, mesmo com tanta dor. Claro que, infelizmente tendo que voltar a vestir o moletom sujo devido ao frio que fazia.
Havia usado algumas toalhas limpas como travesseiro. Mas assim que foi se mexer um pouco para o lado, gritou em reflexo logo tapando a própria boca em seguida. Havia se esquecido por breves instantes o corte em seu abdômen.
Liam lamentou baixinho, decidindo contar até dez no máximo antes de se erguer de uma vez. Precisava ficar sentado por agora, e talvez por algum milagre, isso ajudaria amenizar o incômodo. Embora esse raciocínio não fizesse sentido nenhum, em sua mente recém desperta foi o único consolo.
Ele quase cochilou ali mesmo ao sentir uma fraqueza estranha, quando batidas firmes soaram de súbito na porta da frente.
Liam piscou tentando ficar mais desperto. Quase cogitando que havia sido sua mente lhe pregando peças. Até que as batidas retornaram outra vez.
Ele pensou duas vezes antes de tomar a pior decisão no momento, talvez. Porém, precisava tentar. Não aguentava mais ser tratado feito uma coisa. Se agredido toda vez que abrisse a boca.
— Já não tenho mais nada a perder mesmo. — Murmurou rouco devido ao tempo que ficou sem verbalizar. Esboçando uma careta ao sentir ainda um leve gosto metálico do sangue de Andrew.
Havia escovado bem os dentes em seu pequeno surto para limpar-se de todo e qualquer vestígio do líquido viscoso. Mas pareceu não ter melhorado muita coisa em sua boca. Jogou esses pensamentos para longe de qualquer forma, reunindo forças para se levantar.
As batidas na porta da frente ainda persistiam, então usou isso como motivação para destrancar de vez a fechadura do banheiro. Rezando e pedindo para qualquer ser manter Andrew inconsciente até segunda ordem.
Liam esboçou uma careta ao arrumar a postura para ficar de pé, saindo do cômodo logo em seguida. Ele permanecia com a mão pousada sobre o abdômen. Seus olhos claros que carregavam olheiras fracas, atentos a tudo ao redor.
Ao atravessar o corredor e estar diante da porta, virou a cabeça devagar rumo a sala a sua direita. Quase sentindo que seu coração parou e retornou a bater assim que não avistou mais o corpo de Andrew estirado no local que havia deixado. Sua vista quase escureceu.
A respiração do menor engatou nervosamente, ficando pesada. Suas costas tombaram contra a parede atrás de si, as orbes ainda focadas na sala totalmente deserta.
Até enxergar pelo meio do tapete e alguns cacos do vaso destruído, o que parecia ser um chaveiro. Liam ergueu as sobrancelhas em clareza quando identificou o que seria o objeto, logo apressando seu corpo a se mover.
Ignorou a dor o melhor que pôde ao se abaixar, apenas concentrado na chave agora em mãos. Esgueirou-se depressa de volta para a porta, agradecendo em silêncio por seja lá quem estivesse batendo, não tenha desistido ainda.
Após abrir sentiu-se vitorioso até, aliviado. E quase vibrou ao reparar devidamente nos dois rapazes a sua frente, que trajavam os uniformes clássicos do departamento de polícia de Beacon Hills. A sorte precisava estar ao lado dele ao menos uma vez, não é.
— Bom dia. Desculpe a insistência. Quase pensamos que não havia ninguém. — O homem mais alto e de cabelos loiros cacheados proferiu simpático. A pose profissional não se abalando. — Viemos checar a situação por aqui. Recebemos uma denúncia noite passada e...
Liam não conseguiu disfarçar sua surpresa nem se quisesse ao ouvir aquilo. E obviamente Isaac e Theo não deixaram passar a mudança brusca na feição do mais novo.
Especialmente se tratando de Theo, onde sua especialidade e passa tempo favorito era observar tudo ao redor. As pessoas, seus trejeitos, detalhes insignificantes para os outros. Poderiam chamá-lo de maluco nos momentos de diversão, mas de qualquer modo ele não discordava disso.
E neste instante não era diferente. Observava com atenção aquele rapaz diante dele. Mas o mais desconcertante não eram só os sinais claros de medo, tensão e angústia, e sim que o rosto daquele indivíduo era familiar demais.
Um déjà-vu mais que conhecido por ele que sempre voltava para o assombrar em seus sonhos. Theo negou com a cabeça tentando ignorar por hora.
— Mais alguém mora aqui com você? — Isaac questionou cuidadosamente ao rapaz menor após resumir toda a explicação para a vinda deles. Claro que, sem aquela sua abordagem meio invasiva que só mostrava com Theo ou Scott.
Liam permaneceu em silêncio por uns segundos. Seus olhos azuis visivelmente exaustos encarando os dois policiais, não muito no rosto, mas mais na farda. Theo notou as ações mínimas a seguir.
O momento em que o menor pareceu tomar coragem para falar algo, estava prestes a abrir a boca, mas então sua postura se tornou rígida subitamente. A ansiedade ficou clara na feição do mesmo, mas em destaque foi a silhueta alta que surgiu atrás do rapaz.
Theo imediatamente assumiu o controle da situação, colocando-se na frente de Isaac. Afinal, o cacheado tinha um filho pequeno em casa e um marido. E mesmo que Lahey odiasse esse instinto dele, iria sim protegê-lo. Ser a isca e depois se safar eram suas maiores habilidades.
Não que essa circunstância fosse tão extrema assim. Bom, Raeken esperava que não.
— Sou o namorado dele. Estamos aqui há o quê? Dois anos e meio, meu bem? — Andrew deixou a pergunta no ar. Seu abraço envolta dos ombros de Liam, este que não respondeu. Quase paralisado.
Theo arqueou uma das sobrancelhas. Aborrecido com aquela cena era o que o definia por dentro, mas por fora mantinha uma pose relaxada.
Queria fazer aquele sujeito acreditar que não desconfiava de nada. Havia algo acontecendo ali, e ele estava prestes a fazer o outro se denunciar.
— Dois anos e meio juntos. — Fingiu estar impressionado. Recostando-se no pilar de madeira logo ao lado. Viu o tal Andrew confirmar com a cabeça. Nesse meio tempo Raeken o analisou o suficiente.
O rapaz trajava algo que parecia ser só uma vestimenta para dormir, mas o mais estranho era a touca que usava, como se quisesse camuflar algo. Liam também não passou despercebido pelos seus olhos verdes. Porém, o que alarmou Raeken foi o contraste peculiar de uma mancha grande no meio do tom de preto no moletom do menor. Aquilo o fez quase se coçar de tanta intriga.
As vezes odiava estar certo.
— Acredito que a denúncia tenha sido um engano mesmo. — Theo comentou como alguém que não queria nada. E essa foi a chave.
O rapaz menor arregalou os olhos em pânico, fitando-o. Parecia querer negar desesperadamente com a cabeça, mas o que fez a seguir quase fez Theo sair do teatrinho.
Ele possuía cabelos meio longos, o suficiente para cobrir um pouco seu rosto pálido. E ao levar sua mão direita as madeixas caídas na testa e removê-las, Theo sentiu o coração apertar, porém manteu a postura. A feição neutra.
Hematomas já bem roxos e com leves tons marrons revestiam sua testa, sobrancelha e bochecha do rapaz do loiro. Ele logo se apressou a cobrir as lesões novamente, dando a impressão de estar só ajeitando o cabelo.
Theo olhou bem para ele indicando ter entendido antes de desviar o olhar para Andrew, enviando um falso sorriso simpático ao indivíduo.
Andrew retribuiu claramente sem vontade. Segurando a porta com a mão esquerda com uma força desnecessária que Theo notou bem só pelas pontas dos dedos meio brancas. Estava com raiva, e assim que aquela porta se fechasse, aquele rapaz menor poderia não estar mais vivo pela manhã.
Óbvio que Theo não brincava em serviço. E pelo visto a vítima diante dele também não.
A porta faltava pouco para ser fechada, quando o loiro esticou o braço direito para fora, exibindo sua mão aberta. O polegar não demorou para encostar na palma, em seguida os demais dedos dobrando para baixo ocultando o polegar. Clássico sinal de socorro.
Theo apenas deixou seus instintos agirem ao guiar sua destra até seu bolso interno esquerdo do casaco preto formal que trajava. Segurou firme o punho da arma e logo moveu seu pé para travar a porta, empurrando-a com força. Isaac em seu encalço o seguia na mesma ação.
— Mãos na cabeça, agora! — Theo mandou em alto e bom som. Sua postura rígida dando as caras, o que assustaria qualquer um.
Liam havia saído do caminho no mesmo instante. Suas mãos erguidas. Ele encontrava-se apoiado na outra parede perto da porta logo atrás de Theo. Sua expressão era de alívio, e algumas lágrimas já banhavam seu rosto.
Raeken apontava a arma com a maior satisfação para o homem alto a sua frente, especificamente mirando no centro do rosto dele.
Isaac havia se esgueirado com rapidez até estar ao lado do parceiro, bloqueando qualquer chance do agressor de sair. Sua arma igualmente preparada.
Andrew para a surpresa dos oficiais, apenas riu de maneira leve como se tivessem contato algum tipo de piada. Seus olhos castanhos não hesitando em desviar para Liam, que se encolheu onde estava. A essa altura Dunbar sentia que poderia desmaiar.
— Acredite, você vai preferir mil vezes coperar do que o jeito difícil. O meu jeito difícil. — Theo praticamente rosnou ao se mover um pouco mais para o lado, usando seu corpo para ocultar Liam do campo de visão daquele sujeito.
Andrew adotou de repente uma expressão séria enquanto permanecia com a postura inabalável, um olhar maníaco que atingiu tanto Liam que o fez se arrepiar devido ao alto nível de medo.
Theo piscou incrédulo perdendo a paciência e destravando a arma segundos depois. Empurrou o cano contra a face de Andrew. Evidenciando o quanto não estava brincando com o que dizia.
Liam atrás do Raeken virou o rosto em reflexo, chorando baixinho. Seu corpo tremia. Apenas queria que tudo aquilo acabasse. Que pudesse voltar a ter controle de sua vida, a sentir alguma satisfação em viver outra vez.
Andrew aos poucos pareceu começar a acatar as ordens. Isso até executar um movimento brusco. Uma tentativa de soco que quase acertou Theo.
Felizmente Raeken desviou sem dificuldades. Impedindo Andrew de avançar em Liam. Ele golpeou com vontade o rosto do mais alto usando o punho de sua arma, seguido de um chute no joelho esquerdo do maior que o desequilibrou, este executado por Isaac.
Theo bufou irritado indo para cima de Andrew, mantendo-o no chão a força e virando-o de bruços a fim de colocar as algemas de uma vez.
— Está preso por violência doméstica. Tem o direito de permanecer calado. — O aborrecimento em seu timbre assustaria qualquer um que tivesse juízo, o que não era o caso de Andrew. — Tudo o que você disser pode e será usado contra você no tribunal. Tem direito a um advogado, e se não puder pagar, um será designado. — Respirou fundo em impaciência. Ergueu com brutalidade o corpo do piso. Conduzindo-o até Isaac.
Lahey segurou o agressor pela nuca, enquanto que sua destra mantinha-se firme nas mãos algemadas. Felizmente o cacheado tinha mais força que o sujeito.
— Leva logo ele daqui. Direto pra delegacia. Eu dou conta a partir daqui. — Theo pediu a Isaac num tom sério. Seus olhos voltados para a figura do outro rapaz agora sentado no chão e encolhido com o rosto escondido nos joelhos. — E se ele tentar alguma gracinha... sabe o que fazer. — Redirecionou o foco para encarar Andrew nos olhos.
Se pudesse matar apenas com um olhar, com certeza faria naquele instante.
Isaac assentiu e saiu sem questionar rumo a viatura estacionada. Dando alguns puxões no acusado quando o mesmo não coperava na caminhada.
Theo voltou-se a vítima novamente. Sua expressão suavizando no automático diante a cena dolorosa. Guardou sua arma devagar após travar a mesma. Seus pés movendo-se cautelosamente.
Ele manteu uma distância respeitosa, e logo se ajoelhou. Respirou fundo tentando formular algo decente para dizer, mas nada parecia querer fluir neste instante.
Era bom com palavras, porém nem tanto agora.
— Sinto muito por tudo isso. — Raeken murmurou sincero. Em meio aos soluços audíveis do mais novo, que não havia se movido até então.
Sentiu aquela sensação incômoda no peito outra vez. Certo que odiava ver os outros chorando, mas nesse momento era como se fosse um crime. Aquela necessidade de consolar vindo com força.
Não estava se entendendo. Contudo, não era hora para ficar divagando.
— Você foi muito corajoso, saiba disso. Poucos durante o medo se lembram daquele sinal. — Resolveu se sentar no chão, as pernas cruzadas. — E você entendeu bem minhas intenções silenciosas. Estou orgulhoso. — Soou casual. Um dos seus pontos fortes era a paciência, o que induzia a inveja de Isaac as vezes. O loiro podia ser bem esquentado quando no limite.
Liam ainda soluçava bastante, mal dando conta de respirar direito. Mas algo no timbre calmo de Theo o chamou atenção, o suficiente para encorajá-lo a erguer um pouquinho a cabeça. E claro, esquecer a dor horrível em seu abdômen.
Exibiu somente seus olhos, estes agora vermelhos e molhados. O hematoma se destacando próximo ao globo ocular. Ele abraçou mais suas pernas após encarar o policial.
Theo quase paralisou ao analisar devidamente aquelas íris. A sensação familiar cortando-o feito uma lâmina. Tentou esconder a surpresa em sua face o máximo que pôde, caso contrário poderia assustar a vítima com suas bobagens.
Não era real. Talvez fosse impressão ou estava confundindo. Era apenas sua mente o distraindo no trabalho como sempre. Precisava dar um jeito nisso o quanto antes. Logo afastou os pensamentos.
— Ele já foi levado, okay? Você tá seguro agora. Se puder se concentrar nisso... — Não se importou muito em ser ele mesmo ali diante ao rapaz. Afinal, gostava de ser gentil e passar segurança quando preciso. Abandonar a postura profissional era fácil e deixava as vítimas mais a vontade. — Posso me aproximar mais? — Queria que o outro soubesse que tinha o controle da situação. Por fim, devido as circunstâncias, provavelmente isso lhe foi tirado.
Liam apenas sabia soluçar, quase não assimilando a pergunta. Mas sentiu-se acolhido de certa forma mesmo com um simples questionamento. E embora a desconfiança permanecesse, precisava observar os fatos.
Pela primeira vez em quase dois anos, estava seguro. Não totalmente bem, mas quem mais odiava encontrava-se a bons metros longe dele.
Liam deu um aceno mínimo em confirmação, enquanto que tentava acalmar sua respiração difícil. Suas mãos tremiam visivelmente, e perder o controle do corpo assim era angustiante. Um misto de sentimentos.
Theo suspirou aliviado antes de romper um pouco o espaço pessoal do mais novo. Exibindo suas duas mãos para ele. Liam logo entendeu, e o agradeceu através do olhar por isso.
Fazia tanto tempo desde que alguém pediu permissão para tocá-lo.
Theo o lançou um sorriso atencioso, o olhar suave. Logo guiou sua mão direita até o rosto do mais novo, que por um segundo se encolheu com seu ato. Não saindo de sua posição, deixando apenas suas orbes a mostrar e o resto do rosto escondido nos joelhos.
Raeken cogitou em recuar, porém mudou o pensamento rapidamente e só optou por esperar Liam assimilar sua intenção.
Era procedimento meio que padrão. Verificar as contusões a fim de ver a gravidade deles, e então decidir se a vítima gostaria de ir logo a delegacia executar todo o processo, ou ser encaminhada direto para o hospital. Variava muito.
Usou as pontas dos dedos para retirar com cuidado as mechas caídas sobre os hematomas. Analisando concentrado o estado deles. Uma raiva meio impossível de ignorar fez seu coração palpitar de estresse, mas não demonstrou externamente.
Liam mantinha seu foco voltado para o mais velho, todavia, não conseguia cessar seu choro devido a dor física e emocional. E sinceramente, estava para lá de esgotado.
— Sabe, quando eu era menor... sofria com ataques de pânico... — Theo começou de repente, o tom leve durante a inspeção. Suas orbes ainda atentas aos roxos na face de Liam, que o ouvia com interesse. — E o que... sempre me ajudava era um exercício de respiração. Podíamos tentar, não? — Soou sugestivo ao finalizar. Redirecionou o foco para os olhos de Liam.
Dunbar estranhamente sentia que já havia visto aqueles olhos verdes em algum lugar. Mas sua mente parecia tão perturbada, que no instante em que precisava de uma resposta, parecia não querer vir.
— M-Me ajuda. — Liam murmurou choroso ao reunir um pouco de energia para falar. Seu abdômen latejando quase que insuportavelmente.
Theo assentiu rápido ao comprimir os lábios. Pousando suas mãos nos joelhos do mais novo ao ter certeza de que tudo bem tocá-lo de tal maneira. Liam não demorou em segurá-las e entrelaçar seus dedos. Uma nítida busca por conforto que Raeken não negaria a ele.
— Só mantém sua atenção em mim se puder. —O mais velho foi instruindo, colocando-se ainda mais perto do menor, que começou a copiar seu ritmo respiratório. Theo sorriu um pouco, continuando. — Inspira devagar... depois, expira. — Não precisava falar muito, somente permanecer de mãos dadas com o outro. Instintivamente usava seu polegar para acariciar o dorso da mão do loiro, que não pareceu se incomodar. — Você tá indo bem, anjo. Excelente. — Disse sincero. Sorrindo ladino.
Envolveu-se tanto ao ponto de perder a noção do tempo. Não tinha ideia de quantos minutos haviam se passado. Porém, permaneceram ali firmes. Encarando um ao outro. Theo se dedicou para estabilizar o mais novo, o que felizmente foi surtindo efeito para seu alívio.
Gradativamente Liam foi conquistando sua calma após organizar a respiração pouco a pouco. O choro havia diminuído, mas não de uma vez. Ao menos os soluços foram amenizando.
E com isso, a clareza lentamente foi retornando ao menor. Assim como sua capacidade de distinguir certos detalhes.
Inevitavelmente, começou logo pelos traços no rosto do policial a sua frente. Dunbar demorou-se em sua observação repentina, parecendo ter entrado em transe. O que preocupou o mais velho, sem dúvida.
Liam sentiu que quase poderia estar enganado, mas o sentimento de confidência chegou tão forte para ele, que talvez tenha sido o impulso certeiro que precisava.
— Theo? — A insegurança ao proferir foi indispensável, apesar de sentir confiança. E a expressão de surpresa que atingiu o outro rapaz, somente serviu para concretizar tudo. — Theo... é você mesmo? — Liam sentiu seu lábio inferior tremer ao falar aquele nome que há anos não pronunciava. Seus dedos se contraíram num aperto mais intenso nas mãos do mais velho.
Theo ficou inerte por uns segundos, tempo este que por pouco não fez Liam voltar atrás em sua pergunta, ou até em sua recuperação respiratória.
O policial piscou como se voltasse a si, organizando seu discernimento. Devolveu o aperto nos dedos do outro, olhando intensamente naquelas íris azuis. A energia que o olhar do menor carregava, que apesar de muita dor e medo misturados, ainda havia um resquício da essência antiga.
— Eu sabia que conhecia esses olhos de algum lugar. — Theo falou ao soltar um riso fraco, desacreditado. Liam acabou por rir também, emocionado, ainda que fragilizado. — Ou esse nariz arrebitado. — Raeken não conseguia deixar de apreciar o outro. Cada detalhe. Era tanta informação ao mesmo tempo. — Liam, como você...
O policial foi surpreendido ao receber o mais novo em seus braços abruptamente. Um abraço tão desesperado que quase fez ambos caírem no piso. Porém, Theo manteu-se firme ao ajeitar Liam de forma cuidadosa sobre suas coxas. Mal sabia como estava tendo capacidade de raciocinar.
— Não acredito que é você mesmo... — Ouviu Liam murmurar contra seu pescoço. Agarrando-se a ele como se sua vida dependesse disso. Obviamente Theo retribuiu, sentindo os olhos marejados a essa altura. — Não some mais, por favor. — A voz do menor quebrou no final da frase. Tornando a chorar outra vez, um tanto intenso.
— Não vou sumir. — Disse o mais firme que pôde, ainda que sua voz tenha soado embargada. Liam escondeu o rosto contra o pescoço do mais velho, quase como se quisesse desaparecer. — Eu não queria... não queria ter saído de Beacon Hills. Eu sinto muito por aquilo. — Acrescentou com o timbre trêmulo, enquanto acariciava as costas de Liam, que soluçava baixinho.
— Também sinto muito... — Dunbar disse abafado após alguns segundos buscando respirar com calma. Para que não tivesse outro ataque de pânico. Theo sentiu um aperto no peito ao entender que o outro não se referia somente ao passado.
Raeken em silêncio optou por só acolher Liam quanto tempo fosse necessário. Executando carícias nas costas e nuca do menor, o que foi aliviando bastante de certa forma toda a carga negativa da circunstância.
Contudo, a preocupação atingiu o Raeken logo após notar uma tranquilidade repentina na respiração do outro contra seu pescoço, e então o corpo de Liam começou a amolecer em seu colo. Theo sentiu sua espinha gelar ao processar a situação.
— Não, não! Liam, pelo amor de Deus... — Exclamou desesperado. Apoiou firmemente a coluna do menor, depositando-o com cuidado no piso para que o mantesse numa posição menos prejudicial. Theo engoliu em seco.
O impacto do reencontro quase o fez não perceber o mais novo desmaiando. Ou pior, a mancha de sangue fresco agora bem visível, e que foi se destacando no início da calça de tom claro que Liam trajava.
Theo apressou-se em pegar o celular, discando o número da ambulância e colocando no viva voz em seguida. Afinal, Isaac infelizmente havia ido com a viatura a delegacia, e ele quase se xingou por ter pedido isso ao Lahey.
Largou o aparelho no chão ao seu lado, não demorando a erguer o moletom do outro cuidadosamente.
Claro que por conta de sua profissão, já havia lidado com cenários bem piores, mas era a primeira vez em anos que suas mãos tremiam.
Raeken quase enlouqueceu ao se deparar com o estado em que o abdômen de Liam se encontrava.
Um curativo improvisado, agora totalmente encharcado de sangue. O mais velho foi rápido em checar a pulsação do outro, agradecendo mentalmente que pelo menos os batimentos ainda estavam estáveis.
— Vai ficar tudo bem. Eu prometo. — Theo murmurou, não conseguindo ignorar mais o nó na garganta, e nem as lágrimas molhando suas bochechas.
*
Por um momento, era como se tivesse se esquecido de tudo. A mente nublada. Seus sentidos eram uma bagunça meio sufocante, seu corpo parecia tão pesado. Demorou muito para que entendesse habitar uma cama de hospital.
Os olhos de Liam arderam um pouco inicialmente ao se forçar a abri-los, embora a luminosidade do cômodo estivesse baixa. Seus músculos estavam horrivelmente doloridos, como se tivesse feito levantamento de um carro.
Respirou fundo esboçando uma careta. Averiguando o ambiente em meio a sonolência.
Analisou ao redor devagar assim que sua visão tomou foco. Notando primeiramente as máquinas próximas a si, junto ao acesso inserido em seu braço esquerdo. A aparência do cômodo era até acolhedora. Cores claras e espaçoso. Mas sem dúvida, o que o incomodou de maneira instantânea foi o silêncio. Odiava se sentir sozinho.
Ficou bons minutos encarando a parede a sua direita, ou melhor, uma cadeira vazia. A despreocupação o definia naquele momento, provavelmente devido aos medicamentos ou por ter acabado de acordar.
Sentia-se bem perdido, todavia, as lembranças uma hora ou outra nos acham. E não demorou muito para as informações atingirem Liam.
A metáfora; um balde de água fria, nunca foi tão literal. E estando assim, basicamente preso a aparelhos e em um local desconhecido, não era o cenário mais confortável de se estar enquanto recebia a realidade de uma vez.
Liam apertou os lençóis entre seus dedos, encolhendo-se em seguida. Sua mente trabalhava em uma velocidade agoniante, mas não era como se não estivesse acostumado a pensar demais.
Dúvidas e mais dúvidas chegavam para ele. E logo começou a se perguntar se não havia sonhado certas partes, ou até alucinado. Afinal, só podia ter sido um sonho ao se sentir tão protegido daquele jeito. Isso até, alguém abrir a porta. Liam deu um sobressalto.
Theo adentrou o local meio distraído a princípio, a exaustão nítida em seu rosto. Carregava em mãos um copo de café médio e ainda vestia seu uniforme.
Porém, quase derrubou a bebida assim que se atentou a novidade agora desperta a sua frente. Permanecendo parado perto da porta por uns instantes.
Liam juntamente mal soube como reagir. Cogitou até estar beirando a loucura. Seus lábios entreabertos, abismado. Felizmente era um choque bom, ainda que os sentimentos detestáveis de sempre estivessem presentes.
— Você... — Dunbar murmurou inseguro, num fio de voz. Engolindo em seco em seguida na tentativa de soar mais audível. — Não foi um sonho? — Quase não conseguiu formular a pergunta. Era como se quem estava diante dele, não fosse real.
Theo acabou por sorrir fraco ao ouvi-lo, o alívio estampado em sua face. Ele não hesitou em caminhar na direção do mais novo, acabando de vez com a distância. Claro que se contendo muito. Não queria assustá-lo.
Liam apenas acompanhava com o olhar os movimentos do outro, não tendo forças para proferir mais nada.
Admiração por estar revendo alguém que nunca perdeu a importância para si, não seria palavra suficiente para descrever o que ele sentia agora.
Observou o policial deixar de lado o copo de café sobre a mesinha próxima a cama hospitalar, e logo voltar-se para ele. As mãos no bolso do casaco numa pose um tanto retraída.
— Quando eu... imaginava te ver de novo, nunca pensei que seria desse jeito... — Theo confessou sem ser capaz de disfarçar o pesar em sua voz. Liam desviou devagar seu olhar do outro, apenas escutando. — E não, isso não é um julgamento. É só que... eu jamais consegui suportar a imagem de alguém machucando você. — A voz do Raeken falhou por um mísero segundo. O que atraiu a atenção de Liam novamente.
Theo chorava sem nenhuma resistência, ainda que em silêncio. E apesar da postura rígida, ele parecia a vontade o suficiente para fazer isso na frente do mais novo, este que se surpreendeu de fato que algumas coisas não tinham mudado tanto assim. Afinal, já fazia anos que não se viam.
Liam mordeu o lábio inferior na tentativa de conter o próprio o choro. Não sendo capaz de ignorar a angústia pairando em seu peito só por vê-lo naquele estado.
Parecia que os detalhes especiais que o ligavam quando crianças, não haviam se perdido.
Sentia estranhamente a essência ainda ali. E poderia até ser loucura da parte dele, mas não custaria muito arriscar. Era como se precisasse com urgência.
Sempre esteve tentando abafar as memórias do passado que envolvessem Theo. Entretanto, neste instante mais do que nunca estava disposto a revirá-las.
— Você não mudou quase nada, Teddy. — Declarou ao esboçar um meio sorriso, a voz rouca e um tanto tristonha. E então, foi como se tivesse demolido o resquício da barreira que ainda revestia Raeken, que optou por abaixar a cabeça para ocultar a feição chorosa. — Vem aqui? Por favor. — Soou suplicante ao mover um pouco sua mão esquerda num sinal para que rompesse o espaço pessoal, embora seu semblante estivesse tranquilo.
Theo fungou um pouco e tentou secar brevemente o rosto antes de ceder ao pedido. Aproximando-se com cuidado.
Cobriu o corpo do outro devagar assim que compreendeu a intenção do mesmo. Fazendo seu melhor para não apertar demais Liam naquele abraço mais que bem vindo. A posição não era lá muito favorável para o mais velho, porém ele não poderia se importar menos. Liam estando confortável, o tranquilizava de todo o resto.
Dunbar obviamente o apertava sem dó em seus braços ainda não tão firmes assim como gostaria. Enquanto aconchegava seu rosto contra o pescoço do Raeken. Foi um ato mais forte que ele. Instintivo. No momento ele não se envergonhava.
— Desculpa ter assustado você... Me desculpa. Eu-
— Para de pedir desculpas. — Interrompeu o menor o mais gentilmente que pôde. Afastando-se um pouco apenas para encarar Liam nos olhos. Moveu sua mão esquerda rumo ao rosto do mais novo, acariciando a bochecha pálida. — Tudo o que você passou... tudo isso até aqui, não foi sua culpa. — Theo negou com a cabeça minimamente para frisar, seus olhos ainda molhados evidenciando sua sinceridade. Liam sentiu quando suas próprias lágrimas banharam sua face também, mas continuou calado. — Ninguém deveria ter que sofrer essas atrocidades. Aquele monstro vai pagar muito caro. — O ódio em seu timbre era palpável, mas fez o possível para não se alterar. Não queria alarmar Liam.
— Não. Não fala dele. Por favor. — Dunbar pediu rapidamente, ainda que em tom baixo. De repente sentindo-se tão pequeno. Agarrou sem hesitar a mão do outro até então pousada em seu rosto. Ancorando-se através daquele toque para não perder os eixos.
Theo apertou os lábios e assentiu de prontidão ao ver o horror estampado naqueles olhos azuis. Ajeitou-se melhor em seu lugar, sentando na beira da maca. Depositou um beijo leve na testa do outro. Resolvendo se manter ali por hora.
— Desculpa. Erro meu. — Disse sincero, verificando a respiração do loiro para ter certeza de que não havia piorado as coisas. Ousou pousar seus lábios sobre o dorso da mão do mais novo entrelaçada a sua, e plantou um selar delicado na pele. Liam aumentou mais o aperto, puxando-a mais contra si. — Shh... tá tudo bem. Você tá seguro, lembra? Eu tô aqui. — Disse pacientemente.
Liam por um segundo se perdeu nas íris verdes lhe encarando, tais que o transmitiam tanta calma e conforto. Era mesmo possível que efeitos assim não tenham se perdido fácil com o tempo?
— Sim. Você está aqui... — A voz do Dunbar embargou de repente interrompendo-o, e então acabou puxando o mais velho para outro abraço. Fechou os olhos com força, refugiando-se no calor do corpo de Theo.
O policial mal compreendeu de onde veio aquela força súbita para puxá-lo, mas devido a todo o cenário que o mais novo vivenciou, era justificável que tomasse qualquer atitude para sobreviver ao sentir-se vulnerável.
Theo não hesitou de maneira alguma ao retribuir. Dessa vez deixando que Liam sustentasse minimamente seu peso. Isso não o machucaria felizmente, e sim estava mantendo-o em partes equilibrado. Mesmo que chorasse de novo devido a todo o estresse.
— Você vai ficar bem, Lee. Eu sei que vai. — Murmurou como uma promessa, próximo ao ouvido do outro. Pela primeira vez sendo otimista mais do que normalmente foi ao longo dos anos. Movia sua mão livre pelos cabelos bagunçados do menor, que não demonstrava nenhum indício de que o soltaria tão cedo.
Liam somente soube assentir num movimento vago com a cabeça contra o ombro do Raeken. Permitindo-se liberar através das lágrimas boa parte do que vinha guardando durante a convivência com Andrew.
Era tão difícil acreditar que realmente não apanharia mais tarde por ser "chorão" demais.
Numa visão honesta de tudo, era até um tanto estranho que se sentisse não só confortável, mas também livre para reagir da forma que precisasse.
Depois de tanto tempo se reprimindo, sem receber um mínimo espaço, um ato de respeito. Seria trabalhoso se acostumar ao antes, quando se soltava mais e tinha seus pedidos atendidos.
Ou como Dunbar costumava ser. Ainda que não admitisse, sabia que havia se tornado uma versão bem mais reservada e tímida desde que seu emocional foi violado sem dó na infância e atualmente.
E nem tinha forças para mudar estes aspectos a essa altura. Fazia parte dele. De sua essência judiada e coração quebrado, e agora que as cicatrizes foram reabertas, era como se o curto caminho que percorreu para melhorar antes de Andrew surgir em sua vida, foi todo em vão.
Dunbar apenas respirou fundo tentando afastar tais pensamentos, aconchegando mais o rosto contra o ombro de Theo, que no momento havia se acomodado melhor em cima dele juntamente, o que fez Liam sorrir de relance. Buscou se concentrar no cafuné que o mais velho executava em suas madeixas.
Gesto o qual, que parecia só querer reforçar a ideia de que na verdade, tudo poderia ser só um sonho.
Por um momento permitiu-se retornar a uma partícula boa de sua infância, onde Theo e ele combinavam de assistir filmes e desenhos juntos, festas do pijama e brincadeiras loucas no quintal de sua casa ou no parque.
O menor sequer notou quando a sonolência foi atingindo-o aos poucos, ou quando o pânico diminuiu sua intensidade. Dormir dessa vez não foi tão agoniante assim.
*
🕰️ 12:07 PM
— Isaac, eu sei que você é perfeitamente capaz de dar conta disso. — Theo manteu sua decisão mais uma vez. Seus pés se movendo de um lado para o outro no corredor do hospital. — Ele não suporta sequer ouvir o nome do desgraçado. Não tem como pegar um depoimento agora. — Disse firme e soltou um riso nervoso. Passou a mão pelo cabelo num ato claro de impaciência.
Encontrava-se do lado de fora do quarto de Liam enquanto o mesmo era examinado pela equipe médica. E achou tal momento uma boa hora para atender as ligações de seu melhor amigo. Entretanto, estava começando a se arrepender.
— Eles estão exigindo aqui, já que o infeliz não permaneceu calado. Minhas desculpas estão acabando, sabe. — O Lahey soou irônico, o que quase incentivou Theo a xingá-lo. — Afinal, o que há com você? Nunca foi tão resistente assim pra pegar depoimento de uma vítima. — As vezes, ou melhor, sempre odiava o fato de que Isaac o conhecia tão bem.
Theo suspirou fundo e fechou os olhos um pouco. Apoiando seu corpo contra a parede próxima a ele, tentando manter o resto de sanidade que tinha. Impressionantemente, Lahey permaneceu em silêncio, apenas esperando.
— Eu o conheço... — Raeken por um segundo sentiu que desabaria outra vez. O que para Isaac seria novidade até. Afinal, a última vez que chorou tanto, foi no enterro de seus pais. — É o Liam, Isaac. — Reuniu forças para falar de uma vez. Sentia-se tão exausto, mas não fisicamente. As vezes emoções podiam ser tão cansativas quanto trabalho braçal.
— Espera... aquele Liam? O Liam que... — Lahey se interrompeu subitamente. Sua respiração meio agitada soando do outro lado da linha. Theo focava a atenção em seus próprios pés enquanto isso, fazendo seu melhor para não se render as lágrimas de novo. — Eu sinto muito, cara. De verdade. Não sei nem o que dizer. — A sinceramente de seu amigo neste instante até o faria rir, se a situação fosse outra.
Theo negou com a cabeça após alguns segundos. Apertando um pouco o celular ao arrumar a postura.
— Sei que temos que seguir o protocolo, e vamos seguir. — Soltou uma lufada de ar pesada. — Mas... só peça mais um tempo, okay? Vou conversar melhor com ele, preparar o psicológico pra responder as perguntas. Ele não responderia fácil de qualquer maneira. No momento, só se sente seguro comigo. — Revelou tal detalhe com certa incredulidade no timbre. Ainda não havia assimilado essa parte.
— Se ele confia em você mesmo depois de toda essa experiência horrível... É porque ele sabe que vale a pena. — Provavelmente Theo nunca escutou seu amigo falar tão sério, pelo menos não com ele. — Tudo bem. Vai lá. Vou conversando com o xerife e depois você me avisa quando podemos passar aí. — E era por isso que amava o rapaz cacheado. Theo suspirou em alívio.
— Aviso sim. Obrigado, Isaac. — Esboçou um leve sorriso de canto mesmo que o outro não pudesse ver. Uma vontade súbita quase mínima de questionar como foi lidar com acusado, surgiu. Afinal, assim como Isaac o conhecia bem, Theo era do mesmo jeito com o maior. Notou o tom aborrecido de Lahey quando o atendeu. — E pode falar. Como foi o interrogatório? — Até seu próprio timbre mudava sem que notasse. Theo as vezes não era tão bom em camuflar sua raiva estando a vontade com o amigo.
— Você me conhece... ele testou minha paciência, então usei a arma de choque. — A indiferença na voz do loiro era impagável. Theo quase gargalhou. Ao menos uma boa notícia. — E relaxa. Noah fez vista grossa. E o filho da puta mereceu, então...
— Eu te amo, cara. — Declarou repentinamente. O que fez Isaac perder a postura, ou melhor, o rumo do que relatava. Theo se apressou em desligar.
— Espera! Você acabou de fal-
Theo riu anasalado ao guardar o aparelho no bolso da calça. Não era muito de fazer declarações carinhosas, mas era bom em demonstrar com ações. Ele se titulava alguém complicado, já que as vezes mal se compreendia.
Foi arrancado de seus devaneios ao ver a médica e enfermeira saindo do quarto do Dunbar, e caminhando na direção dele. Para sua sanidade, elas pareciam tranquilas.
— Como falei antes, foi pura sorte. O corte foi mais superficial e não chegou a nenhuma área importante do interno. Não tem sinal de infecção no ferimento. Isso é bom. — A médica disse com uma empolgação genuína, e parecia satisfeita. Theo acabou por sorrir fraco com isso. — Ele precisará de um bom repouso até a retirada dos pontos. Então, nada de esforço por enquanto. — Alertou com seriedade. Theo assentiu no mesmo segundo.
— Muito obrigado. — Seu olhar foi o suficiente para a profissional perceber o quanto ele era grato de fato. Ela sorriu mínimo e amigavelmente antes de se retirar em passos calmos.
— Ele está chamando por você. — A enfermeira soltou essa informação e logo tratou de seguir o mesmo rumo que a médica, sumindo pelo corredor em seguida.
Theo encarou a porta e respirou fundo antes de agarrar a maçaneta. Empurrando a estrutura de madeira, não demorou nem meio segundo para notar o nítido incômodo em contraste ao cansaço na expressão de Liam, e sem contar no quanto ele parecia assustado.
Talvez ter o deixado sozinho para ser examinado, não tenha sido uma boa ideia.
O mais velho o lançou uma feição compadecida na tentativa de transmitir certa segurança ao loiro novamente. O que pareceu funcionar na hora.
Liam não estava muito falante desde a noite passada, então apenas esticou o braço esquerdo na direção do policial, abrindo e fechando a mão num sinal claro que o chamava. Theo sorriu ladino em adoração, não pestanejando em obedecer o outro.
— Achou mesmo que iria se livrar de mim tão fácil? — Apelou para um tom brincalhão ao se por perto da cama hospitalar. Agarrou firme a mão do mais novo, que sorriu fraco em acanho para ele. — Só fui atender umas ligações. Nunca te largaria aqui. — Mesmo sabendo que não era obrigado a dar explicações, foi quase natural quando saiu de sua boca. — Como está se sentindo? — Questionou meio inquieto. O rostinho abatido de Liam o angustiava tanto.
Liam somente deu de ombros e contraiu os lábios num sorriso tristonho. Era visível sua falta de ânimo. E perceber a desesperança nos olhos do outro, quebrava Raeken por completo.
Era insano como a vida poderia ser tão cruel com pessoas tão boas.
— Conseguiu ao menos comer? — Deixou a pergunta no ar ao se aproximar mais do outro. Iniciando com a mão livre algumas carícias pelos cabelos compridos do menor. Liam se inclinou mais para o toque discretamente, ou pelo menos tentou ser. — Sabe que posso apelar para o aviãozinho se a resposta for não. — Lançou um olhar divertido ao Dunbar, que deixou escapar uma risada curta. — Ah, olha aí. Ganhei meu dia com esse sorriso.
— Você continua um palhaço, não é? — A voz de Liam soou tão firme dessa vez que foi difícil para o mais velho disfarçar a surpresa. — Gostei que isso não mudou. — Afirmou timidamente, porém logo a melancolia retornou em seu semblante. — E eu não consegui comer muito. Meu maxilar dói. — Engoliu em seco ao falar. Os olhos voltando-se para baixo como se não pudesse encará-lo.
Theo franziu a testa em desgosto. Quase desejando poder se retirar dali somente para ir a delegacia e socar aquele infeliz até se cansar.
Felizmente, Liam era mais importante.
— Ao menos comeu. — Disse num tom carinhoso, retomando com o cafuné no couro cabeludo do Dunbar, que redirecionou as orbes azuis a ele quase no mesmo segundo. — Pode levar tempo até que melhore, mas sei que logo as dificuldades vão amenizar. — Não gostaria de dizer algo que pudesse soar como se estivesse fazendo pouco caso.
Não sabia exatamente como o outro se sentia e reconhecia isso. De todo modo, podia ao menos ter uma dimensão. Deu seu melhor através da cautela.
Conhecia bem Liam Dunbar de sua infância, cada detalhe. Mas para sua maior frustração, não tinha ideia de como este Liam diante dele encarava certas coisas. E certamente o menor enfrentou muitas turbulências.
— Assim espero, Theo. — Murmurou ao tentar esboçar um sorriso rápido, o que mais pareceu uma careta cabisbaixa no fim. Raeken se manteu em alerta, acariciando a mão do outro. — É tão cansativo isso... esse medo que não vai embora. — Enxugou a bochecha esquerda rapidamente. Um beicinho involuntário formou-se nos lábios rosados, e o policial quase perdeu o foco. Esse detalhe com certeza foi nostálgico. — Desculpa... acho que já chorei demais. — Tentou soar até meio divertido e riu nervoso. Theo negou com a cabeça.
— Não precisa se preocupar em fingir nada... não pra mim. — Acrescentou com cuidado a última parte. Compreensão visível em seu rosto. Liam sorriu sem graça, ajeitando melhor suas costas contra a área agora erguida da maca. — E realmente... o medo nos desgasta muito sem que a gente mal tenha controle muitas vezes, ainda mais passando por situações traumáticas... — Percebeu o outro entrelaçar mais seus dedos durante seu breve falatório, porém fingiu naturalidade. — Mas sei que você é capaz de driblar isso. Afinal, se me lembro bem.. sua personalidade forte que sempre te salvou.
Ele acariciou as dobras dos dedos do outro ao finalizar. Liam permaneceu quieto por uns instantes, somente fitando-o. Raeken quase pediu desculpas, receoso de que tenha dito algo errado.
No entanto, para seu alívio, o mais novo foi sorrindo aos poucos, ainda que um sorriso mínimo. Porém, não deixou de ser algo grande para Theo, que retribuiu quase que instantâneamente.
— Acho que você esqueceu da parte que... quem incentivava minha personalidade difícil, era você. — Liam acusou, sustentando um sorrisinho leve e muito adorável, na humilde opinião de Theo. — E eu... na maioria das vezes acabava correndo pra você quando tudo dava errado. — Respirou fundo enquanto brincava com a mão do mais velho, este que acabou por adotar um olhar misto em acanho e surpresa.
Raeken realmente passou um certo tempo cogitando sobre somente ele ter armazenado boa parte de suas memórias de infância ao lado do rapaz loiro. Ledo engano, felizmente.
— E você era campeão em aprontar. — Rebateu num tom óbvio ao puxar uma cadeira média que residia próxima a ele. Sentou-se ali sem soltar a mão do mais novo, logo continuando. — Toda vez atravessava a cerca do quintal só pra invadir meu quarto de madrugada depois de brigar com sua mãe. — Theo não conseguiu conter a leve risada, a sensação boa e ao mesmo tempo dolorosa da saudade inundando seu peito. Liam riu anasalado, negando com a cabeça. — Eu morria de medo toda vez que você escalava a janela do meu quarto. — Confessou.
— As vezes você me dava um sermão de 1 hora e eu caía no sono. — Liam suspirou gostando de trazer a lembrança a tona, mas principalmente de não sentir mais a tristeza automática ao se recordar. — Não me contava histórias, mas sermão sempre tinha. — Esboçou um vago olhar arteiro. Theo revirou os olhos carinhosamente.
— Eu não podia permitir que você descobrisse o quanto eu amava aquelas visitas do nada. — Raeken deu de ombros como se aquela fosse a justificativa perfeita. Embora ambos soubessem que o de olhos verdes sempre fora muito protetor. Liam lançou um olhar terno na direção do policial, meio que admirando-o. Theo piscou, um tanto curioso. — O quê? Tudo bem? — Puxou mais a cadeira consigo, colocando-se quase colado a maca.
— Acho que você já tinha essa inclinação pra ser policial mesmo... — Dunbar soltou tal observação de repente, a sinceridade palpável. Theo ficou por uns segundos sem reação, assimilando. Liam prosseguiu, após limpar a garganta. — Você sempre foi observador, ágil... me repreendia e muito, — Disse e deu um sorriso ladino de relance. Theo riu envergonhado. — Deixou claro desde o início que seria algo incrível e conseguiu. — Era nítido a gratidão em seu tom por trás dos elogios.
Theo respirou fundo, tentando afastar por hora todo o cenário nojento do dia anterior. Não queria pensar agora em tudo de ruim que o menor pode ter enfrentado.
Guiou a mão do mais novo rumo a seu rosto, apoiando sua bochecha contra ela em seguida. Não desviou sua atenção do outro, que pareceu confortável com essa atitude.
— Mas... e você? — Usou seu melhor tom gentil, e pediu internamente a qualquer divindade para que o loiro não se sentisse ofendido ou algo do gênero. Sua intenção de longe era essa. — Tenho certeza que você realizou coisas incríveis também, então estou curioso. — Adiantou-se em esclarecer.
Liam sem dúvida notou o breve nervosismo e cuidado do mais velho, pois acabou por sorrir suavemente. Dunbar não se viu capaz de desviar daquela pergunta. Theo ainda era tão adorável tanto quanto na infância.
— Será mesmo? — Aconchegou mais a cabeça contra o travesseiro grande atrás de si, a fim de fitar melhor o rapaz. Theo arqueou uma das sobrancelhas. — Acho que vou deixar você adivinhar. Isso pode ser divertido. — Passou a mover seu polegar contra os dedos do maior num carinho, ato que foi meio instintivo.
Ao menos Theo teorizou ser, e custou disfarçar o leve rubor em suas bochechas com aquele simples afago.
Riu um pouco. Os olhos voltados para baixo em vergonha antes de erguê-los outra vez para o mais novo, que felizmente ainda sorria por notá-lo sem jeito.
Como um sorriso que já era encantador, conseguiu ficar mais ainda?
— Hmm, olha que sou ótimo com adivinhações. — Soou convencido, apesar disso não ser tão verdade assim. Nessas horas que o Raeken agradecia por Isaac não estar por perto. Iria acabar com seu charme. — Vamos ver... — Limpou um pouco a garganta, fingindo pensar minuciosamente. Liam riu baixinho. — Lembro que você amava desenhar, tipo, qualquer coisa que acontecia no seu dia. Viravam quase que quadrinhos e então a gente lia junto... — Foi revirando sua memória. Estava tão concentrado que mal percebeu o olhar cativado de Liam voltado a ele. — Algo relacionado a arte? Ilustrador?
Liam quase não ouviu a pergunta de tão admirado por Theo realmente se lembrar de seus hábitos antigos.
O loiro apertou os lábios tentando não rir alto, e negou com a cabeça em seguida. Theo bufou, tombando a cabeça para o lado em falso desânimo.
— Você é muito misterioso, Lee. — Usou o apelido outra vez sem ao menos notar direito, logo prosseguindo em vasculhar sua mente. Liam firmou mais o aperto de suas mãos entrelaçadas, o que fez Theo sorrir em resposta. — Nada de artes mesmo? Poxa, você desenhava tão bem... — Dessa vez foi nos lábios de Theo a se formar um beicinho. Liam não conteu a risada.
— Para de ser modesto. Eu era horrível. — O menor negou com a cabeça enquanto ria de maneira fraca. Theo esboçou uma certa indignação ao ouvi-lo afirmar aquilo, o que só incentivou o Dunbar a rir mais. — Só você mesmo. — Soou carinhoso.
— Dava pra entender tudo nos detalhes e tinha coerência, então pra mim já era puro talento. — Argumentou com uma convicção tão sólida que Liam mal acreditou. O loiro sorriu timidamente, não querendo discutir com o mais velho. — Tudo bem. Não é arte. Então, seria... — Ficou por quase um minuto só brincando ou acariciando os dedos de Liam, até que algo veio em sua mente. — História? Algo com História? — Seus olhos verdes carregavam expectativa.
Liam inclinou o canto dos lábios num sorriso leve, quase querendo recuar e deixá-lo continuar adivinhando até desistir.
No entanto, não teria como resistir àqueles olhos. E nem fugir do fato do outro possivelmente achar sem graça sua escolha profissional.
Dunbar respirou fundo com tal pensamento, mas assentiu mínimo em seguida, abaixando seu olhar em receio.
Todavia, a reação do mais velho foi uma novidade para o menor.
— Espera, sério? História? — A curiosa empolgação no timbre do policial, com certeza instigou a atenção de Liam, que logo redirecionou o foco ao outro mesmo temendo o pior. — Nossa... isso sem dúvida foi a escolha certa. — De repente a tensão em seus músculos se esvaiu, e provavelmente devido ao sorriso honesto na face de Theo. — Combina com você, Liam. De verdade. — O mais velho soou tão firme. Não parecia querer só agradá-lo.
Liam sentiu uma leve vontade de chorar novamente, o clássico nó na garganta. Porém, dessa vez era de alegria. O que era até estranho para o loiro.
— Liam, me desculpa. Eu disse algo errado? — Como sempre, o mais velho não conseguia deixar de ser observador, Liam pensou consigo. Ou talvez, estivesse com a ponta do nariz meio avermelhada. As vezes odiava sua palidez. — Lee... perdão. Sério, eu...
— Calma. — Pediu devagar, esboçando um sorriso mínimo a fim de tranquilizar o outro. Theo se aquietou por uns segundos, embora ainda sustentasse um olhar preocupado. — É que... nunca recebi elogios pela minha escolha profissional... — Acabou por confessar. Seu sorriso gentil, transformando-se em um melancólico. — Descobri ter paixão por história no ensino médio, e... não sei. Realmente senti que estava no lugar certo durante a faculdade. — Sua voz embargou no final, e abaixou o olhar outra vez.
Theo respirou fundo enquanto o ouvia atentamente, sentindo a faísca da raiva que tanto tentou abafar, voltando com certa insistência.
Ele sabia bem quem seria o autor dessa baixa autoestima no menor.
— Posso te abraçar? — Perguntou num tom cuidadoso. Deixando claro ali que Liam tinha liberdade para negar se quisesse.
Mas para a surpresa do Raeken, o menor concordou quase que sem hesitar, ainda que num aceno tímido e sem coragem de encará-lo.
Theo apertou os lábios num tique involuntário, este que indicava seu desconforto com algo. E neste instante, ver Liam tão mal e saber que não pôde ajudá-lo antes, definitivamente o aborrecia.
Colocou-se de pé sem demora, logo movendo seu corpo para frente. O abraço não foi tão desesperado como anteriormente, e não deixava de ser aconchegante e intenso. Trazia certas memórias. Ao que tudo indica, Liam ainda amava abraços.
— Eu sei que carrega muitos demônios agora... mas quero que saiba que não precisa lidar com eles sozinho, okay? — Sussurrou próximo ao ouvido do menor, que enterrou o rosto contra seu pescoço, não tardando em assentir devagar. Theo guiou a mão esquerda rumo aos fios bagunçados do mais novo, passando os dedos pelas madeixas. Liam suspirou recompondo-se nesse meio tempo. — E história é realmente incrível. Escolheu bem. Não importa quais porcarias que tenha escutado. — A raiva que tanto tentou disfarçar, sobressaiu nas palavras.
— Foi muita porcaria mesmo. — Liam depois de uns segundos em silêncio, acabou murmurando, sincero. Soou abafado por seus lábios estarem pressionados no ombro do Raeken. — Mas desistir realmente nunca foi muito minha praia. — Para o encanto do mais velho, conseguiu perceber até um ar sútil de humor no timbre do loiro.
Theo sorriu mínimo, satisfeito. Não pensando muito em suas ações depois.
Deixou um beijo demorado na lateral do rosto do outro, ocasionando num rubor pelas bochechas, até o momento, pálidas. Liam encolheu-se em seguida.
— Não discordo. — Falou o mais velho com segurança, afastando-se do abraço apenas para fitar o outro nos olhos. Partia o coração do Raeken ver aqueles hematomas cobrindo a face do mais novo, mas de todo modo, também era um lembrete do quão forte ele era. — Você sempre gostou de fazer as coisas do seu jeito. — Ressaltou esboçando um sorriso fechado e gentil. Sem crítica e sim num tom de afeição. Liam riu fraco em resposta.
Dunbar ainda não havia assimilado tudo. Era incrível como que por bons segundos, Theo o fazia se esquecer de que estava internado, passou por um período infernal, ou que tinha uns treze pontos em seu abdômen.
Não se sentia bem e minimamente relaxado assim há tempos.
— E o melhor... você era o primeiro lá comigo comprando minhas loucuras. — Liam jogou o fato no ar com uma expressão orgulhosa. Esboçou um sorriso terno quase imperceptível logo após, mas claro que, não aos olhos do Raeken.
O mais velho riu fraco em admiração. Voltando sem muita demora a abraçar o loiro, o que sem sombra de dúvida, ajudou a acalmar mais a mente turbulenta e ansiosa que era a do Dunbar hoje em dia.
Eles ainda iriam conversar sobre certos detalhes, Theo não se esqueceu do protocolo. Contudo, usaria o resto de tempo que possuía para ir deixando o menor cada vez mais confortável até que pudesse o preparar para o que viria.
Uma parte irracional do policial não queria expor Liam ainda mais a situações desgastantes, principalmente agora após tanta agressão física e psicológica, mas não tinha o que fazer quanto a isso. Ignorar o departamento não era uma opção.
Apenas torcia pelo bem de Liam, e estaria ao lado dele para o que precisasse. Ninguém deveria passar por algo daquele tipo. Principalmente sendo alguém tão importante para o policial.
*
1 semana depois...
Liam nunca pensou que se sentiria mais bem-vindo em um hospital do que em sua própria moradia. Ou ao menos, deveria rotular aquela residência desta forma, mas obviamente nunca se sentiu capaz de algo desse nível. E a última vez que chamou algum lugar de lar, era apenas um adolescente.
Os dias após recolherem seu testemunho, foram mais tranquilos até. Não os melhores, mas confortáveis. Afinal, não precisaria ficar remoendo o acontecido tantas vezes, pelo menos não por agora. E ao saber as devidas consequências que Andrew enfrentaria, o acalmou um pouco por dentro.
Exceto, quando precisou ficar sozinho alguns momentos ao dia no quarto o qual habitava.
Em suma, Theo tinha afazeres mais importantes para ir atender, na concepção do Dunbar. Então, outros colegas da delegacia eram encarregados de ficar ao lado de fora em alerta. E embora Liam se sentisse em partes seguro com isso, era óbvio o quão torturante sua mente passou a ser.
Não queria quase ninguém por perto. Tudo e qualquer mínimo detalhe por mais besta que parecesse, trazia as memórias. Um maldito gatilho e seus trilhos já instáveis, quebravam ridiculamente.
As cenas com Andrew iam e vinham, principalmente durante o sono. Dormir já não era sua atividade favorita há um tempo, mas em seu estado atual depois de tudo, era quase como se preferisse fazer qualquer outra coisa a noite do que deixar seu corpo descansar de um jeito descente.
Era radical cogitar que havia se esquecido como relaxar, porém o que mais aparentava nos últimos dias era este fato.
Não precisar se manter prevenido a todo instante era tão estranho e incômodo.
Todavia, tornava-se menos agoniante durante algumas horas. Assim que Theo finalmente retornava ao quarto para ficar com ele.
O policial até havia elegido uma poltrona como seu lugar. Sempre acomodando-se no móvel que antes residia no canto do cômodo, mas que foi movida pelo próprio para mais perto da maca do mais novo.
Raeken passou noites ali ao lado do loiro. Contando a vontade experiências cômicas que teve no período da adolescência e faculdade, ou simplesmente relembrando a infância de ambos. A intenção por trás de tudo isso era boa, e Liam apreciava.
Resultava numa calmaria, que após ótimas risadas, caía num sono profundo e sem sonhos – ao menos, sem sonhos perturbadores – suas mãos entrelaçadas religiosamente. Tornou-se um hábito aconchegante.
Raeken não soltava a mão do menor por nada. O sol nascia lentamente, e nas manhãs os rapazes deparavam-se com o mesmo cenário ao despertar.
E Theo talvez nem notasse, mas ancorava não somente Liam como também a si mesmo através do gesto.
Não era lá tão agradável sua cama improvisada, o policial não mentiria. E a rotina temporária a qual adotou era cansativa após horas de trabalho. Contudo, ainda assim, não foi nenhum sacrifício.
Theo de fato queria estar ali com o mais novo, e era perceptível tal detalhe até mesmo para a equipe de oficiais e os enfermeiros.
Raeken basicamente parecia outra pessoa para os outros que nunca viram esse seu lado. Somente a máscara indiferente e séria. Entretanto, para Liam aquela personalidade atenciosa e protetora era mais que familiar.
Liam nunca poderia agradecê-lo o suficiente por todo aquele esforço. E sem sombra de dúvida, não se esqueceria desse nível de apoio na pior fase de sua vida.
Ainda mais o apoio vindo de quem sempre o entendeu tão bem. As circunstâncias poderiam ser diferentes e em períodos distintos agora, porém de um jeito maluco, Theo ainda era capaz entendê-lo.
Era quase até uma invasão de privacidade engraçada.
— Você ao menos poderia fingir acreditar em mim quando eu disse que tava tudo bem voltar sozinho. — Liam murmurou num tom sugestivo, e até risonho. Sua expressão um tanto sem graça a medida que se movia devagar pelo quarto.
Theo o assistia atento e acabou por rir junto ao outro. Um olhar nitidamente carinhoso em seu rosto.
Observava o menor terminar de arrumar seus pertences, embora se segurasse para dar espaço ao Dunbar. As vezes reconhecia o quão protetor poderia ser.
Era o dia tão esperado. Liam finalmente havia recebido sua alta após notarem toda uma melhora em sua lesão graças aos medicamentos. Tiraria os pontos em breve, então não era mais necessário a internação.
E ao mesmo tempo que sentia alívio com aquela conquista, também o amedrontava. Aquela sensação agoniante de estar sem rumo sobre tudo.
Enquanto internado, ligaram para sua mãe. Especificamente Theo ligou a pedido dele. Não conseguiu reunir coragem para falar com Jenna ele mesmo. Sentiu que desabaria. Então, foi o mais lógico a se fazer.
Talvez por vergonha ou medo. Eram muitas emoções juntas, e o mais velho se ofereceu tão naturalmente após notar o quão hesitante o menor estava.
E Jenna encontrava-se apavorada desde que soube de tudo, e com muito custo respeitou a decisão do filho em não responder nada a ela pelo celular. E após tais revelações, a Dunbar depositou sua concentração na procura incansável de um voo rápido até Beacon Hills.
No entanto, o voo que conseguiu a faria demorar uns dois dias devido a data de embarque. E em teoria, Liam ficaria sozinho na casa até a chegada da mais velha a cidade.
Claro que, se não estivesse com um Theo teimoso em sua cola.
E não, não estava reclamando.
As vezes ainda não acreditava que sobreviveu de fato àquele pesadelo todo. Ou que recebeu de volta alguém tão importante de seu passado.
— De qualquer forma eu não conseguiria deixar você sozinho assim. — Raeken confessou sem hesitar muito. Aproximando-se do outro a fim de lhe estender uma peça de roupa antes esquecida sobre a maca. Liam sorriu para ele, agradecido. Theo retribuiu. — E como tenho essa folga nesses 4 dias... acho que você vai ter que me aturar. — Disse com certa timidez, coçando a nuca.
Liam terminava de dobrar uma camiseta, quando olhou sobre o ombro rumo ao mais velho. Seu olhar incrivelmente possuía um brilho empolgado. Era fofo de se ver.
— Ainda tem chance de recuar. — O loiro afirmou, encolhendo os ombros. O tom divertido em seu timbre era visível, mas Theo fingiu indignação em sua face. Liam riu em resposta, voltando a organizar as últimas peças na bolsa. — As vezes posso ser meio grudento. — Falou baixinho com neutralidade, mas ao mesmo tempo com certa vergonha mal disfarçada. Como se aquilo fosse ruim.
Theo notou obviamente de onde veio aquilo, mas optou pela paciência que era seu forte.
Apenas cruzou os braços em seguida, apoiando-se na maca ao lado de modo casual. Nostalgia ultimamente estava o envolvendo a todo instante apesar das circunstâncias.
— É, eu... me lembro bem, Lee. — Disse de um jeito caloroso. Um sorrisinho quase invisível formando-se em seus lábios.
Liam cessou um pouco na arrumação ao ouvir o apelido, redirecionando seu foco a Theo outra vez. A troca de olhares era facilmente como uma conversa íntima, e ver a expressão relaxada do Dunbar era mais do que gratificante para o mais velho depois de tanto medo e pânico vistos naqueles olhos azuis.
Mas infelizmente, o momento foi rompido assim que Liam esboçou sentir dor. O menor se apoiou na mesa diante dele, fechando os olhos.
Theo foi rápido em romper a distância. Pousou sua mão direita sobre as costas do mais novo num ato zeloso. Era óbvio o quão alarmado ficou.
Poderia até parecer exagero a reação para quem visse de fora. Mas não era como se pudesse evitar os instintos depois de tudo que viu o outro passar.
— Tá tudo bem. — Liam garantiu. A voz calma apesar da rigidez em seu corpo devido ao incômodo. Theo arqueou uma das sobrancelhas, não convencido. Buscou a mão esquerda do Dunbar. — As vezes sinto umas pontadas no ferimento, mas disseram que é normal, então... — Respirou fundo desistindo de concluir a frase. Deixou um aperto na mão do policial, arrumando mais a postura.
— Deve ser por você tá andando pra lá e pra cá. — Theo o repreendeu. Liam comprimiu os lábios virando-se para encarar o outro. — Não pode ficar muito tempo em pé. Ou já se esqueceu disso? — Soou retórico, mas não deixava de carregar gentileza no modo como disse.
Liam continuou apenas observando as íris verdes do maior. Indentificando tantas emoções, mas a principal era a genuína preocupação. Obviamente, não estava acostumado a receber isso há um tempo.
Durou curtos segundos antes de sentir seu rosto esquentar, logo desviando o olhar. Embora, não tenha desvencilhado suas mãos.
— Acho que tem razão. — Murmurou, rendendo-se. Sua atenção voltada a seus pés. Estava acanhado. Theo esboçou um sorriso simples, negando com a cabeça.
— Você nunca gostou de ficar muito tempo parado. Outra coisa que lembro bem. — Resolveu usar o humor, ignorando em partes os sentimentos anteriores. — Mas agora, melhor diminuir o ritmo, não?
Liam sorriu ladino, elevando seu olhar novamente. Mal percebendo o quão próximos estavam nesse meio tempo, ou que brincava com os dedos do Raeken. Mania esta que tem feito desde o primeiro dia.
— Já que insiste tanto... — Liam suspirou, fingindo irritação. Não vendo outra alternativa a não ser acatar a sugestão. Mas logo exibiu um sorrisinho suave em diversão.
Theo estreitou os olhos em resposta. Ciente de ser só mais uma brincadeira do outro, mas reagiu a provocação.
— Pelo visto nem preciso te ajudar a subir na maca. Acho que agora consegue já que não parou um segundo. — Lançou essa tática no ar. Tendo consciência de estar sendo um tanto maldoso. As vezes era mais forte que ele.
Liam entreabriu os lábios ao ouvi-lo, não permitindo o mais velho se afastar. Segurou a mão do maior com força, que virou-se voltando a encará-lo.
— Sabe que as aparências enganam, né? — Usou seu melhor argumento, apertando os lábios logo após. Sua voz soou firme, embora. Observava a expressão cínica do policial. Liam bufou. — Prometo não me forçar além do que devo... — Murmurou contra gosto. Desviando o olhar para um canto qualquer do quarto.
Theo suavizou mais a expressão, aproximando-se. Trouxe devagar a mão livre do menor para entrelaçar com a sua, instigando-o a redirecionar o foco a ele. O que funciona.
— Logo voltará a fazer o que quiser. Não tenha dúvidas disso, okay? — Afirmou com seriedade, ainda que num tom acolhedor. Jamais teve a intenção de fazer o outro se sentir encurralado.
Liam entendeu a mensagem. E apenas assentiu em concordância, parando um momento para analisar suas mãos unidas. O olhar levemente tristonho não abandonara seu rosto, mas por um lado, uma leveza aconchegante pairava entre os rapazes.
Não se sentia pressionado desde o testemunho, e os ataques de pânico pareceram dar uma trégua. Não se sentia horrível ao lado de Theo. E ao mesmo tempo que isso o assustava, era bom, para variar. Depois de tanto tormento.
— Graças a você... tenho minha liberdade de volta. Então, não dúvido mais de nada. — Confessou tranquilo em meio a um suspiro. Um sorriso rápido surgindo nos lábios. Theo retribuiu, meio sem jeito.
— Na verdade, se não fosse pela denúncia anônima que chegou ao xerife também. — Theo revelou eventualmente, enquanto que pedia permissão para carregá-lo, o que lhe foi permitido após uns segundos.
Foi posto com cuidado sobre a maca. E era nítido em sua face a curiosidade quanto a denúncia. Claro que, sua natureza atípica tinha influência sobre isso. Afinal, não foi à toa que escolheu história para cursar.
No entanto, era até estranho que alguém na vizinhança tenha se importado o suficiente com os barulhos a noite ao ponto de denunciar. Nunca foram de se importar com alguma coisa antes. E não era como se falasse com muitas pessoas daquele quarteirão.
Liam deu de ombros deixando essas questões de lado por agora. Passou a mão pelo rosto em seguida, ajeitando-se no acolchoado da maca.
Theo terminava de organizar as roupas dobradas dentro da mala de mão que ele mesmo se prontificou a trazer para o menor no início de tudo. Liam sorriu fraco com esse lembrete.
— Acho que é tudo, não é? Ou tem mais? Se tiver, pode me falar que eu pego. — Theo falou calmamente. A mala já segura em sua mão esquerda.
Liam permaneceu calado por uns segundos. Observando o outro. Já era difícil assimilar a presença de Theo novamente em sua vida, e agora toda essa gentileza. Ele tinha o direito de admirar o atual cenário.
— Está bem? — Theo colocou-se perto do menor novamente. Repousando a mala no chão. Usou a mão antes ocupada para retirar os fios caídos sobre a testa do mais novo, que ainda o fitava.
— Sim, eu... podemos ir. — Assentiu devagar. A feição pacífica ao assegurar. Theo arqueou uma das sobrancelhas em desconfiança. Liam segurou o pulso do mesmo, dando um aperto confortante. — Eu juro. — Garantiu num tom mais firme.
Theo suspirou, resignado. Apesar da hesitação, não discutiu mais. Somente ajudou o menor a descer de seu lugar, logo passando o braço pelos ombros do Dunbar num ato protetor.
Sempre buscava ser cauteloso nos gestos calorosos a fim de manter o outro confortável. E como resultado disso, Liam estava até mais a vontade.
E sentir o mais novo abraçar seu tronco de volta, só provava seu ponto.
*
O trajeto não durou muito. Racionalmente falando, durou uns dez minutos. Porém, na perspectiva de Liam, foram os dez minutos mais rápidos que ele já viu.
E não, aquilo não o agradou. Ele admite que preferia a demora. Ainda que durante a volta tenha sido silencioso.
Após o carro estacionar – felizmente não sendo mais a viatura da delegacia e sim o veículo próprio de Theo – sua barriga gelou desconfortavelmente, seu coração palpitou com força.
Até um ano atrás, ver aquela casa seria um sinônimo de conquista, conforto. Era sua primeira moradia, uma nova etapa de sua vida adulta se iniciando. Agora, a única coisa capaz de sentir era puro medo.
— Logo os policiais encarregados da vigia estarão aqui. — Theo avisou num tom brando ao retirar seu cinto devagar. Seus olhos concentrados em analisar Liam, este que parecia mais rígido em seu lugar, não desviando o foco da casa.
Theo suspirou fundo. O incômodo em seu peito sendo difícil de ignorar. Podia ser a primeira vez em anos que se importava tanto assim com alguém depois de tudo que deu errado em sua vida, mas lá no fundo era quase como se fosse natural. E bom, se tratando de Liam, sempre foi.
O mais velho direcionou eventualmente o olhar para as mãos do outro entrelaçadas no colo, ou ao menos Raeken pensou estarem apenas unidas.
Liam se machucava usando as unhas e sequer notava ou sentia as lesões. Muito absorto em sua própria mente.
Theo não tardou em interromper aquilo. Conseguindo ser gentil apesar de muitas vezes isso não ser sua especialidade.
Pousou sua mão direita sobre as do outro num toque leve a princípio, não demorando em dar um aperto como consolo. Queria lembrar ao mais novo sua existência. Enfatizar ao mesmo que não estava sozinho.
Liam visivelmente foi relaxando um pouco sua postura, até enfim que virasse seu rosto.
Theo gostaria de saber as palavras certas para retirar todo o pavor do semblante do menor, algo a dizer que pudesse concertar tudo.
Mas até onde sabia, não existia máquina do tempo ou o que fosse que de fato privasse Liam de lidar com todo aquele caos em pessoa.
Só de pensar em Andrew seus nervos ferviam. Theo respirou fundo.
Faria o que estivesse a seu alcance. Podia até ser meio desajeitado com questões sentimentais. Mas por Liam, seria mais esforçado.
— Sei que falar isso não muda o cenário como é, mas... você não tá sozinho. E está seguro no que depender da polícia e... de mim. — Tentou se aproximar mais do outro mesmo com a distância entre os bancos. Liam o escutava atento, apertando sua mão. — Passar por aquela porta não vai ser fácil, eu sei. Mas quero que no momento, se concentre no que te faz se sentir seguro. — Pediu calmamente, devolvendo os apertos que o menor dava em sua mão. — Você é mais forte do que pensa, Liam. — Murmurou.
— Você. — Dunbar disse de súbito. Theo franziu as sobrancelhas logo depois, meio perdido por um instante. Liam suspirou fundo para reformular. — Você... você faz eu me sentir seguro. — Confessou sem rodeios. Raeken mal soube disfarçar sua expressão sem jeito. Afinal, Isaac tinha razão mesmo. — Eu sei que não nos víamos a tanto tempo, mas...
— Liam, respira, por favor. — Theo pediu pacientemente. Usando sua mão livre para tocar na bochecha esquerda do mais novo. Liam fez o que lhe foi dito. Executando um breve exercício de respiração, sem desviar seus olhos do outro, o que serviu de grande ajuda. — Não precisa se justificar, meu bem. Se você se sente assim, então tudo certo. É o que é e não vou te julgar por isso. — Disse com tanta segurança que Liam quase se sentiu abraçado. — É até bom. Porque... não quero sair do seu lado, principalmente agora... — Buscou fôlego após ser honesto. Organizando seus pensamentos. — Só vou sair quando você me pedir. — Um breve silêncio se instalou entre eles. Mas Theo continuou acariciando a bochecha do menor.
Liam como sempre se inclinou para o toque, fechando os olhos por uns segundos. Queria se agarrar ao presente e não deixar seus pensamentos irem para cenas que não gostaria de rever.
— Você tá seguro. Tá tudo bem. — Theo murmurou ao trazer a mão do outro contra seus lábios, beijando os dedos meio trêmulos.
Liam engoliu em seco, assentindo. Demorou consideráveis segundos até que se organizasse.
— Eu... acho que tô pronto. — Disse quase que num fio de voz. A insegurança ainda persistia, mas só do medo ter diminuído, já era um avanço. — Eu consigo. — Afirmou baixinho, mas pareceu mais para si mesmo do que para qualquer outro.
— Claro que consegue. — Theo sorriu fraco. Deixando um carinho rápido nos cabelos loiros do menor antes de se mover para longe com cautela.
Logo saiu e contornou o veículo, abrindo a porta de Liam em seguida. Estendeu a mão para o mais novo, que a agarrou no mesmo instante e não quis soltá-la depois disso.
Dunbar enviou um último olhar tenso a residência, até Theo chamar sua atenção para que recolhessem seus pertences. Ele confessa que agradeceu mentalmente ao mais velho por isso.
Pela visão periférica já pôde ver uma viatura chegando, assim como Theo havia dito. Sentiu o desconforto de estar de volta, se esvair minimamente. Mas não era como se tivesse escolha. Não tinha outro lugar para ficar.
— Vem, Lee. — Theo encorajou com cuidado. Seu tom carinhoso não passando despercebido por Dunbar, que acabou por esboçar um sorrisinho um tanto alegre.
Ele nunca imaginou que sentiria tanta falta assim de um apelido.
*
Adentrar a casa de uma vez não foi uma tarefa agradável de fato, mas com a presença de Theo foi menos aterrorizante do que imaginava.
Ao atravessarem a sala foi quase impossível Liam não se arrepiar, lembrando-se de forma nítida de todo o sangue antes espalhado pelo chão. O tapete branco que anteriormente residia no meio do local entre a televisão e sofá, já não estava mais.
Não que se importasse com os danos, mas apenas pensava que tornava tudo ainda mais real.
As vezes não acreditava que teve forças para lutar com Andrew e sair disso. Tantas vezes que se autossabotou. Que aguentou xingamentos gratuitos, humilhações, surras até desmaiar de dor ou quando chorava durante a madrugada toda.
Não tinha noção do que fez de tão errado na vida para merecer uma experiência assim como lição, mas sabia que não gostaria de passar por algo do tipo de novo.
Ao menos, um detalhe bom surgiu disso. Ou melhor, alguém.
— Posso deixar suas coisas aqui? — Theo perguntou depois de um tempo. Rompendo o silêncio que havia dominado tudo desde que entraram. O policial apontava para dentro do guarda-roupa agora aberto, e Liam apenas assentiu em confirmação. — Por favor, não tenta arrumar as roupas sozinho. Se quiser ajuda, é só falar, okay? — Esboçou um leve sorriso ao colocar a mala pequena no interior do armário.
Liam deixou um riso baixo escapar ao acenar com a cabeça outra vez. Achava todo aquele jeito coruja do outro tão adorável. Ainda era cômico, mas não de um jeito ruim. Jamais.
— Já te fiz ficar aqui enquanto minha mãe ainda não chega de Los Angeles. Não vou te explorar mais. — Gesticulou de leve com as mãos ao argumentar. Tentava camuflar a vergonha. E estava sendo sincero, mas também era óbvio sua gratidão apesar de odiar se sentir um peso.
Theo pode ter sugerido essa ideia e Liam aceitado após muito pensar, mas na real, não queria dar mais trabalho. Não quando o mais velho já tinha uma rotina.
Odiava se sentir tão péssimo ao ponto de nem conseguir ficar sozinho.
— Sabe que fizemos um acordo. — Theo o relembrou gentilmente, caminhando num ritmo tranquilo na direção dele. Sentou-se ao lado do loiro no colchão, que o fitava meio hesitante. — Não me importo de passar minha folga aqui se é isso que precisa. E é até sua mãe voltar, então não está me atrapalhando em nada. — Pousou sua mão direita sobre o braço do mais novo, esfregando o local num carinho. — Sei o quanto pode ser difícil estar sozinho quando nos sentimos vulneráveis. Confie em mim. — Deu de ombros tentando manter em partes sua expressão impassível ao expor aquilo.
Mas era Liam quem o escutava, e ele não era idiota. Não ao ponto de ignorar a perturbação clara que passou pelos olhos verdes do outro. Como algo a mais.
Claro que isso preocupou o loiro, tinha notado tal detalhe algumas vezes no hospital enquanto conversavam. Mas se segurou para não questionar nada. Não queria invadir a privacidade do Raeken. Afinal, ele já estava fazendo tanto por ele.
— Mas e sua gata? Vai deixar ela sozinha assim? — Tentou esconder o humor por trás das palavras. O que não funcionou muito. Theo acabou por rir, como se não acreditasse no que ouviu.
— Sério que vai usar a Athena como desculpa? — Soou incrédulo, mas com um sorriso meigo no rosto. Liam encolheu os ombros, sorrindo ladino. Theo negou com a cabeça. — Um amigo meu tá com ela. Então, posso cuidar de você. — Disse de modo tão casual, que foi fácil arrancar um sorriso do loiro. — O quê? — Theo riu anasalado, tocando a bochecha do mais novo.
Liam nada disse, apenas optou por se inclinar mais para frente, abraçando o corpo do outro com um pouco de urgência. Theo retribuiu no mesmo instante. Segurou o loiro tão firme em seus braços que o menor até sentiu a ansiedade ir amenizando.
Aconchegou mais a cabeça sobre o ombro do Raeken. Permitindo-se relaxar ali por uns segundos.
— Senti muito a sua falta, Teddy. Mesmo. — Murmurou meio que em tom de alívio. Apertando levemente os braços ao redor do tronco do outro. Tal ato foi mais forte que ele. Afinal, abraçá-lo assim depois de tanto tempo era surreal de bom.
Theo sorriu fraco, e depositou um beijo demorado sobre os cabelos do mais novo. Sua mão pousada ali iniciou um cafuné lento com os dedos pelas madeixas bagunçadas. Liam suspirou, satisfeito.
— Eu também, Lee. Muita. — Era como contar um segredo. Embora não fosse surpresa para ninguém próximo ao Raeken o quanto ele sentiu falta do menor. Poder dizer isso ao próprio após anos afastados, tirava um peso considerável. — Eu lembro que... quando entrei no avião, chorei quase o vôo todo. Deixar você foi a coisa mais difícil que tive que fazer. — Deitou o rosto contra os cabelos loiros do Dunbar, sentindo o leve aroma de baunilha que os fios carregavam.
— Eu chorava toda noite... Nem minha mãe conseguia me acalmar. — Liam engoliu em seco, escondendo o rosto contra o pescoço do outro. Buscava mais pelo cheiro do mais velho. — E as chamadas que fazíamos também teve fim. — Era meio estranho relatar tais feridas após jurar anos atrás que as deixaria bem enterradas. Porém, no cenário atual, veio a calhar. — Mas acontece, não é? Coisas assim fogem do nosso controle... — Não queria que o outro se culpasse tanto pelo passado, então tentou seu melhor para abrandar o assunto. Encolheu de leve os ombros. Sentiu Theo acariciar sua nuca.
— Concordo que nem sempre temos controle de tudo, mas... quanto as chamadas, eu não parei porque quis. — Theo revelou com cuidado, afrouxando o abraço caso o menor fosse se afastar. No entanto, para sua surpresa, ganhou somente o silêncio em resposta. Liam o ouvia com atenção, sem dar sinal de que o soltaria tão cedo. — Meus pais na época tomaram essa decisão idiota por mim. Quer dizer, mais meu pai que veio com essa. Cismou que continuar apegado não me faria bem já que não voltaríamos... — Ele não segurou o riso debochado que passou por seus lábios. Ainda lhe dava um gosto amargo na boca só de lembrar. — Eu discutia com ele quase todos os dias, mas não era como se eu pudesse fazer algo na época sem.. apanhar. Então, não teve muito o que fazer a não ser deixar de lado. — Suspirou fundo.
Recordar tais episódios sempre lhe fazia sentir tanta raiva. Contudo, por motivos óbvios, dessa vez era quase como se não fosse nada demais. Afinal, Liam encontrava-se em seus braços agora, e fora de perigo.
E era um efeito calmante tão inusitado que achava nem ser possível sentir algo assim novamente. Outrora pensasse ser só mais uma coisa passageira que crianças apegadas tinham.
Manter essa lógica durante os anos o entristecia as vezes quando se permitia refletir. Contudo, entre eles pelo visto, não era algo que se perdia tão fácil no tempo.
— Ele... batia em você? — Liam se afastou minimamente para fitar o rosto do mais velho, mas não rompendo o abraço. A indignação na voz baixa do menor foi tão clara. Theo apertou os lábios dando um aceno fraco, mas era visível a sua pouca importância para o fato. Só que não para Liam. — Eu sinto muito, Theo. De verdade. — Murmurou o loiro, cabisbaixo. Resolveu guiar a mão rumo a bochecha esquerda do Raeken, executando um carinho sobre a pele.
Um sorrisinho terno foi surgindo nos lábios do policial, que não hesitou em beijar a testa do mais novo.
— Não era "Teddy"? — Theo esboçou uma falsa expressão magoada. Liam ergueu as sobrancelhas um tanto surpreso, até que se viu rindo. Theo gostava daquele som. — Obrigado por se preocupar, mas isso já tá no passado. Fica tranquilo. — Falou pacientemente. Seus olhos verdes concentrados nos do outro.
A suavidade no olhar do Raeken realmente acalmou mais o loiro. Porém, Liam era uma pessoa muito visual, então imaginar certos cenários que podem ou não ter acontecido, o abalava sem dúvida.
E Raeken de fato não deixou de notar a inquietação silenciosa no semblante do mais novo, pois logo se adiantou.
— E eu não contei isso pra deixar você mal de alguma forma, Lee. Por favor... — Pediu docemente, enquanto esfregava as costas do menor. Liam retornou a deitar a cabeça no ombro do outro, necessitando do conforto de volta. Theo prosseguiu. — Foi só... senti que precisava dar uma explicação a você. Já que não sofri sozinho nisso. — O policial tinha um ponto, querendo ou não. — Tudo isso poderia ter sido evitado sim, mas... ao menos estamos aqui agora. — Tentou soar positivo do seu melhor jeito. Isaac com certeza riria da cara dele se estivesse testemunhando o incomum.
— Ainda bem. — Ouviu Liam murmurar entre um suspiro, a exaustão nítida em sua voz. Mas não era propriamente cansaço físico como deveria ser. — Mas... o que seus pais acharam de você vim morar na cidade depois que se formou? — De fato foi uma pergunta inocente, sem intenções a mais movidas pela curiosidade. Logo, Liam não notou o peso dela.
Theo ficou em silêncio de repente. O olhar meio sem rumo. A tensão dominou um pouco seu corpo, mas não o suficiente para que Liam percebesse com rapidez.
Levou breves segundos, e então o loiro teve de erguer seu rosto para encarar o mais velho.
Theo quase sentiu vontade de rir ao notar preocupação naqueles olhos azuis, ainda mais quando o loiro era quem estava se recuperando de uma facada.
— Uhm... eles... — Theo nem iria dar a resposta real, pelo menos não agora. Apenas diria qualquer coisa que desviasse a atenção do outro, mas felizmente, foi salvo por seu rádio comunicador soltando ruídos.
Estava guardado no interior de sua jaqueta a um tempo, e a pessoa do outro lado parecia impaciente. O que não era fora do comum de seu colega de trabalho.
— Desculpa. — Pediu sem graça, inclinando o canto dos lábios num meio sorriso gentil ao romper o abraço devagar. Liam só assentiu mínimo, arrumando a postura.
Theo deixou um aperto carinhoso na mão do menor antes de pressionar o botão designado no aparelho a fim de ouvir. As palavras iniciais que recebeu ativaram seu lado protetor mais uma vez no dia. Entretanto, também ficou intrigado, assim como Liam.
— Tem um garoto aqui fora. Na verdade, parece uma criança. — Ouviu seu colega bufar debochado. Theo arqueou uma das sobrancelhas, sentindo Liam se aconchegar ao seu lado de novo. — Enfim, ele tá pedindo pra ver o Liam. Viu vocês chegando mais cedo e agora tá enchendo o saco. — Foi direto, como sempre. Theo tinha as sobrancelhas franzidas, a rotineira postura séria.
— Revista ele, Stiles. — Somente mandou antes de soltar o botão. Voltando sua atenção a Liam logo em seguida. — Tem ideia de quem seja? Se quiser eu posso ir e espantar seja lá quem estiver lá embaixo. — Sugeriu a medida que analisava a expressão receosa do outro. Liam o fitou pensativo por uns segundos. Theo acariciou mais uma vez as costas do loiro.
— Acho que sei quem é. — Liam esboçou um leve sorriso desajeitado. Na verdade, parecia mais desacreditado. — Não sei se tô certo. Mas se for, não falo com ele tem um tempo por culpa do... Você sabe. — Deu de ombros. Não se importando tanto de completar o raciocínio. O desconforto passando por sua expressão foi fácil perceber. — Podemos ir sim. Tudo bem por mim.
Theo concordou num aceno, mas firmou mais o abraço de lado no loiro antes de aproximar o rádio comunicador ao rosto. Avisou aos policiais que já desceriam, e assim fizeram.
Liam agradeceu internamente que o mais velho não o afastou durante todo o trajeto. Pelo contrário, parecia o querer perto daquela forma. Poderia soar carente, mas se Theo não se importava com tal detalhe, Dunbar também não iria recuar.
Ao chegarem na entrada da casa, Raeken quem tomou a iniciativa. Abrindo a porta de uma vez. Liam não conseguiu deixar de sorrir para si mesmo ao notar a maneira como o outro se colocou numa espécie de escudo para ele.
— Derek, me segura antes que eu dê na cara. — Foi a primeira coisa que escutou ao encarar o lado externo. Theo fez uma careta particularmente cômica na opinião de Liam. — Não sabe esperar não, criança?
— Tenho 17 anos. — O garoto resmungou revirando os olhos. Cruzando os braços numa pose aborrecida. — E eu tô preocupado, caramba. Custa ser um pouco mais... — Se interrompeu abruptamente, assim como a mudança em sua expressão. Seus olhos escuros focados em Liam.
O loiro mal soube como agir também. Foram tantas alterações em sua vida nos últimos dias, que a última coisa que cogitou foi seu vizinho ainda estar interessado em saber dele. Principalmente sendo um garoto ainda do ensino médio. Ou seja, tantas coisas mais importantes para dar atenção.
Além de tudo, sua vida estava um caos no momento. O que Alec ganharia sendo próximo dele ainda?
— Você tá bem? — Alec tinha os adoráveis olhos castanhos meio arregalados. Sua postura inquieta pareceu só piorar, pois se moveu um tanto rápido querendo entrar. Mas Theo foi ágil, colocando-se na frente de Liam. E embora o mais velho fosse intimidador, isso não pareceu importar muito para o garoto. — Qual é, brutamontes! Eu só quero conversar com ele. — Insistiu tentando tirar o corpo do maior de seu caminho. A cena seria engraçada em outra circunstância. Alec parecia ter no máximo um e sessenta e sete de altura.
— É pra algemar? — Derek questionou casualmente. Sua expressão tranquila como sempre apesar do que saiu de sua boca. Theo o deu uma cotovela rapidamente, negando com a cabeça. — Fazer o quê. — Deu de ombros. Stiles ao seu lado riu anasalado.
— Ele pode passar. Tudo bem, Theo. — O loiro assegurou, ainda atônito. Alec estava bem empenhado, e seria injusto alguém gastar tanta energia assim só para falar com ele. — Alec, calma, cara. Não precisa de tudo iss-
O abraço que ganhou realmente o surpreendeu. E para sua felicidade, o garoto foi até cuidadoso no ato. Afinal, não queria seus pontos latejando de novo.
— Que droga, seu rosto tá machucado. — Alec murmurou num tom aborrecido ao se afastar. Analisava atento o semblante do Dunbar, que ficou sem saber o que responder por uns segundos. — Por favor, me diz que aquele desgraçado se deu mal. — Devido ao impulso, deixou escapar o que tinha em mente.
Liam entreabriu os lábios a procura do que dizer, mas nada saiu. Ele apenas buscou o olhar de Theo, que juntamente demonstrava curiosidade.
— Continuem atentos aí fora, rapazes. — Theo pediu assim que adentrou completamente a residência, logo fechando a porta atrás de si. Assistia os dois com atenção, seus braços cruzados.
— Como... Como você sabe que algo aconteceu? — Liam perguntou de maneira paciente. Usando sua mão esquerda para retirar alguns dos fios cacheados caídos sobre a testa do mais novo, que não havia separado o abraço até então.
Alec sempre foi de ser assim, meio desarrumado e desajeitado. Mas como o próprio dizia, era um charme a zelar. E essa sua personalidade sempre divertiu Liam nos piores momentos. Era um garoto interessante.
— Eu... — Apertou os lábios claramente hesitando. Desviou seu olhar do loiro por uns instantes. Não sabia se dizer seria a melhor decisão. Já que escolheu anonimato por um motivo. Sua mãe até havia dito que tal opção era melhor para a segurança dele caso fosse algo muito mais sério do que sua mente imaginou. — É que ouvi gritos aqui, e então você sumiu. — Deu de ombros tentando parecer relaxado, afastando-se do abraço aos poucos. Ao menos essa era sua intenção, isso até o outro homem na sala se pronunciar.
— Se vai mentir, na próxima faça isso olhando nos olhos da pessoa. Fica mais convincente. — Theo suspirou fundo, aproximando-se mais. — Anda, garoto. Fala logo o que sabe. — Soou até que paciente. Melhor do que realmente era durante o trabalho.
Alec tomou um belo susto e isso foi nítido, então não viu outra opção a não ser abraçar Liam de novo. O loiro retribuiu obviamente, tentando segurar o riso. Theo poderia ser assustador quando queria, mas neste instante não tinha necessidade para todo um show.
— Okay, okay. Theo, esse é Alec. Mora na casa ao lado. Nós costumávamos jogar video game depois que ele saía da escola e eu do trabalho. Uma amizade inusitada que fizemos. — Liam resumiu rapidamente, enquanto tranquilava o mais novo preso a ele. — Alec, esse é Theo. Trabalha na polícia e descobri recentemente que é um amigo... — Tal termo por algum motivo soou estranho ao proferir. No entanto, ignorou, logo prosseguindo. — Um amigo meu de infância. Então, tá tudo bem. — Lançou um sorriso terno na direção do cacheado, que adotou uma feição curiosa.
— Então... Você está bem agora? — Alec questionou com cuidado, a medida que era guiado por Liam até os bancos na bancada da cozinha. Theo não saiu do encalço deles, mantendo-se atento.
Liam acomodou Alec em uma das banquetas, logo sentando-se na outra, ficando de frente para o garoto. Dunbar respirou fundo em seguida, enviando um olhar franco ao mais novo.
— Bem é uma palavra muito forte, — Riu um pouco, sem humor. — Mas fisicamente... estou melhorando. — Não tinha motivos para ser desonesto. E depois de tudo, fingir que os episódios de tortura em sua vida nunca ocorreram, só seria pior ainda.
Alec pareceu pensativo por um momento. Até redirecionar seu foco ao loiro mais uma vez. Como sempre, Liam não era de o pressionar ou enviar olhares acusatórios. Apenas o observava com um ar acolhedor.
Ajeitou-se melhor em seu lugar. Aparentando confiança.
— Foi eu que... Liguei pra polícia. — Disse de uma vez, ainda que tímido. Não desviando do rosto do Dunbar, que não disfarçou o choque. — Minha mãe e eu ouvíamos a gritaria as vezes a noite, mas ela tinha receio de se meter. Eu que insisti muito até ela me deixar ligar. — Brincava com seus dedos nervosamente. — Sei que não devia me meter assim na vida de alguém... Mas eu reconheço um comportamento agressivo quando vejo um. — Afirmou com convicção, a feição séria de repente. Theo ergueu as sobrancelhas um tanto interessado. — Meu pai era do mesmo jeito. Por isso hoje só sou eu e minha mãe. — Respirou fundo. O pesar nas palavras dando um aperto difícil de ignorar no peito de Theo.
Liam nem sabia nomear direito os diversos sentimentos dentro dele. Mas o que mais se destacava sem dúvida, era a gratidão.
Alec não tinha ideia do nível de importância que o ato dele trouxe para o loiro.
— Alec, vem cá. — Liam o chamou num tom neutro, ao contrário de sua expressão que carregava um ar emotivo.
O garoto não hesitou em sair de onde estava. Não vendo o porque de recusar um pedido nítido de abraço do outro.
Liam o abraçou com força dessa vez. E Alec não teve medo de fazer o mesmo, ainda que mantendo um pouco de cautela devido as breves contusões que viu no rosto do loiro. Não sabia se tinha mais machucados.
Theo não conseguiu segurar o sorriso ao testemunhar a cena. Sentindo-se de certa forma até aliviado por constatar que Liam não esteve tão sozinho assim.
— Obrigado, sério. — Liam murmurou próximo ao ouvido do mais novo, que assentiu mínimo. Alec tentava seu melhor para não chorar ali mesmo. Afinal, se importava muito com Liam, embora não fosse de demonstrar tanto, e bom, quase o perdeu para um maluco. — Você salvou minha vida, ouviu bem? E eu não vou esquecer isso. — Prometeu num tom trêmulo. E Alec não tardou em esconder o rosto contra o pescoço do Dunbar, em vergonha. Os olhos do menor estavam marejados, mas não era como se Liam estivesse diferente.
— Eu não sou idiota. Percebi desde o início só pelo jeito que ele tratava você, Liam. — Alec foi franco. Expondo tudo o que se passava em sua cabeça há tempos. Seu tom meio embargado comoveu o loiro, que acariciou os cachos em sua nuca. — Aquilo precisava de um fim. Você não merecia isso. Ninguém merece. — Declarou, dessa vez com mais calma. Apertou os olhos a fim de espantar as lágrimas querendo se formar. Odiava chorar na frente dos outros.
— Você tá certo. — Teve forças para responder apenas isso após engolir em seco. Igualmente controlando as lágrimas. Não tinha como negar mais nada do que viveu, ainda que fosse uma realidade dolorosa. Mas graças a boa percepção de Alec, teve o privilégio de sair vivo disso. — Sempre tão esperto. Tenho orgulho de você, viu? — Respirou fundo antes de ir afastando devagar o outro de seus braços. O que para Alec foi um tanto péssimo, pois já chorava baixinho e não queria encará-lo. — Oh, meu bem. Não precisa disso. — Liam se viu sorrindo fraco, mas de nervoso. Não queria ver o mais novo tão mal assim por sua causa.
Limpou o pouco das lágrimas que banharam as bochechas do garoto. Enviando um olhar gentil ao menor. Alec fungou, passando a mão pelo rosto de maneira desajeitada.
— Claro que precisa. Você é meu amigo e fiquei preocupado. — Tentou se justificar, o que soou muito adorável. Até demais para os ouvidos de Theo, que deu uma risada baixa. Alec ignorou, ou se não iria se acanhar mais. — Não sei se me considera assim... Ah, tô no auge da honestidade hoje. — Deu de ombros negando com a cabeça. Passando as mãos pelo rosto mais uma vez. — Acho que eu deveria ir. Você deve estar cansado.
Liam trocou um rápido olhar divertido com Theo, que devolveu sustentando um sorrisinho. Encorajou o Dunbar em seja lá o que tivesse em mente. Se era algo que não prejudicaria sua saúde e ainda poderia o relaxar, não via problemas.
— Na verdade, se estiver livre agora, seria legal jogar vídeo game. — Liam falou assim que Alec já havia descido do banco. O garoto agora lhe encarava parado, parecendo não acreditar no que ouviu. — Queria jogar com meu amigo depois de tanto tempo. Só pra variar, sabe. — Tentou soar casual, o que arrancou um sorriso sem graça de Alec.
— Os de sempre? — O garoto tentou disfarçar a empolgação obviamente, embora Liam já o conhecesse bem.
— Claro. Você tá mais atualizado que eu. — Deu de ombros. Bagunçando os cabelos do latino só porque podia. Alec resmungou, mas não protestou mais. Adiantando-se rumo a saída.
— Vai jogar também. Gostei de você. — Redirecionou sua atenção a Theo de repente, que franziu a testa. Alec apontou o dedo indicador para o policial. — Cuidou do Liam muito bem, aparentemente. Então, já tem pontos comigo. — Soou tão sério e convencido ao sair. Quase como se fosse uma espécie de guardião do Dunbar. O que não era uma definição ruim se pensar bem.
Liam somente sustentava um sorriso incrédulo no rosto. Ainda tentando digerir tais novidades. Pessoalmente, nunca havia notado o quanto era importante para Alec. Porém, aquele garoto desajeitado sempre teve um lugar reservado em seu coração. Um irmãozinho que nunca teve.
— Ele é... interessante. — Theo ainda possuía um olhar perdido, porém o sorriso de canto que tentou disfarçar se destacava. Liam cruzou os braços, admirando-o um pouco. — E claro que eu cuidaria de você. Que me matem se eu não o fizer. — Revirou os olhos um tanto ofendido. Liam negou com a cabeça, fazendo um sinal com as mãos, chamando o mais velho para perto.
— Não fala assim. — Disse com um leve incômodo no tom, o que não escapou de Theo, que lhe enviou um olhar de desculpas antes de se deixar ser abraçado pelo loiro. — Nem brinca com isso. Ainda mais com sua profissão. — Murmurou um tanto amuado. Apoiando a bochecha sobre o ombro do Raeken, que o rodeou protetoramente com os braços.
— Tem razão. Desculpe. — Pediu, próximo ao ouvido do outro, que apenas assentiu se aconchegando mais contra ele. — Fico feliz que tenha conseguido um amigo feito Alec. Ele realmente se preocupa com você, e fiquei aliviado sobre isso. — Expôs quase que inseguro. Liam sorriu de lábios fechados, erguendo um pouco a cabeça para fitar o rosto do maior, que acabou retribuindo.
— Você pareceu um cão de guarda. Foi muito fofo, a propósito. — Liam obviamente, não deixaria de ressaltar tal momento. Theo riu sem jeito tentando fugir do olhar do loiro, que apertou sua cintura em reflexo para que não o fizesse. De fato, atendeu o pedido do mais novo. — Eu gostei daquilo. Significou muito. — Não havia brincadeira ou ironia em seu timbre. E soou até um pouco frágil. Theo o lançou um sorriso atencioso.
— Não fiz isso só porque é meu trabalho. Saiba disso. — Sentiu que precisava garantir, e valeu a pena assim que um sorriso definitivamente alegre surgiu no rosto do Dunbar. Não era a primeira vez vendo, mas adorava quando ocorria. — Com todo o respeito... — Theo limpou a garganta ao iniciar. Os olhos atentos em admiração. Liam o observava, meio confuso. — Mas você fica ainda mais lindo assim. — Revelou um de seus pensamentos, sem receio dessa vez. Torcendo para não ter sido em má hora. — Só queria que soubesse. — Finalizou, esboçando um sorriso simples.
— Obrigado, eu acho. — Murmurou desviando de leve o olhar, visivelmente encabulado, mas não como desconforto. Imaginava que deveria estar, porém por alguma razão, tal elogio lhe causou uma faísca boa por dentro. Bem diferente do medo e repulsa que sentia toda maldita vez que Andrew abria a boca. — Você sempre elogia as pessoas assim? — Claro que não perderia a oportunidade de importunar um pouco. E ouvir a risada gostosa do outro foi realmente bom.
— Nem sempre estou com bom humor pra isso. — Theo sequer pensou para responder. E Liam jura que nunca ouviu tanta franqueza desse jeito. — E normalmente... não sou de distribuir elogios. — Não era como se o mais velho se envergonhasse de tal detalhe, mas também não se orgulhava. Liam passou a acariciar a nuca do maior, que deixou claro gostar do carinho ao suavizar a expressão. — Sou meio... ranzinza, mas sou legal quando quero. — Moveu-se mais para perto do menor, que acabou rindo anasalado.
— Você é mais que legal. Dá pra ver. — Resolveu usar o pouco da ousadia que ainda possuía neste instante, assistindo Theo sorrir tão genuinamente. Os cantos dos olhos fechando-se. O sorriso era sem dúvida o charme forte do mais velho, Liam pensou. Mas tratou de se repreender. — Me diz que você é bom no vídeo game. Eu e Alec não vamos pegar leve. — Mostrou parte do seu lado competitivo a fim de mudar o foco da conversa, o que surtiu efeito.
— Quais jogos ele vai trazer? — Theo de repente o lançou um olhar maroto. Liam arqueou uma das sobrancelhas.
— Provavelmente Dying Light está no meio. — Dunbar respondeu sem conseguir esconder a empolgação. Nem tinha reparado no quanto sentia falta de momentos bobos assim. Ou melhor, se divertir num geral.
— Então, vocês estão ferrados. Mas quem sabe eu te deixe ganhar. — Raeken tinha um brilho infantil suspeito no olhar. Liam não conteve o riso.
*
Liam admite que passar o resto do dia jogando tanto ao ponto de quase ter cãibras nos dedos, entrou para sua lista de melhores dias. Mas principalmente, poder dar altas risadas e por o papo em dia sem hesitação de sua parte.
Claro que houve pausas. Precisou trocar o curativo do ferimento pelo menos umas duas vezes no dia. Entretanto, logo se distraía novamente e nada mais parecia importar. Alec e Theo se mostraram ser uma dupla bem divertida e cômica, o que soava até irônico de todo jeito já que o policial assustou o menor assim que se conheceram.
Mas o mais valioso disso tudo. Ambos se esforçaram para tornar o dia do loiro mais leve. E agiram com naturalidade em relação a algumas questões apesar de todo o resto. Cada segundo seria bem guardado na memória do Dunbar. E sem brincadeira, seria uma das poucas lembranças que teria naquela casa.
Sorte que havia quarto de hóspedes naquele lugar, pois nunca teria estômago a essa altura da circunstância para entrar onde num período bem distante, já foi o cômodo que Andrew e ele costumavam dormir.
Se mudou para o quarto de hóspedes há tempos. E nada mais justo que permanecer ali.
— Ainda não acredito que venceu daquele jeito. — Liam não escondeu sua indignação. E mesmo se quisesse, sua expressão emburrada e braços cruzados, entregaria facilmente. Theo ao longe riu baixo do menor, enquanto escovava os dentes.
A sessão de jogos havia sido ali mesmo. Já que a televisão da sala foi quebrada e recolhida após o incidente. Restou apenas as TV's dos dois quartos da casa, e Liam não entraria no outro de jeito nenhum. E de qualquer modo acabou sendo divertido e confortável, mas ter que cuidar da arrumação mais tarde foi um tanto frustrante.
Porém, por sorte, Alec ajudou em boa parte antes de se retirar. Isso há horas atrás. No atual momento, os rapazes se arrumavam para ir deitar. Depois de tanta agitação, era mais que merecido.
— Olha só, no meu tempo livre é só o que eu gosto de fazer. Jogar, brincar com a Athena e ir malhar. — Theo tentou se explicar após lavar a boca, enxugando o rosto e mãos rapidamente antes de sair do banheiro unido ao quarto. Liam encontrava-se acomodado no lado direito da cama, rindo do Raeken. — Ei, esse é o segredo pra ser um bom jogador. — Enfatizou a medida que se aproximava. Tinha um sorriso amplo brincando em seus lábios. Já que era impossível não se contagiar com a risada do mais novo.
— Acho que devo conhecer a Athena. Aposto que ela contaria quantas horas você fica no Xbox nas folgas. — Liam sorriu sapeca. Seus olhos atentos em assistir os movimentos tímidos do outro.
Theo em defesa, fez o que qualquer adulto maduro faria. Assim que não soube bem o que responder, só mostrou a língua para o mais novo, que obviamente devolveu em seguida.
O espírito arteiro e infantil que Liam jurava ter perdido há tempos, na verdade, estava somente adormecido. Esperando pela situação segura e certa.
E visivelmente, Theo mostrou não ter perdido esse lado também.
— A Athena não é de fofoca. Embora seja um gato. — Esboçou uma careta pensativa de repente, como se suspeitasse que seus segredos estariam perambulando pelos quatro cantos da vizinhança entre os felinos das ruas. Não era impossível. — Okay, talvez ela seja um pouco. — Acrescentou com um sorriso vacilante. Liam negou com a cabeça, dando um peteleco na testa do mais velho.
— Gatos são como agentes secretos, mas também são ótimos ouvintes. Sempre quis ter um. — Liam divagou por um instante. Seu corpo se acomodando instintivamente no colchão. — Talvez um dia, quem sabe. — Suspirou tratando de desviar seus pensamentos dos problemas. Focando sua atenção em Theo, que parecia um tanto hesitante.
O policial já trajava o básico para dormir. Todavia, mesmo após as breves brincadeiras e algumas risadas, agora encontrava-se parado ao lado esquerdo da cama. A postura clara de quem não sabia bem o próximo passo a dar, ainda que tenha recebido algumas instruções.
— Theo? — Liam o chamou em tom baixo, mas foi o suficiente para despertar o mais velho daquela aura pensativa. Raeken o encarou, mas ainda retraído.
— Desculpa, eu só... — Murmurou ao negar com a cabeça. Obrigando-se a se sentar em seu espaço no colchão. Liam o observava com curiosidade. — Eu sei que já perguntei isso, mas... Tem certeza que não quer que eu durma lá no sofá? Sério, não quero acabar assustando você se eu invadir seu espaço pessoal durante o sono ou algo assim. — Ele soava realmente incomodado. Uma preocupação tão genuína, que mais uma vez, Liam teve certeza sobre dividir a cama com o mais velho. — Só quero você confortável. Sabe que posso dormir em qualquer lugar. — Garantiu num timbre amigável. Suas mãos gesticulando um pouco. Estava nervoso.
Liam suspirou fundo, esboçando um sorriso ladino. Óbvio que o plano inicial seria o policial ir para o sofá. Porém após o loiro muito refletir, teve consciência que depois de tantos dias dormindo com o outro ao seu lado e segurando sua mão, não conseguiria de outra forma.
E levando em conta a quantidade de pesadelos que teve e Theo sempre estando lá para acalmá-lo, não tinha lógica o mandar para longe agora.
— Então, você acredita quando digo que estou confortável com você aqui? — Não estava sendo acusatório ou impaciente, jamais. Realmente gostaria de uma resposta sincera neste momento. E Theo como previsto, notou isso.
Liam o fitava com uma expressão acolhedora, mas também havia um brilho de admiração nas íris azuis. Dunbar tinha conhecimento de que as atitudes do mais velho eram coisas mínimas de se fazer por alguém, mas ainda assim não deixava de significar muito.
— Acredito. — Theo suavizou a expressão ao responder. Seus músculos relaxando minimamente junto a sua postura. Foi se sentando devagar no colchão. Seus olhos não desviando de Liam. — Só queria deixar claro que você tem liberdade pra decidir o que quer. É só falar. — Disse atencioso. Apoiou as costas contra os travesseiros altos em seguida. Seus dedos brincavam com o cobertor que usaria aquela noite.
Liam sorriu com carinho para aquilo. Não entendendo como o policial pulso firme que Theo se tornou, tinha a capacidade de parecer pequeno e que não mataria sequer uma mosca. Essas eram uma das habilidades do Raeken, afinal.
— Você deixou claro. Desde que nos encontramos. Não se preocupe. — Liam assegurou de maneira firme. Sua feição relaxada e olhar sereno enviando o nível de segurança que Theo precisava para poder se sentir bem ao ficar ali. — Só não respondo por mim se você roncar alto. Aí te chuto pro chão. — Cerrou os olhos na direção do mais velho. Theo entreabriu os lábios em falso choque, enquanto se arrumava mais na cama.
— Pra sua informação, nem ronco desse jeito. Quem faz barulho é você. — Claro que não perderia a chance de alfinetar o outro sobre isso. Estava aguardando durante dias. — Só parava de roncar quando escondia o rosto no travesseiro. — Revelou num tom risonho, espalhando mais o cobertor sobre eles mesmo que Liam tenha seu próprio.
— Nunca ouvi tanta mentira. — O loiro resmungou enquanto se ajeitava devagar. Agradecendo que poderia se deitar de lado. Afinal, o ferimento estava mais voltado a sua direita, então ficaria livre de atrito. — Mas de fato você nem faz tanto barulho. Seu ronco é adorável, na verdade. — Aconchegou o rosto contra o travesseiro. Theo franziu as sobrancelhas ao fitá-lo, virando seu corpo junto.
— Você não mudou nem nos elogios estranhos. — Riu baixinho, um tanto acanhado. Puxando a coberta sobre si minimamente. Liam riu anasalado fazendo o mesmo, observando de modo casual o outro. Ainda estava sem um pingo de sono. — Mas eu gostei. Nunca elogiaram meu ronco. — Soou satisfeito e nem fez questão de esconder, o que arrancou um sorriso aberto de Liam. Theo retribuiu no automático. — Adoro quando você sorri assim. Parece muito um antes e depois na minha cabeça. Seu sorriso não mudou nada. A essência é a mesma. — A empolgação ao ressaltar isso era palpável. E Liam sentiu aquela sensação cordial em seu peito de novo.
Poderia estar torcendo para que a sonolência não chegasse assim tão rápido. Já que no fundo ainda temia sonhar com alguma lembrança horrorosa outra vez. Contudo, ouvir sobre alguns elementos de sua infância o acalentava aos poucos.
— Obrigado... — Disse encolhendo-se um pouco, desviando o olhar em reflexo. Theo permanecia em seu modo observador, contemplando o menor a sua frente. — Minha mãe sempre diz isso. Bom, sempre que ela podia. — Respirou fundo, ficando reflexivo por uns segundos. Claro que se tornou mais que nítido o quanto de tempo o loiro esteve sozinho na cidade. Sem a família. Mas apenas odiava constatar tal detalhe.
Theo mordeu o lábio inferior num tique claro que indicava suas indecisões. Isso até executar de uma vez o que tinha em mente.
Guiou sua mão esquerda até a de Dunbar, buscando-a com calma pelo colchão. Entrelaçou seus dedos imediatamente. Liam deixou um aperto entre as juntas. Ato onde dizia através do silêncio o quanto precisava daquilo.
Theo inclinou o canto dos lábios num sorriso gentil. Passando a mover seu polegar num carinho. Liam se moveu até alguns centímetros mais perto do outro, mas a distância permanecia.
— É engraçado como... minha mãe acabou indo pra Los Angeles, mas... Você no fim, voltou. — Não havia mágoa por trás das palavras quanto a Jenna, e sim sendo só uma reflexão. E de todo modo havia uma verdade. Sobre o quanto era cômico a maneira como a vida funcionava. Theo o escutava com atenção, mantendo as carícias na mão do menor. — Sinceramente, nunca fui de sentir vontade de sair daqui. Pelo menos não até hoje... — Riu um pouco, levando seu olhar para suas mãos unidas. — Acho que se alguém me oferecesse uma passagem só de ida pra sei lá... Idaho. — Encolheu um dos ombros, uma careta indiferente. Theo riu baixo sem conseguir evitar, o que diminuiu a tensão no mais novo. — Eu iria sem hesitar. Só pra ver alguma coisa nova. Perdi tempo nessa cidade. — O pesar nas palavras deu um embrulho incômodo no estômago de Theo. Liam suspirou, voltando o foco ao outro.
— Acho que não foi bem perda de tempo... — Theo afirmou num timbre cauteloso, não querendo parecer estar impondo alguma coisa. Liam apenas adotou um olhar curioso. O mais velho limpou a garganta. — Você só estava... seguindo seu ritmo, os objetivos que tinha em mente junto dos estudos. Tudo no seu tempo, sabe. — Explicou com calma seu ponto de vista, o jeito carinhoso como dizia sendo explícito. — Deixar assim o lugar que você cresceu, nem sempre é fácil. Pode até ser bom, mas envolve toda a coisa de se planejar antes de qualquer outro passo. E as vezes coisas inesperadas podem arruinar tudo. — Respirou fundo, mal notando o quanto a última parte do falatório havia soado pessoal.
Não que fosse um problema para Liam, mas não deixava de o preocupar. Percebeu o quanto Theo se tornou alguém meio fechado, e isso com certeza não foi devido a qualquer coisa. Claro que não insistiria em saber. Queria que o outro se sentisse a vontade para falar.
— Mas você ainda pode... Economizar um dinheiro e ir pra onde quiser. Talvez em um trailer. É muito a sua cara esse tipo de viagem. — Claro que iria tratar de dissipar a aura pesarosa de antes para disfarçar. Theo não era o único que sabia analisar as entrelinhas. Mas Liam seguia calado, não soltando a mão do maior. — Só uma ideia. Mas nem sou tão bom nisso, então é melhor seguir seus instintos. — Fingiu um certo humor na voz ao finalizar. Liam sorriu um pouco, assentindo.
— Até eu superar minhas limitações e minha mãe se sentir tranquila em não me ter por perto... Vou ter planejado algo, provavelmente. — Seu otimismo poderia estar enferrujado, mas não por completo. — E quero ouvir suas dicas sim. Pode ficar esperto. — Theo comprimiu os lábios num sorriso fechado, concordando em silêncio.
Foi o que se estendeu nos minutos seguintes. Não que propriamente os assuntos tenham acabado, mas era como se ambos precisassem. E enquanto isso, Liam somente brincava com os dedos do mais velho de maneira distraída. Era quase como se o loiro não pudesse evitar.
Theo sorriu mínimo para aquilo. Era o que Liam mais fazia na infância quando estavam juntos.
E durante esse período no hospital, o policial notou tantos detalhes nostálgicos que aqueceram seu coração. Um deles por exemplo, era o fato de Liam brincar com seus dedos até adormecer. Mania esta que não mudou.
Era quase como um sonífero. Algo que o relaxava. E Theo sabia que não demoraria muito até o loiro pegar no sono. Então, se queria contar de uma vez o fator da sua vida que pesava em seus ombros, precisava ser agora.
— Liam. — Romper o silêncio nunca pareceu tão peculiar e desconfortável. Não quando fitava aqueles olhos azuis quase sonolentos, mas não o suficiente para fechá-los. Liam depositava toda a atenção nele, preocupado. Claro que o loiro não era desligado quanto aos detalhes. Sabia que agiu estranho em alguns momentos. — Queria dizer... Olha, eu só não falei antes porque... tava tudo tão complicado. Não que tenha melhorado 100% agora, mas...
— Seja o que for, não vou ficar chateado. É algo seu, então só você sabe a hora certa de dizer. — Liam o interrompeu calmamente. Usando a mão livre para acariciar um pouco os cabelos curtos do rapaz, que o observava meio receoso. — Pode parecer difícil de acreditar agora... Mas eu não vou quebrar tão fácil. — Um sorriso relaxado surgiu no rosto do menor. Theo suspirou, sentindo parte da apreensão se esvair.
— Sei que não vai. — Garantiu um tanto envergonhado. As vezes era meio impossível não ser protetor quando se tratava do Dunbar. Theo apertou um pouco a mão do mais novo, ponderando nos olhos azuis. — Meus pais, eles... — Engoliu em seco. Sua feição tornando-se séria devagar. Liam franziu as sobrancelhas, um tanto inquieto. — Eles morreram, Liam. Num acidente de carro quando eu fiz 18 anos. — Ainda era assombroso citar o ocorrido, ou relembrar de cenas do período mais conturbado de sua existência. — Só achei que tinha o direito de saber, embora seja sim algo meu. Mas você era apegado a minha mãe também, e ela te adorava. — Recordou tal fato com certo carinho até. Mas o pesar permanecia.
— Eu... Theo, meu Deus. — Liam bufou um tanto incrédulo. Sua atenção desviando para qualquer ponto no quarto. Estava chocado sim, mas principalmente por Theo ter aguentado tão bem esse tempo todo, e até antes disso. — Eu... fiquei falando dos seus pais... Eu sinto muito. Sério, me desculpa. — Soou agoniado, e logo se moveu pelo colchão para alcançar Raeken, que o amparou com cuidado e recebendo-o nos braços mesmo assim.
— Liam, vai com calma. Seus pontos. — Repreendeu o mais novo enquanto o acomodava devidamente. Em hipótese alguma iria se perdoar se aquilo abrisse. — Não faz mal, tá tudo bem. Você não tinha como saber. — Assegurou numa voz mansa contra o pescoço do loiro, que estava praticamente sobre seu corpo. — Isso foi há 9 anos de qualquer forma. — Esfregou as costas do menor. Sorriu mínimo ao sentir o mesmo executar um cafuné em seu couro cabeludo.
— Mas eram seus pais. Então, sinto muito. — Murmurou, dessa vez mais estável. E sendo tão genuíno que Theo precisou tirar forças de sabe lá onde para não chorar sobre isso. Não que quisesse bancar o forte, mas não gostaria de prolongar mais. — Deve ter sido muito difícil pra você e Tara. — Lamentou ao comentar. Recebendo ajuda do mais velho para voltar a sua posição anterior no colchão. Raeken o acomodou delicadamente, concordando num aceno.
— Foi sim, mas... Ficamos bem no final. Então, isso que importa. — Theo deu um sorriso fechado em garantia ao afirmar. Puxando a coberta do outro em seguida para o cobrir. Liam voltou a capturar a mão do mais velho, jurando em sua mente sobre segurar a própria língua. Theo não queria esticar mais tal assunto e respeitava isso. O que precisava saber, já lhe foi dito. — Tara se formou em medicina veterinária. Continua em Los Angeles e mora sozinha, mas está grávida de 6 ou 7 meses, acho. Escolheu ser mãe solteira. — Riu anasalado ao ir relevando meio perdido no que contar primeiro, porém esboçou um olhar abobado e leve ao expor tais novas. A empolgação na face de Liam era visível, apesar das informações iniciais. — Ela ainda não me falou o sexo porque quer esperar até o parto. Então, com certeza no dia ela vai me ligar e gritar na minha orelha tudo. — Disse num falso incômodo, mas o amor que sentia pela irmã era notório, assim como o orgulho.
— Fico feliz por ela. Por vocês dois. — Liam disse, sincero. Lançava um olhar compadecido ao outro. — Espero vê-la de novo. Senti saudades dela bancando minha irmã mais velha por aí. — Theo sorriu ladino em resposta, também demostrando estar agradecido por não ser questionado mais. Dunbar umedeceu os lábios, respirando devagar por conta da dor súbita que sentiu. — Devíamos tentar dormir... Você já parece cansado. — Não era bem uma mentira. E sem contar que estava igualmente quase caindo. No entanto, o ferimento latejando o faria demorar a relaxar.
Theo negou com a cabeça em repreensão ao perceber, acomodando-se só um centímetro mais perto. Levando sua mão aos cabelos do loiro.
— Não devia ter se movido tão rápido assim. Se seus pontos abrissem... — Nem quis completar o raciocínio da hipótese. Fechando os olhos de relance a fim de espantar a imagem de sua mente. Seus dedos acariciavam devagar numa massagem pelos fios do mais novo. Estava improvisando para o confortar.
— Mas não abriram. E tá tudo bem, vai passar daqui pouco. — Assegurou tranquilo, um sorrisinho doce nos lábios. Mantinha o aperto firme na mão do Raeken, não demorando a voltar a mexer nos dedos do mais velho. Theo não conteu o riso fraco ao observar isso outra vez. — Desculpa fazer isso o tempo todo. Só, sei lá... Me relaxa porque fico concentrado. — Se apressou na explicação, um tanto acanhado. Theo negou com a cabeça, parecendo sossegado.
— Você ficava assim até adormecer. Eu lembro disso. — Enviou um sorriso amoroso ao loiro. Assistindo-o se dar conta desse fato lentamente, as sobrancelhas se erguendo. — Velhos hábitos não morrem, Lee. — Soou brincalhão ao aconchegar mais a cabeça contra o travesseiro. Não deixava de ser verdade o que ressaltou. Foi fechando os olhos aos poucos, soltando um suspiro longo em cansaço. — Se precisar de mim, por favor, me acorda. É sério. — Não estava brincando dessa vez, e Liam nem ousaria protestar.
O mais novo apenas soube sorrir tolo. Repetindo mais uma vez em sua mente sobre o quanto era grato. E sem dúvida, não faria desfeita dos cuidados de Theo de novo. Havia tido seus surtos independentes no hospital, o que resultou com Raeken brigando um pouco consigo. Inclusive, essa sendo a primeira briga onde não tentavam o intimidar.
Theo cuidava dele de forma respeitosa, e apesar de ter adquirido o costume de fazer tudo sozinho. Admitia que ser cuidado novamente era mais que bem-vindo.
E precisava admitir também, que sua mãe estava certa sobre um detalhe. Embora não tenha servido de consolo nenhum nesses últimos anos, agora ele compreendia perfeitamente o que Jenna lhe disse quando criança.
Que se alguém pertence a você de alguma forma, no futuro essa pessoa voltará sem que esteja esperando.
E definitivamente, Liam já não esperava nada de bom para ele. Até alguns dias atrás.
Podia não ter exatidão quanto a nada agora e muito menos se Theo o pertencia. Contudo, sabia que o queria por perto mais do que nunca, mesmo que anos tenham se passado.
— Boa noite, Teddy. — Murmurou de maneira branda, ainda que o mais velho estivesse meio acordado. Este que sorriu singelo em resposta. Não cessando o cafuné nos cabelos do Dunbar até então.
Foi a primeira vez que dormiu sem medo algum dentro daquela casa, e o melhor de tudo, sem pesadelos.
*
5 anos depois...
~Breve apresentação~↓
➶ Tara Raeken | 37 anos
➶ Yara Amon Raeken|4 anos.|Filha de Tara Raeken.
➶ Seth Lahey McCall|5 anos.|Filho de Isaac e Scott.
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— Amor! Tara chegou! Pode abrir a porta? — Liam gritou da cozinha dos Lahey - McCall. Já estava ali há um bom tempo, ajudando a finalizar algumas decorações no bolo de aniversário de Seth.
Isaac só não enlouqueceu com tanta coisa para organizar, pois Liam se ofereceu para ser seu braço direito. Ambos haviam se tornado praticamente melhores amigos. Logo, quase tudo que o cacheado precisasse, sendo um conselho ou ajuda, se sentia mais confortável em recorrer a Liam. E isso valia para Dunbar igualmente.
Muitas novidades chegaram para a vida de todos. Mudanças necessárias e alguns obstáculos também, mas nada que não pudessem lidar.
Nos últimos anos, nada foi fácil para Liam como previsto. Porém, graças a terapia e principalmente as pessoas incríveis e acolhedoras que foram ganhando espaço em seu coração, foi se sentindo mais forte e se tornando devagar uma versão ainda melhor de si mesmo.
Claro que não sentiu tanta fé a princípio, mas isso faz parte de todo o processo.
Ir enfrentando as diversas inseguranças e traumas, um por um. Antes era quase como uma sentença de morte. A sensação de não estar evoluindo em nada consigo mesmo o assombrou por bastante tempo. Todavia, em todas as recaídas recebia apoio e muito mais encorajamento. Mesmo quando se questionava sobre estar incomodando a todos.
Theo sempre estava lá para lembrá-lo de alguma forma que não o deixaria. Que todos ao lado dele torciam por sua melhora. Por mais difícil que a trajetória fosse.
Cicatrizes não somem, mas você aprende a viver em paz com elas.
Ainda mais com as pessoas certas por perto.
— Scott foi abrir. Tava trocando a fralda desse pestinha. — Theo surgiu do corredor que levava a sala. O mais velho estava um tanto ofegante. E com um Seth agitado nos braços. O garotinho gargalhava aos montes, e não soltava o pescoço do Raeken por nada. — Prefiro dá banho num cachorro do que nele. — Disse com falsa irritação, o que só fez Seth rir ainda mais. Theo tentou disfarçar o sorriso, enquanto enchia o pescoço do menor de cheiro. — Que saco! Não gosto de você. — Soou abafado contra a pele no pescoço da criança.
— Imagina se odiasse. — Isaac zombou. Apoiando-se por um instante no balcão largo só para assistir a cena e rir com carinho. Liam não estava diferente. Havia parado seus afazeres para contemplar aqueles dois. — E se ele é uma peste, é por sua culpa, Theo. Sempre atiçou o menino. — Aproveitou para arremessar o fato na cara do amigo. — Só Scott pra acalmar ele depois. — Murmurou já sentindo exaustão. Mas sorriu ladino para o mine caos diante dele.
Theo em resposta, ergueu sua mão livre e fez dela um fantoche, insinuando que era para o Lahey dirigir a palavra a ela. Seth como o bom risonho, parou os beijos que dava na bochecha de Theo só para rir daquilo.
Isaac lhe mostrou discretamente o dedo do meio. Theo o enviou um beijo em deboche ao se aproximar mais. Seth não ponderou e quase se jogou do colo do tio assim que seus olhos focaram em Isaac, apressado para ir ao colo do pai.
— Vem, meu amor. Aposto que já tá doido pra se sujar e precisar de outro banho, não é? — Isaac recebeu o menor nos braços de bom grado, este que lhe enviou um sorriso contagiante junto a um aceno frenético. O cacheado bufou uma risada e não teve forças para não retribuir, deixando um selar no rosto do filho. — Vamos. Tia Tara e sua amiguinha Yara, querer te ver. — Moveu os calcanhares para fora da cozinha, seguindo a barulheira do outro cômodo.
Theo os observou sumir pelo corredor. Seth acenando para ele até não vê-lo mais. Um sorriso idiota emoldurava sua face. Mas não demorou em redirecionar seu foco ao namorado a alguns metros dele.
Liam encontrava-se de costas e distraído arrumando alguns cupcakes. E Raeken não hesitou em se aproveitar da calmaria súbita após horas.
O mais velho chegou abraçando o mais baixo por trás com calma. Liam largou o que fazia quase imediatamente, recostando-se contra o peitoral do rapaz.
Theo depositou alguns beijos pelo pescoço do loiro. Liam riu baixinho se contorcendo, e virou-se nos braços do outro.
— Detesto festas de criança. Sempre me separam de você. — Theo lamentou num murmúrio. A carranca nada disfarçada ao abraçar mais a cintura do namorado. Liam sorriu incrédulo, levando a mão direita ao rosto do de olhos verdes.
— Até parece. Logo sua felicidade começa assim que puder entrar naquele castelo inflável no quintal. — Liam bufou uma risada ao revirar os olhos em adoração. Passou o polegar sobre o beicinho nos lábios do mais velho. Não resistindo e roubando alguns selinhos demorados do mesmo, que sorriu satisfeito. O olhar tolo entregando tudo. — Você é a criança mais ansiosa daqui. — Falou divertido. Theo deu de ombros se fazendo de inocente.
— Em minha defesa, Scott me convenceu a pular junto com ele já que aquilo aguenta adultos. E faz séculos que não faço isso. — Sua explicação vaga aqueceu o coração de Liam. E de todo jeito não precisaria de mais nada. Assim como Theo amava ver Liam se divertir e alcançar objetivos, o loiro nunca impedia do policial ter seus momentos leves e que o permitisse se desestressar. Todos tinham o direito de ter isso as vezes. — E você tem que pular comigo também. Por favor, amor. — Insistiu de um jeito adorável mais uma vez. Encostando suas testas.
Liam gargalhou baixo não tendo forças para recusar de novo naquele dia. Então, optou por abraçar mais o outro. Seus narizes se encostando no famoso beijo de esquimó. Dunbar respirou fundo, optando por enrolar só mais um tanto para dar a resposta. O momento podia durar uns minutos.
Esta sem dúvida, é uma decisão que não se arrependia nem por um segundo. No começo ao cogitar sentiu receio sim, ele não negaria. Não depois de todos os medos e sequelas que adquiriu em seu relacionamento anterior, os quais precisou trabalhar muito duro em sessões longas na terapia.
Entretanto, quanto mais o tempo passava, mais segurança chegava para ele. E a convicção do que sentia por Theo somente crescia. Eles permaneceram na amizade por um bom tempo. Especificamente falando, por uns dois anos e meio.
Theo nunca ousou ultrapassar os limites do mais novo, e seguiu desse jeito. Ainda que Liam tenha deixado claro diversas vezes na época sobre não ter ideia de quando estaria preparado para um próximo passo daquele nível. Isso nunca se tornou um problema para o policial, que ao que demonstrava, sabia bem o que queria. Sempre muito paciente e compreensivo.
Eles usaram esse longo período para ir se reconhecendo. Contando sobre seus novos hábitos e gostos. E durante essas novas, Raeken descobriu o período em que Liam amava praticar boxe no ensino médio. E um tempo depois constatou que o menor ainda possuía certo interesse no esporte. Mas que infelizmente, foi limitado a voltar.
Claro que o mais velho não insistiu em muita coisa. Dando o espaço que Liam precisava para resolver outros interesses e questões. O momento em que o loiro precisasse dele, ele estaria lá. Pressa nunca esteve no comando.
E mesmo que tenha se preocupado mais do que deveria no período em que Liam não conseguia sair muito de casa devido ao medo de que a qualquer instante Andrew saísse da cadeia, ele se segurou para deixá-lo se resolver sozinho. Seguir o próprio ritmo.
A confiança em si do mais novo foi se restaurando de forma gradativa. E assim que receberam a notícia sobre Andrew ter sido morto no presídio, foi uma motivação mais que suficiente para o menor se libertar. Como se pudesse respirar direito finalmente.
Andrew nunca mais colocaria as mãos nele. Portanto, não se sentiria mais tão enjaulado com seus medos. Como se estivesse vivendo uma ilusão, que toda a paz que lutou para ter de volta, acabaria.
Aquele ciclo horrível havia se encerrado. E ele se empenhou para superar os velhos hábitos destrutivos. Todos estavam lá para apoiá-lo. Até em planos que Liam julgava como um tanto bobos no início. Isso para no fim se entregar de vez.
Antes o Dunbar tinha uma péssima mania de se diminuir. Especialmente suas vontades, embora tivessem relevância para ele. Era difícil se colocar em primeiro lugar nas situações simples.
Theo não tardou em se envolver aos poucos nisso. Não desistindo de mudar estes pensamentos na cabeça do mais novo.
Melhorar a autoestima não era algo da noite para o dia, mas em pequenas atitudes ou falas, pode acarretar em resultados revigorantes gradualmente. E Raeken quis fazer sua parte. Incentivando Liam no boxe, por exemplo. Só de notar o brilho empolgado e puro naquelas íris azuis, fazia valer cada segundo.
E foi prolongando a tática até quando necessário. Ou seja, ele nunca parou de verdade, adicionando isso a essência deles.
Tal dinâmica procedeu no ânimo de Liam retomando gradativamente, e logo o loiro teve forças para voltar a trabalhar na área que escolheu de corpo e alma para exercer.
Theo não tinha ideia, mas foram com esses exatos gestos, que ganhou totalmente – e mais uma vez – o coração e a confiança de Liam.
— Só você mesmo pra me arrastar pra aquele troço. — Se deu por vencido. Deixando um beijo estalado na bochecha do rapaz. Afastou-se para o fitar melhor. O mais velho tinha um sorriso vitorioso. — Mas se começar a me fazer cócegas, vai se arrepender. — Tentou parecer ameaçador ao avisar, seu dedo indicador pressionado no peitoral de Theo, que apenas ergueu as mãos em sinal de rendição. Liam estreitou os olhos.
— Eu jamais faria. — Se fez de ofendido, em seguida esboçando a sombra de um olhar maroto. Liam o abraçou pela cintura tentando encurralar o maior de algum modo, o que só resultou em Theo gostando da proximidade.
— Eita, arrumem um quarto. — Uma voz extra se fez presente no cômodo, esta já bem conhecida por todos. Theo revirou os olhos um tanto emburrado, embora tivesse carinho em seu olhar. Liam segurou o riso e foi o soltando devagar.
— Tio Theo!
Esse ser nem se quisesse, conseguiria aborrecer Theo tão facilmente.
Tara chegou em passos calmos com uma garotinha energética em seu encalço. A mulher sorriu amorosa para o casal, logo depositando a mochila da filha na banqueta do balcão a sua frente.
A Raeken de todas as pessoas, foi quem mais mudou desde a época em que Liam e Theo eram crianças. Outrora foi uma adolescente mais fechada e desanimada, porém atualmente conseguia esbanjar mais calmaria e animação.
Períodos ruins tendem a nos consumir, muitas vezes abafando nosso brilho.
Tara tinha seus motivos para ser ainda meio fechada, mas sempre deixava explícito o quanto a chegada de Yara havia mudado sua percepção sobre tudo.
E não só para ela, mas para Theo também. Que era tão agarrado com a sobrinha quanto a irmã mais velha.
Seth tinha um lugar especial no coração do Raeken, mas com Yara era uma ligação mais intensa. E por mais que os de fora não compreendessem tanto, era bom de se admirar.
Theo trocou um olhar empolgado com o namorado antes de se agachar a fim de ficar na altura da criança.
A garotinha loira de somente quatro anos correu animada na direção do maior. O policial a pegou num abraço de urso. Yara se segurou fortemente no rapaz, que a beijou no rosto diversas vezes.
— Eu tava morrendo de saudades, bebê. — Theo disse um tanto eufórico enquanto se erguia com a pequena no colo. Tara o assistia com afeição. — Menos de você. — Seu tom mudou bruscamente ao se voltar para a irmã, que bufou uma risada zombando dele. — É sério. — Nem de longe seria convincente suas palavras, ainda mais após puxar a irmã para um abraço de lado.
— Até parece. Você era meu fã quando bebê. Eu não podia sair de perto que você já chorava me querendo de volta. — Tara comentou tal lembrança com muito orgulho, junto a uma expressão convencida. Recebeu algumas risadas do irmão, que apenas ignorou o fato.
Estava concentrado demais paparicando Yara para se defender dignamente.
— Ah, ele ainda faz isso. Só que comigo. — Liam soltou a informação no ar como se fosse algo sobre o clima. Recebendo um rápido olhar mortal do namorado. — Ele sempre gosta de fingir que nunca aconteceu. — Arqueou as sobrancelhas em provocação, lançando uma piscadela ao mais velho que esboçou um beicinho emburrado, logo desviando o olhar.
Tara deixou uma risada escapar sem que pudesse evitar. Rumando na direção do cunhado.
— Você sempre foi meu favorito, pequeno Liam. — Disse de forma amorosa ao abraçá-lo de maneira aconchegante, fazendo-o rir baixinho. Liam podia ser uns dois centímetros maior que ela, mas o apelido carinhoso permanecia intacto. — E se você falar que já cresceu, dou na sua cara. — Soou gentil apesar do contraste das palavras. Se afastando segundos depois.
Yara no colo de Theo, emitiu por trás da chupeta uma risadinha travessa para a mãe, o que acarretou neles acompanhando-a.
Era da rotina neles lidar com as doidices da Raeken toda vez que a mesma e a filha visitavam Beacon Hills. E Liam era quem mais se divertia.
As confusões se resumiam as vezes num Theo irritado, que logo começava a brigar com a irmã por qualquer coisa para então, estarem bem de novo de repente. Como se nada tivesse ocorrido.
Liam sempre trazia o assunto de volta no dia em algum momento para rir da cara do namorado, e Theo cedia e acabava por rir junto.
— Tara, aceita que até a sua filha vai ficar maior que você. — Theo comentou com uma feição cínica, enquanto abraçava mais a sobrinha, esta que até o momento observava a bagunça. — Ela me puxou. Posso não ser tão alto, mas é o suficiente. — Sorriu ladino com uma aura implicante. A cena em si estava cômica demais, já que Theo acaricava os cabelos claros da sobrinha com todo cuidado.
Liam negou com a cabeça cruzando os braços. Sabendo que o namorado era inconveniente só porque podia.
— Eu sabia que deveria ter afogado você na primeira vez que te dei banho. — Tara tinha as mãos na cintura e um olhar afiado. Theo retribuiu do mesmo modo. Yara em seu colo apenas sorria para a cena, não entendendo muito.
— Okay, okay. Se vão se atacar, deixa eu pelo menos pegar minha princesa primeiro. — Liam anunciou um tanto alto antes de locomover, suas mãos erguidas deixando claro que queria passar logo. Saiu de trás do balcão rapidamente.
Yara já tinha os braços estendidos na direção dele, as mãozinhas abrindo e fechando. Indicativa da ansiedade para ir ao colo do loiro.
A loirinha podia ter seu apego por Theo de todo modo. Entretanto, também amava conversar por horas com Liam. O Dunbar conquistou o amor da garotinha somente por estar disposto a brincar com ela ou ouvi-la. Yara era comunicativa, então significava muito.
Theo sorriu para os dois sentindo um calor confortante preencher seu peito. Passou a sobrinha sem reclamar para os braços do namorado, que a segurou todo eufórico.
Liam foi se retirando do cômodo já recebendo um assunto novo de Yara, que foi tirando boas risadas do mais velho. Ele a jogou brevemente para cima em brincadeira, fazendo a loirinha rir alto durante a falação.
— Eai, irmão. Tá preparado pra quando ele começar a falar de filhos? — Tara chegou sorrateiramente por trás do Raeken, apoiando-se no braço do mesmo.
Theo sorriu de canto em resposta ao negar com a cabeça. Passando o braço esquerdo pela cintura da mais velha instantes depois. Tara soltava alguns risos baixos, retribuindo.
— Primeiro, tenho que o pedir em casamento, não acha? — Ele arqueou uma das sobrancelhas. Um brilho carregado de expectativa nas íris verdes. De repente, sentindo as bochechas esquentando.
Tara sorriu amorosa para o caçula, acariciando a bochecha do rapaz que continha resquício de barba por fazer.
Toda vez era a mesma sensação. Como se estivesse prestes a acontecer em algumas horas. Só de pensar no quando e não no e se, fazia o nervosismo vir quase de imediato. Mas era uma aflição boa. Embora não esteja nos seus planos perguntar algo desse nível para Liam. Não ainda.
O que eles tinham no momento era mais que suficiente. Porém, imaginar um pouco certos cenários não matava ninguém. Theo não era de ferro, e visualizar Liam numa cerimônia deste contexto, o deixava todo bobo.
— Tudo no tempo dele, né? — Tara comentou de modo amistoso. Nunca criticando e sempre sendo a mais empolgada quanto ao relacionamento do irmão desde o início. A Raeken escolheu estar sozinha e criar sua filha, mas isso não quer dizer que não apoiaria as decisões dos próximos a ela.
Theo assentiu fraco, baixando o olhar para fitar a irmã.
— Sempre no tempo dele. Vale a pena. — Ele deixou claro em sua feição o quanto aquilo o fazia se sentir realizado. E Tara, não podia estar mais feliz por ele. — Prometi pra mim mesmo que cuidaria dele. E não pretendo mudar isso, nunca. — A determinação no olhar do rapaz era invejável.
Tara sorriu minimamente. Pensando no quanto valia a pena retornar àquela cidade e ver a evolução de todos. Mas o principal, a evolução dos seus dois meninos favoritos, que já não eram mais tão meninos.
— Sei que não. E ele também cuida muito de você. É tão nítido. — Tara bufou uma risada. Afastando-se aos poucos, mas puxando o irmão junto. — Cuidado pra não ficar ainda mais mimado. Liam mima muito você. — As implicâncias não poderiam se apagar assim tão fácil.
Theo revirou os olhos um tanto acanhado. Não vendo como discordar da outra. Permitiu-se ser arrastado por Tara, os sons da festa ficando mais altos conforme chegava nos fundos da casa.
A morena soltou seu pulso assim que atravessou a porta, sendo recebida com gritos e risadas. Scott largando a churrasqueira com Isaac apenas para poder abraçar a Raeken.
Havia outras crianças espalhadas pelo gramado, cujo os pais tinham deixado há algumas horas na casa dos Lahey - McCall só por confiarem muito no casal. Todos amiguinhos de Seth da pré escola. A casa até parecia uma mine creche.
Theo passou calmamente pela gangue de crianças que não paravam de correr, quase fazendo-o tropeçar no meio do trajeto.
Liam ao longe somente assistia rindo o jeito desajeitado do namorado, enquanto o aguardava sentado em uma das cadeiras de madeira disponíveis pela área espaçosa do quintal.
Yara encontrava-se literalmente esparramada no colo do loiro, deitada de costas sobre cada coxa do Dunbar enquanto se distraía olhando para o céu. Ela apontava para as nuvens e proferia por trás da chupeta quais formas de animais ou objetos ela conseguia distinguir delas.
Liam as vezes dava sugestões. Umas engraçadas que arrancava boas gargalhadas da menor, mas gostava mais de permitir que a outra pensasse sozinha. A loirinha era genial e muito criativa.
Theo suspirou em alívio assim que passou ileso pelos pequenos seres cheios de energia. Buscando logo uma cadeira para si, acomodando-a ao lado do namorado.
— As vezes acho que elas podem nos comer vivos. — Theo comentou num sussurro para o mais novo, que bufou uma risada em zombaria. — É sério. Talvez seja por isso que usam crianças em filmes de terror. — Esboçou uma falsa careta assustada a medida que viu Seth correr atrás de um colega, e acabaram caindo um em cima do outro.
— Isso é autocrítica, então. Nós éramos iguais ou até piores. — Liam pontuou casualmente. Seus dedos se movendo pelos cabelos claros de Yara, que estava meio alheia a conversa.
Theo sorriu com carinho para os dois. Entre eles, Liam sem dúvida era o que mais gostava de crianças.
— Não posso discordar. — Admitiu, mas nem um pouco envergonhado. Liam o enviou um olhar caçoador, dando um leve tapa em seu braço. Theo riu baixinho. — E essa folgada aí. Tentando roubar meu namorado, dona Yara? — Theo soou acusatório no teatrinho, inclinando para fazer cócegas na barriga da sobrinha.
Yara soltou alguns risos tentando afastar a mão de Theo, sua chupeta só não caindo na grama, graças ao prendedor agarrado a sua blusa. Liam riu em adoração, ajudando a menor a subir seu tronco para encará-los.
— Liam é meu agora. — Yara se agarrou no pescoço do Dunbar, que riu alto incrédulo se segurando para não apertá-la como queria.
A expressão indignada no rosto do mais velho deveria intimidar, mas era adorável demais. Liam fez uma nota mental para falar sobre o quanto o namorado era fofo, mais tarde.
— Chegou atrasada, querida. — Raeken fingiu lamentar. O olhar convencido em seu semblante. Yara formou um beicinho em seus lábios, abraçando mais o rapaz loiro que apenas se divertia com a situação. — Mas podemos dividir. Afinal, Liam é importante pra nós dois, não? — Ele estendeu a mão na direção da outra, como se selasse um acordo. A menor sorriu realmente maravilhada, apertando a mão do tio.
Liam só conseguiu cobrir o rosto com uma das mãos devido ao acanho. Raeken era impossível, mas não de uma maneira ruim. Era por conta dessa personalidade caótica do mais velho, que seus dias tinham mais cor e leveza.
Theo podia ser sério e um tanto frio no trabalho. Entretanto, perto de Liam e no conforto da casa deles, sempre seria quase uma mudança radical no mesmo. E Dunbar amava cada parte dele. Sobretudo, sua capacidade absurda em manter promessas.
No caminho de ambos houve muitos impasses, que os afastaram. Tais que resultou em marcas para uma vida inteira. Mas felizmente, a força e coragem que carregavam os permitiram driblar os obstáculos.
E por ironia do acaso ou não, Theo seguiu da mesma maneira, protegendo Liam. E no que dependesse dele, isso não mudaria.
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sinceramente, escrever isso foi uma baita experiência nova e desconfortável. Devido ao assunto abordado né, e infelizmente tive muitos gatilhos enquanto escrevia mas nada q eu não pudesse lidar
infelizmente eu meio que sou o Liam dessa história. Claro que não sofri tudo na mesma proporção e nem agressões físicas. Mas verbais e a psicológica tá no pacote. E não, não foi de um namorado ou namorada e essas merdas. Enfim, o daddy issues
Mas a mensagem que eu quis passar com essa One é que, Theo sempre estará ao lado de Liam, independente do tempo ou em que vida estejam. Eles estão ligados sabe e isso explica a química absurdamente perfeita deles. Acredito muito nesse raciocínio clichê de que se a pessoa é pra estar na sua vida, ela vai voltar pra você independente dos obstáculos.
E claro, sobre não se calar perante a abusos por mais difícil que seja. Não é fácil sair disso e nem superar as feridas, mas cada passo dado pra enfrentar e melhorar, já é um grande avanço. Todas as vezes que consegui enfrentar meu pai de alguma forma e o colocar no lugar dele pra ao menos me respeitar (já que eu o respeito por obrigação, então né, chega de hipocrisia) Me senti melhorando aos poucos e quebrando certas barreiras em mim. Não tô 100%, mas melhorei o suficiente pra não me importar com os chiliques dele ou de qualquer um. Nunca levem desaforo de ninguém e sempre se defendam (seja verbalmente ou fisicamente) Acho que é o único conselho bom que posso dá.
Amo todos vocês, me desculpa o desabafo e espero que tenham gostado. Entreguei tudo de mim nisso aí. ❣️
Até às próximas atualizações das outras obras. 🐺💛💜
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