𝟢𝟥𝟣. 𝘊𝘢𝘴𝘦 𝘊𝘭𝘰𝘴𝘦𝘥
Era o primeiro dia de Bucky no apartamento de Theressa, e ele se sentia deslocado. O ambiente era pequeno e acolhedor, uma mistura de simplicidade e toques pessoais que refletiam a personalidade dela.
Livros empilhados em uma pequena estante, algumas plantas perto da janela e fotografias discretas que ela mantinha em porta-retratos em cima de uma mesa de canto. Apesar do espaço que Theressa fazia questão de lhe dar, deixando-o à vontade para se acomodar e explorar, ele não conseguia se livrar daquela sensação incômoda de estar invadindo algo que não lhe pertencia.
Ela tinha preparado um quarto para ele, o deixando o mais neutro possível, mas mesmo assim ele sabia que estava tomando parte da vida dela de uma forma que talvez não merecesse. Cada gesto de generosidade parecia lhe causar um aperto no peito, como se houvesse uma dívida invisível se acumulando a cada instante.
Theressa estava na cozinha, distraída, ocupada com algo simples, mas ele percebeu que era apenas para dar espaço a ele e isso só o fazia se sentir mais estranho. Thessa o tratava com gentileza, como se não houvesse uma história turbulenta entre eles, como se não tivesse um peso insuportável que ele carregava por tudo o que havia acontecido.
James soltou um suspiro profundo, tentando ignorar o nó em sua garganta. Ele sabia que precisava encontrar uma maneira de retribuir a confiança e o cuidado que ela estava lhe oferecendo, mas não tinha certeza de por onde começar.
Barnes ouviu uma batida na porta e seus olhos imediatamente seguiram Theressa enquanto ela passava por ele, com movimentos rápidos e seguros.
Ele a observou por um momento, seus olhos analisando cada detalhe de sua figura sem que ela percebesse. Theressa estava vestida com um jeans justo, uma regata branca simples e tênis brancos, o cabelo preso em um rabo de cavalo que deixava seu rosto ainda mais iluminado. A casualidade do visual contrastava com o impacto que ela tinha nele, algo que ele tentava esconder, mas que sempre parecia transparecer de alguma forma.
Quando ela abriu a porta, um homem loiro, de olhos verdes, da mesma altura que Bucky, entrou com um sorriso fácil e confiante. Theressa imediatamente o apresentou:
— James, esse é Tyler Donovan, o advogado de quem eu falei. Ele já cuidou de algumas coisas para mim.
Bucky se levantou lentamente, estendendo a mão para cumprimentar o homem. Ao fazer isso, não pôde deixar de notar a maneira confortável com que Tyler se movia pelo apartamento, como se já estivesse bastante familiarizado com o espaço e mais importante, com Theressa. Aquilo fez algo se agitar dentro de Bucky, uma pontada de irritação que ele tentou ignorar.
— James Barnes. Prazer em conhecê-lo. — disse Bucky, sua voz neutra, mas o aperto de mão um pouco mais firme do que o necessário.
— O prazer é meu. — respondeu Tyler, retribuindo o aperto com a mesma energia, os olhos verdes brilhando com uma confiança despreocupada. Ele se voltou para Theressa e deu um sorriso largo. — Então, vamos falar sobre esse plano de limpar seu nome, Barnes. Theressa acha que conseguimos resolver isso em pouco tempo.
James apenas acenou, sem deixar de notar o tom de familiaridade com o qual Tyler falava dela, como se houvesse uma história entre eles que ele não conhecia. Theressa sorriu para Tyler, o que só intensificou a sensação incômoda de Bucky.
Tyler parecia completamente à vontade ao lado dela e embora a interação parecesse profissional, a intimidade subjacente o incomodava mais do que ele queria admitir.
Conforme a reunião prosseguia, o som da voz de Tyler Donovan preenchia o ambiente, enquanto ele descrevia meticulosamente os possíveis cenários legais para Bucky, as potenciais testemunhas e as estratégias que poderiam ser adotadas para limpar seu nome.
Ele falava com uma segurança irritante, como se já tivesse tudo sob controle, e a maneira casual com que gesticulava enquanto explicava deixava Bucky ainda mais incomodado. A cada frase do advogado, a sensação de sufocamento e angústia aumentava, um peso crescente em seu peito.
Theressa estava sentada ao lado de Bucky, mantendo uma expressão neutra, mas atenta. De vez em quando, ela fazia uma pergunta ou acrescentava algo à discussão, tentando oferecer alguma perspectiva.
Embora não demonstrasse uma emoção específica, sua postura transmitia que estava genuinamente empenhada em ajudá-lo. Porém, isso só fazia a situação ser ainda mais difícil de engolir para ele.
Quanto mais eles falavam sobre suas possibilidades, mais ele se sentia deslocado, como se não pertencesse a esse esforço, como se estivesse tomando o tempo de Theressa e atraindo problemas para ela.
Tyler continuava explicando as estratégias como se fossem um roteiro pronto, e a cada nova ideia, parecia que o advogado estava mais preocupado em mostrar o quanto era competente do que realmente ajudar. Bucky sentiu uma pontada de irritação crescendo dentro dele, uma inquietação que ele lutava para conter.
— E se... — Bucky interrompeu de repente, a voz um pouco mais áspera do que pretendia. — E se eu simplesmente não quiser fazer nada disso? — Ele olhou para Theressa, procurando alguma resposta, mas com os olhos cheios de frustração. — Não sei se isso vale a pena, nem se eu mereço toda essa... tentativa.
Theressa desviou o olhar para ele, surpresa, mas compreendendo. Ela sabia que Bucky carregava o peso da culpa e do arrependimento, mas não havia uma forma fácil de aliviar esse fardo. Ela abriu a boca para responder, mas foi Tyler quem falou primeiro:
— Todo mundo merece uma segunda chance, Barnes. Principalmente aqueles que lutam contra si mesmos todos os dias. — As palavras saíram com um tom confiante e quase motivacional, como se quisesse convencer não só Bucky, mas também a si mesmo.
Bucky só conseguia pensar em como aquele cara bonitão e bem-falante o estava irritando mais a cada minuto que passava, fazendo-o sentir que estava sendo empurrado para um caminho que não sabia se queria seguir.
Depois que Tyler finalmente saiu, o apartamento caiu em um silêncio quase reconfortante. Bucky se deixou afundar no sofá, os ombros ainda tensos, como se carregasse o peso do mundo ali. Theressa veio logo depois, sentando-se ao lado dele, com um olhar curioso e levemente preocupado.
— Então... o que você achou do advogado? — perguntou ela, mantendo a voz baixa e calma. Havia um tom de leveza em suas palavras, mas os olhos analisavam Bucky com cuidado, tentando entender o que se passava na mente dele.
Ele soltou um suspiro, esfregando uma das mãos no rosto. Estava visivelmente irritado e não fez muito esforço para esconder.
— Ele fala demais, é isso que eu acho. — resmungou, cruzando os braços com uma expressão fechada. — Parece que tem todas as respostas prontas.
Theressa não pôde deixar de sorrir levemente diante da irritação dele. Ela conhecia esse lado de Bucky: o lado resistente, que tinha dificuldade em aceitar ajuda, mesmo quando precisava dela.
— É o trabalho dele, Bucky. — ela disse com um tom conciliador.
Bucky desviou o olhar para a janela, onde a luz do fim de tarde começava a desaparecer.
— Eu sei que você só quer ajudar, Theressa. E eu agradeço por isso. Mas ainda me sinto como se estivesse ocupando um espaço que não é meu. Não sei se consigo fazer isso.
Ela balançou a cabeça, inclinando-se um pouco mais para perto dele, sem deixar de exibir um sorriso encorajador.
Thessa apertou de leve o ombro dele, o toque mínimo enviando um arrepio inesperado pela espinha de Bucky. Theressa parecia relaxada, mais do que ela própria esperava.
Havia algo de reconfortante naquilo, no fato de estar com ele em um ambiente normal, longe dos pesadelos da Hydra ou das memórias sombrias da Sala Vermelha.
Ela se levantou, afastando-se com um leve sorriso enquanto olhava para ele.
— Vou pedir algo para comer. Alguma preferência? — perguntou casualmente, já caminhando em direção à cozinha.
James balançou a cabeça, um pouco distante.
— Não precisa, eu estou bem. — respondeu, a voz mais baixa do que ele pretendia. Ele estava mais desconfortável do que gostaria de admitir.
Theressa o observou por um instante, os olhos avaliando cada expressão dele. Ela entendia o que aquela resistência significava, as barreiras que ele ainda mantinha, os medos que o prendiam. Mas também sabia que não adiantava forçar.
— Certo. — disse ela, sem insistir. — Vou pedir algo pra mim então. Mas, se mudar de ideia, é só me avisar.
Bucky apenas assentiu, com um leve movimento da cabeça, enquanto ela pegava o celular para fazer o pedido.
Havia algo no jeito de Theressa, a maneira como ela se movia pelo apartamento, a naturalidade com que lidava com ele, que fazia parecer que talvez, só talvez, ele pudesse se permitir baixar a guarda, pelo menos um pouco.
Apesar de Bucky ter dito que não queria, logo Theressa voltou com uma caixa de pizza e duas cervejas. Ela colocou a pizza na mesa de centro e entregou uma das garrafas para ele, com um sorriso tranquilo no rosto, sem dizer nada. Não precisava; a ação falava por si.
James aceitou a cerveja, seu olhar pousando na caixa de pizza e depois voltando para ela. Havia algo naquela simplicidade que o desarmava. Ele abriu a garrafa e deu um gole, observando Theressa se acomodar ao seu lado no sofá, puxando a caixa de pizza para mais perto deles.
— Sei que você disse que não queria, mas... — Ela deu de ombros, pegando uma fatia. — Quem recusa pizza, não é?
Barnes não pôde evitar um meio sorriso. O gesto dela, tão pequeno e ao mesmo tempo tão significativo, o fez sentir que talvez ele pudesse, aos poucos, se permitir pequenos prazeres novamente.
Ele pegou uma fatia e deu uma mordida, o sabor simples e familiar o reconectando com uma normalidade que ele havia esquecido.
— Obrigado. — disse ele, a voz saindo um pouco mais suave.
Theressa olhou para ele e ergueu a garrafa como se brindasse silenciosamente.
— Você não precisa agradecer, James. — Ela tomou um gole da cerveja e sorriu. — Isso é só a gente sendo normal, pelo menos uma vez.
Enquanto comiam, Theressa lançou um olhar divertido para Bucky, uma faísca de provocação dançando em seus olhos.
— Sabe, eu ainda me lembro que antes de você ser congelado, você disse que ia me levar para sair. — Ela deu uma mordida na pizza, com um sorriso desafiador surgindo em seus lábios.
Por um momento, Bucky se sentiu como se estivesse de volta ao Brooklyn, antes da guerra, antes de tudo mudar. Só que na pele de Steve Rogers, pois naquela época Steve era um coitado desajeitado, Bucky sempre soubera lidar com as mulheres. Ele tinha charme, confiança e o tipo de sorriso que conseguia derreter qualquer coração.
Mas agora não se sentia dessa forma, ainda assim, tentou entrar na brincadeira.
Ele soltou uma risada curta e olhou para Theressa, inclinando-se ligeiramente em direção a ela.
— Ah, você lembra disso, é? — Seus lábios se curvaram em um sorriso fácil, o olhar intensamente focado nela. — Bom, eu nunca volto atrás nas minhas promessas. E acho que ainda te devo essa saída, não é?
Ela ergueu uma sobrancelha, interessada, como se aceitasse o desafio.
— Então, o que está esperando, Barnes? — Theressa brincou, sua voz carregando um tom que era ao mesmo tempo casual e sugestivo.
Bucky sentiu o calor subir no peito, algo que não sentia há tempos. Ele se lembrou do beijo que havia compartilhado com Theressa antes de ser colocado em criogenia, um beijo intenso e apaixonado, na frente de todos. A memória ainda era viva e clara em sua mente, mas ele escolheu não mencioná-la. Em vez disso, com um sorriso provocador, ele decidiu mudar o rumo da conversa, mantendo o tom brincalhão.
— E quem disse que é tão fácil assim conseguir um encontro comigo? — Ele inclinou a cabeça, os olhos brilhando com uma diversão maliciosa. — Vai ter que se esforçar um pouco mais para isso, sabe?
Theressa soltou uma risada, balançando a cabeça em descrença.
— Ah, é? E o que mais eu tenho que fazer, Barnes? — Ela cruzou os braços, fingindo estar ofendida. — Porque, pelo que me lembro, foi você quem me prometeu esse encontro.
Bucky ergueu uma sobrancelha, mantendo o sorriso nos lábios.
— Talvez eu tenha mudado de ideia. — Ele fez uma pausa dramática, fingindo pensar. — Ou talvez eu só esteja testando para ver se você ainda está interessada.
Ela revirou os olhos, mas o sorriso em seu rosto não deixava dúvidas de que estava se divertindo com a provocação. O jogo de provocações era familiar, mas havia algo mais ali, um sentimento que se escondia nas entrelinhas, algo que ambos pareciam estar evitando reconhecer totalmente.
Os minutos e horas passaram, finalmente, depois do que parecia uma eternidade, eles estavam tendo uma conversa normal, as palavras fluindo de forma leve, quase como se o peso do passado estivesse ausente.
Trocaram risadinhas aqui e ali, os sorrisos se alargando de maneira natural. A caixa de pizza estava vazia e as garrafas de cerveja, agora abandonadas na mesa de centro, refletiam a luz suave do apartamento.
Mesmo com o soro de super soldado que corria em suas veias, impedindo qualquer efeito significativo do álcool, eles se sentiam estranhamente embriagados, mas não por causa da bebida.
Era a sensação de uma conexão, de estarem juntos em um ambiente simples e cotidiano, longe das batalhas, das missões e dos traumas. Uma sensação de normalidade que parecia quase proibida para eles, mas que agora, por algum milagre, estava ali.
Theressa soltou um suspiro satisfeito e se recostou no sofá, olhando para Bucky com uma expressão tranquila.
Kuznetsov soltou um suspiro satisfeito e se recostou no sofá, olhando para Bucky com uma expressão tranquila, mas logo se levantou, ajeitando a roupa de forma casual.
— Acho que vou dormir. — disse ela, um pouco relutante, como se também não quisesse que a noite terminasse.
Bucky concordou com um leve aceno de cabeça.
— Tudo bem. — respondeu. — Boa noite.
Ela se virou em direção ao corredor, mas parou por um instante, lançando um último olhar para ele.
— O seu quarto é o primeiro à direita, caso tenha esquecido. — lembrou, com um sorriso brincalhão.
— Obrigado. — disse ele, devolvendo o sorriso. — Boa noite, Theressa.
Ela assentiu e seguiu para o quarto, fechando a porta atrás de si. Bucky, por sua vez, se jogou no sofá, passando a mão pelo rosto e soltando um suspiro frustrado.
A verdade é que, apesar de saber que ela precisava descansar, ele queria ter ficado mais tempo com ela, conversando, rindo, se permitindo acreditar que, por um momento, eles poderiam ser apenas duas pessoas normais.
Mas agora, com o silêncio da noite e o vazio do apartamento se instalando, ele se sentia inquieto.
Barnes levantou-se do sofá, pegando a caixa de pizza e as garrafas vazias, e levou tudo para a cozinha. Jogou o lixo fora, tentando ocupar a mente com aquelas pequenas tarefas. Quando finalmente foi para o quarto, encontrou a cama impecável, com lençóis limpos e uma colcha macia demais para o que ele estava habituado.
Deitou-se na cama, mas a sensação não parecia certa. O colchão era tão confortável que quase o incomodava; era como se ele estivesse em um lugar onde não pertencia. Após alguns minutos de reviravoltas, desistiu. Pegou o lençol e o jogou no chão, criando um improviso que se assemelhava mais ao desconforto que estava acostumado.
Acomodando-se ali, com o corpo rente ao chão frio, a sensação de familiaridade o envolveu. Em poucos minutos, ele adormeceu, caindo em um sono profundo e tranquilo que não experimentava há tempos.
Uma semana havia passado mais rápido do que Bucky esperava. Ele estava se adaptando àquela nova rotina no apartamento de Theressa, embora aquela parte dele que se achava indigno de qualquer ajuda ou carinho dela continuasse a corroer seus pensamentos.
Durante a semana, tiveram alguns encontros com Tyler, o advogado, para discutir a estratégia para a audiência. E quanto mais ele via o advogado, mais irritante Bucky achava o cara, e os ciúmes só cresciam.
Agora, o dia da audiência havia finalmente chegado. O nervosismo era palpável e Bucky, que sempre manteve uma postura reservada e controlada, se via lutando contra a ansiedade de uma maneira que não esperava.
Naquela manhã, ele estava tentando se barbear, algo simples, mas que parecia um desafio com suas mãos trêmulas. Ele estava na sala, um espelho apoiado na estante, usando uma lâmina tradicional, concentrado em não se cortar.
Mas, claro, isso não aconteceu.
Um deslize. Ele sentiu a lâmina raspar a pele com um corte seco, e logo o sangue começou a manchar a camisa social branca que ele estava usando.
Ele olhou para baixo, frustrado, enquanto o vermelho se espalhava, criando um contraste gritante. Soltou um suspiro irritado, fechando os olhos por um momento, tentando se acalmar.
A porta do quarto de Theressa se abriu e ele sabia que ela veria o estrago em poucos segundos.
Theressa se aproximou rapidamente, a preocupação evidente no rosto enquanto perguntava, com a voz suave:
— Você está bem?
Bucky soltou um suspiro pesado, ainda segurando a lâmina, o olhar fixo no sangue que se espalhava pela camisa. O corte era pequeno, nada além de uma ardência insignificante para alguém como ele.
Mas naquele momento, não era a dor física que o incomodava. Ele se martelava por fazer bagunça em um dia tão importante, por estar nervoso por algo que deveria ser simples.
— Está tudo bem — ela disse, com um sorriso de leveza, começando a pegar alguns lenços de papel para limpar o sangue. — Não é nada que não possamos resolver. Só um cortezinho.
Ela começou a ajudá-lo a limpar o corte e a mancha na camisa, mas ele revirou os olhos, soltando um pequeno resmungo.
— Você tá me fazendo parecer um inútil — ele murmurou, meio contrariado, tentando desviar o olhar dela, mas sabendo que era impossível. Theressa tinha aquela maneira de fazer tudo parecer normal, sem grande esforço. E, de alguma forma, isso só o fazia se sentir mais inadequado.
Ela sorriu levemente enquanto pressionava o lenço contra o pequeno corte em seu rosto, os dedos dela suaves, sem mostrar pressa ou irritação.
— Você não é inútil, James — ela respondeu, com firmeza, mas em um tom que era quase carinhoso. — Só relaxa.
Bucky soltou um pequeno riso amargo, mas Theressa apenas continuou seu trabalho, sem julgá-lo, e isso, de alguma forma, o fez se sentir um pouco menos pesado.
Ela terminou de limpar o sangue e olhou para ele, os olhos gentis. Theressa deu uma risadinha suave, ignorando o olhar contrariado dele.
— O paletó vai esconder, não se preocupe — disse, com um tom encorajador, antes de sair para pegar a peça de roupa.
O Barnes revirou os olhos enquanto ela se afastava, refletindo sobre o quão estranho era usar um terno novamente.
Nos anos 40, ele costumava gostar de se vestir bem; trajes elegantes eram parte da vida, uma segunda natureza. Agora, com o peso do tempo e de tudo que havia passado, o tecido bem cortado parecia pertencer a outra vida.
Quando Theressa voltou com o paletó, ele levantou os olhos para ela e ficou um momento em silêncio, absorvendo o que via. Ela estava vestida com trajes elegantes, uma combinação impecável que realçava sua figura esbelta e sofisticada.
O vestido tinha um corte clássico e elegante, ajustando-se aos contornos do corpo dela com a graça de alguém que sabia exatamente como se portar. O cabelo estava preso em um coque bem feito, com algumas mechas soltas que emolduravam seu rosto. Uma beleza atemporal, que fazia seu coração bater um pouco mais forte.
— Você está... muito bonita — ele murmurou, quase sem querer, enquanto aceitava o paletó que ela lhe estendia.
Theressa esboçou um sorriso ligeiramente tímido, algo raro de se ver, e deu de ombros como se fosse um simples comentário.
— Obrigada. — respondeu, colocando uma mecha solta atrás da orelha.
Bucky vestiu o paletó com um suspiro, ajustando-o sobre os ombros, ainda com os olhos presos na figura dela. Por um momento, a audiência parecia distante, e tudo o que ele conseguia pensar era no quanto ela parecia perfeita naquele instante.
Ao notarem que já estava ficando tarde, eles silenciosamente concordaram que era a hora de ir. Bucky desceu as escadas ao lado de Theressa, seus passos pesados ecoando pela garagem silenciosa enquanto ela mantinha o ritmo ao lado dele.
Quando chegaram ao carro, Tyler já os esperava, encostado casualmente contra a porta, seu semblante relaxado e seguro demais para o gosto de Bucky.
Theressa, sem pensar muito, abriu a porta do banco do passageiro, como se já estivesse acostumada a se sentar ali. Mas antes que ela pudesse fazer qualquer movimento, Bucky soltou um leve sorriso de canto e, com uma rapidez inesperada, tomou seu lugar no assento da frente.
Ele se acomodou, fechando a porta com firmeza, deixando claro que ele não ia permitir que Theressa se sentasse ao lado de Tyler. A mensagem silenciosa foi entregue com precisão, mesmo que disfarçada por um gesto aparentemente casual.
A morena arqueou uma sobrancelha, surpresa, e soltou uma risadinha baixa, sem contestar a ação dele. Apenas deu de ombros e, sem dizer uma palavra, contornou o carro, resignando-se ao banco de trás.
Mesmo enquanto tentava manter uma postura despreocupada, havia uma faísca de diversão nos olhos dela. Ela sabia o que ele estava fazendo e embora não admitisse, achou a atitude dele um tanto adorável e protetora.
Tyler, aparentemente sem perceber a tensão que pairava no ar, entrou no carro e começou a falar sobre os preparativos da audiência, mas Bucky apenas ouvia o som distante de sua voz.
Ele se inclinou no assento do passageiro, lançando um olhar rápido pelo espelho retrovisor, onde os olhos de Theressa encontraram os dele por um breve segundo. Ela lhe deu um sorriso discreto, quase cúmplice, antes de desviar o olhar pela janela, deixando o clima dentro do carro ainda mais carregado de subtextos.
O julgamento se arrastou por horas, um espetáculo exaustivo e tenso. A atmosfera na sala estava carregada de emoções e hostilidade velada, com cada testemunho e argumento sendo meticulosamente analisado e contestado.
Theressa ocupava o banco das testemunhas com uma postura ereta, tentando parecer inabalável. Ela sabia que a narrativa que estava sendo contada não era apenas sobre os crimes do Soldado Invernal, mas também sobre ela própria — uma antiga peça da Sala Vermelha e uma pessoa que o governo americano jamais perdoaria completamente.
Os promotores eram insistentes, implacáveis em suas tentativas de distorcer o que ela dizia, tentando sugerir que, de alguma forma, os dois ex-agentes ainda eram perigosos, que suas intenções nunca poderiam ser totalmente confiáveis.
Theressa respondeu com calma às perguntas, mas dentro dela, uma sensação de frustração e desânimo se acumulava. A cada insinuação de que ela ou Bucky ainda eram "armas da Hydra", o fardo de seu passado parecia crescer mais, como uma sombra que nunca deixava de pairar sobre eles.
Ela sabia que, mesmo que Bucky saísse daquela sala sem uma sentença, com um veredicto de liberdade parcial ou total, a realidade era que tanto ela quanto ele permaneceriam, aos olhos de muitos, como ferramentas danificadas, armas desativadas, mas nunca completamente inofensivas.
Thessa se inclinou levemente para frente, mantendo o tom de voz firme e a expressão impassível. O promotor, com um sorriso quase arrogante, fez uma pergunta carregada de insinuações:
— Senhorita Kuznetsov, dado o seu histórico com a Sala Vermelha e suas associações prévias com o Soldado Invernal, como podemos ter certeza de que sua lealdade agora é para com os Estados Unidos e não para com qualquer outra agenda?
— Como alguém que foi forçada a viver sob o controle de outros durante a maior parte da minha vida, a única agenda que eu tenho agora é garantir que ninguém mais passe pelo que eu passei.
O promotor tentou interromper, mas Theressa o cortou antes que ele pudesse continuar:
— O senhor está sugerindo que, pelo fato de eu ter sido uma vítima, eu não tenho o direito de lutar para ser uma pessoa melhor? Ou que o fato de ter sido uma arma uma vez me torna para sempre incapaz de ser qualquer outra coisa?
A sala ficou em silêncio, e o promotor hesitou. Theressa continuou, sua voz fria e afiada:
— Eu destruí a Sala Vermelha, com as minhas próprias mãos. Liberei centenas de meninas do mesmo destino que me foi imposto. Matei Dreykov, um homem que o seu governo falhou em deter por décadas. — Ela fez uma pausa, os olhos fixos no promotor. — Então, com todo respeito, a minha lealdade é comprovada não pelas palavras que eu digo aqui hoje, mas pelas ações que tomei quando ninguém mais o fez.
O promotor ficou sem palavras por um momento, incapaz de contra-atacar com a mesma veemência. Theressa se recostou na cadeira, sem desviar o olhar, deixando claro que ela não era alguém a ser subestimada.
Tyler colocou uma mão firme no ombro de Theressa, tentando intervir:
— Theressa, talvez devêssemos...
Mas ela se desvencilhou do toque dele, ignorando seu tom cauteloso. Os olhos de Theressa faiscavam de determinação enquanto ela continuava, a voz ficando mais forte:
— Eu sou filha de Howard Stark, um dos homens mais importantes deste país, e passei mais de 20 anos sequestrada, sendo manipulada e controlada na Rússia. Durante todo esse tempo, onde estava o governo americano? — Ela fez uma pausa, a indignação transparecendo em suas palavras. — Se fui transformada em uma arma, não foi por escolha própria, mas pela falta de ação daqueles que deveriam ter me protegido.
O promotor tentou interromper novamente, mas a voz dela o silenciou:
— E agora o senhor se atreve a questionar minha lealdade? A única lealdade que existe é para com aqueles que lutaram para sobreviver, para se libertar do controle e se tornarem algo mais.
O silêncio na sala era quase palpável, e Tyler, percebendo que ela havia conquistado o respeito e a atenção de todos, recuou, deixando-a continuar com seu discurso fervoroso.
Theressa levantou a cabeça, os olhos fixos no juiz, enquanto finalizava seu depoimento com uma confiança renovada.
— E, para que conste, o rei de Wakanda possui todos os laudos médicos e científicos que comprovam a inocência de James Buchanan Barnes. Estes documentos demonstram inequivocamente que os crimes que lhe são atribuídos foram cometidos pela HYDRA, e não por ele. O senhor Barnes não estava sob controle, e é essencial que lembrem que Wakanda é o reino mais tecnológico do mundo. É bom que a palavra deles valha alguma coisa.
Ela se sentou, sentindo uma onda de alívio enquanto a tensão na sala parecia dissipar momentaneamente. O murmúrio entre os advogados, promotores e o juiz aumentou, a conversa se intensificando enquanto todos avaliavam as implicações das palavras de Theressa.
Bucky a observava com um misto de admiração e gratidão. Ali estava a frieza e determinação que ele conhecia, aquela mulher forte que não hesitava em se levantar por aquilo em que acreditava. Um sorriso quase surgiu em seus lábios, mas ele se conteve, não queria quebrar a seriedade do momento.
As conversas na mesa da justiça continuavam, mas para Bucky, o ruído ao redor parecia distante. Ele se perdeu na contemplação de Theressa, pensando em como, mesmo em um lugar tão pesado e carregado como aquele, ela era uma luz.
Finalmente, o juiz se levantou, e o silêncio na sala se instalou como uma corrente elétrica. Ele ajustou seus óculos e olhando diretamente para Bucky, declarou com uma voz firme:
— Após avaliar todos os depoimentos e evidências apresentadas, este tribunal chegou a uma conclusão. O governo dos Estados Unidos decide perdoar os crimes atribuídos a James Buchanan Barnes, reconhecendo as circunstâncias excepcionais que cercam seu caso. No entanto, existem condições a serem seguidas.
Bucky sentiu o coração acelerar. Um misto de alívio e apreensão o envolveu. Ele não sabia o que esperar.
— O senhor Barnes será obrigado a participar de acompanhamento psicológico regular para garantir que o Soldado Invernal não volte a ser controlado. Além disso, deverá realizar um serviço comunitário, bem como cumprir algumas outras exigências básicas que serão estabelecidas.
O juiz fez uma pausa, e o murmúrio na sala começou a crescer novamente. Bucky trocou um olhar com Theressa, que parecia aliviada, seus olhos brilhando com um entusiasmo que ele não conseguia expressar. Para ele, aquela era a luz no fim do túnel, uma nova chance para se reerguer e se redimir.
— Com essas condições, o tribunal considera encerrado este caso. — O juiz bateu com o martelo, e o som reverberou como um sinal de renovação.
Theressa se virou para Bucky, um sorriso radiante iluminando seu rosto. Ele não podia deixar de retribuir, sentindo o peso de semanas de incerteza e dor começando a se dissipar. Havia um caminho à frente e mesmo com as dificuldades que ainda viriam, ele sabia que não estava mais sozinho.
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