ᡣ𐭩 capítulo um ; o nascer do sol.
Caro e gentil leitor, sentiu minha falta?
Chegou ao meu conhecimento que muitos de vocês foram levados a acreditar que meu legado estava terminado, que tolice a sua. Esta autora não terminou, apenas estava descansando. Agora, assim como as famílias que chegam para esta ocasião especial, eu retornei.
Falando em famílias, há rumores de que os Dickinson voltaram às terras inglesas, com um presentinho especial: uma filha debutante. Que emocionante! Espero que a querida Victoria Dickinson esteja preparada para esta temporada, pois mal posso esperar para ver se ela se sairá bem. Talvez, brilhe como um diamante.
No entanto, dentre as muitas flores de estufa supostamente bem treinadas e criadas que estão sendo exibidas este ano, esta autora deve se perguntar se ainda não há uma opção mais surpreendente disponível. Formado sob pressão, desejado por muitos, mas possuído apenas por poucos afortunados, não há nada na Terra tão invejado quanto um diamante. Será que nossa rainha poderá finalmente extinguir a especulação febril e conceder a mais alta das honras a uma jovem afortunada esta noite? Com tantos futuros em risco, suspeito que esta autora não seja a única que está esperando com a respiração suspensa.
E por último, mas com certeza não mesmo importante, chegou ao conhecimento desta autora que o príncipe Gavin, o filho mais novo da rainha, irá se juntar a nós nesta temporada com o intuito de encontrar uma esposa, agora, qual entre damas de Londres seria capaz de fisgar um príncipe? Um diamante, quem sabe? À responsabilidade está em suas mãos, Vossa Majestade.
O CHICOTEAR da carruagem mantém os nervos de Victoria Dickinson acordados, perturbando-a durante a longa viagem. Contos sobre Londres preencheram grande parte da sua infância, contudo, somente agora, aos dez e seis anos, têm a chance de conhecer a cidade. A jovem observa as ruas turbulentas com olhos curiosos, partilhando com a irmã ao seu lado, Amélia, os anseios e nervos pela nova vida.
━━━━ Estamos chegando? ━━ Questiona Mary, a caçula da família. Em um ato infantil, cruza os braços para demonstrar sua irritação. ━━━━ Meu traseiro está dolorido por ficar muito tempo sentada!
━━━━ Senhorita Mary, cuidado com o linguajar! ━━ Bertha, a governanta de longa data dos Dickinsons, repreende-a.
As palavras chamam a atenção das irmãs, que partilham olhares humorados e curtas risadas. Apesar da irritação de Victoria com os questionamentos repetitivos da mais nova, vê-la ser silenciada é suficiente para distrair a mente e aliviar a tensão que a consome. Não houve tempo de descansar nas últimas semanas, a longa viagem custou horas de sono e floresceu dúvidas, porém, supõe que, uma vez em casa, terá a chance de abandonar os pensamentos incertos e afogar-se nos privilégios de ser uma mulher inserida na alta sociedade.
Em contraste à Victoria, sentada no canto da carruagem detrás, Lucretia II distrai seus pensamentos das responsabilidades de uma mulher exposta ao mundo ao tentar bordar uma bela almofada. Contudo, contrariando os seus planos, os ventos fortes causam tremor na carruagem, o que dificulta a tarefa. Diante de si, William, o primogênito e futuro Visconde, se encanta com as belas damas que o avistam pela janela. O tortuoso percurso é carregado de pesar e silêncio, devido à presença tremenda de Samuel Dickinson, o Visconde e chefe da família, que transparece desprazer com a vida desde o recente falecimento da esposa, Lucretia I, e tornou-se quieto e rígido.
Aos olhos de Victoria, o pai se foi na mesma noite em que a mãe adoeceu.
De supetão, apenas para Victoria, devido seu estado distraído, os veículos param em frente a um imponente casarão com janelas altas, sacadas e uma entrada majestosa, repleta de flores e decorações que a moça jamais encontraria em sua terra natal. Sentiu-se pequena, alfinetada pelo lembrete de que será eternamente mais um nome esquecido ao decorrer das décadas, mas confortada pela ideia de que, antes que parta desse mundo cruel, experimentará uma vida rica e repleta de família. Mesmo que a família em questão esteja incompleta — o patriarca não foi o único que partiu juntamente a Lucretia I, e o túmulo da mulher não foi a única coisa largada nas Américas.
Pés inquietos tremiam para aventurar a nova terra e, assim como o esperado, Mary mal manteve-se sentada na cadeira. Ao lado da caçula, Bertha mantinha a expressão ilegível e postura ereta, de tal modo que faz Victoria questionar se a mulher se permitia descansar. Os olhos claros de Amélia brilhavam esperançosos ao observar a nova casa, e as mãos de Victoria queimam com a vontade de agarrar as da irmã. Ela, mais do que ninguém, não deve estar contente com a mudança, mas pode encontrar uma melhoria inesperada em Londres, caso permita-se procurar.
━━━━ Creio que tenhamos chegado. ━━ Murmura a mais velha das três irmãs, sorrindo suavemente.
As palavras acordam a jovem loira dos pensamentos velozes e confusos, percebendo então que a porta estava sendo aberta pelo cocheiro. Bertha foi a primeira a descer, e Victoria não hesitou em segui-la, aceitando com um sorriso gracioso a oferta de ajuda da governanta. Seu foco é desviado das irmãs e redirecionado para a propriedade. Apenas quando é empurrada por pequenas mãos que a senhorita volta o olhar para Mary, que sorria alegremente com a nova moradia.
━━━━ Vamos entrar! ━━ Amélia decide, correndo de encontro com a porta com tanta alegria que contagia as irmãs.
━━━━ Da-me misericórdia. ━━ Sussurra a governanta, incerta se suas palavras foram ouvidas pelo trio.
Enquanto o trio acelera os passos até a nova residência, a segunda carruagem desacelera ao alcançarem-lhes. O visconde desce exalando autoridade e força — como de costume — seguido de William, que oferece ajuda a Lucretia II e, juntos, observam as irmãs mais novas com sorrisos delicados estampados no rosto. Distraída com a súbita presença do pai, Victoria não mais corre, desacelerando de modo que seus passos acompanhassem os de Samuel, colocando-a isolada dos irmãos.
Mesmo de longe, a jovem visualiza Mary empurrar a pesada porta — surpreendendo os criados, que foram impedidos de agir — e adentrar com um passo firme, radiante ao girar no centro do salão principal.
A imagem diante de Victoria, quando a senhorita e o patriarca entram na residência, remove o ar dos pulmões da mesma. O salão estava decorado, repleto de móveis elegantes e luxuosos que traziam boas memórias da antiga casa nos Estados Unidos. Se fechasse os olhos, poderia se imaginar naquele lugar outra vez. Contudo, diante do contraste de dourado dos candelabros e a madeira do chão, fechar os olhos não se torna sequer uma opção.
Os irmãos banham-se na glória proporcionada pelo casarão, mas a atenção de Victoria se encontra dividida entre admirar a nova moradia, ou seguir o visconde e inspecionar a casa com o mesmo orgulho e rigidez do senhor. A vida nova em Londres acompanhou a notícia de que Victoria Dickinson deveria conquistar o coração da mulher mais importante do país, rainha Charlotte, antes que outra tomasse seu lugar.
Desde que nascera, conheceu apenas a ideia de perfeição. Deve fazer assim. Dizer isto. Aprender essa prática. A pressão tornou-se sua melhor amiga, juntamente de Mary Dickinson, mas, apesar de graciosa e estudiosa, Victoria ainda não alcançou a perfeição. Tempos atrás, quando completou dez e cinco anos, almejava aprender com Lucretia I a arte de ser a esposa, mãe e mulher perfeita, mas a mãe adoecera. Perdera a única chance, afinal, Lucretia II continuava sem casamento e William não parecia ansioso para encontrar uma esposa.
Lhe restou apenas Samuel e, por ele, decidiu que aprenderia a ser o que a rainha e seu futuro marido desejariam que ela fosse.
Todavia, quando as mãos pequenas e fortes de Mary entrelaçam com as de Victoria, não lhe resta outra opção.
━━━━ Precisamos ver os aposentos. ━━ Exclama a caçula.
━━━━ O seu será o menor. ━━ Sorridente, William se intromete, caçoando da irmã. ━━━━ E o meu o maior, evidentemente.
Os olhos de Mary arregalam em horror, aumentando a força na qual segura a mão da loira, acreditando nas palavras do homem.
━━━━ Não dê ouvidos a ele, Mary. O dele somente será o maior se chegar primeiro.
Rapidamente, a pequena entende a sugestão de Victoria e solta sua mão, acelerando em direção as enormes escadas no centro do salão. O mais velho geme em desgosto, mas não hesita em persegui-la para definir o território. Gargalhadas suaves preenchem o cômodo, as irmãs restantes divertindo-se com a situação. Um sentimento fervente lhe toma conta do peito, e Victoria sente alegria e nostalgia.
Eventualmente, o fim chegará. Terá de trocar seus verdadeiros amores por um marido insensível. É o seu papel, como mulher.
Desejava ter o apoio da mãe ou um abraço reconfortante do pai que dissesse que tudo iria ficar bem. Afinal, os Dickinsons encontraram o amor verdadeiro, é mais do que previsto que ela, também, o consiga.
Sentia-se irreconhecível, apesar de permanecer a mesma que era nas Américas. Agora, entretanto, Victoria deve encontrar um marido e se tornar uma mulher de verdade. A responsabilidade que descansa sobre seus ombros é pesada, porém deve manter a postura se deseja chamar atenção da Vossa Majestade. Pensava estar pronta para todas essas mudanças, até, de fato, ter de encará-las. Victoria Dickinson não é uma mulher digna de honra, apesar de ter preparado a vida inteira para este momento. É apenas uma solitária garota, vagando perdidamente pelas ruas de um país que nunca conheceu.
━━━━ Anime-se, Vic! ━━ O braço de Amélia entrelaçou-se com o da loira, um sorriso acolhedor iluminando seu rosto. ━━━━ Terá um quarto somente seu nessa casa, não é empolgante?
A tentativa da morena de animar a irmã é recebida com um sorriso apreensivo, e os olhos de Victoria aventuram-se pela nova residência com receio. Sentirá falta das Américas, do irmão que deixou para trás, do túmulo que costumava visitar todas as manhãs, do quarto que compartilhou com a irmã caçula.
Sentirá falta da liberdade, também.
━━━━ Certamente, mas acho que vou sentir um pouco de falta da Mary. ━━ Confessa, engolindo as palavras que lhe falta coragem para despejar.
Confia na irmã, claramente, mas não pretende decepcioná-la tão cedo, então opta por manter-se em silêncio.
━━━━ Ainda podemos fugir para o quarto uma das outras desde que Bertha não descubra.
A governanta força uma tosse, evidenciando sua presença logo atrás da dupla.
━━━━ Ainda posso lhe ouvir, Senhorita.
As garotas riem, apressando os passos para escaparem da mais velha e encontrarem o dormitório de Victoria. Sentiu os pés congelarem ao avistá-lo, as iniciais da própria gravadas a ouro na porta, assim como as demais. Suspirou, compartilhando olhares com Amélia antes de adentrar o cômodo, seu coração batendo aceleradamente sobre seu peito.
Era deslumbrante. Mesmo com a saudade de casa, sorriu ao observar seu novo aposento. Harmonicamente preenchido de tons escuros e amarelados, o cômodo é dolorosamente semelhante ao seu antigo, porém avassaladoramente maior e exuberante. As paredes claras refletem a luz do sol, que adentra pelas frestas das altas janelas, iluminando — também — o dossel amarelado que cerca sua cama. Gaveteiros em ambos lados da cama, guarda-roupas enormes de madeira juntos a lateral e um biombo posicionado ao lado de um espelho alto. Além de pinturas belas penduradas nas paredes, algumas, vindas dos Estados Unidos.
━━━━ Não tenho palavras. ━━ Murmura, sorrindo ao virar-se para a irmã.
De fato, não sabe o que dizer. Esteve tão preocupada com a mudança e seus receios que não esperava ser surpreendida dessa maneira.
━━━━ Eu tenho. ━━ Amélia desprende-se da irmã para averiguar o local, enroscando os dedos no lenço branco que sempre carrega consigo. ━━━━ Estou encantada, Vic. É belíssimo, tal como você.
A mais nova sorri, bochechas corando em resposta ao elogio. Desde pequena, valoriza fortemente cada palavra que sua família direcionam para ela, e por mais que vá se tornar uma mulher, sempre os colocará acima de qualquer outro.
━━━━ Estás linda, Amy. ━━ Corre os dedos pelo lenço da morena, analisando-a de cima a baixo.
Amélia sempre foi bela, especialmente para Victoria. Uma parte da garota sentia inveja da irmã, da maneira como tão graciosamente vivia sua vida, corajosa e delicada. Todavia, sentia, também, orgulho. O privilégio de assistir Amélia Dickinson experienciar a vida de maneira perfeita e contente é revigorante, sabe que sua irmã merece alcançar todos os sonhos que cultivou e não faria nada para mudar isso.
Antes que a garota pudesse agradecer, os dedos de Victoria escorregam e puxam para si o lenço branco. Rapidamente, tenta agarrá-lo, mas a brisa o carrega para o lado de fora da residência, escapando pela sacada.
Surpresa, Amélia corre para a varanda em uma tentativa falha de resgatá-lo.
━━━━ Amy! Seu lenço! ━━ gritou a loira, perseguindo a irmã enquanto ri do incidente.
Derrotadas, ambas assistem enquanto o lenço se aproxima do chão. Todavia, antes que pudesse, os ventos o erguem para a direção oposta, pousando, assim, sobre o rosto de um cavalheiro que caminhava pelas ruas. O homem, desprevenido, retira o lenço do rosto e procura pelo possível culpado, aventurando os olhos pelos casarões de Londres.
De onde estava, Victoria era incapaz de enxergar seu rosto, e não tentou. Estava divertindo-se demais com os acontecimentos para se importar com o homem.
━━━━ Oh, não! Eu preciso buscar meu lenço! ━━ Amélia decide, sem dá ouvidos à irmã, que protesta prontamente ao compreender o que iria acontecer.
Confiante, a Dickinson ergue a barra do vestido e desce pela própria sacada, escalando o muro com uma facilidade inesperada. Especialmente para uma senhorita como ela.
Os olhos de Victoria arregalam-se, horrorizados com a possibilidade de serem vistas por alguém, ou que o próprio cavalheiro atingido espalhasse por Londres a história da jovem e sua habilidade única em escaladas. Seria uma vergonha, não somente para Amélia, mas toda a família. Imaginou sua reputação em chamas, tudo devido a um pequeno momento no qual nem sequer esperou que acontecesse.
Sentia as mãos suarem nervosamente, apesar de seu coração estar preenchido de adrenalina.
━━━━ Amy, volte aqui! Isso não é apropriado, alguém pode vê-la.
Contudo, as palavras sequer alcançam os ouvidos a morena, que continua seu trajeto até o desafortunado lorde. Os dois trocam palavras, porém, devido a distância, resta a Victoria imaginar a conversa e decifrar a razão por trás dos sorrisos do homem desconhecido.
Por trás de todo o receio, sente alegria. Acabaram de chegar a nova cidade e sucederam em arranjar encrencas, mesmo que tontas. Além de que, pela feição do cavalheiro, essa situação não era tão embaraçosa quanto Victoria havia imaginado.
━━━━ Onde está sua irmã? ━━ Diz a voz reconhecível de Bertha, adentrando o cômodo com os olhos semicerrados.
Para poupar-se de uma bronca, a mais nova apenas sorriu desajeitadamente e direcionou o olhar para a janela, avistando a irmã conquistando seu lenço de volta. A ação fez a governanta arregalar os olhos, apressando-se até a varanda e suspirando ao entender o que acontecia. Estava desacreditada, contudo, dolorosamente acostumada com eventos assim.
━━━━ Oh céus! Senhorita Dickinson, volte para cá agora mesmo!
Amélia se virou para a voz, envergonhada por ser pega, enquanto Victoria fazia o melhor para não gargalhar. Os atos da irmã, apesar de deixarem-na tensa à priori, aliviaram o medo que a Dickinson havia cultivado da sua nova vida.
Ao menos sabia que, mesmo agora se tornando uma mulher, ainda teria a mesma irmã de sempre ao seu lado para escalar janelas e cometer atos infantis juntas.
Surpreendendo-a novamente, a morena escalou pela mesma parede cujo desceu, e adentrou o quarto outra vez. Apesar de se divertir com a confusão, Victoria oferece a mão para ajudar a mais velha.
━━━━ Nós acabaremos matando Bertha do coração algum dia! ━━ Gargalhou, limpando a poeira que acumulou sobre o vestido da irmã.
Não notou quando o cavalheiro desapareceu de vista, focada somente na irmã e seu lenço. Julgava a interação como um incidente descontraído, mas sabia que o esqueceria com o tempo, assim como esqueceria o homem.
Com o início da temporada, as ruas de Londres fervem com senhores e lordes de todos os lugares da Inglaterra, então, as chances de encontrarem-se outra vez são aproximadamente nulas. E mesmo que, por via de coincidência, se vissem novamente, sabe que ele não entregará as irmãs, visto que parecia contente com o incidente.
━━━━ Céus, não pronuncie tal desatino! ━━ Exclamou Amélia, causando um sorriso nos lábios da loira. ━━━━ Estaríamos irremediavelmente perdidas sem ela.
━━━━ Julgo que seria mais prudente que as senhoritas se aprontassem para o jantar, pois Amélia ainda não se dignou a visitar seus próprios aposentos. ━━ Repreende Bertha, semicerrando os olhos ao encarar as jovens. ━━━━ Necessito ir averiguar o estado de seus irmãos e saber se carecem de algum auxílio.
Com um suspiro final, a mulher se retira. O som de seu sapato batendo contra o chão preenche o cômodo.
━━━━ Talvez seja sensato que eu vá antes que ela retorne aqui para nos arrastar até a mesa de jantar com esses trajes ainda
Embora quisesse continuar ao lado da irmã, Victoria assentiu. Sentia-se pronta para enfrentar seus desafios parcialmente sozinha, sem o auxílio de Amélia. Então, a mais velha deixou o aposento em direção ao próprio, no mesmo instante o qual as criadas adentraram para assistir Victoria a aprontar-se para o jantar da família.
O tempo transforma a nova realidade em algo concreto, deixando para trás as Américas e ressignificando a família Dickinson em Londres.
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