౨ৎ prólogo ;
prólogo : desejos e paixões.
AS ESTRELAS iluminam o céu azul índigo, como respingos de tinta em uma tela escura. Contrário as ferventes chamas das velas, a noite é fria e silenciosa. No quarto pouco iluminado, um grupo de garotas — irmãs — gargalham, vozes abafadas pelas mãos que cobrem as bocas. Está tarde, mas o sono se esvaiu há tempos, ocupado por ânimo e disposição.
━━━━ Exato! ━━ Gargalha a mais velha, tentando focar os olhos curiosos nos cabelos louros da menor dentre elas. ━━━━ Como consegue o imitar tão bem?
━━━━ É meu gêmeo, oras!
Todas riem outra vez, escondendo o rosto em panos e travesseiros para disfarçar a diversão fora de hora. O casarão costuma ser preenchido de alegria, mesmo em noites escuras como essa. A família que ali reside sempre partilhou um laço como nenhum outro, entranhados não somente em sangue, mas em alma. Além das quatro garotas, que se recompõem do momento descontraído, há também os pais — um casal muito amoroso — e dois garotos. São consideravelmente muitos, mas isso nunca preocupou a família, afinal, o poder aquisitivo é alto e, portanto, a miséria nunca foi algo que os atingiu.
━━━━ Pobre Eddie!
Lucretia Dickinson, a segunda filha, é quem diz. Os cabelos loiro escuro caindo sobre os ombros como uma cascata e a expressão exagerada no rosto expõe que está apenas atuando pena do irmão. Ela corre os dedos pelos cachos de Mary, a caçula, em tentativa de trançar os cabelos da irmã. Enquanto Lucretia já atingiu idade suficiente para debutar alguns anos antes, Mary não passa de oito anos de luas de vida.
━━━━ Pobre Amy! ━━ A mais nova contraria, mas, ao rir, interrompe a trança novamente, murmurando desculpas a irmã.
━━━━ Se apresse! Eu quero que Lucy faça meu cabelo. ━━ Resmunga outra loira, talvez a de cabelos mais claros entre as quatro.
━━━━ Calma, Victoria, sua vez virá. Paciência é a chave para a vida, lembra?
Apesar das palavras sábias de Lucretia, a menina continua com a expressão chateada. Paciência é uma virtude a qual Victoria Dickinson ainda não compreende com seus apenas nove anos de idade. Para a consolar, Mary estende a mão, esperando que a mais velha agarre para que, desse modo, se animasse. Compaixão é uma virtude que tem de sobra para a caçula, mesmo que às vezes falte nos outros irmãos.
━━━━ Posso fazer seu cabelo.
Mas a sugestão é recebida com risadas das outras duas irmãs mais velhas, que admiram a cena com olhos brilhando de alegria. Mary mal sabe pentear o próprio cabelo, sempre embaraçando os fios ondulados, quem dirá trançar os da irmã?
━━━━ Eu faço. ━━ Amélia propõe, sentando na cama de Victoria e a abraçando por trás. ━━━━ O que acha?
Amélia Dickinson é uma boa alma, os cabelos castanho mel a destaca entre as irmãs, mas o coração de ouro cessa qualquer dúvida que sequer pudesse surgir. A garota também possui um gêmeo, Edward — ou Eddie, como o chamaram mais cedo — que possui os mesmos cabelos escuros, mas é mais rabugento que a irmã. Os dois nasceram na terceira gravidez de Lucretia Dickinson, a matriarca, sendo Edward minutos mais velho que Amélia.
Falta apenas um garoto para essa introdução, sendo ele William Dickinson, o primogênito e o futuro Visconde, assim que Samuel Dickinson chegar ao seu último suspiro.
━━━━ Mas a Lucy sempre faz o meu cabelo. ━━ A loira murmura, alternando o olhar entre as irmãs. ━━━━ Sabes fazer?
━━━━ Tenho doze, claro que sei.
A garota parece pensar por alguns longos segundos, mas, por fim, concorda com um sorriso e permite que a irmã arrume os cabelos. Apesar de acharem adorável, Lucy e Amy não compreendem o motivo das mais novas quererem penteados justo a noite, quando todas sabem que irão dormir e bagunçar tudo.
Para uma verdade além de seus conhecimentos, Vic e Mary costumam insistir em tais futilidades com intenção de partilhar mais tempo com as irmãs. Um medo a qual as mais novas já conversaram por trás de portas fechadas e cobertores aconchegantes é o de perderem as mais velhas para o casamento. Quando uma mulher se casa, ela torna parte de outra família, deixando para trás a casa e as pessoas com quem cresceu — não queriam que isso acontecesse, mesmo desejando que as irmãs encontrassem seus maridos e fossem felizes.
Mary, com os olhos brilhando de alegria, sente o estômago revirar com um certo contentamento. Ela assiste a maneira delicada que Amélia acaricia o cabelo de Victoria e sente os dedos delicados de Lucretia correndo pelos seus próprios fios loiros.
━━━━ Vocês serão ótimas mães. ━━ Ela sorri, observando Amélia, já que Lucy estava fora do alcance.
As palavras formam um sorriso iluminado no rosto da morena, que trava os movimentos ao repensar o que lhe foi dito. Por trás de Mary, a mais velha aparenta estar pensativa, uma expressão confusa no rosto.
━━━━ Você nem sabe se elas desejam isso. ━━ Victoria rebate, sobrancelhas se encontrando em uma carranca.
━━━━ Todas as mulheres serão mães, Vic.
━━━━ Mas todas desejam? ━━ Ela rebate outra vez, tom crescendo com irritação.
As bochechas pálidas se tornam rosadas ao perceber o que dissera, envergonhada pelos olhares que caem sobre ela. Todas estão surpresas, principalmente por saberem que em momento algum ensinaram tais coisas a irmã e, portanto, não faziam ideia que ela seria capaz de pensar assim.
Victoria sempre teve interesse por leitura, um passatempo que nunca lhe foi incentivado pelos pais por acreditarem ser desnecessário, mas que a ajudou a formar pensamentos e opiniões que nunca se imaginou tendo.
━━━━ Você não quer? ━━ Amélia questiona confusa, quase soltando os cabelos da irmã para a ver melhor.
A entonação da mais velha deixa claro que não está julgando a loira, mas também não entende muito bem tal sugestão. Estaria Victoria desafiando as leis da sociedade antes mesmo de se tornar parte dela?
━━━━ Sim. Não. ━━ A garotinha murmura, se embolando nas palavras e direcionando o olhar pelo cômodo, inquieta. ━━━━ Não quero casar, mas gostaria de ser mãe.
━━━━ Isso é improvável. ━━ Mary comenta, agradecendo Lucretia em um tom baixo quando a mesma finaliza a trança.
A outra não responde, mas sua mente ferve em pensamentos. Ela sabe. Na verdade, não é apenas improvável, como é impossível. Uma mulher só pode ser mãe após casar-se, mas Victoria não tem certeza se deseja casar com um qualquer que mal conhece. E se ele não a fizer feliz? Os romances que lê são bonitos, mas ela nunca conseguiu se imaginar no lugar dessas mulheres.
Qual o problema? Ela nem sequer sabe. É como se faltasse algo, mas é complicado demais para compreender.
━━━━ Eu também não desejo casar. ━━ Lucretia confessa após longos minutos de silêncio.
A mais velha não sabe o que a motivou a dizer, se foi a vontade de confortar a irmã ou o desejo de ser sincera. Lucretia está no mercado do casamento há dois anos, mas prefere ficar envelhecendo sozinha do que casar. Verdadeiramente, a loura teme abandonar sua família no dia que encontrar alguém e ter de tornar-se irmã de outras garotinhas que não sejam as suas. Contudo, Lucretia não deveria se sentir assim. O casamento deve ser o sonho de toda mulher, é assim que sempre foi e assim que deve ser.
━━━━ Desejo me casar! ━━ Mary exclama, um largo sorriso iluminado pelas chamas das velas no centro do grande quarto. ━━━━ Porém sem filhos.
Victoria assiste às irmãs em choque, surpresa com todas as revelações que surgiram após a sua.
━━━━ Eu gostaria de casar-me e ter filhos. ━━ Amélia revela, desistindo da trança e a abraçando os ombros. ━━━━ Veja, é comum termos desejos.
Desejos é como Amy os chama, mas Vic tem outra palavra em mente. Não é somente sobre querer ou não querer, é sobre saber — ainda és uma criança, porém nunca é cedo demais para decidir quem você é, certo? Para compreender o sentimento que lhe ferve no peito levará anos, mas ela não é a única. Em algum lugar, do outro lado do oceano atlântico, uma garotinha de cabelos morenos e mente curiosa questiona o mesmo.
Será que em algum momento, Victoria Dickinson e Eloise Bridgerton terão a chance de descobrir quem elas são verdadeiramente?
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