021 - Chocolate 30%
EU O VEJO, BEM À MINHA FRENTE. Depois de três anos sem me ver ou dar um mísero sinal de vida, tudo o que ele me diz é "oi"? Bem, não importa, se houver algo mais, eu não escuto. Antes que o meu inferno na terra se prolongue, fujo. Fujo feito criança e me praguejo por isso. Mas o que eu posso fazer se este foi o meu primeiro instinto? Não é como se eu tivesse corrido e gritado, eu apenas dei as costas e saí.
Minha cabeça está começando a dar voltas, já me sinto tonta, mesmo não ingerindo uma gota de álcool. Meu estômago também não parece bem, assim como todo o resto do meu corpo, que reage de forma negativa.
As cores azul e cinza nas paredes se mesclam e já parecem a mesma coisa para mim, está tudo meio turvo. Quando as minhas mãos, desesperadas, buscando por algum sustento, encontram-se com o estofado macio do sofá, eu apenas me jogo nele. Os casais que antes estavam quase por se engolir aqui já foram para algum lugar mais reservado, as poucas pessoas que restam apenas conversam alto, devido a música. Eu somente recosto minha cabeça no estofado, erguendo-a e tentando controlar minha respiração. Nunca sofri de asma ou outros tipos de problemas respiratórios, então por que está tão difícil de respirar agora?
— Quem era o cara? — o Lee pergunta, após sentar-se ao meu lado, um pouco distante, me dando espaço para respirar um pouco.
— Ninguém importante. — eu finjo.
Talvez eu deva voltar para casa, Thor deve precisar de mim. Na verdade, acho sou eu quem preciso dele agora, alguém que me escute e não faça perguntas.
Não, é melhor encarar isso de uma vez. Quando era criança e tinha um problema, eu sempre procurava por minha irmã mais velha, na adolescência foi sempre Mina, mas eu sou adulta agora, preciso aprender a lidar com as minhas coisas sozinha, sem mais suportes emocionais.
— Não parece. — Minho insiste.
— O que foi, gatinho? Está com ciúmes? — pergunto, coloco um sorriso no rosto e aproximo o meu rosto do seu. Tento mudar o clima, ignorar a existência do outro Lee, e, assim talvez funcione.
Uma coisa que aprendi com o tempo sobre Lee Minho, é que, quase sempre, flertar com ele muda rapidamente o assunto, já que, para ele, isso é mais divertido do que manter uma conversa séria.
— Yumin, não tenta fugir do assunto.
Como eu disse, quase sempre funciona.
— Não se preocupe, eu 'tô legal. — dou o melhor de mim para fingir que sim. — Não foi nada demais. Ele é só alguém que eu conheci no passado, faz muito tempo, não tem mais importância.
— Alguém que você conheceu como? — ele pergunta, desconfiado.
Felix é alguém que eu já tinha deixado no passado, que escolheu ficar no passado, mas de uma hora para outra, simplesmente voltou ao presente e está prestes a acabar com qualquer ideia que eu tenha de um futuro mentalmente saudável.
— Eu não quero mais falar sobre isso. — minha voz sai um pouco mais séria do que o habitual. Eu me afasto.
— Me desculpe, eu não queria te pressionar. — ele diz, deixando a curiosidade para lá. — Só quero que você saiba que, se algum dia você quiser conversar sobre isso, se quiser um ombro amigo ou ouvido amigo, eu estou disponível. Para qualquer coisa, sempre. — ele bate seu joelho no meu, ficando comigo, mas ainda respeitando o meu espaço pessoal.
O simples toque de joelhos foi o máximo de contato físico que tivemos por um tempo. Por mais que, boa parte do tempo que passamos juntos, o Lee e eu estejamos sempre pertinho, nos abraçando, de braços entrelaçados e trocando pequenos toques, em ocasiões como essa o ruivo me dá bastante espaço e se verifica de me manter confortável. Eu ganhei um ótimo amigo.
— Obrigada, Lino. Por sempre.
Fora mais um tempo ali, em silêncio, até que o trio inicial fosse retomado, marcando assim a chegada de Shin Mina ao tão confortável sofá branco — já nem tão branco assim, urgh.
A garota senta-se ao lado do Lee e tomba o pescoço para trás, relaxando o músculo. Mina respira pesado, um pouco atordoada, parece meio bêbada, mas é difícil distinguir se está, já que sóbria também é quase a mesma coisa.
— O que foi? — pergunta o garoto. — Você se drogou de novo "sem querer"? — ele ri.
— Ei! Eu não sabia que o 30% do chocolate não era sobre cacau! — ela exclama, irritada. — Além do mais, como eu ia saber? Hoje eu sei que tenho que tomar cuidado com a geladeira da minha avó, mas na época achava que a vovó era quase uma santa. Eu não sei por que te contei essa história.
— Ela pode até não ser santa, mas eu a venero para caramba. — o Lee gargalha. — Ela é a melhor.
— Sim, eu puxei a ela. — a garota diz, convencida. — Mas o que rolou? Por que a Yumin está com essa cara?
Está acontecendo de novo, desde criança é assim. Quando me sinto mal, meus olhos parecem mais fundos e minha aparência se assemelha a de um zumbi. Sempre que eu ia a hospitais, me deixavam ser atendida antes, porque parecia que eu estava prestes a morrer.
— Ela... — Minho começa a falar.
— Meus pés estão doendo muito. — o interrompo. — Yeosang resolveu vir?
Mina e eu não guardamos segredos, nem os dos outros, imagine os nossos. Não escondemos nada uma da outra — mesmo que algumas coisas não precisassem de tantos detalhes —, mas isso não quer dizer que não possamos nos manter caladas um pouco, até ser confortável falar sobre.
Não quero falar para ela que ele está aqui hoje. Talvez nós não nos esbarremos mais esta noite, talvez eu tenha alucinado. Shin conhece a nossa história, ela sabe quem é Felix e tudo o que rolou entre nós, não sei qual seria a reação dela em encontrá-lo aqui.
— Ele disse que mais tarde aparece. — ela responde primeiro, depois pergunta: — Quer massagem? — ela realmente acreditou da dor nos pés.
— Quero. — concordo rapidamente com a cabeça. Não sou boba de negar.
— Rápido, Minho. Faz massagem nos pés dela. — a Shin ordena ao garoto. Ele nem se dá ao trabalho de responder, Lee apenas acena para nós duas e nos abandona, ele parte para sabe-se lá onde.
A garota, de uma maneira nada sútil, desliza pelo estofado até mim e encosta a cabeça sobre meu ombro, descansando um pouco. Mina envolve os braços ao redor da minha cintura e se aconchega melhor no meu corpo fraco, enquanto fala algumas palavras inaudíveis por mim.
Desde o desastre com "a que não se deve ser nomeada" ocorreu, ela vem ficando cada vez mais manhosa e carente. Não que eu esteja reclamando, eu adoro um grude, mas às vezes ela consegue ser pegajosa até dizer chega.
Com o tempo, noto que a garota encara um ponto fixo no meio da multidão. Os olhinhos semicerrados à procura de algo lá longe. Ela fica fofa assim, com os seus lábios formando um biquinho involuntário e os olhos pequenos. Faço o mesmo que a garota, tento ver do que se trata, mas sou interrompida pela mesma. A Shin se coloca agora à minha frente e segura meu rosto cansado entre as suas duas mãos, certificando-se de que a única coisa que eu consiga ver sejam seus olhos castanhos.
— O que foi? Você vai me beijar também? — pergunto, minha fala sai um pouco embolada, já que a garota aperta minhas bochechas.
— Não. Só não olha para trás, tá bom? — ela pede, com a voz exalando extrema preocupação.
— Por quê? — questiono, retirando suas mãos da minha bochecha.
Normalmente, quando alguém te diz "não olhe para trás", é melhor apenas não olhar e correr, mas, como eu sou uma tremenda de uma curiosa, eu olho por detrás da minha amiga e me arrependo instantaneamente.
Não era alucinação, embora acho que estou ficando louca. Ele está aqui. Mais ao longe, eu vejo Yongbok novamente, segurando um dos característicos copos vermelhos, com alguma bebida que eu não faço ideia, conversando com um grupo de pessoas que eu não faço a menor ideia de quem são. Esta não é uma festa exclusiva aos veteranos da minha universidade, as anfitriãs convidaram alguns amigos, então o lugar está lotado de gente que eu não conheço.
— Ah, isso. — suspiro. — Eu já tinha visto.
Mina exibe supresa, sua sobrancelha franzida insinua um "Como assim você não me contou?", tudo com apenas uma expressão facial.
— Vocês conversaram? — ela pergunta.
— Não, e, honestamente, eu nem quero. Trazer tudo isso à tona novamente só vai me dar dor de cabeça, eu prefiro fingir que ele não existe e seguir com a minha vida. Estava tudo indo bem e irá continuar assim.
— Eu tenho a impressão de que não vai dar muito certo. — ela diz.
Dito e feito. Às suas costas, a figura masculina que eu estava evitando, surge parada como uma estátua, a mais bela das estátuas. Eu não consigo mais olhar nos seus olhos, então desvio meu olhar na direção do copo que ele mantém entre as mãos, com os dedos batendo contra o plástico e o som dos anéis em atrito com o objeto, que é audível mesmo com a música alta rolando. Sua bebida é apenas refrigerante, eu percebo.
— Oi... — ele repete.
Ao ouvir a voz conhecida, Mina se vira imediatamente e percebe a presença. Ela olha brava na sua direção, cerra os olhos e o punho. Eu torço para que uma briga não se inicie, entrelaço meu braço no da minha amiga e a impeço de partir para cima dele.
— Será que nós dois podemos conversar? Acho que nós temos um assunto pendente.
Eu hesito. Quero mesmo saber? Por três anos eu esperei uma explicação sua e nunca obtive, então por que agora ele decidiu me dar uma? É porquê eu estou feliz e seguindo em frente? Eu estou muito bem sem suas desculpas esfarrapadas.
Por muito tempo eu tive fé de que ele teve os seus motivos, mas por volta dos anos em que ele não deu um sinal de vida, eu me questionei se seus motivos são tão bons assim. Em três anos ele não me mandou mensagens, nunca se dispôs a responder nenhuma das minhas também. "Talvez tenha perdido seu celular", eu cheguei até a pensar. Mas ele ainda poderia ter mandado mensagem pelo seu celular novo.
— Eu vou dar uma volta, qualquer coisa grite. — a morena me diz. — Dorme com o olho aberto! — Mina esbraveja ao garoto, antes de se afastar. Ela nem precisava sair, porque eu não quero conversar.
— Já é muito tarde, eu não quero ouvir.
— Yumin, por favor. — ele insiste.
Quais bobagens ele me dirá agora? Que me ama e que quer fazer as coisas acontecerem de verdade? Pois agora sou eu quem não quer. No passado era o que eu queria, uma relação, um compromisso, mas quando as coisas começaram a ficar um pouco mais sérias ele me largou e foi embora.
A sua partida causou um extremo espanto. Ele e sua mãe foram embora e não deram explicações à mim ou ao senhor Bang. O pai de Chris estava apaixonado por Soomin, ele a amava, mas ela fez igualzinho ao filho. Eu não tive uma explicação na época, então não acredito que preciso mais de uma agora. No que isso vai mudar? Ele vai continuar tendo me deixado, me iludido e abandonado.
— É importante assim para você? — questiono.
— É. — ele diz.
— Você sabe o que era importante para mim? — eu questiono. — Você, você era importante para mim, mas veja só, eu tive que descobrir por outra pessoa que você foi embora do país, sem nem se despedir e esta nem é a pior parte. Eu gostava mesmo de você, Felix. Por acaso você tem alguma noção de como eu fiquei depois daquilo ou você não se importa?
— Me desculpe. — ele pede, com os olhos em direção ao chão. — Eu sinto muito por tudo o que eu te causei, não era daquela maneira que eu queria que as coisas terminassem.
— Ainda assim, você queria que as coisas terminassem. — eu falo. — Eu não acredito nas suas desculpas, em nada do que você fale. Se você não gostava de mim e aquilo era apenas diversão, você poderia pelo menos ter me dito.
Ele então levanta o olhar para finalmente fitar os meus olhos castanhos, parece confuso. O que esperava, que eu o recebesse de braços abertos e esquecesse toda a dor acumulada pelos três anos mais longos da minha vida?
— Como espera que eu acredite no que você diz, se nem mesmo pode fazer isso olhando nos meus olhos? — interrogo. — Apenas um pedido de desculpas superficial? É tudo que tens para me dizer após três anos?
O australiano me olha hesitante, talvez ele tenha mais para dizer e não sabe como falar, eu não sei. Pode ser que ele não seja mais um completo insensível, como foi anos atrás e se preocupe em tentar fazer um pedido de desculpas descente.
— Yumin, eu já sei que você me odeia. Eu não te culpo por isso, mas...
— Te odiar? Não, você está enganado. Eu não odeio. — o contrario, ele fica confuso. — Felix-ssi, eu não te odeio, porquê te odiar significaria que eu me importo. O ódio, por mais que seja ruim, ainda é um sentimento, e eu já não sinto mais nada por você.
Eu não meço minhas palavras. Digo exatamente o que me vem à mente, para magoá-lo, assim como ele fez comigo. Todavia, minhas palavras não surtirão efeito, porque para isso ele precisaria primeiramente se importar.
— Eu já te superei. — concluo.
Está bem, talvez eu ainda não tenha superado completamente, mas estou no caminho. É apenas uma questão de tempo.
Felix abre a boca, prestes a dizer algo, quando ouvimos passos pesados ficando cada vez mais altos à medida em que avançam em nossa direção. Detrás dele, observo uma presença estranha, alguém que não conheço.
Por algum motivo, sinto uma onda de energia negativa, bem carregada. Não quero dar uma de jovem mística, mas ela tem uma energia pesada, nem mesmo um bom incenso de rosas brancas resolveria.
Em um piscar de olhos, a figura feminina para ao lado do moreno, entrelaçando o seu braço ao dele e o observando com um sorriso que vai da ponta de uma orelha à outra. Seu olhar para mim não é tão receptivo, ela me observa dos pés à cabeça, com um tom julgador. O sorriso que me dá é extremamente forçado e eu logo passo a ser ignorada por ela.
— Finalmente eu te encontrei, procurei por toda parte. — ela diz, agarrando ainda mais o braço do Lee, o espaço entre eles é quase nulo. — Você não vai nos apresentar? — ela questiona, apontando rudemente para mim.
Felix parece um pouco preocupado, da sua boca não sai nenhuma palavra. Já sabendo que o atual moreno não vai falar coisa nenhuma, a de fios rosados faz o favor de nos apresentar.
— Eu me chamo Park Minju. — ela me estendeu a sua mão. — Sou a namorada dele.
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