007 - Paixão e futuro
QUANDO UM COMPUTADOR PERDE a capacidade de controlar o hardware, acontece o que apelidamos carinhosamente de "tela azul", mas e quando isso acontece com uma pessoa? O que quer dizer quando é um ser humano que fica superaquecido, sem memória e perde o processamento das informações?
Eu quero saber como denominar isso, mas mais ainda, quero entender como me sinto.
Felix me beijou.
— Acho que estão apenas esperando por nós para o jantar, é melhor irmos. — Felix se pronuncia novamente após o beijo. É a primeira frase que é dita, eu estava completamente sem reação. Ainda estou.
— Tá bom. — eu concordo, com poucas palavras, poucas reações.
Ele vai na frente, caminhando tranquilamente, indiferente, como se nada incomum tivesse acontecido pouco tempo atrás. Eu o acompanho um pouco mais para trás, abraço o meu próprio corpo, não é frio, é uma crise existencial. Tento entender e organizar a minha mente, descobrir o que está se passando comigo. É tudo tão confuso.
Tenho sentimentos diversos sobre Felix, do dia em que nos conhecemos até hoje. No jantar de noivado ele parecia um príncipe, elegante, apaixonante, "mágico". Confesso ter sentido o frio na barriga. Logo depois, ele me pareceu mais um garoto arrogante e com um tremendo ego. Novamente, não levou muito tempo para mudar meu ponto de vista, Felix me permitiu conhecer uma pequena parte da sua vida, mas que me fez olhá-lo com mais empatia. Acontece que, o tempo todo vou descobrindo mais sobre ele, descascando as suas camadas. Os meus sentimentos por ele são sempre tão diferentes e fortes que fica difícil até de distinguir.
Eu tentaria procurar uma resposta para o que eu sinto, mas a minha mente já está muito ocupada lembrando do seu beijo. Eu toco os meus lábios vermelhos. Por um momento, enquanto ando em direção à porta dos fundos da casa, fico com medo de nos descobrirem, de perceberem, mas se os meus pais conseguiram ignorar Christopher saindo de fininho do quarto de Yuna no meio da madrugada, podem ignorar dois adolescentes com lábios inchados.
Minha família está à mesa, apenas nos esperando, como já imaginávamos. Sento-me ao lado da minha mãe, o loiro ao lado de Yuna, o que significa que estamos de frente um para o outro.
— Espero que vocês gostem. — mamãe diz, começando a se servir, para que os outros de nós possamos também. — Quem reclamar vai lavar a louça.
— Mãe, a senhora é a melhor cozinheira do mundo, não sei como não virou dona de restaurante. — Yuna elogia, querendo se livrar da limpeza.
— Tia, eu já disse que a senhora tem o tempero dos mestres 5 estrelas Michelin? — Felix diz, o maior puxa saco da minha mãe.
Dou uma mexida na minha comida, sujando as pontas dos hashis com o molho apimentado do frango. Minha mente viaja novamente, outra vez o mesmo cenário.
Foi do nada, simplesmente aconteceu. Em um momento discutíamos, no outro nos beijávamos. E o babaca ainda disse que tinha impedido o meu beijo com Yeosang para evitar que ele dissesse que eu beijo mal. Agora quero saber o que ele pensa no nosso beijo, mas jamais terei coragem de perguntar e ele com certeza não dirá. De todo modo, foi um ótimo pedido de desculpas.
— Yumin, tem alguma coisa que você queira me contar? — a mais velha questiona.
— Sobre o que? — eu engulo a saliva, com medo. Será que fui descoberta? Eles perceberam o clima diferente na mesa?
— Sobre a comida, garota. — ela diz, esperando pelos meus elogios. Eu respiro fundo, aliviada. — Onde você está com a cabeça? Você ainda está nesta mesa?
Vejo todos os olhares sobre mim. Mamãe está desconfiada, papai curioso e provavelmente pensando que eu sei de alguma "notícia", Yuna olha para mim meio de canto, depois para Felix, em seguida para mim novamente. O Lee, que sabe exatamente onde os meus pensamentos estavam, ri abafado.
— Está muito bom. — é o meu elogio sobre o prato.
Mesmo achando que foi um elogio fraco, a mais velha deixa para lá e volta a comer seu frango. Sem paciência, ela larga os hashis e segura as coxas de frango frito apimentado com as mãos.
— Yuna, você e Chris já resolveram sobre a data do casamento? — meu pai pergunta.
— Não ainda, mas resolvemos que será no início de dezembro, antes das épocas festivas. — ela responde. — Estamos vendo as datas disponíveis com o salão que gostamos e marcamos a partir daí.
— Faltam menos de seis meses, você acha que é tempo o suficiente para organizar tudo? — é a vez de minha mãe perguntar. Hoje ela está bem mais sociável, mais animada até, deve ter acontecido alguma coisa.
— É um bom tempo, porém não sei se vou conseguir tudo que eu queria para o dia com esse pouco tempo. Mas está tudo bem, eu não esperava que fosse 100% como eu sonhava quando era mais nova, algumas coisas são bem exageradas. Será perfeito e especial de qualquer maneira, contanto que vocês estejam lá.
— Bem, alguns de nós estarão lá. — Felix pensa alto de mais.
— Você tem planos mais interessantes para o dia do meu casamento, o qual ainda nem foi marcado? — a minha irmã questiona, fingindo mágoa. A princípio ela não entendeu o que ele realmente quis dizer.
— Não é isso... — ele fica sem graça. — É que... você sabe, tem o lance com a minha mãe e a dele.
— Felix, independente da relação ruim das duas, você é o irmão dele. Você estará lá, não importa qual das duas seja convidada, se realmente for preciso escolher apenas uma. — a unnie diz, o tranquilizando.
Ainda assim, Felix não parece muito convencido. Eu entendo. Se a sua mãe for ficar, é natural que ele queira ficar com ela. Se sua mãe e padrasto se separarem, Felix meio que deixa de ser irmão de Chan, mas nunca deixará de ser o filho de Soomin. É claro que ele escolheria ficar junto da sua mãe, mesmo isso implicando em perder um dia tão importante na vida do irmão postiço.
— Felix, nos fale um pouco mais sobre você. — meu pai pede, aliviando o clima do assunto passado. — Acho que nós nunca paramos para nos conhecer bem.
— O que vocês querem saber? — ele então questionam.
— Como era a vida na Austrália? — o mais velho faz a primeira pergunta. — Está gostando daqui? Você já tinha vindo antes?
— Um pouco agitada. — ele diz, um pouco raso. — Eu já tinha morado aqui por um tempo quando era criança, pouco depois que os meus pais se casaram. Não lembro de muito daquela época, quando voltamos para a Austrália eu acabei perdendo a prática de como falar coreano, eu falava com a minha mãe, mas chegou um ponto em que ela falava em coreano e eu respondia em inglês. Estou me reconectando com as minhas raizes.
— Eu não conheço o seu pai. Vocês dois mantém contato? — minha irmã pergunta.
— Não. — ele responde, sem dar detalhes.
Depois da negativa de Felix, todos ficamos curiosos para entender mais sobre a sua relação paterna, mas preferimos não perguntar. O que acontece é que, também depois disso, nenhum outro assunto surgiu na mente de ninguém para tapar o vazio, sem deixar claro que estávamos desesperados para mudar o assunto.
O lado bom é que, para nossa sorte, alguém estava invadindo a nossa casa no exato momento em que ficara mais esquisito, e este alguém é Shin Mina.
Não é bem uma invasão. Ela conhece a senha da porta eletrônica, fui eu quem dei. A morena apenas entrou despreocupada, deixou uma mochila preta sobre o sofá e veio até nós na mesa.
— Oi mãe, pai, Yumin, Yuna unnie. — a morena nos cumprimenta como se fôssemos todos membros da mesma família. Ela faz isso com todos, até notar então mais uma pessoa à mesa. — Felix. — ela diz o nome do outro, sem animação ou felicidade alguma.
— Olá, Mina. — minha irmã diz oi. — Por que a bolsa? — ela questiona, confusa.
— Ah, é que eu vou dormir aqui hoje. — ela anuncia, nos informando sobre isso apenas agora. — Tem comida para mim também? — a morena questiona, sentando-se também.
— É claro. — meu pai responde.
Mina senta-se casualmente ao meu lado, todos nesta casa já estamos acostumados com suas visitas repentinas e noites dormidas aqui. Minha família sempre gostou muito da Shin, então nunca foi um problema para ninguém. Eles nunca tratariam mal a minha única amiga.
A morena começa a se servir, o assunto da mesa é repentinamente mudado para o mais indesejado: a faculdade. Estaria tudo bem se fosse sobre a faculdade de Felix, mas estamos falando sobre a minha. O vestibular se aproxima e eu fico cada vez mais ansiosa, não quero nem pensar no que pode acontecer se eu não conseguir entrar.
Tentando tirar o foco e a pressão das minhas costas, Mina comenta que talvez ela não faça faculdade. A morena fala sobre a ideia de fazer um mochilão pelo país, ou fora dele. Minha mãe não diz nada, mas a reprovação é clara no seu rosto, papai está tranquilo comendo um pouco de batata assada, Yuna encoraja a mais nova, dizendo que será bom não ver ela por um tempo.
— Yumin, como o vestibular está perto, acho que é bom se você aumentar o seu tempo de aulas. — meu pai diz. — Você estuda pouco pela manhã, acho que podemos começar daí. As aulas começam em breve, mas até lá você pode usar esse tempo para estudar mais.
— Talvez você deva dar um tempo no taekwondo e usar esse tempo para focar mais nos estudos. — é a vez da minha mãe.
Eu me sinto agoniada. Já não faço isso o bastante?
— Não acho que seja para tanto. — minha irmã entra em minha defesa. — Vocês sabem como ela gosta de lutar. Me desculpem mãe, pai, mas acredito que não seja a melhor opção.
— Filha, ela pode se concentrar nos hobbies dela no futuro. — mamãe fala. — Agora ela precisa mesmo é de um futuro. Está chegando o dia do vestibular, é muito importante. Uma prova, apenas isso é capaz de decidir todo o futuro de alguém.
Eu abaixo a cabeça enquanto eles debatem sobre a minha vida. Meus pés batem no chão, o joelho treme. Minha amiga vê, então segura a minha mão por cima da mesa. Eu respiro fundo, tento relaxar. Porém, quando estico as pernas, ainda agitada, dou um chute em Felix.
— Me desculpa. — eu peço, me arrependo por novamente fazer tudo errado.
— Você sabe como eu prefiro os meus pedidos de desculpa. — ele diz, em um tom sugestivo que eu estaria preocupada de os outros ouvirem, caso alguém além de Mina estivesse mesmo prestando atenção.
— Yumin, está tudo bem se você não conseguir na primeira vez. Você sempre pode tentar novamente. — minha irmã fala.
— Você não acha que eu consigo, unnie? — questiono, preocupada.
— Não é isso. Eu sei o quão inteligente você é, só estou dizendo que, caso as coisas não saiam como o planejado, não será o fim do mundo.
Pode não parecer o fim do mundo para ela, mas para mim é quase isso. Só de olhar o rosto dos meus pais agora eu já sei o quão desapontados eles ficarão, caso eu falhe. Não quero isso, não quero ser a única da família que não conseguiu, não quero ser um fracasso.
— Tia, já podemos comer a sobremesa? — Felix questiona.
. 💐 .
Depois do jantar, meus pais subiram para o quarto, Mina foi tomar banho e se preparar para dormir, enquanto os outros três de nós cuidamos da limpeza. Sim, Felix é visita, mas está limpando, ele deveria saber que a fatia extra de torta não viria de graça. Eu fico por não ter dado um elogio bom o suficiente, já Yuna, ela fica apenas por querer nos ajudar.
Minha irmã lava, eu seco, Felix guarda. Sabemos que uma pessoa sozinha consegue fazer esse trabalho, mas resolvemos dividir para três.
É impossível não pensar na conversa que tivemos durante o jantar, isso só deixou mais evidente o quanto eu preciso me dar bem no vestibular. Quero ter uma boa formação e acredito que a melhor forma seja ingressar em alguma das universidades da SKY (sigla para as três universidades mais prestigiadas de Seoul).
Inicialmente, os meus planos seriam estudar fora do país, mas se já é difícil para que eu me adapte aqui na Coreia, não consigo nem imaginar com seria em um país diferente, com pessoas totalmente diferentes ao que estou acostumada, uma língua diferente, absolutamente tudo diferente. Só de pensar fico nervosa.
Se eu não entrar em nenhuma, o que eu vou fazer? Como vou encarar meus pais se a única coisa que eu tenho feito nos últimos dezesseis anos foi estudar arduamente? Estamos falando sobre a SKY, eu posso não ser boa o suficiente. Talvez eu possa seguir o conselho da minha irmã, tentar no ano que vem e assim ser a decepção da minha família.
— Você sabe que faculdade não é sinônimo de emprego, não é? — Felix questiona, guardando alguns dos copos.
— Você não entende o quanto isso significa para mim.
— Então me faz entender. — ele pede. — Eu estou ouvindo você falar sobre faculdade o tempo inteiro, mas você nunca me deu um motivo realmente convincente para querer fazer.
Eu jogo o pano de prato por cima do ombro, paro o meu serviço, deixando a louça limpa acumular no escorredor. Felix também para, visto que, se eu não continuo, ele não tem serviço algum para fazer. Yuna é a única que continua fazendo a sua parte, sem entrar na nossa conversa.
— Porque não tem nada no que eu seja boa, Felix. — eu explico. — A faculdade é a minha chance de descobrir o que eu quero fazer. Se eu não for... então o que eu vou fazer da minha vida?
Ele respira, fica em silêncio, provavelmente a pensar no que dizer.
— E se a faculdade não for tudo isso que você está pensando? — ele me questiona. — E se você entrar no curso que você quer e descobrir que não era nada do que você esperava? O que você pretende fazer? Quais são as suas outras opções?
Eu ainda não tinha parado para pensar sobre isso. E se eu não me encontrar no direito?
Desde pequena eu sempre pensei que faria algo neste ramo, exceto pelos dois anos que eu coloquei na cabeça que queria fazer parte do corpo de bombeiros. Não parei para imaginar a minha vida sem me tornar quem eu quero ser, não pensei em outras opções, porque nada mais me atraía.
Agora tenho mais uma preocupação: O que fazer se as coisas derem errado?
— Eu sei o que eu quero ser, Felix. Não pretendo mudar. — digo firme, tentando convencer a nós dois. — Eu vou à faculdade, eu vou conseguir.
— Eu não estou duvidando que você consiga, nunca. Eu só não quero ver você sem tempo nem para respirar. — ele diz. — Você já estuda mais que o suficiente. Não se sobrecarregue com algo assim, Yumin. Essas coisas são as que levam as pessoas ao suicídio.
— "Algo assim"? Lee, você realmente não entende. — eu volto ao mesmo ponto. — Você é novo neste país, então pode não ter percebido isso ainda, mas você sabe o que vem antes do seu nome quando as pessoas vão te chamar? — questiono, mas logo respondo. — O seu título. "Algo assim" é importante, Felix.
— Eu não estou dizendo que não é importante, Yumin. É claro que conhecimento é importante, eu também faço faculdade, eu só não fiquei obcecado por isso, como você está. — ele fala.
— Eu vou para o meu quarto, vocês dois terminem a parte de vocês. Sem quebrar nada, por favor. — Yuna diz, fugindo daqui o mais rápido possível.
— Eu posso estar obcecada por isso, sim. Mas é porque isso é o que vai definir a minha vida daqui para frente. Eu vou largar o taekwondo, porque eu preciso. É um sacrifício que eu terei que fazer para ter uma vida próspera.
— Você é insuportável, Kang. — ele diz, irritado. — Digamos que você pare de praticar o esporte, que você deixe de lado o que é provavelmente a única coisa que não está te impedindo de surtar. O que acontece depois?
— Eu entro em uma boa universidade? — faço uma pergunta retórica.
— Não. O que acontece depois disso? — ele volta a questionar. — Você vai entrar na faculdade, suponhamos que goste do curso e continue nele. Acabou? A rotina cansativa vai ter fim algum dia? No fim de tudo, vai valer a pena?
— Eu... — eu não sei.
— Vou te dizer o que vai acontecer. — ele conta uma historinha. — Você vai deixar de lado as coisas que ama, se sobrecarregar com estudos, não vai ter tempo para fazer coisas básicas como comer, beber água e dormir, quem gosta de você vai acabar se afastando porquê desse jeito vai ser impossível de manter qualquer relação, então você vai ficar doente, sozinha e frustrada. Se um dia você acabar se casando, como sei que quer, vai ser um casamento arranjado e sem amor que só vai te fazer se sentir arrependida, porque não se deu tempo para construir uma relação de verdade.
— Isso ainda é sobre eu não querer sair com você? — interrogo.
— Fala sério, Yumin. Esta foi a única coisa que você absorveu sobre o que eu te disse? — Lee questiona, irritado e frustrado. — Não é nem de longe sobre você querer sair comigo ou não, Kang. É sobre eu não querer ver outra pessoa que eu gosto se matar.
Por alguns segundos, fico sem fala.
"Outra pessoa"? Eu me pergunto quem seria a primeira. Meu coração fica apertado, os olhos de Felix tem um brilho diferente, não um bonito, um de lágrimas. Elas não escorrem, mas são perceptíveis começando a se formarem. Sinto-me estranha, mal. Quero chegar mais perto, tocá-lo, talvez perguntar o que aconteceu, mas não consigo.
— Felix...
— Yumin, eu estou preocupado. — ele diz. — Eu não pude impedir da outra vez, mas de agora em diante eu vou fazer tudo o que eu puder para evitar isso.
Não consigo entender o que ele quer dizer com isso, mas pelo tom, não foi coisa boa. Será que é sobre alguma ex-namorada dele? Isso explicaria sobre a conversa que tivemos mais cedo sobre não se apegar a ninguém. Bem, isso explicaria o contexto.
— Vamos só voltar a cuidar da louça, está bem? — eu peço, sem querer retomar o assunto.
— Não, nós precisamos falar sobre isso. — ele diz, firme. — Kang Yumin, se você quiser mesmo se destruir desta forma, eu prefiro não estar por perto para ver.
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