CAPÍTULO 51 - O Labirinto
"𝐶𝑜𝑚 𝑢𝑚𝑎 𝑝𝑒𝑞𝑢𝑒𝑛𝑎 𝑐𝑜𝑟𝑑𝑎 𝑒 𝑢𝑚 𝑠𝑎𝑐𝑜 𝑑𝑒 𝑝𝑒𝑑𝑟𝑎𝑠
𝐸 𝑡𝑜𝑑𝑜𝑠 𝑜𝑠 𝑠𝑒𝑢𝑠 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑗𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑜𝑠𝑠𝑜𝑠 𝑞𝑢𝑒𝑏𝑟𝑎𝑑𝑜𝑠
𝐸𝑙𝑎 𝑣𝑎𝑖, 𝑒𝑙𝑎 𝑣𝑎𝑖 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑐𝑎𝑠𝑎"
(𝑨𝑼𝑹𝑶𝑹𝑨 - 𝑨𝒘𝒂𝒌𝒆𝒏𝒊𝒏𝒈)
Abutres. Os asgardianos não passavam de abutres sedentos por sangue. Mas não qualquer sangue, sedentos para ver o derramar do sangue da minha amiga nos solos de Asgard. Não importava se ela vencesse ou morresse, se houvesse um derramamento de sangue, já seria o suficiente para entretê-los em suas enfadonhas imortalidade.
Cerrei o punho com força e senti as unhas rasgarem a pele da minha mão. Eu poderia matar a todos, entretanto, tinha a certeza de que iniciar uma chacina não iria favorecer a situação de Acme, ao contrário, poderia acarretar uma consequência desastrosa. Sendo assim, respirei fundo ao escutar Odin iniciar seu discurso.
— Meus caros amigos — iniciou ele mantendo sua tão familiar postura austera — Estamos reunidos novamente, para dar prosseguimento ao segundo Teste dos Deuses que Acme, de bom grado, aceitou enfrentar. — Lançou seu olhar para minha amiga que permanecia em pé, ao lado de Thor. Ambos ostentavam uma expressão de seriedade e não havia qualquer traço de emoção em suas faces.
Enquanto Odin continuava com seu discurso, aproveitei o momento para analisar sua esposa, Frigga. Tentei encontrar em seu rosto, em suas expressões, em seu olhar, qualquer indício que pudesse comprovar que ela ansiava pela morte de minha amiga.
A bela mulher mantinha-se um pouco atrás de seu esposo, em sinal de respeito e, talvez, de submissão. Fazia muito frio em Asgard e o céu cinzento despejava pequenos flocos de neve que prenderam-se em alguns dos fios cor de fogo de seus longos cabelos. A imponente deusa suprema da dinastia Aesir, mantinha seus límpidos olhos azuis fixos na multidão de espectadores. Contudo, como se tivesse percebido que eu a observava com mais cuidado que os demais, Frigga direcionou sua atenção para mim. Não desviei o olhar, queria que ela soubesse da minha desconfiança; queria que ela se sentisse ameaçada. A mulher, por sua vez, arqueou uma de suas sobrancelhas bem delineadas enquanto encarou-me com demasiada cautela. Semicerrei o olhos em um gesto de desconfiança. Frigga, com certeza, escondia muitos segredos. Segredos que eu desvendaria.
Poderia tentar invadir sua mente e desbravar todos seus mistérios, entretanto algo no discurso de Odin chamou minha atenção. Assim, voltei a concentrar-me nas palavras que saíam dos lábios do deus supremo.
— Sei que todos querem contemplar cada parte desse desafio. No entanto, lamento informá-los que vocês não poderão testemunhar, com vossos olhos, o que ocorrerá no dia de hoje. — disse o deus enquanto observava sua plateia que começou a ficar agitada. — O segundo teste ocorrerá nas profundezas das Montanhas de Nidavellir, cujo domínio pertence ao Senhor Alderon, e este deixou claro que apenas os deuses são bem-vindos a adentrar em seu mundo.
Os rumores começaram a ficar mais altos. Os asgardianos não se contentaram com tal situação.
Naquele instante eu soube que teria problemas em acompanhar Acme, visto que, eu não era uma deusa, portanto, segundo a regra, não poderia adentrar em tal mundo. Desse modo, tive que perguntar:
— E como ficaremos sabendo do resultado do desafio? Como saberemos a verdade?
Pelos murmúrios da multidão, percebi que muitos compartilhavam de minhas dúvidas.
Odin direcionou seu único olho cheio de fúria em minha direção.
— Eu, unicamente, serei responsável por reportar os fatos ocorridos durante o Teste. Tudo que meu olho ver, será repassado a vocês. — ele explicou diretamente para mim e depois moveu o olhar para seu povo — Há alguém aqui duvida de minha palavra? — indagou. E Sua voz tão potente como um trovão, estrondou por toda Arena fazendo com que todos calassem-se imediatamente.
Estava prestes a debater com Odin, quando Loki falou em meus pensamentos:
— Erieanna, fique calada ou será a primeira a ter o passe negado para Nidavellir.
Inalei o ar com força e cerrei os punhos na tentativa de apaziguar meu temperamento. Odin ao perceber que a ordem na plateia fora estabelecida, tornou discursar.
— Acme, querida... — voltou-se em direção a minha amiga. — Junte-se a mim.
Em completo silêncio, ela efetuou os passos a frente, rumo ao deus supremo, e assim, colocou sua mão sobre a dele.
— Eu, Odin, protetor de Asgard e soberano supremo da dinastia Aesir, vos transmitirei as instruções referente ao segundo Teste dos Deuses. — enunciou enquanto encarava a jovem grega que sutilmente arregalou seus olhos verdes.
Odin, então, fez um gesto com sua mão que estava livre, e o assustador labirinto situado nas profundezas das Montanhas de Nidavellir surgiu à frente de todos.
— As Montanhas de Nidavellir são tão antigas quanto a origem da Yggdrasil. — o deus começou a narrar em um sombrio e contido tom de voz — Há muito tempo atrás, numa era quase esquecida pelos imortais, houve uma desavença entre deuses e Anões. — a multidão estava completamente imersa na narrativa, todos os olhares estavam centrados em Odin, inclusive o meu — Existiu um tempo em que Deuses e Anões habitavam o mesmo pedaço de terra, um tempo de harmonia, um tempo de paz. — prosseguiu Odin — Mas os Anões eram ambiciosos demais, queriam todo poder para si, queriam desfrutar de toda a riqueza e não queriam compartilhá-la. Uma conspiração para derrubar os deuses foi iniciada, uma conspiração que acarretou em um grande derramamento de sangue e acabou com o confinamento dos Anões nas profundezas das Montanhas de Nidavellir. Por conta da ambição, eles foram condenados a jamais ver a luz do Sol novamente. — Um silêncio profundo abateu-se na Arena. Apenas ouvia-se o uivo do vento: o som sombrio do inverno.
Eu já conhecia aquela história e ela não levava a um bom desfecho. Logo Acme saberia o quanto estava em perigo.
— Dizem que os Anões construíram infinitos e infindáveis túneis sob as montanhas. Túneis que foram meticulosamente utilizados para vencerem guerras. Túneis que apenas seu povo conhece tão bem. — Odin retomou a narrativa — Dizem também que durante a instalação sob as Montanhas, bem nas suas profundezas, os Anões depararam-se com criaturas horríveis, nas quais ninguém jamais ousou descrever. Muitos Anões morreram tentando, em vão, exterminá-las. E como se fossem pragas, quando uma besta morria, o dobro surgia. A única alternativa era prendê-las nas profundezas mais densas das Montanhas. Portanto, um labirinto fora construído para manter todas as feras longe da superfície; longe do povo de Nidavellir. Dia após dia, noite após noite, muitos Anões trabalharam na elaboração de tal labirinto, e ao finalizá-lo, fizeram um acordo com nossos ancestrais Aesir. Pediram que eles usassem a magia para confinar as bestas dentro do labirinto, em troca de forjá-los magníficas e raras armas com os preciosos metais que existem apenas em suas Montanhas. O acordo foi firmado e este é válido até atualidade. A magia dos deuses dá vida ao labirinto, fazendo-o com que seus caminhos alterem-se constantemente. Uma vez lá dentro, é quase possível escapar. — finalizou Odin e segurou ambas as mãos de Acme, ficando frente a frente com ela.
— Você está sugerindo que o segundo Teste será nesse labirinto? — indagou Thor entredentes enquanto uma fúria brutal refletia-se em seu olhar.
Odin direcionou seu olhar para o filho.
— Se sua amada quiser conquistar a imortalidade, terá de adentrar no labirinto e encontrar a Lança de Dagda que os Anões inseriram em seu centro. Este é o segundo Teste, se Acme for capaz de resgatar a Lança do interior do Labirinto, então ela terá completado do segundo Teste dos Deuses. — informou Odin sem qualquer traço de compaixão em sua voz.
— Isso é loucura! É uma missão suicida! É um teste impossível de ser completado. — bradou Thor puxando a amada para perto de si.
A multidão, novamente, havia começado a ficar agitada.
A esperança havia começado a infiltrar-se dentro de mim. Talvez Thor impediria que Acme partisse para tal missão. Talvez ambos decidiriam fugir.
— Meu filho, você realmente pensou que os Testes seriam algo fácil a serem completados? — indagou Frigga que ostentava uma expressão de satisfação em sua imaculada face — A imortalidade tem seu preço. Você escolheu dividir a vida com uma mortal, deve arcar com suas consequências para aprender que algumas barreiras, jamais devem ser transpostas.
Então soube... Frigga desejava que Acme morresse para poder dar uma lição em seu filho. Ela não se importava o quanto Thor poderia sofrer com a perda de sua amada, apenas queria provar a ele que deuses, jamais deveriam misturar-se com mortais. E naquele momento, decidi que se eu não pudesse matá-la, eu a faria sofrer. Frigga estava certa em um ponto: tudo tem um preço. Eu era sua mais temida consequência.
— Acme está ciente de suas opções. Cabe somente a ela escolher qual será o seu destino. — proferiu Odin dando a palavra para a jovem grega.
Nem eu, nem Thor, nem ninguém teve tempo de tecer qualquer argumento que pudesse fazer Acme desistir de enfrentar o segundo Teste, pois assim que Odin concedeu-lhe a chance de falar, ela declarou em alto e bom tom:
— Eu aceito o desafio do Segundo Teste.
A multidão explodiu em gritos vitoriosos, e apesar de todo o estrondoso alarde a minha volta, eu ainda era capaz de ouvir as fortes batidas do meu coração que pareciam sobressaltar o coro das vozes animadas dos asgardianos.
— Erieanna... Erieanna... — a voz de Loki chamou-me em minha mente.
Procurei por seu rosto do meio de toda aquela gente, e como se tivéssemos conectados por um fio invisível, encontrei seus intensos olhos azuis em um outro extremo da Arena.
— Você está bem? — ele perguntou em um tom de alarme.
Apenas balancei a cabeça em sinal de afirmação, garantindo que eu estava bem. Embora, obviamente, eu não estava.
Senti que Loki saiu da minha mente, desse modo não ouvi mais sua voz.
— Bem, se esta é sua decisão, devo informar que tens o direito de escolher qualquer pessoa para lhe acompanhar nesta missão. Qualquer pessoa menos Thor. Ele já acompanhou-lhe no último desafio. — explicou Odin.
A contragosto, Thor teve de permitir que Acme saísse de seus braços para que ela pudesse fazer sua escolha.
Novamente, meu coração disparou sob meu peito. Aquela era a única chance que eu teria de ir junto a ela para Nidavellir.
Os olhos verdes de minha amiga percorreram toda a multidão que a assistia com atenção. Acompanhei seu olhar que pairou por um instante no rosto de Loki e depois fixou-se em mim. Um sorriso surgiu ao seu lábio quando eu assenti com a cabeça indicando que eu iria com ela para tal missão. Ela não sabia, mas eu a seguiria até o Ragnarök se preciso fosse.
Sua escolha já fora feito, portanto Acme soltou um longo suspiro antes de anunciar:
— Erieanna. Eu escolho Erieanna.
Animação tomou conta da multidão. Thor que estava logo atrás de sua amada, soltou um suspiro de alívio. Talvez ele soubesse que eu a protegeria com minha vida. Talvez tivesse a certeza de eu a traria de volta.
Odin fez um sinal com a mão pedindo que eu subisse ao palco. Fiz o que fora solicitado-me e tomei o lugar ao lado de Acme que envolveu sua mão gelada na minha.
— Sem mais delongas, partiremos rumo ao desafio. — Odin estalou os dedos e todos que estavam no palco, desvanecemos junto a ele.
Logo aterrissamos em nas profundezas de Nidavellir, onde fomos recebidos por uma peculiar plateia de Anões.
Havia centenas de estranhos e felinos olhos claros nos observando. Por sorte, muitos Anões carregam tochas de fogo que iluminavam parcialmente, a tenebrosa escuridão das profundezas rochosas de Nidavellir. Abaixo de nós as feras rugiam dentro do Labirinto e o som aterrorizante ecoava por toda a Montanha.
Acme ficou paralisada encarando o infinito Labirinto que descia às profundezas do solo até não ser mais avistado. Pensei em confortá-la e dizer que tudo ficaria bem, no entanto, minhas palavras de conforto foram esquecidas dentro de mim, quando um dos Anões aproximou-se de nós.
— Caros deuses asgardianos, em nome de todo meu povo, eu Alderon, soberano dos Anões lhes desejo que sejam bem-vindos a nossa Nidavellir. — o pequeno homem exibiu seu sorriso repleto de dentes dourados.
O anão não passava da minha cintura, mas seu porte robusto indicava que poderia derrubar-me com apenas um golpe de suas pequenas, porém fortes e calejadas mãos. Seu ágil olhar de um azul esbranquiçado, parecia que podia enxergar até mesmo de costas. Havia tanto pelo marrom em seu corpo, que eu não sabia onde começava ou onde terminava sua barba e cabelo. Ele, de fato, era uma criatura peculiar.
— Em nome de todos, eu Odin, protetor de Asgard e soberano dos Aesir, agradeço às boas vindas.
E foi naquele exato momento, que Loki desvaneceu em Nidavellir.
— Oh Loki! Quase acreditei que não viria. — disse o Alberon completamente animado com a presença do deus da mentira.
— Você me conhece, jamais perderia um belo espetáculo. — Ambos sorriram. Estranhamente, o líder dos Anões parecia gostar de Loki.
Sutilmente semicerrei os olhos para o deus a qual meu coração pertencia e ele apenas esboçou um quase despercebido sorriso.
— Acredito que devamos iniciar o segundo Teste dos Deuses. Prefiro não prolongar minha estadia em suas terras, caro Alderon. — falou Odin com certa austeridade.
— Como desejar.
E Para tanto, o Senhor dos Anões voltou sua atenção para mim e Acme.
— Qual das duas desejada conquistar a imortalidade? — ele indagou fitando-nos com atenção.
— Eu. — Acme deu um passo para frente e encarou o anão com demasiada bravura.
A peculiar criatura exibiu seu sorriso cheio de dentes de ouro e depois fixou seus olhos claros em mim.
— E você é?
— Erieanna. — respondi um tanto ríspida — Ela escolheu-me para acompanhá-la durante o desafio.
Os olhos do Anão arregalaram-se inesperadamente.
— Erieanna... — proferiu meu nome de forma prolongada — Os rumores sobre suas habilidades em combate estão espalhando-se por toda a Yggdrasil e já chegaram aqui, em Nidavellir. Estas se tornando famosa, minha jovem. — ele olhou-me intensamente — Vai se tornar uma lenda se, de alguma forma, conseguir escapar do Labirinto.
Eu não me importava se tornaria-me uma lenda, se os Anões lembrariam meu nome pela eternidade. Eu só queria salvar Acme e faria qualquer coisa para trazê-la de volta do Labirinto, viva.
— Estou mais do que pronta para me tornar uma lenda. — Arqueei a sobrancelha e esbocei um curto sorriso de canto.
— Sendo assim, o Labirinto é todo seu. Tente não morrer. — Alderon estendeu a mão em direção ao ferozes rugidos das bestas.
Lancei o olhar para Acme, que mantinha os olhos fixos no Labirinto abaixo de nós.
— Está preparada? — indaguei a minha amiga.
— Sim. — respondeu e começou a descer rumo a morte.
Segui a seu encalço. Conforme nos aproximávamos da entrada do Labirinto, os grunhidos das bestas tornaram-se mais alto e mais assustadores. Puxei minha espada da bainha e segurei o cabo com tanta força que os nós dos meus dedos ficaram esbranquiçados.
Acme também portava uma espada em suas mãos. Seu peito subia e descia rapidamente por debaixo de sua armadura, assim como os meu.
Ao chegarmos na entrada do Labirinto, um vento quente veio em nossa direção trazendo consigo um odor pútrido. Meus pelos arrepiarem-se. Aquele era, definitivamente, o cheiro da morte.
Ambas respiramos profundamente, antes de marchar rumo ao perigo eminente.
Estávamos quase dentro do Labirinto, quando Loki invadiu minha mente.
— Prometa-me que vai voltar! — pediu com urgência.
Meu coração apertou-se dentro de mim. Queria dizer-lhe muitas coisas, queria confortá-lo afirmando que tudo daria certo, que eu ficaria bem. Queria confessar que eu amava, porém eu apenas disse:
— Eu voltarei. Eu prometo!
Então tive a certeza de que voltaria. Loki havia prometido-me que libertaria-me do Laço do Sacrifício e assim o fez. Ele não faltou com sua promessa e eu não faltaria com a minha.
E foi com total determinação em sair daquele Labirinto, que eu adentrei na escuridão que ele abrigava.
Uma vez dentro do abismo, eu conjurei uma bola de fogo que começou a iluminar o caminho a nossa frente. Seguimos em linha reta por longo corredor, e nenhuma palavra fora proferida. Embora ouvíssemos os ruídos estridentes das bestas que pareciam estar por toda parte, levou um bom tempo até que fôssemos atacadas.
Em meio a grunhidos apavorantes, era possível escutar as paredes do Labirinto movendo-se, mudando o caminho, nos prendendo dentro dele.
Continuamos andando silenciosamente, até que senti uma leve brisa tocar meu rosto. Interrompi meus passos e Acme fez o mesmo.
— O que foi? — ela sussurrou assustada.
Levei meu dedo aos lábios pedindo para que ela ficasse calada.
Devagar, agachei-me e espalmei minhas mãos no solo. Concentrei-me totalmente na energia das terras sob minha pele, e assim conjurei as palavras que permitam que eu controlasse o ar. Logo um pequeno redemoinho de vento surgiu a minha frente. Não importava quantas vezes aquelas paredes se movessem, o ar sempre encontraria um jeito de libertar-se e ele nos levaria ao centro.
— Nos importa o que aconteça. Siga o vento, ele vai te levar ao centro do Labirinto. — expliquei a Acme que balançou a cabeça concordando.
Seguimos o ar, e desse modo, percorremos por paredes e mais paredes que fechavam-se atrás de nós. Por um momento achei que passaríamos despercebidas pelas feras do Labirinto. Contudo, ao tomarmos um determinado caminho, uma besta alada surgiu a nossa frente, pronta para nos devorar com seus enormes dentes afiados.
— Corra Acme! Corra! — gritei enquanto disparava flechas e mais flechas na criatura cujo denso couro que cobria seu corpo, impedia que as lâminas penetrassem sua pele.
O movimento de suas asas batendo projetava ondas de vento sobre nós. A besta estava tão próximo de mim, que eu era capaz de sentir o forte mau odor de seu hálito espreitando-me.
Eu precisava livrar-me daquela criatura, precisava encontrar alguma forma de feri-la. Assim, virei-me em sua direção, passei por debaixo de suas garras e fiquei atrás da besta que continuou a perseguir Acme.
Respirei fundo e deixei a magia tomar conta de mim. Em seguida, lancei uma parede protetora entre minha amiga e a pavorosa criatura. Suas garras afiadas raspavam o escudo tentando penetrar a barreira e dilacerar Acme que olhava-me com seus olhos arregalados.
Peguei uma flecha, coloquei no arco e disparei sentido a besta alada. Imediatamente, seus olhos negros voltaram-se para mim. A horrenda criatura deu a volta e disparou agressivamente em minha direção.
No mesmo instante, empunhei minha espada e corri rumo a besta. Apoiei os pés, uma, duas vezes, sobre a parede para pegar impulso, e rugindo furiosamente, lancei-me sobre a besta, na qual cravei a lâmina da espada em sua cabeça, rasgando-a por completo. A fera soltou um rugido pavoroso que fez meus ouvidos doerem. Ela debateu-se tentando viver, tentando escapar da morte, mas era tarde, aquele foi seu fim.
Limpei o sangue negro que respingou em minha face e observei a criatura morta que jazia no chão.
Estava recuperando o fôlego quando ouvi Acme gritar. Meus, imediatamente procuraram por ela, e mais a frente um bicho monstruoso de quatro patas cravou seus dentes na perna de minha amiga e começou a arrastá-la para trás de uma parede do Labirinto que acabará de se abrir. Corri em disparada para salvá-la, peguei sua espada que havia caído no chão e consegui passar pela parede antes que ela se fechasse.
Cheguei até minha amiga no momento em que a criatura tentava atacar seu pescoço. A jovem indefesa debatia-se agitadamente desviando-se dos imensos dentes da fera que ansiava por devorá-la.
Não parei para pensar e, instintivamente. peguei meu arco, ajustei a mira e lancei a flecha que penetrou bem no fundo dos olhos negros do monstros que rugiu de dor e libertou Acme de seus dentes. Peguei outra flecha, envolvi-a com chamas e disparei contra a fera. O fogo invadiu seu corpo e o cheiro de pele queimada subiu no ar. Era necessário acabar com aquela criatura que uivava sem parar, por isso com único gesto de minhas mãos, eu incinerei o bicho. Dele não sobrou nada, além de pó.
Corri em direção de Acme que segurava sua perna ferida enquanto berrava de dor. Agachei-me para ver o quanto estava machucada e praguejei ao ver dois imenso buracos cujo sangue deles não paravam de jorrar. Se eu não estancasse o ferimento, ela morreria.
— Maldição! — praguejei rasgando um pedaço de minhas vestes para colocar em volta de sua perna.
Lágrimas escorriam sem parar pela face da jovem grega.
— Não se preocupe, nós sairemos daqui. Eu prometo. — assegurei enquanto amarrava o pano em sua panturrilha.
Fazia um bom tempo que eu não utilizava a magia de cura. Aquilo ia consumir com boa parte da minha energia, mas era algo que precisava ser feito. A ferida não iria curar-se sozinha e Acme não sobreviveria com a perna terrivelmente machucada. Dessa forma, fechei meus olhos, estendi minhas mãos sobre sua perna, e conjurei as palavras de cura. As palmas de minhas mãos começaram a formigar. Uma onda de energia tomou conta de mim e logo Acme parou de gritar. Abri meus olhos e observei sua perna. Não havia mais dor, nem derramamento de sangue, ela estava curada.
Abracei-a com força e comecei a sussurrar um feitiço de proteção. Não deixaria que nada de mal a atingisse novamente, ela estaria protegida.
— Vamos. Precisamos encontrar a maldita Lança.
Ela assentiu com a cabeça concordando e ambas nos colocamos em pé.
Novamente conjurei o redemoinho de vento para nos guiar.
Foi um longo percurso até chegarmos ao centro do Labirinto. Nenhum monstro foi capaz de atacar Acme, pois meu feitiço de proteção funcionou perfeitamente como uma bolha impenetrável. Quanto a mim, tive que dilacerar as incontáveis criaturas que surgiu em nosso caminho.
Eu estava completamente banhada em sangue negro quando finalmente encontramos a Lança. A arma estava no coração do Labirinto e, visivelmente, parecia que nada a protegia.
Movida pelo impulso, Acme lançou-se em rumo ao objeto.
— Não! — gritei tentando impedi-la e corri em sua direção.
Por sorte consegui alcançá-la antes que uma afiada lâmina atravessasse seu corpo. O chão até a Lança estava repleto de armadilhas mortais.
— O que vou fazer, como conseguirei pegar essa maldita Lança? — indagou completamente abatida pelo desespero..
— Daremos um jeito. — afirmei enquanto estudava o caminho até determinado objeto.
Naquele momento, escutei ferozes rugidos aproximando-se de nós. Então eu soube que tínhamos pouco tempo.
— Use sua magia e traga a Lança até nós. — Acme pediu com urgência.
Eu já havia cogitado tal hipótese, porém algo dizia-me que se Acme não pegasse a Lança com seus próprios esforços, o Teste seria anulado.
— Não posso fazer isso. Esse é seu Teste, você deve resgatar a Lança por conta própria.
Acme entrou em desespero.
— Eu não vou conseguir fazer isso! Não vou! — começou a falar repetidamente como se tivesse a certeza de que falharia.
Segurei seu rosto em minhas mãos e fiz com que olhasse-me.
— Escute-me com atenção. Eu lançarei uma pesada energia de magia que vai destravar todas as armadilhas. Depois, irei pausa-las para que possa observar qual local é seguro a pisar. Quando eu destravá-las, você, rapidamente, entrará naquele maldito cubículo e pegará a merda da Lança. Compreendeu?
Ela não respondeu-me, apenas continuou a fitar-me com seus olhos arregalados.
— Esse é o único jeito? — indagou um tanto insegura.
— Devido o curto tempo, sim.
Um pesado suspiro saiu por seus lábios. Mas Acme, sem ter outra escolha, colocou-se à frente do centro do Labirinto e aguardou que eu fizesse minha parte.
Inalei o ar com força, antes de conjurar a densa energia de magia em direção a Lança. Todas as letais armadilhas do chão foram destravadas, e eu as mantive visíveis até que Acme decorasse o caminho seguro.
Interrompi a magia quando ela lançou-me um olhar alegando que sabia exatamente o que fazer. Assim, depois de respirar profundamente, a jovem partiu em direção a Lança.
Meu coração disparou sob meu peito, e mal conseguiu respirar conforme ela mudava os passos e ficava cada vez mais perto do seu objetivo. Quase morri quando ela esticou a mão para pegar a Lança, e meu coração só voltou a bater, quando a vi segurando firme em suas mãos, a arma a qual veio resgatar. Mas a missão ainda não havia sido concluída, pois Acme teria de voltar.
Passo a passo a obstinada jovem grega desviava das afiadas lâminas que estavam escondidas sob o chão. Segurei o ar em meus pulmões e apenas soltei-o quando ela deu um último passo em minha direção; um último passo em sentido da vida. Por sorte, consegui puxá-la em meus braços, no mesmo instante que uma lança saiu do chão e projetou-se em suas costas, rasgando um pedaço de suas vestes. Foi por pouco, mas minha amiga estava segura.
Ambas suspiramos aliviadas, metade da missão estava completa, no entanto, tínhamos que encontrar uma forma de escapar daquele maldito labirinto, antes que ele nos engolisse.
Não posso afirmar quanto tempo levamos para chegar a saída, nem mesmo posso dizer quantas bestas mortas deixamos para trás. A única coisa da qual recordo-me, é que quando chegamos ao imenso corredor que dava para saída, minhas energias já estavam esgotando-se. Todavia, devo acrescentar que se não fosse pela misteriosa Lança de Dagda cujo poder era indescritível, sei que jamais sairíamos vivas daquele local. Por sorte descobrimos que tal arma matava as terríveis criaturas somente com um leve raspar em suas rústicas peles. Dessa forma, utilizei a Lança para exterminar qualquer besta que apareceu em nosso caminho.
Corremos mais depressa quando vislumbramos a saída. Uma eternidade parecia ter se passado, mas finalmente formos capazes de retornar. Eu já estava a um passo para fora do Labirinto, quando uma garra cravou em meu tornozelo e derrubou-me. Apenas tive tempo de jogar a Lança para Acme e gritar para que corresse para sua liberdade, antes de ser arrastada de volta às sombras.
Senti os dentes da fera bem perto do meu rosto. Escutei seus grunhidos atravessarem as profundezas do meu ouvido. Tentei pegar qualquer arma de meu traje, mas a criatura havia prendido meus braços com suas pesadas garras. Eu lutei o máximo que pude. Lutei até até lágrimas saírem dos meus olhos. Lutei até que minha vista começou a embasar. Então, não mais capaz de resistir aos ataques, eu fechei os olhos e aceitei a morte de bom grado. Eu morreria em paz com a certeza de que Acme viveria.
Parei de lutar e esperei que os dentes afiados fossem cravados em minha pele. Esperei pelo pior; esperei pela dor, mas ela não veio. Ao contrário, uma força invisível arremessou a fera para longe de mim e a incendiou com um simples estalar de dedos.
Ainda com a vista turva, virei meu rosto em direção a pessoa que havia livrado-me da morte e encontrei os familiares olhos azuis de Loki cravados em mim.
Chorei de alívio. Ele veio ao meu socorro. Ele salvou-me, mais uma vez.
— Loki. — sussurrei quando ele envolveu-me em seus braços. — Eu tentei voltar! Eu tentei voltar! Eu juro! — proferi segurando a gola da sua camisa com demasiada força.
— Eu sei Coração de Gelo. Eu sei. — assegurou ainda mantendo-me em seu abraço seguro.
Naquele dia, eu chorei como jamais havia chorado. Apertei meu rosto contra seu peito e gritei, urrei, solucei. Minhas lágrimas ensoparam suas vestes e ele continuou a embalar-me até que eu acalmasse-me.
— Vamos Coração de Gelo, vou te levar embora.
E assim, Loki carregou-me e levou-me para fora do Labirinto amaldiçoado.
Não sei se aplaudiram nossa vitória, não sei como Acme foi recebida, não sei se sentiram-se aliviados por saber que ambas estávamos vivas. Minha única certeza é que Loki salvara-me da morte, e a ele eu seria sempre grata.
Parece que eu havia escolhido a pessoa certa para amar, e ainda assim, eu sabia que não havia um futuro para nós.
(CAPÍTULO SEM REVISÃO)
Oi gente!
Sei que disse que ia publicar o capítulo ontem, mas aconteceram alguns imprevistos que me impediram de realizar tal ação. Todavia, eis ele aqui!
Espero que tenham gostado dessa aventura e até loguinho!
P.S: Ajude a autora, deixe seu voto! (Thanks)
Bjus, Tia Lua
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