CAPÍTULO 45 - Nidavellir
Quando eu vivia em Midgard, o mundo dos homens, eu não acreditava na existência dos deuses e, portanto, também não me convencia de que havia os outros oito mundos que compõe a árvore dos mundos conhecida como Yggdrasil. Contudo, após ser trazida à Asgard, descobri que o universo era muito maior — e muito mais perigoso — do que eu imaginava.
Na noite em que combinei com Loki de irmos para o tal misterioso mundo descobri do que se tratava o segundo teste dos deuses, recordo-me que com demasiada paciência, vesti cada peça do meu traje de combate, desde as calças de couro negro, até o grosso colete de pele de um animal desconhecido que servia para proteger meu corpo de ferimentos de lâminas afiadas. Também calcei minhas botas e as amarrei com firmeza prendendo-as em toda extensão da minha panturrilha, assim como assegurei-me de levar muitas adagas escondidas por debaixo de minhas vestes, e claro, guardei uma espada na bainha acoplada no colete que ficava preso minhas costas.
Após vestir-me adequadamente, fiz uma prece silenciosa a Natureza, pedi que ela, como minha mãe, me protegesse do mal que por ventura pudesse adentrar em meu caminho. Evitei, portanto, a pensar em minhas ações de outrora ou talvez em meu futuro. Naquele momento decidi que viveria apenas o presente, me preocuparia com futuro quando eu retornasse da missão portando as informações necessárias para ajudar Acme.
As velas encontravam-se todas apagadas, eu permanecia sentada sobre minha cama, completamente imersa na escuridão, quando Loki — sem muito alarde — desvaneceu para dentro do meu quarto.
Rapidamente Coloquei-me de pé e esperei pela posição do deus da mentira que demorou um pouco para encontrar minha silhueta escondida nas sombras.
— Erieanna. — ele disse em tom baixo — Você está pronta?
— Sim. — respondi no mesmo tom.
Loki estendeu-me uma de suas mãos e segurei-as sem titubear. O deus — hábil como sempre — puxou-me ao seu encontro e enlaçou minha cintura. Não tive tempo de pensar o quanto estávamos próximos, pois logo desvanecemos para sua caverna, o seu refúgio, o nosso refúgio.
A primeira sensação a qual tomei conta quando adentramos no interior das paredes rochosas, foi o cheiro de magia serpenteando em minhas narinas. A caverna estava amplamente iluminada, e pelos buracos escavados em suas rochas de modo a formar aberturas de janelas, notei que o céu noturno exibia toda sua beleza com seu manto negro repleto de estrelas que cobriam sua imensidão.
Embora a iluminação fosse presente no local onde estávamos, não havia o cheiro da cera queimada pelo fogo, um evidente sinal de que a claridade não advinha de velas, mas sim de magia; a mesma magia que detectei assim que desvanecemos para dentro da montanha.
Loki, sem falar nada, já havia subido e retornado do andar superior enquanto eu analisava o ambiente com muita cautela. Atrás de mim, escutei o deus afastar alguns objetos que estavam dispostos sobre a mesa e tal ação chamou minha atenção, portanto, virei-me de modo a observá-lo.
O mapa da Yggdrasil estava amplamente aberto em cima da mesa. Inclinei, Levemente, a cabeça para o lado e olhei o pergaminho com mais atenção.
— Aqui – disse ele. — É esse o mundo em que ocorrerá o segundo teste dos deuses.
Fixei meus olhos no ponto exato onde se encontrava o seu dedo.
— Nidavellir! — exclamei incrédula e Loki apenas balançou a cabeça reafirmando sua informação. — Dizem que o reino dos anões é a fortaleza mais segura de todos os mundos. Não há como penetrar suas montanhas, pois às místicas paredes de rocha tão negra quanto a noite, protegem o lugar e também ao seu povo. — expus uma informação que deveria ser levada em consideração.
— Sim, a grande muralha negra e as centenas de guardas que a protegem lhe conferiram essa fama de ser impenetrável. Todavia, devo esclarecer que sempre há uma brecha, há sempre um modo de romper com as barreiras desse ou qualquer lugar. — explicou Loki sem revelar como de fato iríamos invadir um dos reinos mais seguros da Yggdrasil.
— Se está tão seguro disso... diga-me como realizaremos tal proeza. — desafiei um tanto desconfiada.
O deus cerrou o maxilar, cravou seus intensos olhos azuis sobre mim e disse finalmente:
— Você não vai gostar... — alertou de modo evasivo.
Loki já tinha o costume de me enfiar em confusão sem aviso algum, avisando, então, tinha a certeza de que estaria bem encrencada.
— Ficar mantendo o mistério não vai tornar tudo mais fácil. Portanto, desembucha de uma vez! — exclamei exasperada.
O deu soltou um suspiro ponderando se devia ou não revelar o segredo, mas por fim decidiu contar-me.
— Tudo bem... — começou ele. — A única forma de passar pelas Muralha Negra fortemente guarnecida de anões guerreiros prontos para atacar qualquer invasor... é se metamorfoseando. — explicou uma parte, bem vaga e complicada, do seu plano.
— Realizar qualquer transformação, para mim, é algo impossível de ser realizado nesse momento. — rebati cruzando os braços abaixo do peito, pois a última vez eu utilizei a magia de metamorfosear, demorei semanas me preparando. Foi exatamente no Yulle antes da minha morte, a mesma celebração em que o conheci.
Acreditei que Loki fosse contrapor meu argumento, no entanto ele apenas deu-me às costas, caminhou até uma pequena prateleira disposta logo abaixo da parede de armas, vasculhou alguns frascos e depois retornou às minhas visitas munido de um pequeno vidro cujo em seu interior, um denso líquido verde se fazia presente.
— Eu nasci com o dom da transmutação, algo que herdei de meu pai, seja ele quem for. Posso me transformar em qualquer deus, homem, mulher, criança, animal, inseto, ou seja, qualquer criatura que exista. Mas esse dom não termina aí. Minha mãe era muito boa com poções, tanto de cura para as mais variadas doenças, como também as mágicas para reverter maldições, prender um amor e até mesmo lançar um mau agouro em inimigos. — ele narrava com um certo ar nostálgico, como se sentisse falta do passado a qual descrevia. — Herdei o dom de manipular poções de minha mãe — prosseguiu. — Essa poção aqui — Balançou o frasco verde em sua mão. — Permitirá que, por um período não tão longo, você se torne um inseto rastejante, mais precisamente, uma barata. — disse ele como se aquilo realmente seu plano majestoso.
Pensei que aquela fosse mais uma de suas mentiras ou piadas de mau gosto, no entanto percebi que aquilo não era daquilo que se tratava, pois nenhum traço de riso surgiu em seus lábios, nem ao menos algum indicio de um sorriso.
— Não pode estar falando sério! — exclamei indignada. — Não vou me transformar num maldito inseto. — Espalmei as mãos na mesa fazendo chacoalhar os objetivos sobre ela.
— Bem, se quiser ir a Nidavellir, creio que não tenha escolha a não ser se tornar um inseto. — Deu de ombros.
— Deve ter um outro jeito! — replique sentindo a ira subir para meu rosto.
— Nenhum homem, deus, elfo, troll, homem, mulher, criança e tantos outros seres é capaz de passar pela magia da muralha negra que guarda às montanhas. Mas, descobri depois de dias observando o local, que insetos passam despercebidos para dentro das rochas. Ou nos transformamos em insetos, ou desistimos, nesse exato momento, dessa missão. — A expressão de sua face nunca esteve tão séria.
— Por que não nos transformamos em anões?
— Porque nenhum anão sai daquelas montanhas sem a ordem de um líder. Dois anões chegando às margens da muralha, sem uma explicação convincente de que estavam numa missão externa, seria como pôr nossos pescoços na forca. — Depositou as mãos em cima da mesa e segurou seus olhos nos meus. — E caso não tenha se dado conta... não poderemos ajudar Acme se estivermos mortos.
Merda! Loki tinha razão. Mortos de nada serviríamos, realmente não havia outra forma a não ser nos transformamos em indefesos e asquerosos insetos.
— Tudo bem, faremos como propôs. — concordei um tanto relutante. — Mas certifique-se de me trazer de volta ao meu corpo ou será um deus morto. — Ameacei e esperava, de todo meu coração, que ele de fato me temesse.
Ele assentiu levemente com a cabeça e, posteriormente, começou a explicar:
— Nós desvaneceremos um pouco antes da muralha, num local escondido das vistas das sentinelas. Esperaremos a troca de turnos, pois nesse momento os guardas estarão parcialmente distraídos, e só então nos transmutaremos. — Guardou o frasco no bolso de sua calça negra. — Estamos de acordo?
— Sim. — respondi. — Mas e quanto nossas armas e as roupas? O que aconteceram com elas? — inquiriu desconfiada.
— Bem... não vai precisar de suas vestes quando se tornar um inseto.
Arregalei os olhos sem acreditar que ele realmente esperava que eu entraria na montanha dos anões completamente despida e sem qualquer arma.
— Calma Coração de Gelo! Eu tenho tudo planejado. Na noite passada fui até à Nidavellir e deixei nossas vestes, armas e a poção para trazer-te de volta ao seu corpo, escondidas num lugar seguro. Vai dar tudo certo, confie em mim. — Tentou em vão apaziguar minhas inquietações. E embora seu olhar estivesse repleto de sinceridade, ainda assim não fui capaz de, fielmente, acreditar em suas palavras. Contudo, não tinha outra escolha a não ser seguir seu plano. Um plano que poderia levar a nossa morte.
— Acho que devemos ir antes que o dia amanheça. — proferi colocando-me ao seu lado para desvanecermos.
Loki, então, segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos. O toque de sua pele na minha fez com que um formigamento percorresse por toda a extensão do meu braço e chegou até o pé de minha nuca. Tentei não pensar em como gostava que me tocasse e evitei a olhar em seus olhos quando ele virou-me a sua frente. Não queria me perder nas profundezas de seus intensos olhos azuis. Não queria que percebesse o quanto minhas defesas baixavam em sua presença.
— Vamos lá. — disse ele que logo desvaneceu.
Nidavellir era nada além de uma imensidão de pedras rochosas de uma terra inóspita. Quando desvaneci para tal mundo, a primeira sensação que veio à tona, foi o cheiro forte terra penetrar em meu nariz. Não captei nenhum resquício de vegetação, se por ventura houvera qualquer traço de mato verde, este encontrava-se muito bem camuflado no meio a densa camada de poeira que cobria todo o terreno do mundo dos anões.
Entretanto, seria errôneo da minha parte dizer que não senti qualquer presença da Natureza em tal mundo. Havia poder naquele lugar; um poder bruto e de forma rústica quanto as características do reino. Era magia antiga, tão antiga que foi impossível de controlar o calafrio que percorreu por todo meu corpo. Havia um traço estranho no ar, algo que não conseguia identificar e talvez nem quisesse descobrir.
— Precisamos nos aproximar da muralha. — sussurrou Loki. — Siga-me e não faça barulho.
Fiz exatamente o que pediu. Segui cautelosamente ao seu encalço. No céu, as o brilho radiante das estrelas nos acompanhava e também guardava o nosso segredo. Talvez fossemos loucos por cogitar invadir o lar de outros seres. Mas para salvar a vida de alguém — para mim importante — qualquer insanidade valia o risco.
Percorremos um curto caminho até avistar a imensa muralha negra cravada junto as rochas de uma grande montanha. Ergui o pescoço para encontrar o fim da muralha e — por um momento — tive impressão de que ela quase tocara o céu.
— Deixaremos nossos pertences aqui. Ir mais adiante e demasiado perigoso, pois os guardas podem nos notar. — informou Loki em tom baixo.
Balancei a cabeça em sinal de confirmação.
— Tome! — Tirou o frasco da poção do bolso e fez menção de me entregar.
— Não — recusei. — primeiro você se transmuta, bebo logo a seguir.
Loki olhou-me desconfiado e arqueou sua sobrancelha.
— Não há nada a temer. — afirmou com convicção.
— Quem me garante que você não vai pisar em mim quando eu me transmutar? — indaguei, como sempre, completamente desconfiada.
— Não posso lhe dar qualquer garantia, terá de confiar em mim. — rebateu e voltou a estender a poção em minha direção.
Ficamos nos encarando. Ele ainda mantendo a mão estendida em minha direção e eu relutando em pegar o frasco que me oferecia. Percebi naquele momento que havíamos chegado a um impasse e ficaríamos ali a noite toda se um de nós não cedesse. Assim, não tive outra escolha a não ser esticar minha mão e pegar o frasco que carregava a tal perigosa poção.
Loki exibiu uma expressão de satisfação em sua face, acredito que passou por sua cabeça que havia me vencido. No entanto, segurei uma de suas mãos, e sem que ele tivesse tempo de se esquivar, peguei a adaga que carregava em minha cintura, fiz um corte na palma de sua mão, e depois na minha e, por fim, com o sangue de ambos misturando-se e pingando no solo arenoso de Nidavellir, interroguei com a voz profunda:
— Tenho sua palavra de que não vai me matar quando eu transmutar num inseto?
Os olhos de Loki me encararam com uma prolongada cautela.
— Tem a minha palavra. — proferiu mantendo uma postura austera.
— Esse é um juramento de sangue. Se falhar com sua promessa, também morrerá. Entende e aceita tais consequências?
— Sim. — respondeu secamente.
Então declarei as palavras necessárias para formar o juramento enquanto um fio dourado envolvia nossas mãos. Instantes depois a magia fora feita e o laço de ouro desapareceu por completo. Loki desvencilhou de meu toque e passou o polegar sobre a pele que já não tinha qualquer indício do corte que fora feito.
— Deveria me sentir ofendido por sua ação, mas eu sou o deus da mentira, seria imprudente confiar em mim e por isso admiro sua inteligência. Sua desconfiança a manterá viva Coração de Gelo e isso é algo que me conforta.
Decidi manter o silêncio. Pouco me importava com o que Loki pensava de mim. Nunca confiei em ninguém e foi assim que sobrevivi junto aos vikings. Confiança, assim como o amor é algo que se constrói. Em ambos os casos, se tratava de algo que eu nunca almejei construir.
Mais segura de minhas ações, levei o frasco até minha boca e bebi-o de uma só vez. O líquido espesso tinha um gosto amargo que perdurou em meu paladar. Assim que a bebida chegou ao meu estômago, nem tive tempo de sentir um mal-estar, pois logo uma dor aguda percorreu por todos meus ossos que começaram a encolher. Um tempo depois, já não tinha mais a forma de uma humana e sim de uma barata. Foi uma sensação estranha, algo que não se pode pôr em palavras. Uma experiência que não vale a pena ser vivida.
Através de meus olhos cuja vista estava incrivelmente mais nítida, vi Loki se transformar num inseto também. Tão ágil quanto esperado, ele partiu em direção a muralha e eu o segui.
Era tão esquisito possuir a mesma mente, mas habitar um corpo tão pequeno e asqueroso. E, embora não estivesse habituada em ser um inseto, consegui comandar todas minhas ações até atravessar a muralha. Como esperado, conseguimos burlar a magia da fortaleza anã, assim como também passamos pelos guardas sem sermos notados. Até mesmo os anões que eram conhecidos por sua baixa estatura, pareciam ser gigantes comparados a nossa nova forma.
Percorremos um pouco mais adiante, até termos a impressão de havíamos distanciando consideravelmente do início da muralha quando Loki adentrou pelo corredor principal da caverna dos anões e seguiu montanha comigo ao seu encalço. Ao chegar num determinado ponto, ele rapidamente mudou para sua verdadeira forma e ficou completamente nu a minha frente, então eu agradeci silenciosamente por não estar em meu próprio corpo e, assim, não ter que lidar com os desejos da carne humana.
Observei Loki vestir a roupa que havia escondido por entre as pedras e depois de estar devidamente trajado e portando suas armas, ele pegou um frasco cujo o líquido era de uma coloração vermelha e derramou sobre o chão. Deduzi que tal bebida se tratava da poção que me traria de volta a forma humana, sendo assim, tratei logo de bebericá-la. Daquela vez não senti um gosto ruim, ao contrário, até fui capaz de apreciar o sabor. Mas a sensação de prazer não durou por muito tempo, pois logo senti uma dor dilacerante tomar conta de mim, a medida que meus ossos foram crescendo novamente.
Do mesmo jeito como aconteceu com Loki, quando voltei a minha forma eu estava completamente nua. Senti os olhos do deus percorrer toda a extensão de meu corpo e se perdurar em meus seios antes de entregar-me as vestes em que eu trajaria.
Tomei as roupas de sua mão, e com uma expressão carrancuda, comecei a me vestir. A todo momento, senti os intensos olhos de Loki fixos em mim. Foi um esforço enorme fingir que seu olhar não me desconcentrava.
— Seu pervertido! — rosnei assim que estava completamente vestida.
— Não há nada aqui que eu não tenha visto antes. — replicou ostentando sei típico sorriso carregado de malícia.
Rolei os olhos, pois sabia que sua intenção era a de me provocar.
— Como faremos agora? — indaguei voltando ao rumo de nossa missão.
Loki retomou sua postura séria.
— Nós estamos abaixo da ponte que interliga a cidade dos anões. — Apontou a enorme ligação entre a muralha e o que parecia ser um amplo portão dourado que se encontrava acima de nossas cabeças. — O local onde teremos de ir fica nas profundezas dessa montanha, um lugar perigoso onde até os anões evitam ir. — disse em tom sombrio. — Por sorte, uma vez dentro da montanha, podemos desvanecer para qualquer lugar de seu interior, a maior defesa desse mundo é a muralha, após passar por ela, as defesas são quase nulas. — explicou.
— Onde, exatamente, estão o restante dos anões? — perguntei, pois, após passar pela muralha, não vi sinal de nenhum deles por perto.
— Eles são criaturas de hábitos noturno, por isso devem estar na cidade cuidando de seus afazeres. A nossa noite é o dia deles, dessa forma não há muita circulação de guardas pelas redondezas. Já, durante o nosso dia, as fronteiras, assim como todo o reino são fortemente guarnecidos por soldado, isso porque, esse é o momento em que a suma maioria dos habitantes estão dormindo. — relatou como se conhecesse muito bem aqueles que habitavam o mundo em que estávamos invadindo. — Enquanto estiver aqui é importante que tenha em mente que os anões enxergam tanto no dia como a noite, contudo, seus olhos demasiados claros, são muito mais habilidosos no escuro. Esconda-se o mais rápido possível ao sinal de qualquer movimento suspeito. — Advertiu seriamente.
Assenti com a cabeça afirmando que, obviamente, levaria tal advertência em consideração. Loki que parecia estar ansioso para finalizar a missão, enlaçou minha cintura e sussurrou em meu ouvido:
— Vamos desvanecer.
Num outro instante aterrissamos num lugar tão escuro que eu mal podia ver um palmo à minha frente. Nenhum feixe de luz podia ser avistado, nem mesmo o brilho dos claros olhos azuis do deus que me acompanhava.
— Fique em silêncio. — Loki sussurrou. Sua respiração quente e ofegante pairava próximo ao meu rosto.
Não muito longe escutei o rugido de animais desconhecidos ecoando sem parar pela extensão de onde quer que estivéssemos. Senti meus músculos enrijecerem e fechei ainda mais meus dedos entorno da gola da camisa de Loki.
— Não se preocupe... — disse o deus. — Seja qual for as bestas que estão lá embaixo, saiba que estão presa.
— Lá embaixo? Embaixo dá onde? — questionei exasperada.
Loki agachou-se atrás de uma rocha e levou-me junto consigo.
— Devemos ser cautelosos. Estamos seguros aqui, mas precisamos ser rápidos. — Advertiu sem qualquer explicação.
Loki, então, conjurou uma bola flamejante de fogo e lançou-a para frente.
Meu olhar seguiu a direção em que o fogo seguia, e não muito tempo depois, notei que abaixo de nós, um labirinto tomava forma. Não qualquer labirinto, mas um que adentrava cada vez mais baixo da escuridão da montanha.
— Lá – apontou para o labirinto. — É onde ocorrerá o segundo teste. — completou.
Arregalei os olhos, pois além do labirinto parecer que não tinha fim, era de dentro dele que as bestas rugiam. Aquilo era um caminho para morte, podia sentir em meus ossos a morte que ali se espreitava.
— O que tem lá dentro? — perguntei, já que necessitava saber o que minha amiga teria de enfrentar.
— Dizem que Nidavellir foi o segundo mundo a ser criado. Um mundo forjado de lavas e fogo; um mundo escavado sob montanhas de metais preciosos que apenas nelas podem ser encontrados. Um mundo de sombras cuja vida deve existir longe da luz do sol. — começou a narrar a história da origem de tal reino. — Por muito tempo esse mundo foi inabitável, mas as histórias contam que, por culpa ambições e ganâncias, os deuses amaldiçoaram os Anões que foram condenados a viver sob as Montanhas, na inóspita Nidavellir, para que jamais voltassem a ter contato com a luz do dia. Contudo, as astutas divindades sabendo da preciosidade dos metais de tal mundo, abençoaram os Anões com um talento incomparável para forjar armas, bem como lhes conferiram corpos resistentes para sobreviver entre às densas paredes rochosas das Montanhas. O que os deuses não sabiam, é que o Nidavellir era habitado por bestas e tantas outras criaturas que as histórias nem se atrevam descrevê-las. Incontáveis Anões perderam a vida tentando extinguir as bestas, e ao perceber que jamais dariam conta de exterminá-las, fizeram um trato com os Aesir: passariam a eternidade forjando-lhes armas mágicas com os metais de magia inigualável que são encontrados apenas em suas Montanhas, se os deuses o mantivessem seguros das bestas. As divindades que não queriam sujar as mãos com criaturas asquerosas, disseram aos Anões que, se eles construíssem algo capaz de conter as feras, então usariam de seu poder para prendê-las em tal artifício para todo o sempre. Os anões que naquela altura já conheciam as Montanhas e já haviam adquirido a habilidade de moldá-las de acordo com suas necessidades, começaram a construir um labirinto que seguia às profundezas mais obscura do solo. Homens, mulheres e crianças trabalharam dia e noite, deram seu sangue e vida para construir tal labirinto, e quando ele finalmente ficou pronto, os Aersir cumpriram com sua palavra lançaram a mais poderosa magia para prender as criaturas. Uma vez dentro do labirinto, é quase impossível de dele escapar, visto que os caminhos mudam de lugar a cada instante, a cada corredor, a cada passo, a cada respiração. Não há prisioneiros em Nidavellir, não há necessidade de manter uma prisão, pois todos que influem a Lei desse reino, são lançados para o labirinto. Até hoje, dá para contar nos dedos aqueles que conseguiram realizar a quase impossível proeza do labirinto escapar. — finalizou Loki sem qualquer traço de esperança em sua voz.
Aquilo era uma missão suicida. As chances de Acme sair com vida daquele lugar eram praticamente nulas. Eu teria de fazer com que ela desistisse da maldita imortalidade. Essa era a opção mais viável,
— Quanto tempo Acme deve permanecer ali? — indaguei tentando descobrir se alguém a resgataria se fosse necessário.
— Até encontrar a misteriosa arma forjada pelos anões, que ela terá de usar no terceiro e último desafio.
— E o que acontece se ela não encontrar? — perguntei apesar do medo de ouvir uma dura verdade.
— Ela tem de encontrar, não existe outra opção. Mas o problema Coração de Gelo, não é encontrar a maldita arma e sim sair do labirinto. — Engoliu a saliva evidenciando sua tensão. — Ela vai morrer lá dentro. Eu sinto muito. — disse profundamente triste.
Meu coração se apertou em meu peito porque eu sabia que Loki tinha razão. Se Acme colocasse os pés naquele lugar, ela estaria assinando sua sentença de morte. Minha única esperança era a de fazer com que desistisse de tudo e fugisse de Asgard. Mas como convenceria alguém que faria de tudo por amor a um deus?
— Eu vou dar um jeito nessa merda. — declarei obstinada a reverter a situação.
— Espero, de verdade, que consiga encontrar uma solução. — Loki concedeu-me seu apoio sincero.
Já tinha obtido toda a informação que necessitava, sendo assim, percebi que a missão tinha chegado ao fim, por isso, tratei de indagar:
— Podemos retornar?
Loki ficou em silêncio, e depois de um longo instante apagou a bola de fogo que ilumina o labirinto, ao passo que conjurou uma pequena chama próximo de nós.
— Na verdade, eu tenho um outro assunto para tratar contigo. — informou mantendo o mistério.
As fagulhas do fogo iluminavam vagamente seu rosto e ainda assim, notei um brilho que jamais havia visto em seu olhar. Por um instante, foi a sensação de medo que vi refletido em seus claros olhos azuis.
— Prossiga, então! — pedi contendo a curiosidade que já havia tomado conta de mim.
Loki respirou fundo antes de começar a falar:
— Você tomou a decisão de matar Ragad, então já deve saber que está livre para retornar à Midgard, pois o feitiço que te prendia ao viking, fora quebrado.
Gelei. Até aquele momento, não havíamos tocado no assunto da morte de Ragad e não era de minha intensão remexer naquela história que eu já havia posto um ponto final.
Abri minha boca para interromper qualquer palavra que fosse sair de seus lábios, porém ele foi mais rápido e o que disse, deixou-me sem reação.
— Vou te libertar do laço de sacrifício. — declarou de supetão.
Perdi a capacidade de falar e até mesmo de agir. Nunca saberei o que se passou na confusão de minha mente naquele momento. Apenas me recordo que meu coração — por um instante — interrompeu as batidas e depois voltou a bater num ritmo assustadoramente acelerado.
— Tinha medo de te liberar do laço e você partir para Midgard rumo à sua morte. Mas como esse perigo já não mais existe, creio que não há motivo para te prender a mim contra sua vontade. — Balançou os ombros tentando demonstrar que aquela fora uma decisão fácil de tomar. Porém, vi em seus olhos o medo rugindo por te trás de sua escolha.
Lágrimas começaram a inundar em meus olhos. Lágrimas de felicidade e alívio. Lágrimas de liberdade, e até mesmo, de amor.
— Vais me conceder a liberdade? — perguntei com a voz trêmula, ainda sem acreditar nas palavras que me dissera.
Loki segurou meu rosto em minhas mãos e encostou sua testa na minha. Levei minhas mãos sobre as suas e as mantive ali, onde pudesse tocá-las.
— Estou correndo o risco de nunca mais te ver, ou pior, de te ver casada com um bastardo qualquer. — Fez uma breve pausa. — Estou correndo o risco de partir meu coração ao te ver partir, mas eu posso viver com ele dilacerado em milhares de pedaços se eu souber que está feliz. Eu queria que fosse minha Coração de Gelo, mas acima de tudo, e acima de meu egoísmo, desejo que seja livre para viver sua vida e ser feliz com suas escolhas, mesmo que elas te levem para longe de mim. — sussurrou com a voz carregada de uma emoção que eu não conhecia.
Abri meus olhos e inesperadamente vi um fio cristalino de lágrima escorrer por seus olhos que permaneciam fixos aos meus como se tivessem medo de nunca mais vê-los. Naquele momento, também tive medo do futuro, do que ele reservava para nós. Tive medo, porque percebi naquele instante, que eu o amava. Tive medo de partir seu coração, pois sabia que se o fizesse, o meu também seria partido. E de todos os sentimentos que já se apossaram de mim, o amor foi aquele que me tornou mais vulnerável. Havia um buraco aberto em meu peito e eu não sabia o que fazer para fechá-lo.
— Loki.... — sussurrei.
— Sim... — ele sussurrou de volta e em seu olhar havia tanto esperança como temor.
"Eu te amo". pensei em dizer. Todavia, saiu de meus lábios apenas um:
— Obrigada.
— Agradeça quando estiver livre. Não quero me despedir agora. Deixe-me apreciar a sensação de que você ainda é minha, apenas minha.
Juntou seus lábios aos meus e eu me permiti a entregar-me ao beijo ardente. Loki colocou-me em seu colo e me manteve presa junto a si como se temesse que eu fugisse de seus braços. Senti sua língua tocar a minha e arfei de desejo. O deus soltou em gemido rouco em minha boca e eu tive a sensação de ter saído do corpo e entrado num mundo de desejo avassalador. Desfrutei da sensação de seus dentes mordendo meu lábio inferior à medida que a protuberância de sua parte íntima roçava a minha enquanto levava minha mente à beira da de um colapso de prazer. Queria tirar sua roupa se sentir sua pele na minha. Queria que sua língua explorasse mais partes de meu corpo. Queria tê-lo dentro de mim e sentir seu suor se misturando ao meu, e até mesmo desejei que me mordesse. Queria que ele grunhisse meu nome e fizesse-me corporalmente sua, pois de coração eu já o era. Queria realizar todos os desejos indecentes e outros mais, porém, Loki puxou meu lábio entre seus dentes e, em seguida, — para meu lamento — interrompeu o beijo.
— Aqui, com essas bestas rugindo em nossos ouvidos, não é o lugar para te fazer minha. — Sorriu malicioso. — Eu te prometi uma noite inesquecível e é exatamente isso que terá.
Então eu soube no íntimo do meu ser, que aquela era talvez, a única promessa que eu iria cobrar.
Empurrei seu corpo para trás e levantei-me furiosa por ter me lavado à beira do prazer e não ter concluído o que começara.
— É muito provável que tenha perdido sua única oportunidade. Talvez eu não te queira novamente. — Dei de ombros ao declarar a minha mais genuína mentira.
— Erieanna... não brinque com fogo querida. Isso pode ser bem perigoso! — advertiu olhando-me intensamente.
— Você ainda não sabe? — Arqueei a sobrancelha. — Eu adoro o fogo. — Conjurei uma pequena chama que dançou em minha mão. — Não tenho medo de me queimar. — provoquei mordendo meus lábios.
Loki soltou uma risada rouca que ecoou no ar e se misturou com o rugido das bestas abaixo de nós. Ainda rindo, ele enlaçou minha cintura e, assim, desvanecemos de volta ao local abaixo do corredor que dava acesso a cidade dos anões.
No final daquela noite muitas informações passaram em minha cabeça, mas aquela que não me deixou pregar os olhos, foi a promessa de liberdade. Finalmente eu seria livre e quando me dei conta que a liberdade está tão perto, não tive a certeza do que faria com ela.
Todavia, embora eu não soubesse, meu destino já estava traçado. Talvez se de alguma forma eu pudesse ter previsto o que aconteceria a seguir, eu com certeza teria fugido antes de tudo ter virado um enorme caos. E, dessa forma, teria me privado de sentir de tanta dor. Mas eu nunca pude prever o futuro, e esse, sempre foi o único dom que eu desejei ter.
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(CAPÍTULO SEM REVISÃO)
Olá, tudo bom com vocês?
Quanto tempo eu não apareço por aqui né?!
Eu gostaria muito de ter tempo o suficiente para me dedicar a escrever esse livro, mas, infelizmente tenho que trabalhar e fazer faculdade. Espero que me perdoem pelas demora nas atualizações e saibam que, mesmo que demore, elas acontecem!
Seguirei firme até o final!
P.S: Ajude a autora: deixe, clique na estrelinha e deixe seu voto!
Bjus, Tia Lua
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