CAPÍTULO 33 - O Reencontro


Em toda minha existência, sempre me orgulhei em ser uma pessoa destemida, afirmando, constantemente, que não temia nada e ninguém além de mim e minhas ações. E, Talvez, essas foram as maiores verdades já ditas sobre mim.
Eu tinha medo do que era capaz de fazer para continuar a sobreviver, da mesma forma que temia os meus sentimentos; temia permitir a me entregar a uma paixão. Temia a possibilidade de permitir que alguém derretesse as geleiras do meu coração, porque nele eu escondia muita dor e eu não queria que vissem o quanto sou frágil por dentro; o quanto eu precisava ser amada.
Amor é uma fraqueza! O amor só me trouxe dor. Por muito tempo, levei tais palavras em meus pensamentos, como um mantra cravado no fundo mais íntimo do meu ser.
Mas o amor... Ah o amor! É um maldito parasita que, de mansinho, se instala em nosso organismo, domina nossa mente — e claro — o nosso tolo coração.
Sei disso pela razão de que nunca desejei nutrir sentimentos por Loki. Jamais quis me importar se ele se deitava ou não com Freya. E maldição! Nunca me dei autorização para sentir sua falta quando ele estava longe. Entretanto, todos esses sentimentos — sem que eu pudesse controlar — passaram a se manifestar dentro de mim.
O parasita do amor tinha me atacado. Um mal que eu precisava combater antes que me levasse ao meu fim. Não poderia amar Loki; aquele era um fato inegável, uma insanidade que, de forma alguma, eu poderia cometer. Por isso decidi conjurar Cernunnos e faria o impossível para que o deus aceitasse me ajudar a fugir de Asgard.
O quanto antes eu partisse, mais seguro meu coração estaria de uma infecção generalizada. Cernunnos era — incontestavelmente — minha única esperança de salvação.
***
Um dia após o duelo, decidi contatar o deus cornífero. Tinha plena ciência da necessidade de eu repousar até que meus ferimentos estivessem melhores, no entanto, acreditei que, se Cernunnos me visse totalmente destruída, as chances de ele optar por me auxiliar em minha fuga seriam consideravelmente maiores.
Assim que a primeira luz de Sol invadiu a janela de meus aposentos, eu peguei as tingidas nas cores que meu pai instruiu e iniciei aquele ritual, desejando que tudo ocorresse conforme o esperado.
Caminhei até a janela, posicionei-me em direção ao Sol, acendi a vela tingida na cor de folhas e proferi:
— Eu clamo por mudanças, esta é a minha certeza, abra-me meus caminhos, traga-me os sinais. — Não houve qualquer resquício de insegurança em minha voz.
Depois, acendi a vela cor de terra e recitei:
— Má sorte, caia! Obstáculos, caiam!
Por último, acendi a vela na coloração do céu ao pôr do Sol e proclamei com determinação e confiança;
— Sorte e Prosperidade estão agora comigo, Deus Sol, venha para mim!
Mal concluí frase e um vento forte surgiu a minha volta, e de forma abrupta, jogou meus longos cabelos desalinhados para trás, no mesmo instante em que apagou todas as velas. Meu quarto ficou escuro como um breu. Não era capaz de ver minhas próprias mãos diante de minha face.
Meu coração disparou acelerado em meu peito. Tudo estava tão silencioso, no vazio do silencio, escutei cada batida forte do meu coração ecoando por cada canto do quarto.
Tumtum... Tumtum... Tumtum...
Ressoava, dentro de mim, as fortes batidas do meu frio coração.
Respirei fundo e fechei meus olhos. Ordenei meus pensamentos e controlei o início de pânico que me espreitou. Aos poucos, consegui me manter calma. Quando abri os olhos, já não me encontrava em meu quarto. Eu estava, novamente, na esplendorosa floresta em que me encontrei com Cernunnos da primeira vez, em meus sonhos.
Podia sentir cada sopro do vento beijando minha pele e acariciando meus longos cabelos negros. Cada pequeno odor de terra, folhas, tronco, musgo e flores, penetrava em minhas narinas, transmitindo uma tranquilidade inigualável. Olhei para a imensidão do céu azul e minhas vistas lacrimejaram por conta da claridade do dia. A magia começou a serpentear nas pontas dos meus dedos. Naquele lugar, eu me senti tão leve que, se eu me concentrasse, seria capaz de flutuar sobre o chão. Mais uma vez fechei meus olhos e os cantos dos pássaros se tornaram mais evidente em meus ouvidos. Também consegui escutar, nitidamente, o farfalhar das folhas sendo embaladas pelo vento. Aquele era um lugar em que eu poderia, facilmente, chamar de lar.
— Quem é você? — Escutei, atrás de mim, o timbre grave da voz que jamais serei capaz de me esquecer. — Se me conjurou, ordeno que se mostre! — Cernunnos comandou como um rugido, fazendo os meus pelos se arrepiarem.
Com cautela, voltei meu corpo na direção do deus. Nossos olhares se encontraram, mais uma vez, depois de muito tempo.
Diante de mim, estava o deus cornífero, tão majestoso e selvagem em meio a natureza. Aquela beleza peculiar que me deixava assustada e extasiada, na mesma medida. O homem ostentava com vigor a presença imponente, austera e avassaladora que me atraia sem que eu pudesse evitar. Cernunnos fazia parte da natureza, assim como eu. De alguma forma, éramos semelhantes, mas não iguais.
— Olá, Cernunnos. — cumprimentei, exibindo um pequeno sorriso com meus lábios cortados.
O belo deus franziu o cenho, analisando os traços do meu rosto demasiado machucado. Demandou um certo tempo até que ele foi capaz de me reconhecer.
— Erieanna! — exclamou, arregalando os vibrantes olhos verdes. — O que aconteceu contigo? — Caminhou apressado ao meu encontro.
— Essa é uma longa história. — murmurei, deixando meus ombros caírem.
Cernunnos me olhou com um pesar profundo, como se sentisse culpado por todos os ferimentos que eu carregava em meu corpo.
— Esperei que viesse ao meu encontro, mas como o deus não veio até a mim... A humana teve de vir ao encontro do deus. — Esbocei mais um leve sorriso, na tentativa de amenizar o semblante tenso do deus cornífero.
— Nunca, nem por um momento, deixei de tentar te encontrar. Usei os meios possíveis para rastrear seu paradeiro. Briguei com deuses e amigos. Negligencie meus fiéis e renunciei ao meu dever, pois nos últimos anos, meu único propósito foi de te achar. — Ele diminuiu a distância entre nós. — Bem... agora você está aqui, diante dos meus olhos. — Sua voz oscilou por um breve instante. O caroço de seu pescoço se movimentou indicando que estava nervoso por conta do nosso encontro inesperado. — Eu te levarei para casa, Erieanna, essa é uma promessa a qual tenho o dever de cumprir. — Ele disse, percorrendo levemente os dedos sobre minha face, tomando cuidado para não agredir minhas feridas.
— Essa é uma promessa que eu vim cobrar. — Olhei no íntimo de seus olhos verdes.
Cernunnos entrelaçou seus dedos nos meus. Minhas mãos ficaram minúscula comparada as suas. Nuca soube dizer o real motivo, mas quando estava ao seu lado, eu me sentia segura. Talvez aquela fosse a sensação de estar em casa.
— Diga-me o seu paradeiro, Eri. Prometo que te buscarei e a levarei de volta ao lugar a qual pertence. — pediu determinado.
Suspirei profundamente, pois sabia que o deus não se agradaria com a resposta que lhe diria. Contudo, não tinha outra opção a não ser quebrar o mistério e revelar ao cornífero onde eu habitava.
— Fui levada a Asgard. — informei, olhando com atenção para sua face, tentando captar toda reação que minha resposta lhe causou.
Cernunnos arqueou a sobrancelha e inclinou levemente a cabeça para o lado demostrando indícios de confusão.
— Como foi parar no lar dos deuses nórdicos? — Pelo tom ácido da sua voz, soube que fez um grande esforço para controlar a raiva.
— Essa é uma longa história. Tem tempo para ouvir? Ou prefere continuar a me encarar com esse olhar acusador? — questionei, impaciente e um tanto ríspida.
O deus soltou um longo suspiro antes de responder:
— Para você, linda Erieanna, deixo minha eternidade a seu dispor. – Seu tom de voz brando acalentou meu temperamento impetuoso, portanto voltei a ficar calma.
Sentamo-nos sob a sombra de uma grande árvore e então comecei a narrar toda minha história, desde momento em que os vikings invadiram minha casa, até o dia em que Ragad me sacrificou em nome de Loki. Cernunnos ouviu, atentamente, cada palavra que saiu de minha boca e não me interrompeu em momento algum. Contei como cheguei em Asgard e sobre as dificuldades que tive de enfrentar no castelo dos deuses Aesir. Falei sobre meu acordo que firmei com Odin para me tornar uma Valquíria e conclui a história narrando o duelo que enfrentei com Freya. Confesso que me senti aliviada por compartilhar toda minha vida com outra pessoa. Pela primeira vez, alguém tomou conta de todo sofrimento que existia dentro de mim.
Um silêncio desconfortável pairou no meio de nós enquanto eu aguardei Cernunnos manifestar qualquer reação mediante ao meu longo relato. Depois do que pareceu uma infinidade de tempo, ele tomou um posicionamento:
— Se foi sacrificada, como ainda existe? Como sou capaz de sentir as batidas de seu coração e por que ainda sangra? — indagou, completamente confuso, olhando para os machucados em meu rosto.
— Não tenho as respostas para essas perguntas. Não sei se estou viva ou morta. Em Asgard, existe uma falsa ilusão de vida, guerreiros mortos, assim como eu, parecem estar vivos. Eu existo Cernunnos e, por enquanto, isso é o suficiente. — expliquei da forma mais simples que encontrei.
O deus mordeu o lábio inferior e novamente franziu o cenho.
— Temos um problema, Erieanna. — afirmou preocupado. — Não posso tirar você de Asgard se estiver morta. Não sei quais seriam as consequências em relação a sua existência, se eu te arrancar do único lugar que permite existir. — Percebendo que fiquei alarmada com sua constatação, ele acrescentou: — Descubra se está viva e se estiver, prometo que lhe tirarei de Asgard e a levarei para casa. Farei tudo que estiver ao meu alcance, para lhe conceder sua liberdade. — Acariciou minhas mãos, tentando me acalentar.
Fitei para face do deus. Por um longo momento, permiti-me a analisar com atenção cada traço de seu rosto másculo. A curta barba em tons de terra que encobria seu queixo quadrado. Contemplei seus lábios carnudos e admirei as magníficas galhadas que saiam do topo de sua cabeça. Percebi — somente naquele momento — que elas estavam menores do que da última vez que nos vimos. Mas, não quis comentar tal observação. Por fim, fixei meu olhar nos seus incríveis olhos verdes como as folhas no auge da primavera e gravei cada pequeno traço de sua face, cada marca de expressão que ela carregava e cada sarda que havia próximo ao seu nariz. Não saberia quando o veria novamente e queria manter sua imagem em minhas memórias e nunca mais perdê-la. Temia jamais voltar a vê-lo.
— Descobrirei a verdade em relação a minha existência. Voltarei a te conjurar assim que obtiver a resposta. E, se porventura eu estiver viva, peço que me tire de Asgard o mais rápido possível. Quero ser livre finalmente. — Supliquei, tentando manter a chama da esperança viva dentro de mim.
Cernunnos segurou minha face em suas grandes mãos e me fitou com uma intensidade que fez meu corpo estremecer.
— Se estiver viva, não me importarei de iniciar uma guerra por você. Nós temos uma conexão, Erieanna. Sei que também pode sentir um forte elo nos unindo. Não sou capaz de arrancar a sua face e sua voz dos meus pensamentos desde a primeira vez que te vi. Não importa qual seja o preço; Eu te libertarei, pois é a única pessoa por quem vale a pena o esforço de lutar. — confessou, com tanta sinceridade, pegando-me desprevenida.
Cernunnos tinha razão, nós tínhamos um elo, aquilo era algo inegável. Quando estava ao seu lado, tudo parecia fazer sentido. Minha mente e meu espírito, assim como meu coração, pareciam estar no seu devido lugar. Entretanto, havia algo que perturbava esse sincronismo, pois o maldito parasita do amor, ainda habitava em meu coração. E ele tinha um nome: Loki, o terrível deus da mentira, também possuía uma parte de mim.
Não havia mais nada a ser tratado com Cernunnos, por isso me coloquei em pé e com serenidade, retirei minhas mãos das suas. Mas, antes de partir, eu o adverti:
— Tenha cuidado, Cernunnos... Eu não sou alguém por quem deva se apaixonar. — Assim que proferi aquela sentença, notei que a natureza ao nosso redor foi, aos poucos, se dissipando. A força da magia diminuiu, até que retornei ao meu quarto.
Porém, antes da conexão ser totalmente desfeita, ouvi a voz do deus cornífero sussurrar suas últimas palavras:
— Infelizmente, minha querida Erieanna, seu aviso veio tarde demais.
Sua voz penetrou meus ouvidos, e também aquela pequena fissura que existia no bloco de gelo do meu coração, em que eu permitia, em algumas raras vezes, que algo nele adentrasse.
Cernunnos estava apaixonado por mim e eu não queria o magoar. Decidi, naquele instante, que se tivesse que escolher entre a minha razão e meu coração, eu optaria pela primeira opção e tomaria a decisão de ficar ao lado do deus cornífero que, ao contrário do deus da mentira, sempre tentou me ajudar e foi único que me prometeu a liberdade. Incontestavelmente, Cernunnos era a melhor opção.
Só me restava torcer para estar viva, caso contrário, nada mais poderia ser feito para que eu pudesse me tornar livre.
Nunca desejei ser uma Valquíria, nem mesmo ter a magia em meu sangue. Jamais quis ser uma guerreira, ou ter o coração de dois deuses em minhas mãos. Tudo que sempre quis foi ser livre, pois só assim seria, pela primeira vez, realmente feliz.
A liberdade é, de fato, algo pelo qual vale a pena lutar.

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(CAPÍTULO SEM REVISÃO)
Olá, tudo bom?
Hoje o capítulo foi curto, pois não tive tempo de dar continuidade. Porém, espero que tenham gostado.
Bjus e até domingo que vem (quem sabe antes)
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