80 - Revelações em meio ao caos
"Então eu escondo meus filhos"
(Aurora -In Bottles)
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Uma Lua havia se passado desde que Cernunnos partira, e a cada manhã em que o Sol brotava no céu, era um dia mais próximo do Beltane. Tão logo chegaria o momento de fugir de Mag Mell e pensar naquele plano trouxe à tona um mar de preocupações que me tiram do eixo.
Como esperado, algumas meninas haviam desistido da fuga, porém continuaram o treinamento junto a Géróid e os demais homens de Cáel. Eu, no entanto, decidi não participar dos encontros, pois não queria criar qualquer tipo de elo com as jovens que muito em breve eu mandaria ao encontro de um mundo tão cruel. simplesmente não gostava de me sentir responsabilizada por elas, mas no fundo sabia que sempre as teria em meus pensamentos, mesmo que o destino nos levasse a trilhar caminhos opostos.
Como permaneci na torre Nemeton, achei que deveria prosseguir com meus ensinamentos juntos aos druidas que sempre foram mentores extraordinários, embora não apreciassem a minha presença. Meu pai — o homem que me criou—, por sua vez ainda mantinha em segredo o suposto laço familiar que nos unia. Todavia, eu já tinha me acostumado com seus mistérios, e depois de tantos anos, aprenderá que havia motivos deveras sábios por trás de todas as suas ações.
Morrighan, antes de partir, também havia pedido para que eu ajudasse os druidas aprenderem a empunhar espadas caso fossem chamados para as lutar contra as Valquírias. Fiz o que fora solicitado, pois acreditava que quanto mais habilidades todos tivessem, melhores preparados estariam para a batalha iminente.
Após o treinamento, eu — como de costume —, retornava a minha torre e lá permanecia, meditando, treinando meus dons, preparando meu corpo e mente para as dificuldades que em breve surgiriam. Contudo, naquele dia em específico, meu pai resolveu me fazer uma visita inesperada.
Encontrava-me sentada no meio da torre, prestes a me conectar com as energias da Natureza ao meu entorno, quando notei a presença do druida me observando junto à porta.
— Precisamos conversar. — revelou ele em tom neutro, sem deixar transparecer qualquer tipo de emoção em sua face.
— Entre. — Coloquei-me de pé e caminhei até a minha cama.
Meu pai logo se juntou a mim, instalando-se ao meu lado.
Ficamos nos encarando por um longo momento. Donyr era exatamente como eu me recordava, sua imagem não havia se alterado da lembrança que eu guardava na minha infância.
— Às vezes é estranho te olhar, falar contigo e saber que está morto, que seu corpo, ou o que sobrou dele, jaz soterrado abaixo da terra. Não está vivo, ainda que em minha mente às vezes pareça que está.
Meu pai sorriu ao ouvir minhas palavras e então falou em tom brando:
— Não. Eu não estou vivo, Erieanna. Apenas existo em um lugar que abriga meu espírito. Também não sei o que há depois daqui, não sei para onde serei levado caso algo aconteça comigo. Ainda há mistérios que eu anseio desvendar, mas por ora, fico feliz que nos reencontramos novamente. — Segurou minhas mãos nas suas em um singelo gesto de carinho. Não senti qualquer energia vital emanando do seu toque.
Meu coração se apertou naquele momento. Embora eu tivesse adiado confessar a ele meus planos futuros, havia chegado o momento de lhe revelar quais seriam os meus próximos passos. Esperava, apenas, que ele continuasse ao meu lado, mesmo sabendo que eu o abandonaria.
— Pai... — comecei insegurança — Tenho de te contar algo. — Respirei fundo juntando a coragem necessária para continuar: — Há algum tempo meus planos mudaram. Como bem sabe, há uma criança crescendo em meu ventre e eu tenho de fazer minhas escolhas baseadas no que acredito que seja o melhor para ela. Por essa razão, decidi que deixarei Mag Mell no primeiro dia de Beltane, e levarei junto comigo, todas as jovens noivas que desejarem partir. — Respirei aliviada, tirando o peso dos meus ombros, não mais carregando aquele segredo junto a mim.
Meu pai, entretanto, apenas esboçou um pequeno sorriso.
— Fiquei tranquila, minha filha. Estou ciente de seus planos há muitos tempo, apenas aguardava o momento em que finalmente os contaria para mim.
Não consegui evitar a ficar confusa com sua inesperada revelação. Papai sempre tivera o dom da observação meticulosa.
— Como assim já sabia de tudo? — indaguei exasperada.
— Ainda continuo sendo o mesmo homem que sempre fui, talvez até melhor. Nada me passa despercebido, filha. Quem você acha que apresentou o local secreto para seu amigo Géróid? — Sorriu mais uma vez. — Tenho como missão te manter segura até que seu destino seja concretizado. Estou contigo, Erieanna. Sempre estive e sempre estarei.
Contive as Lágrimas que ameaçaram surgir em meus olhos. Detestava romper os laços, mas sabia, no íntimo do meu coração, que eu jamais voltaria a ver aquele que sempre seria o meu pai.
— Acho que também sabe que essa é uma despedida. — Fitei seus olhos verdes que se encontravam banhados em lágrimas. — Agradeço a você por tudo. Família nem sempre é de sangue. Família é quem sempre está conosco, independentemente de qualquer situação. Você sempre foi e sempre será minha família, Donyr. É o pai que me amou, que me ensinou a amar o próximo, bem como a respeitar a Natureza. Ensinou-me a me conhecer. Quando penso em um pai, é você que me vem à memória, são seus ensinamentos que levo em meu coração. Por esses e tantos outros motivos, quero que saiba que está perdoado. Não há mais mágoas entre nós dois. — Suas mãos tremeram enquanto ele absorvia o impacto daquelas palavras carregadas da mais pura sinceridade.
E foi ali eu soube que o perdão é uma ação de via dupla. Perdoar ao outro é perdoar a si mesmo, é retirar as mágoas do coração, tendo a certeza de que aquele mal já não habita dentro de si.
— Obrigado, filha. — ele sussurrou em meio ao choro.
Pela primeira vez, depois de muito tempo, eu me senti leve e então eu sorri.
Depois de ficarmos um longo tempo unidos, colocando o peso de uma vida em nosso abraço, meu pai finalmente enxugou as lágrimas, colocou-se em pé e se despediu, levando consigo um sorriso nos lábios.
Naquele dia, acreditei que as surpresas se encerrariam por ali. No entanto, assim que Donyr atravessou a porta rumo às escadas, Danú, em toda sua soberania, surgiu à nossa frente, pegando-me totalmente desprevenida.
— Interessante. — Foi tudo que a deusa falou ao lançar seu olhar para meu pai que não lhe concedeu qualquer atenção.
Tão logo ficamos a sós na torre, seu olhar astuto recaiu sobre mim.
Danú parecia um pouco mais velha desde a última vez que a tinha visto, mas ainda assim, continuava sendo uma bela mulher no auge da sua melhor idade. Seus longos cabelos brancos escorriam livremente em uma cascata alva até o meio das suas costas, e o vestido vermelho sangue que trajava, ressaltou o brilho esplendoroso de sua pele clara.
Por um bom tempo, permanecemos nos encarando, sem saber ao certo o que dizer. Seus olhos me estudaram meticulosamente, antes de analisar vagamente a torre que me abrigava.
— Pensei que tivesse presa, mas pelo visto me enganei. — ela finalmente proferiu, torcendo os lábios contrariada.
— Engana-se, Danú. Estou presa de fato. Essa ilha toda é uma prisão, ninguém ousaria me deixar sair daqui. — Coloquei-me em pé de modo a encará-la sem receio.
A deusa, contudo, apenas soltou um riso baixo.
— Pensei que a essa altura já teria fugido. — Arqueou uma de suas sobrancelhas perfeitamente desenhadas.
Ignorei-a, sabia que ela estava me testando.
— Que bons ventos a trazem por aqui? — Mudei de assunto rapidamente.
Danú exibiu um sorriso misterioso e começou a andar pela torre, evitando a me olhar.
— Os ventos da mudança, eu presumo. — respondeu — Não está sentindo o clima do Beltane a lhe espreitar?
— Não gosto das mudanças na roda da vida, todas as celebrações me trazem péssimas recordações. Então eu aprendi a ignorar o clima da mudança. Cada um faz o que pode para sobreviver.
Somente depois daquela resposta, a deusa tornou a olhar para mim e havia um brilho perigoso em seu olhar.
— Sejamos sinceras uma com a outra... Por que ainda está aqui? — indagou de forma ríspida.
Danú estava tentando extrair informações valiosas, mas eu não as daria sob hipótese alguma. Não quando precisava de meus segredos para sobreviver.
— Por que eu deixaria essa ilha, quando todos aqui estão empenhados em me proteger? Não sou tola, Danú. Sei o que é melhor para mim. — afirmei convicta, sem medo de enfrentar a deusa mais poderosa dos Tuatha de Danann.
Inesperadamente, a mulher começou rir. Um riso repleto de escárnio.
— Já deve ter ouvido falar da Lei da Tríplice, eu presumo. — iniciou ela evitando me conceder sua total atenção — Segundo essa Lei, tudo o que você faz, seja bom ou ruim, volta três vezes para você. — Seus então olhos me encararam com firmeza. — A Lei da Tríplice, minha querida Erieanna, é o que ainda te mantém viva. Se não fosse por ela, você já estaria morta há muito tempo. Todavia, aqui está você, me assombrando desde o dia em que nasceu.
Sua revelação me pegou desprevenida. Eu sabia que Danú me detestava, mas não tinha ideia do quão forte era o ódio que ela nutria por mim. Entretanto, aquele momento havia deixado claro que a deusa Mãe não só me odiava, como também ansiava pela minha morte.
Danú respirou fundo, desviou o olhar e o concentrou na janela esculpida entre as pedras. Seus olhos permaneceram fixos no céu azul, quando a deusa tornou a falar:
— Existe uma antiga profecia que se refere especificamente sobre mim. Uma profecia que por eras eu fiz questão de ignorar. Fingi ingenuamente que ela sequer existiu. No entanto, profecias não morrem, não caem de forma alguma no mar de esquecimento, e embora eu tenha feito de tudo para evitar que tal pesadas palavras do destino se chocassem contra mim, tudo foi em vão, pois o tempo delas se concretizarem finalmente chegou. — A deusa mãe voltou a me encarar com seus olhos tão frio como a noite do mais árduo inverno, e então prosseguiu: — Dizem as antigas palavras que em algum tempo nasceria uma mulher que seria responsável por decretar o fim de tudo que amo; de tudo que me importo; decretar o meu fim. Uma mulher que conheceria as dores dos deuses, bem como dos mortais. Alguém que não me temeria e tampouco temeria a morte. Sempre pensei que alguém assim jamais existiria, porém, eras após tais palavras serem proferidas pelo destino aos quatro vento, você nasceu. Era um dia qualquer quando sua imagem, que não passava de um bebê, surgiu inesperadamente em meu campo de visão, e logo eu soube: você era a mulher da profecia cujo destino não seria outro a não ser acabar com a minha existência.
Abri a boca para rebater tal acusação, porém fui abruptamente cortada pela deusa que prosseguiu:
— Sempre acreditei na Lei da Tríplice, por essa razão, não poderia te matar com minhas mãos. Por isso, não me restou outra opção a não ser escondê-la de todos os deuses, bloqueando suas preces para que não chegassem a eles, impedindo que soubessem da sua existência. Foi eu quem guiei os ventos das embarcações dos escandinavos até a sua casa. Era para você ter morrido naquele dia. Acreditei realmente que tinha morrido junto aos seus pais, mas o destino já sabia do seu futuro e a poupou da morte. — confidenciou friamente, sem demonstrar qualquer indício de arrependimento.
Senti as chamas do fogo se agitarem nas pontas dos meus dedos ao saber que Danú foi a responsável pela morte dos meus pais. Dei-me por conta, um pouco tarde demais, que a deusa fora a única responsável por tudo de ruim que fui obrigada a enfrentar na minha vida. Por um mero instante, quase a enfrentei para me vingar. Mas então me lembrei da criança em meu ventre e o meu instinto maior foi o de protegê-la. Ainda não havia chegado o momento de lutar.
— O pior de tudo, é que não importou o quanto eu me esforcei para te esconder, o destino traiçoeiro cruzou seu caminho com Cernunnos, o único deus que nunca poderia saber que você existia. Ah como eu a odeio por simplesmente existir! — exclamou as últimas palavras entredentes, tentando controlar o impulso de me atacar.
Senti a criança se mexer em meu ventre e o movimento me trouxe o controle que eu precisei me agarrar para não confrontá-la com todos os poderes que eu tinha. Tive de me segurar ao máximo para me manter imóvel, encarando passivamente a mulher que merecia morrer.
— Por que está me revelando isso agora? — perguntei em um tom contido.
A deusa Mãe foi rápida ao responder:
— Porque quero que deixe essa ilha, quero que esqueça ao Cernunnos. Se me conceder a sua palavra de que não tentará nada contra mim, juro que a manterei segura pelo resto de sua vida. Apenas desapareça e não mais retorne.
Um riso repleto do mais puro escárnio escapou da minha boca.
— E de que me vale a palavra de alguém que sempre desejou me matar? Não, Danú, eu não partirei e tampouco abandonarei o deus cornífero que me ama. — provoquei com acidez, pois sabia que nela doeria saber que Cernunnos me entregara o seu coração.
A deusa, contudo, começou a gargalhar histericamente, como se não conseguisse acreditar no que eu acabara de lhe dizer.
— Acha mesmo que Cernunnos te ama? — indagou debochada. — Ah minha querida, nós estamos em guerra, e por experiência própria posso lhe assegurar que na guerra, não há espaço para amor
Sem outra escolha, fui obrigada a agir da magia para aplacar sua presunção.
Ao estalar meus dedos, a torre se tornou escura e as imagens minha e de Cernunnos nus, nos braços um do outro, surgiram a nossa volta. Logo a voz nítida do deus ecoou por todo o cômodo, articulando as palavras que proferiam repetidamente em alto e bom tom: eu amo você, Erieanna. A mais dura frase repercutiu até se perder no ar e a lembrança se esvair por completo. Quando voltei a encarar Danú, seus olhos estavam envoltos em água e seu rosto era uma confusão de faces que se alteravam entre a Donzela, a Mãe e Anciã.
— Basta! — os três tons distintos de vozes gritam em uníssono.
Tomada pela fúria iminente, Danú, incapaz de se controlar, lançou uma forte rajada do seu poder contra mim. Por um instante, tive a sensação de que morreria ali, naquele exato momento. Todavia, para o meu completo espanto, a antiga torre Nemeton que me abrigava, protegeu-me do ataque, absorvendo em suas pedras todo o impacto dos poderes que foram lançados contra mim.
Fiquei em estado de pura surpresa, até mesmo a deusa Mãe se espantou ao notar que a torre havia me protegido da sua fúria.
— Eu posso não ser uma deusa, Danú. Mas sou forte o suficiente para te enfrentar. Além disso, a lealdade da Natureza caminha junto a mim. Diga-me, o que você tem além dos seus poderes?
Um silêncio profundo tomou conta da torre que ainda emanava uma energia poderosa; uma energia que me defenderia de qualquer mal.
Depois de um longo momento de quietude sem sim, a deusa finalmente recobrou a compostura e voltou a falar em um tom neutro:
— Se Cernunnos te ama, creio que deve ter lhe contado o que sempre ocorre no Beltane. — Arqueou a sobrancelha, ao passo que a presunção retornou a sua face.
Não. Cernunnos não havia me dito nada. Aquele era um mistério que ironicamente eu sequer me preocupei em desvendar.
— Pelo seu silêncio, presumo que o mais importante dos segredos ainda não foi revelado. — Um sorriso carregado de sarcasmo surgiu em seus lábios perfeitamente desenhados.
— Cernunnos tem seus segredos e eu tenho os meus. Estamos bem assim.— replique com firmeza.
Danú riu e revirou os olhos e ignorou meu desinteresse no assunto quando começou a narrar:
— Cernunnos e eu estamos presos em uma maldição. Presos um ao outro em uma maldição um tanto prazerosa. — No início dos tempos, não existia muitos da minha espécie. Dizem que todos os deuses vieram de mim, mas essa não é a verdade. Sou a mais antiga entre todos eles e por isso me chamam de mãe. Todavia, apenas um deus veio do meu ventre, apenas Cernunnos possuí o meu sangue e também todo o meu amor.
Cruzei os braços impaciente. Não fazia ideia de onde a deusa queria chegar com aquele relato. Entretanto, apesar de notar que eu fazia pouco caso daquela história, ela continuou:
— Há muito tempo atrás, antes de tudo que se conhece, havia apenas eu meu esposo vagando solitário por esse mundo. Apenas dois seres fadados a permanecerem juntos pela eternidade, ainda que o amor já tivesse deixado de os unir. No entanto, quando Cernunnos nasceu tudo mudou. Eu deixei de me sentir sozinha e minha vida passou a girar em torno dele. Alguns chamariam de obsessão, eu sempre chamei de amor. Meu esposo ficou enciumado pela atenção que eu concedia ao Cer, e como qualquer outro homem egoísta e prepotente, o bastardo pediu para que eu escolhesse entre meu filho ou ele. Obviamente eu escolhi a Cernunnos, e enquanto meu marido dormia, eu o matei sem receio algum. De três sobraram apenas dois e era o suficiente. — Seu olhar tornou vago conforme ela relatava a sua triste e sombria história. — Cernunnos foi crescendo e cada vez mais nós nos sentíamos mais próximos. Um amor diferente começou a surgir entre nós e foi então que passamos a ser mais que mãe e filho, nos tornamos amantes e não sentíamos culpados por nos amar. Fomos felizes por um curto período de tempo, pois quando a Natureza descobriu nossa relação, aos seus olhos imprópria, ela não pensou duas vezes e nos amaldiçoou. Durante toda eternidade, enquanto vivêssemos, seríamos obrigados a repetir o nosso erro sem cessar, a cada ciclo, a cada giro da roda da vida. Caso falhássemos, nosso mundo, onde quer que estivéssemos, iria sucumbir junto de nós. Assim, desde os primórdios dos tempos, a cada Beltane eu me torno a bela Donzela e Cernunnos se apaixona profundamente por mim. Aos nos deitarmos como homem e mulher, as flores de todas as árvores florescem como nosso amor. No período do Litha, quando chegamos ao ápice da nossa paixão, o calor se alastra por toda a terra, refletindo o fogo ardente que inflama entre nós. Durante Mabon, a paixão se aquieta e tudo que nos une e o amor de uma mãe para um filho. Eu deixo de ser a Donzela e me torno, portanto, a Mãe protetora. E à medida que as sombras aumentam, os todos veem as faces mais sombrias tanto de Cernunnos, quanto a minha. Muitos tomam, esse período para honrar velhice, também se sentem mais sóbrios, pois sabem que em nossas terras o inverno se aproxima. No Samhain, toda espécie de amor é dada como morta, e apenas nesse curto período somos livres para amar qualquer outra pessoa. É por essa razão que essa é uma época de meditação e reflexão sobre os ciclos da natureza, da vida e da morte. É quando eu me torno a Anciã, e ironicamente, esse é o único momento em que somos livres, pois nosso amor foge a nossa mente e coração. Foi exatamente nesse período que Cernunnos te conheceu. — Ela riu, lamentando as ironias das tramas do destino. — Então vem o Yule, reiniciando a roda da vida, dando início a um novo ciclo. Tudo torna a se repetir tal como antes. Esse é o preço que pagamos para manter o equilíbrio. No final, todos dependem da maldição que permeia o nosso amor. O equilíbrio é a apenas a balança que ajusta o caos.
O impacto das suas palavras se cravou em meu coração. Apesar de não confiar em Danú, tinha certeza de que ela me dissera a mais dolorosa verdade. Cernunnos não poderia ter me entregado o seu coração, quando Danú já o tinha. Nós vivíamos uma farsa. Nada além de uma maldita farsa. Sequer havia amor entre nós; sequer havia um nós.
— Talvez seja possível amar duas pessoas, Erieanna. — prosseguiu a deusa — Mas ainda que ele também te ame, é a mim a quem sua lealdade pertence. Portanto, se ele tiver que escolher entre nós duas, sou eu quem ele escolherá. Sempre foi eu e sempre será.
Dito aquelas palavras que me machucaram mais do que eu esperava, a deusa me deu as costas e marchou rumo a saída da torre. Contudo, antes de partir, ela deixou uma última ameaça:
— Mande lembranças ao seu pai. Diga-lhe que sua existência ainda pertence a mim; apenas a mim.
A magia fogo tornou a crepitar nas pontas do meu dedo. Antes que a deusa partisse, eu declarei em alto e bom tom:
— Lembre-se, Danú. Eu sou a mulher da profecia, sou a sua ruína. Você tem uma dívida comigo e em breve, muito em breve, eu irei cobrar.
A deusa não se virou para me confrontar, ao contrário, apenas ajeitou a postura e então partiu porta a fora, levando consigo o peso das minhas ameaças cravejadas em seus ombros.
Pela janela cuja vista dava acesso ao caminho de volta ao centro da ilha, eu observei atentamente Danú chegar até a grama, e num piscar de olho, a mulher desvaneceu para longe dali.
Finalmente baixei a guarda e relaxei todos os músculos do meu corpo que estavam tensamente enrijecidos.
Senti novamente que aquele não era o meu lugar; nunca foi. A parede de pedras que há pouco me protegera ameaçou me sufocar. Lágrimas contidas queimaram meus olhos. Uma dor cruel tomou conta de todo meu coração. Minha garganta se fechou, e por mais que eu tentasse respirar, o ar parecia não se infiltrar dentro de mim.
Meu peito subia e descia em um movimento acelerado; desesperado. Então eu gritei; um grito que fugiu da minha alma dilacerada e fez a terra tremer sob meus pés.
Em um ímpeto de fúria, arranquei minhas vestes que pareciam estar agarradas demais em meu corpo, sufocando-me, impedindo-me de respirar. Quando meu vestido tocou o chão, uma leve brisa vinda da porta tocou minhas costas nuas. Naquele mesmo instante, ouvi Cáel me chamar:
— Erieanna. — Sua voz estava repleta da mais absoluta preocupação.
Virei meu corpo de modo a olhá-lo, estava tão fora de mim que sequer percebi minha nudez.
Cáel lançou seu olhar para meu rosto, logo depois o baixou para meus seios, e quando desceu um pouco mais, ele franziu o cenho ao mesmo tempo que a cor deixou a sua face.
Instintivamente, levei a mão a minha barriga, que naquela altura estava bem evidente, e assim eu soube as quais seriam as palavras que o guerreiro iria proferir a seguir:
— Você... — sua voz não passou de um sussurro entrecortado. — Você está grávida?
Usando de toda coragem que habitava em mim, eu encarei os olhos do guerreiro inundados em lágrimas de profunda tristeza. E então eu soube: meu mundo iria ruir, mais uma vez.
(CAPÍTULO SEM REVISÃO)
Oi pessoal, tudo bem com vocês?
Sei que falei que os capítulos seriam postados as segundas, mas ontem tive um problema com a internet e eu só tive tempo agora para postar.
Espero que ainda estejam gostando da história, nos vemos na próxima segunda :)
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