19 | Sem Mais Mentiras
Pensei ter encontrado um jeito,
Pensei ter encontrado um jeito, sim,
Mas você nunca vai embora,
Então eu acho que tenho que ficar agora.
Oh, eu espero que algum dia eu consiga sair daqui,
Mesmo que demore toda a noite ou cem anos.
Preciso de um lugar para me esconder,
mas não consigo encontrar um próximo.
Quero me sentir vivo,
poder lutar contra o meu medo do lado de fora...
Não é adorável? Ficar sozinho.
Coração feito de vidro, minha mente de pedra,
Rasgue-me em pedaços, pele e osso.
Olá, bem-vindo ao lar.
(Lovely - Billie Eilish & Khalid)
४ L o k i ४
Já havia tentado tantas formas de distração, que agora nenhuma delas me satisfazia mais. Ler ou estudar não eram tarefas tão atrativas quanto estavam sendo há um mês. Não tinha força interior e nem sequer um resquício de vontade para cavalgar. Nada me parecia interessante. Agora eu passava dias em um looping incessante que estava desgastando minha mente. Mais do que ela já é desgastada... Eu estava acabando comigo mesmo de dentro para fora. E tudo isso tinha um só nome: Remorso. Embora minha mãe insistisse em chamar de paixão, mas eu achava repulsivo.
Sabia exatamente os efeitos das minhas palavras em Talissa. Não fora a primeira vez que eu agi e falei coisas rudes e arrogantes para alguém no intuito de afastar essa pessoa de mim. Não queria ter feito isso com ela, mas é como se eu não ficasse no controle das minhas emoções quando ela está por perto. E isso me preocupa muito.
Nunca fui apaixonado por alguém. Nunca gostei verdadeiramente de alguém – no sentido do companheirismo – e sei que isso não é uma desculpa para o que eu fiz, mas prefiro acreditar que seja. Talissa faz o meu eu malvado parecer uma grande perda de tempo, e ninguém nunca teve esse poder sobre mim. Nem mesmo Frigga. Nem mesmo Angurboda ou nossas três bestas a qual ousam chamar de filhos.
A midgardiana tem um poder sobre mim, algo além de sentimentalismo fútil ou histórias para crianças sobre amor verdadeiro. É intenso e me traz medo. Ela é a única coisa que reside em minha mente. Uma coisinha tão poderosa, educada e linda, que faz meu coração bater tão rápido que quase ousa sair pela boca. É, talvez minha mãe esteja certa...
— Irmão?
Ouço batidas na porta e a voz de Thor se faz presente. Mando que entre e vejo a porta se abrir se forma lenta e seu olhar percorre o quarto até parar em mim, sentado no parapeito da janela.
Que está fazendo aí?
— Pensando.
— Não vai se jogar, vai?
— Não é alto o suficiente. — Brinco e ouço seu riso. — Que faz aqui?
— Estava atoa pelo palácio, imaginei que estivesse também.
— Tem certeza de que não foi nossa mãe ou seu pai quem te mandou vir aqui?
— Nosso pai está em Vanaheim.
— De novo? O que tanto Njord e ele conversam?
— Algo sobre a convergência. Sabe como isso o deixa doente de preocupação.
— Sei... E o que você quer comigo?
— Conversar. Sair para cavalgar. Atirar flechas para cima e esperar que caiam nos nossos próprios pés?! — Sugere, me fazendo lembrar de quando fizemos isso. Éramos crianças idiotas. — Tem visto Talissa? — Muda bruscamente de assunto.
Suspiro, não querendo entrar nesse assunto, mas sabia que era quase impossível.
— Não. — Sou sincero. — Você tem?
— Alguns dias que não vejo. Ela pediu um tempo dos treinos, disse estar cansada. Ultimamente pouco sai do quarto. — Ele comenta e eu apenas respondo com um simples murmúrio. — O que aconteceu entre vocês depois do beijo?
Eu repenso todos os acontecimentos na minha cabeça, tanto por ordem cronológica, quanto pelo tamanho da minha idiotice. De forma automática, penso em diversas mentiras que poderia contar e convencer Thor de que estava tudo bem, seria tão mais fácil..., mas, algo em mim já se sente cansado disso. De enganar todos. De mentir. De tentar e me forçar a acreditar que eu sou assim. Eu não sou esse Loki. Não mais.
— Eu fiquei confuso, não faço ideia de como ela ficou. Nós não conversamos sobre o acontecido porque eu comecei a evitar sua presença. Ao fim da noite acabamos tendo uma briga e eu acabei dizendo algumas coisas da boca para fora, quase que sem pensar e... Bom, ela tem seus motivos para não querer sequer olhar na minha cara.
Thor absorvia a informação calado, apenas assentindo e encarando a paisagem de Asgard a nossa frente. Talvez pensando se falaria algo ou não. Eu estava com preguiça de ler seus pensamentos agora, e na verdade nem sei dizer se realmente queria saber, então agradecia mentalmente seu silêncio momentâneo.
— Vai pedir desculpas ou vai afastá-la ainda mais? — Pergunta, me encarando, e eu desvio o olhar. — Eu sinto que ela gosta de você. E sei que você gosta dela.
— Não seja precipitado.
— Você pode mentir para quem quiser, irmão. Inclusive para si mesmo, mas eu o conheço. Percebi desde o início que ela seria algo mais para você.
— Você e essa sua sensitividade ridícula.
— Então estou certo? O deus da trapaça finalmente foi laçado?
— Laçado? Pelo amor de seus ancestrais, Thor!
— O quê? Você praticamente admitiu! Nem mesmo a sua ex-esposa conseguiu tirar esses sentimentos de você.
— Meu relacionamento com a jotun era baseado em puro interesse de ambos os lados, ainda mais por parte de Odin. Sabe disso.
— Sei. Nosso pai permanece remoendo essa história quando lembra da morte de Feye.
— Seu pai é inseguro com o trono. Ainda mais com os boatos sobre o ragnarok por conta dos lobos que andam infernizando os bosques.
— Não fica preocupado? Seu nome corre por entre as histórias desde os tempos antigos.
— Não. Talvez dez ou até mesmo cem anos atrás eu ainda desse o braço a torcer pelo ragnarok, mas..., não sei, não me importo mais. Não vale a raiva, muito menos meu precioso tempo
— Segundo os contos, seus filhos morrerão.
— Que morram. Você mesmo já quase pescou Jormungand. Meus filhos são três bestialidades, bem como a mãe. Bem como eu costumava ser. Monstros.
— Não fale assim, irmão. Você apenas foi corrompido por histórias e desejos de conquista e domínio. É um homem diferente daquele que quase matou o próprio pai anos atrás.
— Está falando de Farbauti ou Odin?
— Ambos. —Ele responde, sorrindo.
— Por que está sendo tão compreensivo comigo?
—Porque Talissa não é a única que acredita no seu “lado bom”. E acho que você merece minha confiança. Mais uma vez.
— E por que as aspas?
— Não acredito nisso de lado bom ou lado ruim. Acredito em motivos. Você traiu o trono, teve seus motivos. Você “casou” com a jotun, teve seus motivos, e também foi convencido pelo nosso pai. E eu não excluo isso. Mas sempre acreditei que fosse alguém bom. Claro que me decepcionei algumas vezes, mas perdoei e entendi. E farei isso quantas vezes mais for necessário. Você é meu irmão mais novo. Meu trabalho é ser compreensivo. E chato também, mas isso eu já fui demais.
Ouço suas palavras atentamente, deixando um sorriso escapar. Era bom sentir novamente essa proximidade de irmãos que costumávamos ter anos atrás. E eu ando precisando de palavras sinceras, então de certa forma ele está me ajudando com tantos outros problemas e nem imagina...
— Vamos cavalgar? Não saio do castelo há um tempo.
— Onde está sua noiva?
— Conversando com nossa mãe. Ela acha que Sif está doente, foram ver Eira.
— Sei... Vamos. — Aceito.
Caminhamos para fora do quarto e logo para fora do palácio, por sorte, sem encontrar ninguém pelo caminho. No estábulo, preparei meu cavalo e Thor, o seu. Após montar, saímos do local, indo numa velocidade média e agradável até o bosque pela entrada sul. Seguimos a trilha, conversando sobre coisas da nossa infância, até chegar em um dos picos mais altos. Permanecemos nos cavalos, apenas observando Asgard de longe.
— Tem algo que preciso lhe contar. — Thor diz, quebrando o silêncio e atraindo minha atenção.
— Estou ouvindo.
— Ontem, após o jantar, ahm... Talissa e Fandral estavam conversando no terraço aberto e ele acabou beijando-a. — Diz, me surpreendendo por já saber do acontecido.
— Você viu?
— Não. Fandral me contou. Estava arrependido e pediu para eu me certificar de que Talissa não havia ficado chateada.
— E ela ficou?
— Não quis falar sobre, mas deve ter ficado é óbvio. Tudo o que me respondeu foi que já havia dito a Fandral que não iria se repetir. — Diz, sincero, encarando as próprias mãos. — Imaginei que gostaria de saber.
— Eu já sabia.
— Como?
— Eu vi. Estava esperando que ela chegasse no terraço para lhe pedir desculpas. Estava pronto para deixar meu orgulho de lado e finalmente fazer o certo, se ela ainda estivesse disposta a me ouvir.
— Sinto muito.
— Não sinta. Eu imaginei que seu amigo gostasse dela, mas sempre soube que ela não sentia o mesmo. Só não imaginei que fosse presenciar a cena. — Digo e ele assente, e felizmente continua calado.
Respiro fundo, sentindo o ar encher meus pulmões, e aperto as rédeas do cavalo em mãos. Tiro a cena da cabeça, evitando pensar demais nisso e ficar ainda mais chateado. Observo o bosque a nossa frente e, de longe, consigo ver o Jardim de Frigga. Sinto uma leve pontada de arrependimento ao lembrar que não visito o lugar há um tempo.
— Estive pensando em finalmente marcar o casamento. — Thor diz, chamando minha atenção.
— Mesmo?
— Já estamos noivos há tanto tempo.
— E só estão porque Frigga ficou no seu pé.
— Tem razão. Eu ainda era muito menino. Queria aproveitar as regalias da vida de príncipe.
— Teve azar já que a morena apareceu.
— Ela sempre esteve lá, eu só percebi muito tempo depois. Felizmente quando me dei conta de que era dela que eu precisava, ainda pude correr atrás do tempo perdido.
— Ela sempre gostou de você.
— E eu dela. Então, o que acha do casamento?
— Acho que vocês tem que decidir. Vocês se amam, e querendo ou não já vivem uma vida de casados. Não sei como ainda não tiveram um bebê.
— Ah, mas eu quero. Já pensou, você sendo tio?
— Claro, você jura que eu vou cuidar da criatura, não é?!
— Seu sobrinho. E eu sei que vai.
— Não cuidei de Hela que era minha.
— É verdade que nunca a segurou nos braços?
— É. Não gosto de bebês. E são frágeis, são... Estranhos.
— Bom, veremos até que Magni esteja em seus braços.
— Já escolheram nomes? Que brega.
— Claro que já. Escolheu os seus em cima da hora?
— Não escolhi. A jotun o fez. — Dou de ombros. — Acho que deveriam se casar. — Desconverso.
— Será meu padrinho.
— Sif não gostará nada da ideia.
— Sei que não, mas não quero outro nesse posto. Você é meu irmão, nada mais justo.
— E quem será a madrinha? — Questiono e ele me encara com as sobrancelhas erguidas e um sorriso cínico no rosto. — Não. Não, não!
— É ela ou Freya. Vamos irmão, que bobagem, apenas preciso que me deem suas bençãos! Não é como se precisassem se casar também. — Ele diz, me fazendo rolar os olhos. — Acha que ela ainda estará aqui quando a cerimônia acontecer?
— Acho que sim. Espero que sim. — Corrijo minha própria frase e ele sorri.
— Irei conversar com nossos pais sobre o assunto, então. — Diz, sorridente. — Vamos voltar?
— Claro...
Numa velocidade mais rápida, quase apostando corrida, retornamos ao castelo. Eu me sentia mais leve após a pequena conversa com Thor. Gostava e sentia falta desses momentos pois podia me abrir e falar a verdade, ser quem eu sou, ou mentir sem remorso algum, pois ele sempre acabava me descobrindo no fim das contas. Era divertido.
Entramos no estábulo, abrindo as portas das baias, e de relance eu a vi. O cabelo preso em um enorme trançado e trajando um vestido rosado de alça fina que lhe dava um toque delicado. Não combinava com a sua feição de quem iria me enforcar e arrancar todos os meus órgãos para fora. Ela estava prendendo um cavalo na baia em frente à minha e flagrou meu olhar no seu.
— Tali! Oi! — Thor a cumprimenta e tudo o que tenho vontade de fazer é enfiar minha cabeça num buraco e não sair nunca mais.
— Oi, Thor. Laufeyson. — Cumprimenta, ácida, e eu sorrio pela sua audácia.
— Andou saindo, é?
— Apenas cavalgando. Precisei espairecer.
— Entendo... Vai entrar agora?
— Vou sim. Você vai?
— Vamos. — Thor diz, tocando meu ombro. Rolo os olhos e tiro sua mão de mim.
— Tenho plena certeza de que ela perguntou por você, irmão. Se me dão licença. — Peço, tomando rumo para o palácio pela entrada lateral.
— Que bicho mordeu ele, em? — Thor se finge de desentendido, e é a única coisa que ouço antes de realmente sair do local.
Me direciono ao meu quarto, e assim que adentro o cômodo, me jogo na cama, puxando o livro que estava lendo sobre magia da lua. Havia ficado extremamente curioso com a troca equivalente de energia cósmica que Talissa havia me mostrado, e como ela ainda estava arisca à minha presença, tinha que me virar sozinho. Bom, por enquanto...
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Oláaaa!
Atualização bem cedinho hoje pois vou precisar ficar o dia todo off e tive medo de não conseguir postar a noite. E sim, estou mudando alguns detalhes nas formatações dos capítulos, então se notarem alguma diferença, não se assustem.
Achei necessário esse capítulo pois sinto falta da interação desses dois irmãos, e espero muuuito que tenham gostado.
Sobre o tal casamento do Loki, como já disse, estou seguindo a mitologia e não exatamente a cronologia da Marvel, e nos contos nórdicos, Loki foi casado com uma jotun, Angurboda, com quem teve Hela, Fenrir e Jormungand. Angurboda não vai aparecer nesse livro e vocês vão entender bem o motivo logo logo, já os filhos de Loki........
O próximo capítulo é importantíssimo pra a história também, e devolve a interação do nosso casalzinho para aqueles que já estão com saudade. Nos vemos lá! Se cuidem! Beijão 💚
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