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Istanbul foi Constantinopla
Agora é Istanbul, não Constantinopla
Foi a muito tempo atrás, Constantinopla
Agora é turca deliciando-se na luz da lua de uma noite
» Istanbul (Not Constantinopla) «
They Might Be Giants
A NOITE JÁ HAVIA CAÍDO QUANDO ÁRTEMIS INGRESSOU NA FENDA TEMPORAL COM AJUDA DA MALETA. Aqueles que não estavam familiarizados com o modo de viagem dos agentes da Comissão, poderiam dizer que a menina surgiu "magicamente" numa viela mal iluminada e deserta. Suspirando e com expressões enfezadas na face, ela arrumou as vestes, colocando a barra da camisa de seda amarela para dentro do cós da saia xadrez. Não era de seu apreço passar muito tempo dentro de qualquer linha temporal, preferindo viver sem os efeitos causados pela mesma, pois nunca se sabe quando um dos agentes pode mover os pauzinhos para causar um grande desastre. O que, nesse caso, era o que ela e Cinco tentariam evitar nos próximos dias.
Porém para que os dois pudessem salvar a humanidade do Apocalipse de dois mil e dezenove que ocorreria naquela linha do tempo, ela precisaria se reencontrar com seu tutor. O que era uma tarefa levemente complicada, já que não tiveram tempo o suficiente para marcar o local do reencontro antes de Cinco saltar pelo buraco de minhoca que havia criado.
— Merda! — Disse a menina apertando com força a alça da maleta ao ingressar na rua movimentada. Ela teria que dar um jeito de encontrá-lo antes dos agentes da Comissão, caso contrário o apocalipse ainda aconteceria e ela acabaria sendo rebaixada pelo resto de sua existência dentro do trabalho quando notassem seu sumiço. — Merda! Merda! Merda!
Havia dois locais onde poderia encontrar o número Cinco. O primeiro, e mais óbvio, era a sede da Academia Umbrella, local onde o velho havia passado anos de sua vida antes de fugir de casa e aparecer no mundo pós apocalíptico. O segundo era na loja de donuts Griddy's, uma escolha menos óbvia, porém bastante nostálgica. Lembrava das suas conversas com Cinco durante as tocaias, quando ele contava sobre os membros de sua família e uma época que não voltava atrás, narrando tudo como se Ártemis tivesse realmente dezesseis anos de idade e não tivesse vivido nada ao longo dos tempos. Ele falava muito sobre essa loja de donuts, de quando fugia com seus irmãos e se empanturravam com os doces até vomitarem.
Sua primeira opção de local de busca pelo amigo, ou o mais próximo que ela tinha de um, foi a loja de Donuts. Ela estava faminta com toda a viagem temporal e, por falta de uma pizza havaiana quentinha, rosquinhas com cobertura rosa e granulados lhe cairiam bem. Além do mais, ela não estava interessada em encontrar com a família disfuncional de Cinco sem a presença do mesmo. Afinal, como explicaria o fato de um velho estar andando com uma adolescente sem essa ser sua neta ou filha, iriam levantar muitas perguntas e não saberia dizer o quanto Cinco estava disposto em deixar sua família ter conhecimento das coisas que passou desde que fugiu de casa e saltou no tempo.
Com a cabeça erguida e o orgulho acima de qualquer coisa, Ártemis caminhou pela cidade ignorando os olhares que recebia dos estranhos ao redor. A pouca idade que aparentava somada com maleta preta e pesada em sua mão, chamavam muita atenção. Infelizmente, ela não poderia se livrar do objeto, aquela era a sua única oportunidade de regressar para a casa se o plano de salvar a humanidade saísse pela culatra. Preferia passar o resto de sua vida atrás de uma mesa com seu pai, do que morta em um apocalipse merda criado por Dot.
A busca pela tal loja de Donuts demorou, aproximadamente, quarenta minutos. Sendo necessário fazer uma pausa breve de dois minutos na caminhada para pedir informações a um grupo de policiais que estavam parados na frente de um caixa eletrônico. A escolha dos informantes não foi feita a toa, até onde sabia os policiais eram as pessoas menos propícias a lhe passar informações erradas, conheciam bem a cidade e existia o famoso clichê de serem fãs de rosquinhas. Para sua felicidades, os homens fardados foram úteis e precisos em sua informação, passando o endereço correto sem que ela precisasse parar uma segunda vez para perguntar a outras pessoas na rua.
O tempo parecia ter parado dentro da loja de Donuts, não do modo literal, sua arquitetura lembrava as antigas lanchonetes dos anos 70 com direito a bancos com estofados amarelos e piso xadrez. Mesmo o local sendo mal iluminado e relativamente vazio, soava agradável. Sorrateiramente a garota aproximou do balcão, onde estavam sentados um senhor de idade que conversava com um garoto de treze anos de idade que utilizava um uniforme escolar ridículo, ela chegou em tempo de ver o homem entregar para o adolescente um pedaço de papel contendo algum tipo de endereço.
— Está atrasada! — Repreendeu o menino quando Ártemis sentou ao seu lado no balcão. — Mas gosto de saber que é uma mulher de palavra, Temi.
— Que... Não! — Ártemis estava prestes a perguntar como o adolescente sabia o seu apelido, mas logo a pergunta virou uma exclamação. Só existia uma pessoa na face da Terra que a chamava de Temi e possuía um humor tão desagradável quanto o seu. — Nem fodendo!
— Pode rir. — Disse Cinco amargurado ao notar as expressões debochadas no rosto da amiga — Vá em frente.
— Puta que pariu, Cinco — Por mais que soubesse que o convite para rir não deveria ser aceito, Ártemis não resistiu ao ver o velho preso em seu corpo jovem. Ela havia o alertado sobre um possível erro nos cálculos, a própria havia feito algo parecido no passado quando tentou trabalhar na criação das maletas e lhe rendeu sua eterna puberdade. Porém, como a maioria das pessoas idosas, ele se recusou a ouvir a mais nova e foi teimoso em não rever as contas — Que cute-cute! — Ela apertou com força as bochechas do rapaz, deixando as mesmas vermelhas antes que ele agarrasse seu punho — Agora sou a mais velha. Parece que o jogo virou, não é mesmo?
— Nunca mais faça isso — Ordenou Cinco soltando o pulso dela com um empurrão.
— Neném da mamãe ficou bravinho, foi? — Perguntou Ártemis debochada, fazendo a face de Cinco corar de raiva — Agora vou te chamar de Fivezinho. Iti, neném!
— Vai tomar no cú! — Ordenou Cinco voltando-se para frente no balcão.
— Vai você tomar no cú, otário! Ficou zoando minha cara igual um filho da puta, agora minha vez. — Rebateu Ártemis fechando as expressões, seu péssimo palavreado fez com que o senhor que estava próximo desse um pigarro, aquela ação não passou despercebida pela adolescente — Vai o senhor tomar no cú também, com todo o respeito.
Antes que o homem pudesse responder Ártemis, uma senhora uniformizada aproximou do trio segurando em mãos uma caneta simples azul e um bloquinho de notas amarelo. Ela sorria simpática a cada um dos clientes, estando pronta para atendê-los.
— Desculpe, a pia estava entupida. O que vai ser? — Perguntou a garçonete.
— Uma bomba de chocolate — Disse o homem antes dos dois.
— Certo. — Ela anotou o pedido no bloco de notas e em seguida virou para os dois — E para as crianças? Posso trazer um copo de leite ou algo assim?
— Eu quero uma rosquinha de geleia cor de rosa com granulados — Disse Ártemis animada enquanto apontava para seu pedido na estante expositora — Uh! Acho que também quero um refrigerante de cereja.
— Anotado, docinho! — A garçonete que se chamava Agnes, como demonstrava no crachá, passou a parte de trás da caneta sobre o nariz da menina, fazendo Ártemis rir e Cinco revirar os olhos — E para o seu namorado?
— Credo! — Falou Ártemis fazendo careta com a ideia de namorar Cinco.
— Café. Preto. Puro. — Disse Cinco ríspido.
— Crianças fofas — Falou Agnes ao homem, acreditando que ambos seriam seus filhos. O senhor assentiu levemente contrariado. Ela olhou novamente para Cinco e Ártemis, a garota sorria com sutileza enquanto o menino dava um sorriso forçado em resposta, deixando a garçonete ainda mais sem graça — Certo.
— Você é ridículo! — Disse Ártemis revirando os olhos quando a garçonete se afastou.
— Eu sou ridículo? Quem diz que não é criança e acabou pedindo a coisa mais infantil do menu? — Rebateu Cinco virando irritado para Ártemis.
— Sinto muito se meu paladar é sofisticado — Ela cruzou os braços sobre o peito fazendo careta. — Melhor do que esse... Argh! Café.
— Pode aparentar ser três anos mais velha que eu, mas ainda assim continua um bebê — Agora fora a vez de Cinco apertar as bochechas de Ártemis.
— Dói, arrombado! — Ela empurrou a mão dele e ameaçou soca-lo na cara — 'Tá roxo, essa merda! — Disse apontando para a própria cara — Esqueceu que alguém me socou?
— Você pediu! — Relembrou Cinco pegando o pedido que foi entregue.
— E você não pensou duas vezes — Reclamou Ártemis socando o adolescente com força no peito — Desgraçado, filho da puta!
— Oh! — Exclamou a garçonete ao escutar Ártemis dizendo o palavrão — Uma moça tão bonita, não devia dizer essas coisas.
— Oh! — Ártemis fingiu estar surpresa por ter sido pega no flagra — Me desculpe, minha doce senhora. Mas com todo respeito, foda-se! — A garota retirou do bolso algumas notas e entregou para a atendente — Obrigada! Pode ficar com o troco.
— Falta um dólar! — Corrigiu Agnes receosa.
— Eu completo — O homem com uniforme de uma rebocadora entregou a nota que faltava. Quando a garçonete saiu para os fundos, o senhor levantou do balcão com sua bomba de chocolate em mãos, antes de sair olhou severo para Ártemis — Seja mais grata as pessoas, garotinha!
— Obrigada!? — Ártemis franziu o cenho dando com os ombros enquanto observava o velho se afastar — Não acredito que levei um puxão de orelha.
— Você anda merecendo — Disse Cinco por trás da xícara de café. Sem dizer nada, Ártemis o socou pela segunda vez, fazendo com que ele cuspisse um pouco do conteúdo — Aí, caralho!
— Pode parando com a palhaçada — Falou Ártemis irritada — Estou botando meu serviço em risco vindo te ajudar. Se der merda aqui e eu não conseguir a minha promoção, se o apocalipse não te matar, eu mato. Capiche?
— Gostaria de vê-la tentar — Debochou Cinco sorrindo de escárnio.
— Não esqueça que te vi lutando — Ela retribuiu o sorriso debochado e começou a comer. — Mas então, como que vai ser?
— Consegui o endereço que precisava — Disse Cinco virando para ela — Sabemos que o olho tem ligação, precisamos saber o quanto. Você conseguiu algo?
— Não tive tempo, papai me parou no corredor e precisei sair rápido — Ártemis suspirou — Mas soube que eles estão te caçando, vai ser questão de tempo até nos encontrarem.
— Quanto? — Perguntou Cinco franzindo o cenho.
— Não sei, depende do quão empenhada a Gestora está — Ela deu com os ombros e limpou a boca no ombro da camisa — Mas você causou uma bagunça e tanto lá dentro. Cinco... — Ártemis hesitou com sua próxima pergunta, enchendo a boca de donut antes de prosseguir — Isso vale a pena?
— Salvar a humanidade?
— É! Sei que você tem seus irmãos, tenho uma maleta, podemos salvá-los — Ártemis pegou a mala que havia pousado no banco vazio ao seu lado e a abraçou — Mas a humanidade... Não acha que ela já está perdida?
— Você não entende, não é? — Cinco suspirou e, com um guardanapo, limpou o canto da boca de Ártemis, como tivesse cuidando de uma criança pequena — A Academia Umbrella foi criada para esse fim, salvar a humanidade.
— A humanidade que tanto criticou vocês? Os homens iniciaram as guerras. O homem é o lobo do próprio homem. Eles mesmo se destruíram, aposto como o apocalipse acontecerá por erro da própria humanidade que tanto deseja salvar — Disse Ártemis suspirando.
— Mesmo assim, ainda tenho que protegê-los — Cinco respondeu sério — Você pode voltar se quiser, mas a vida de milhões de inocentes dependem disso.
— É só uma linha do tempo — Insistiu Ártemis.
— É mais do que isso, Temi. Eu vou continuar.
— Okay, eu tentei convencê-lo. Vemos que não deu certo, se alguém perguntar, eu tentei — Ártemis deu com os ombros. — Vamos seguir com seu plano de salvar a humanidade.
— Pensei que estivesse falando sério sobre desistir — Cinco franziu o cenho.
— Mas eu estava, porém não vou te abandonar — Ártemis tomou longos goles do seu refrigerante — Sou uma mulher de palavra. A humanidade vale a pena? Na minha opinião, não. Mas se você quer tanto salvá-los, vamos em frente.
— Já disse que você é estranha? — Perguntou Cinco escondendo um sorriso breve atrás da xícara de café.
— O tempo inteiro — Ela deu com os ombros — Mas não sou eu que estou usando uniforme escolar e namorava uma manequim.
— Ao menos tive um relacionamento — Rebateu Cinco sorrindo de escárnio.
— Ouch! — Ártemis fingiu estar ofendida levando a mão até o meio do peito. Entre namorar uma manequim e passar o resto de sua vida solitária, ela preferia a solidão. Pelo menos era inteligente o suficiente para não sucumbir à loucura.
A adolescente estava prestes a dar uma de suas respostas atravessadas e cheias de sarcasmos ao melhor amigo, porém calou ao notar pelo reflexo da campainha a aproximação dos agentes da Comissão, discretamente ela puxou a maleta de volta para seu colo, abraçando com força a única fonte de regresso para casa.
— Estão atrasados! — Comentou a menina sorrindo irônica — Já foram mais rápidos.
— Certo. Vamos todos ser profissionais, sim? — Falou um dos agentes apontando a arma para Cinco — De pé e venham conosco. Eles querem conversar.
— Não temos nada a dizer — Falou Cinco com desdém.
— Não precisa ser assim. — Disse o homem sem abaixar a arma — Acha que quero atirar em duas crianças? Ir para a casa com isso na minha consciência.
— Ah, querido! Eu não me preocuparia com isso se fosse você — Ártemis levantou lentamente agarrada a maleta e trocou olhares com Cinco, antes de voltar a encarar o agente com um sorriso maléfico. — Você não vai pra casa.
As coisas a seguir aconteceram muito rápido. Antes que os agentes pudessem pensar em responder a ameaça de Ártemis, Cinco aproveitou a deixa para saltar através do espaço para trás do agente, o atacando com um golpe mortal na jugular com uma faca de passar manteiga.
A confusão foi instaurada no meio da loja de Donuts, com direito a muitos tiros e assassinatos a sangue frio. Mesmo estando em maior número, os agentes não eram páreos para acompanharem as habilidades de Cinco. Em um momento da luta, antes dos tiros iniciarem de vez, Cinco agarrou Ártemis pela nuca e cintura, saltando com ela para fora da loja de Donuts numa tentativa de protegê-la.
— Minha rosquinha — Reclamou a menina fazendo beiço.
— Sério? — Perguntou Cinco estupefato.
— Não, pega eles doido! — Incentivou Ártemis os protegendo de tiros na porta com a maleta — Meu passaporte de volta para casa, seu filho da puta.
Sabendo que a única coisa que poderia fazer era esperar, Ártemis afastou da loja para não ser morta. Suas expressões eram desgostosas graças a perda da maleta, com tanta tecnologia a comissão não era capaz de fazer uma maleta à prova de balas. Como de costume, Cinco foi rápido em seus golpes mortais, regressando para a companhia de Ártemis enquanto arrumava a gravata.
— Perdi minha maleta — Reclamou a garota fazendo beiço — Agora é oficial, tô presa nessa merda de linha do tempo com você, então é bom salvarmos a humanidade e o meu cú.
— Estenda o braço! — Ordenou Cinco ignorando as reclamações da jovem e mostrando uma faca afiada que havia surrupiado de dentro da loja de donuts. — Precisa se livrar do rastreador.
— Quem disse que eu tenho um? — Perguntou Ártemis hesitante enquanto segurava o braço próximo do corpo.
— Todos os agentes da comissão possuem. Anda! — Com a mão livre, ele gesticulou para ela estender o braço — Artémis, estou falando sério!
— Não vai me ferir de novo — Reclamou a menina dando um passo para trás — Um soco na cara já foi o suficiente de ferimentos para uma vida.
— Então você vai ficar sozinha aqui, Temi! — Repreendeu Cinco emburrado — Não vai me atrasar na missão.
— 'Tá, caralho! — Ela estendeu o braço, porém antes que Cinco pudesse cortar para retirar o rastreador, Ártemis o afastou — Seja rápido.
A contragosto a garota estendeu o braço e fechou os olhos, não estava disposta a ver o amigo a mutilando para se livrar do rastreador que media, aproximadamente, uma semente de feijão. Com sutileza ele apertou seu braço, sentindo onde estava o objeto antes de causar a incisão. Obedecendo os desejos da amiga, ele foi o mais rápido e menos abrasivo possível, em poucos minutos, que para Ártemis pareceram uma eternidade, ele a deixou livre dos olhos da Comissão.
— Pronto, pode parar de chorar agora! — Disse Cinco retirando a própria gravata e amarrando no braço da menina como uma atadura.
— Não estou chorando, idiota! — Mentiu Ártemis com a voz embargada e segurando próximo ao corpo o braço mutilado. Durante toda sua vida ela havia sofrido poucos machucados graves devido toda a superproteção de seu pai, porém estar com Cinco fazia com que todos esses machucados que esteve evitando começassem a surgir em seu corpo. Claro que ela poderia ter desistido no primeiro grande hematoma, mas de alguma forma aquilo fazia com que se sentisse viva por ter que se preocupar com coisas que antes passavam batido. Por mais que não envelhecesse, ela não era imortal e saber disso lhe dava ânimo para prosseguir. — O que faremos agora?
— Só tem uma pessoa em quem posso confiar, além de você — Disse Cinco caminhando até o carro que havia estacionado poucos metros da loja de Donuts.
— Por favor, não me diga que é aquela manequim — Falou Ártemis fazendo careta enquanto entrava no carro.
— Dessa vez estou falando da minha irmã, número Oito — Disse Cinco desgostoso batendo a porta do carro com força.
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