
⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⩩⦙ 𝒙𝒊. 𝑴𝒂𝒍𝒅𝒊𝒕𝒐𝒔 𝒗𝒊𝒏𝒉𝒆𝒅𝒐𝒔 𝒅𝒆 𝑬𝒓𝒆𝒅 𝑳𝒖𝒊𝒏
O cérebro é o órgão mais incrível do corpo humano, a todo momento possui quatorze bilhões de neurônios sendo disparados aproximadamente a setecentos e vinte e quatro quilômetros por hora. Nós não temos controle algum sobre a maioria deles. De modo natural o corpo segue os seus impulsos, os quais ficam ainda mais difíceis de serem controlados após algumas taças, lê-se: Uma garrafa, do maravilhoso vinho frutado dos elfos. Antes de dar início a esse capítulo quero deixar claro que não me recordo de absolutamente NADA do que narrarei nos próximos parágrafos, sendo esse capítulo uma junção de pontos de vistas distintos com o leve toque de liberdade poética. Foi a partir desse ponto que desencadeei uma série de erros que quase foderam o meu bom convívio com a companhia.
Antes que me julguem pelos eventos que narrarei, por favor lembrem-se de três pontos cruciais dos meus primeiros meses na Terra-Média. Primeiro, acreditava estar vivendo em um sonho lúcido durante todo esse tempo, desde minha saída do Bolsão até nossa chegada em Valfenda; Segundo, vim de outro tipo de mundo/realidade onde há costumes distintos e considerados rudes por vocês desse universo paralelo; Terceiro, precisava extravasar minha tristeza e raiva de alguma forma e escolhi o álcool, o qual sempre vem acompanhado de péssimas escolhas e descontrole.
Sem mais delongas, começarei com as histórias vexatórias.
Antes que o jantar animado em companhia dos elfos chegasse ao fim, os quais não apreciaram em nada a maneira como os anões estavam se divertindo, decidi conhecer um pouco mais daquela estranha e magnífica cidade que me encontrava. Mesmo sem saber ao certo que direção tomar, deixei que meus pés me guiassem pelos belos corredores de Valfenda na companhia da garrafa de vinho que lentamente esvaziava enquanto minha mente se enuviava. Permitia que meus dedos desenhassem cada detalhe adornado das paredes enquanto os pés descalços tocavam o solo, sentindo todas as texturas que me cercavam, também prestava atenção aos ruídos e cheiros, deixando meus sentidos aguçados já que meu cérebro lentamente parava de discernir a diferença entre certo e errado dos meus atos.
Durante o passeio noturno em questões de minutos eu já havia acabado com todo o conteúdo da garrafa de vinho, tinha dado início a uma cantoria a plenos pulmões com canções do meu mundo que me orgulhava em mentir que havia criado durante a viagem sempre que algum elfo ou elfa cruzavam meu caminho, abracei uma tapeçaria secular quando notei a maciez de suas cerdas e gritava a cada arco de mármore das sacadas da cidade élfica para testar a equalização da minha voz nos diferentes ambientes.
No decorrer do último teste de equalização que realizava uma vista em específico me chamou atenção mais do que qualquer outra vista magnífica da cidade élfica. Da varanda claramente iluminada pela lua crescente no céu era possível vislumbrar e ouvir as cachoeira caindo abaixo, enquanto a floresta dançava com a brisa revigorante, algumas flores e folhas caiam sutilmente da gigantesca árvore próxima da sacada, decorando o chão e o banco de pedra branca com suas cores. Ao redor também haviam vasos com flores coloridas, esculturas maravilhosas em mármore adornadas com trepadeiras. Porém nada era mais belo que a paisagem e estava empenhada em captar toda sua glória.
Cantarolando a minha adaptação musical favorita que havia criado para a cidade durante o passeio, conhecida por alguns na Terra-Média como "What's Up, Rivendell?", tive a péssima ideia de subir no beiral da varanda para encarar o abismo. Se estivesse plena com minhas faculdades mentais, não teria nem continuado com o ato quando meu pé escorregou na primeira tentativa de montar na sacada. Mas como estou narrando minhas sequências de erros, prossegui com o plano.
— UAU! — Exclamei esticando os braços para que pudesse manter o equilíbrio que mal possuía. — E se...
"E" e "Se" duas palavras simples e inofensivas como qualquer outra palavra. Mas quando juntas "E se..." podem causar estragos inimagináveis. Principalmente quando são ditas por uma mente tomada pelo álcool somado com tristeza e muita falta de amor próprio. Ou seja, o combo perfeito do que vinha sentindo desde que cheguei na Terra-Média.
Por permanecer crente de que todos os eventos ocorridos não passavam de um sonho lúdico muito difícil de despertar, cogitei a hipótese de que a morte seria a única coisa capaz de fazer com que regressasse ao meu mundo, acreditando que despertaria dentro dos abraços carinhosos da minha família estando cercada por todos aqueles que me amam.
Não achem que sou do tipo suicida, apesar de ter enfrentado muitos problemas pessoais no meu mundo nunca cogitei retirar a minha própria vida. Sempre soube que independente das circunstâncias e provações do caminho eu era importante, minha vida era preciosa e as coisas se resolveriam em algum momento. Tudo o que precisava era ter fé e, talvez, algumas sessões de terapia.
Mas, nesse estranho mundo, precisava tentar.
Inspirei profundamente, enchendo o meu pulmão com o máximo de ar possível enquanto lentamente analisava o abismo, procurando a melhor rota para despencar em uma morte rápida e quase indolor. Estava hesitante, faltando coragem para o ato apesar do desejo de realiza-lo. Minhas pernas tremiam e o suor gélido escorria por minha nuca. Aquela era hora. Sem despedidas, sem uma carta de adeus, sem olhar para trás, somente com o desejo de recordar de todos ao acordar no meu mundo e usar da vivência para criar novas histórias. Talvez fosse famosa por minhas aventuras, afinal daria um ótimo livro. E naquele momento eu saltei com lágrimas nos olhos. Sendo esse o fim de Elphaba Pouts.
PEGADINHA DA MALANDRA. É óbvio que não saltei e é mais óbvio ainda que não voltei para o meu mundo. Afinal, nesse exato momento, sigo no Condado e já estou aqui há pouco mais de sessenta anos (???), não tenho contado o tempo como antes e nem faço questão. Enfim, vamos voltar ao que importa e como fui impedida de prosseguir com a primeira de muitas insanidades que tentei realizar.
Estava prestes a pular contra as rochas da gigantesca cachoeira de águas cristalinas que escorriam no abismo quando senti alguém me agarrar fortemente pela cintura enquanto era puxada para trás, caindo não apenas de volta para a segurança da sacada, mas sobre aquele que me salvara da segunda morte.
— O que você pensa que está fazendo? — Perguntei irritada tentando desvencilhar dos braços fortes do meu salvador.
— Impedindo você de fazer merda — Respondeu Dwalin estando tão irritado quanto eu.
— Não é como se não tivesse morrido antes — Urrei levantando com dificuldade do chão, deixando visível nos meus gestos e voz embargada que estava sobre forte efeitos do álcool. — Foda-se, vou tentar de novo.
— Não vai tentar porcaria nenhuma — Agarrando com força meu braço, Dwalin começou a me puxar para longe da sacada enquanto resmungava em Khuzdul.
— Fala na minha língua! — Ordenei enquanto era arrastada pelos corredores, tentando de todas as formas retirar a mão. Porém ele seguiu resmungando na velha língua dos anões. — Você tá me machucando, Dwalin! Me larga! Ou eu vou gritar...
— Pode gritar a vontade, não vou te soltar enquanto não estiver com os outros — Urrou Dwalin me chacoalhando para provar a firmeza de sua decisão.
— Eu não sei quem você pensa que é para me tratar dessa maneira... — Reclamei tentando usar minhas unhas para arranha-lo. Mas nada parecia surtir efeito, o que não me surpreende tendo em vista que anões são trabalhadores manuais e viviam lidando com forjas. — Mas o Thorin vai ficar sabendo disso.
— Foi o Thorin que mandou eu te seguir, de algum jeito ele sabia que você faria alguma asneira — Rebateu Dwalin balançando a cabeça negativamente.
— O anão tá me rap-lando... rapstando... Tá me sequestrando!
— Por Mahal, garota! — Dwalin me soltou por alguns segundos, mas antes que tivesse tempo de fugir ele me agarrou novamente pela cintura, me atirando facilmente sobre seu ombro direito. — Vai ser mais rápido assim.
— Me põe no chão! — Ordenei me debatendo em seu ombro — Me põe no chão ou então vai sofrer as consequências! Me põe no chão, Dwalin!
Não preciso dizer que o anão ignorou todas as minhas lamúrias, ameaças, gritos, socos e pontapés, me carregando em suas costas até os estábulos de Valfenda, onde todos os outros membros da comitiva estavam com exceção de Thorin, Balín, Gandalf e Bilbo.
Por temerem que as provisões e outras quinquilharias fossem extraviadas pelos elfos, os anões preferiram ignorar a hospitalidade do lorde Elrond e acomodar-se com os animais no estábulo ao invés de dormirem em camas quentes e confortáveis oferecidas a todos os membros da comitiva. E, honestamente, ficar em local afastado era bom. Afinal os anões não são as criaturas mais silenciosas e estavam fazendo tanto estardalhaço que até o mais receptivos dos elfos os viam com maus olhos.
O estábulo parecia pequeno com todos aqueles anões, seus instrumentos musicais, cavalos, pôneis e comida. Todos estavam se divertindo ao redor da fogueira improvisada com móveis velhos que encontraram no caminho, sendo a primeira vez que todos sentiam que estavam cem por cento seguros dos males do mundo. Sendo uma pausa ótima para todos refrescarem seus pensamentos e relaxarem antes de regressarmos para nossa jornada épica.
A música e as risadas pararam quase que de imediato quando ingressamos no estábulo. Era evidente pelas expressões de desgostos de Dwalin que algo não estava certo e que esse algo era eu. Além de que fui carregada por metade do percurso, sendo largada feito um saco de legumes em cima da pilha de feno enquanto ele resmungava em Khuzdul. Alguns dos anões riram fraco quando ressurgi do palheiro, estando coberta com as fibras nos cabelos e rosto.
— Imbecil! — Gritei cuspindo palha enquanto levantava com dificuldade pelo excesso de álcool no sangue. — É por isso que ninguém gosta de anões. — Retirei a taça de vinho da mão de Nori, o anão mais próximo de mim, e virei todo conteúdo — Oba, vinho!
— Você não vai beber mais nada — Urrou Dwalin gesticulando furioso na minha direção.
— Eu vou sim, você não é meu pai para mandar em mim — Rebati gesticulando a taça de estanho, imitando seus movimentos. — Já estragou os meus planos de voltar para casa.
— Elphaba ia voltar para seu mundo? — Perguntou Kili sorrindo animado com a ideia de eu finalmente conseguir o que tanto desejava.
— Ela estava tentando se matar! — Explicou Dwalin fazendo com que todos deixassem de rir e parassem de vez com a música — Essa garota ia pular do penhasco.
— Puft! Não é como se eu não tivesse morrido antes, esqueceu? — Desdenhei com os ombros e aproximei do barril de cerveja, enchendo a taça até a boca — Talvez eu fosse parar em Nárnia. Se bem que só gosto de lá no guarda-roupa. Mas tem o Caspian depois e ele é um gostoso. Mas o Fauno é mais. Tem Faunos por aqui?
— Do que você está falando? — Perguntou Oín ajeitando a concha que usava para ouvir melhor.
— FAUNOS! — Gritei no seu aparelho auditivo, fazendo-o se contorcer e alguns anões rirem — Tem faunos por aqui?
— O que são faunos? — Perguntou Nori franzindo o cenho.
— Eles são assim.. Daqui para baixo tem perna de cabra... — Expliquei apontando da cintura para as pernas — Ai daqui para cima eles são normais... — Gesticulei novamente, quase desequilibrando ao mostrar o gesto de forma exagerada — E tem chifres. Alguns são gostosos, tipo... Tipo o Fili e o Kili...
— O que tem a gente? — Perguntou Fili querendo ter certeza de que havia escutado certo.
— Vocês são gostosos. — Respondi desdenhando com os ombros — Sabe o que é "gostoso" não sabe?
— É algo saboroso de comer — Falou Ori inocentemente, achando se tratar da colocação habitual da palavra, me arrancando uma gostosa gargalhada — não é isso?
— Também. Mas não nesse caso. — Aproximei de Fili e Kili, abraçando os dois pelos ombros — Quer dizer que eles são mais do que bonitos.
— Maravilhosos? — Perguntou Kili animado.
— Não, esse é seu tio — Pisquei me afastando dos dois — Mas no caso do seu tio ele é um Deus Grego. Que significa que ele é mais do que gostoso.
— O quanto de álcool você bebeu? — Perguntou Gloín enquanto Bifur tomava a taça da minha mão.
— HEY! — Exclamei irritada quando ele levou o objeto para longe — Isso importa? Eu tô bem.
— Não, você não está — Resmungou Dwalin balançando a cabeça negativamente. Os anões estavam perdidos quanto ao que fariam comigo naquela situação de vulnerabilidade.
— Só porque eu tentei me matar? Supera Dwalin — Revirei os olhos e aproximei da fogueira, sendo puxada por Bombur pela mão para longe da mesma — Vocês são muito desconfiados, não ia me jogar no fogo. Estou pensando em caminhos mais rápidos.
— Não! Não, Elphaba! — Gritou Dori horrorizado com o que havia dito.
— Era uma piada. Humor. — Zombei gesticulando — Vamos dançar? Eu ouvi música antes de vocês pararem para reclamar de mim. Uh! Uh! Criei uma nova, querem ouvir? É sobre anões... Ela é bem legal.
— Vamos ver em quantas palavras você consegue nos ofender — Disse Thorin surpreendendo a todos.
Acompanhado por Bilbo, Balin e Gandalf, o rei anão ingressou no estábulo com expressões azedas estampadas na face. Naquela noite eles não foram capazes de obterem as respostas que tanto almejavam sobre a forma segura de ingressar na montanha solitária, pois o mapa havia sido escrito com o que é chamado de "Letras-da-Lua", a qual é uma forma de escrita criada pelos anões que só pode ser vista quando um tipo de lua exata brilha por detrás delas, sendo necessário que seja uma lua da mesma forma e estação de quando foi escrita. A qual só brilharia daqui alguns dias, obrigando todos a permanecerem em Valfenda mais tempo do que o programado.
— Não é ofensivo — Respondi enquanto sofria para subir na mesa de madeira que não havia sido transformada em lenha.
— Precisa de ajuda? — Ofereceu Bofur enquanto os outros riam da cena.
— Ela subiu na sacada, vai conseguir subir na mesa — Respondeu Dwalin desgostoso e revirando os olhos.
— SUPERA, ANÃO ENFADONHO! SUPERA! — Gritei ainda tentando subir cima do móvel, começando a me irritar por Dwalin não esquecer o nosso pequeno incidente na parte alta da cidade élfica.
— O que houve? — Perguntou Bilbo preocupado.
— A Elph tentou se matar — Respondeu Bofur para o menor sem rodeios.
— Ela tentou o que? — Questionaram o mago e Thorin quase em uníssono ao escutarem sobre minhas desventuras.
— Elphaba está bêbada...
— Eu não estou bêbada — Refutei mesmo sendo visível em meu tom de voz que estava altamente alcoolizada pelos vinhos inebriantes que aquecem tanto a alma quanto o coração de acordo com o braço direito do lorde Elrond. — Se eu tivesse bêbada, eu faria isso? — Perguntei tentando formar o número quatro com as minhas pernas, o que obviamente não deu certo e acabei desequilibrando para o lado e quase caindo da mesa, por sorte fui salva de ir direto ao chão por Bombur que estava próximo. — Merda de vestido e perna fraturada. Essa tentativa não valeu...
— Desça daí, Elph! — Ordenou Nori balançando a cabeça negativamente.
— Eu não vou descer. Vou cantar a música que fiz para vocês, anões. — Voltei a me pôr em pé sobre a mesa e ajeitei o vestido, o qual quase mostrou mais do que deveria para meus companheiros de viagem, o que nessa altura do campeonato não seria grande coisa. — Ela se chama "Diggy Diggy Hole".
"Irmãos da mina se alegram!
Balancem, balancem, balancem comigo
Levantem suas picaretas e levantem suas vozes!
Cantem, cantem, cantem comigo
Para baixo e para baixo, bem fundo
Quem sabe o que encontraremos abaixo?
Diamantes, rubis, ouro e mais
Escondido no estoque da montanha"
Os anões ficaram em completo silêncio no momento que iniciei a cantoria e todos os olhos estavam voltados sobre minha pessoa. Naquele instante o interesse principal deles não era notar o quão bêbada estava ou fazer apostas sobre quanto tempo demoraria para cair do móvel, apesar de que a aposta havia sido feita antes de conseguir subir na mesa. Mas prestar atenção na letra da música para ver o quão ofensiva poderia ser sobre seu povo.
"Nascido no subterrâneo, amamentado numa teta de pedra
Levantado no escuro, a segurança da nossa casa de montanha
Pele de ferro, aço em nossos ossos
Cavar e escavar nos faz livres
Vamos irmãos cante comigo!
Eu sou um anão e estou cavando um buraco
Cave, cave um buraco, cave, cave um buraco
Eu sou um anão e estou cavando um buraco
Cave, cave um buraco, cavando um buraco"
Entretanto para minha surpresa, ao invés de receber as habituais caretas de desgosto e qualquer tipo de expressão rabugenta acompanhada por ofensas estranhas na língua dos anões, eles sorriram animados ao perceberem o refrão fácil de ser decorado. Rapidamente eles juntaram os instrumentos e começaram a me acompanhar. Sinto orgulho em narrar que essa canção perpetua até os dias atuais na Terra-Média, sendo possível ouvi-la por bardos viajantes e, principalmente, por anões quando os encontramos em ocasiões especiais.
Posso dizer que a primeira apresentação feita para os anões com a música autoral foi inesquecível. Infelizmente não de uma forma positiva. Apesar de não recordar de muitas das coisas dessa noite, os membros da comitiva nunca me deixaram esquecer.
Faltando apenas algumas estrofes para encerrar a canção e dar início a outra cantoria "original", senti todos os pelos do corpo arrepiarem de modo assustador e uma sensação agonizante de queimação tomar a boca do estômago. Minhas expressões que antes eram de alegria tornaram-se pálidas e assustadiças, sendo um dos sinais de perigo que demonstro quando estou prestes a ruir. O que significa que muito álcool havia entrado no meu corpo e ele precisaria expelir para continuar suas funções "vitais" sem nenhum outro empecilho.
— Elphaba? — Perguntou Bilbo sendo o primeiro a notar que não estava bem.
— Merda! — No momento que saltei da mesa para impedir que os anões tivessem visão privilegiada do que estava por vir, acabei tropeçando nos meus próprios pés e caindo de cara no chão pedregoso, nem a grande quantidade de feno foi capaz de impedir os machucados no queixo e na pontinha do nariz.
— Elphaba! — Assim que atingi o solo, os anões interromperam toda cantoria e correram para me acudir. As expressões que outrora eram de diversão se transformaram em preocupações, deixando de achar engraçado meu estado de embriaguez e ficando verdadeiramente apreensivos.
— Por Mahal, você não está bem — Empurrando os amigos da comitiva, Thorin foi o primeiro a me socorrer. Ditando ordens em khuzdul e, talvez, algumas ofensas, ele envolveu meu braço ao redor do seu pescoço enquanto me auxiliava a levantar. — Vamos! Os elfos devem saber o que fazer...
— Eu... — Comecei a falar, mas a frase foi interrompida por todo o jantar e vinho que havia ingerido naquela noite — Estraguei o meu vestido novo.
— Pelo menos colocou tudo para fora, agora vai melhorar mais rápido — Falou Thorin tratando tudo com naturalidade e não se importando com os respingos nojentos em suas botas de couro. — É melhor passar a noite na enfermaria.
— Não devia ser legal comigo, eu sou uma fraude — Balancei a cabeça negativamente enquanto era carregada pelo rei anão. — Se bem que essa é minha imaginação, então está fazendo sua obrigação como sei lá o que.
— Estamos a meses na estrada, você ainda acredita que está sonhando? — Perguntou o líder arqueando uma das sobrancelhas. Rapidamente e de modo quase imperceptível ele trocou olhares com Bilbo, o qual caminhava ao nosso lado com passos tão suaves que se não fosse pelo olhar do Thorin não teria notado sua presença.
— Elfos, anões, magos, hobbits e dragões. Essas coisas não existem — Inspirei profundamente — São lendas.
— Você disse que era uma especialista em dragões. — Thorin franziu o cenho confuso. Desde que havia chegado na Terra-Média, em nenhum momento revelei aos anões que tais criaturas mágicas existentes ali faziam parte do imaginário folclórico do meu mundo — Que aprendeu tudo com uma tal de Daenerys.
— Não disse nada disso, vocês supuseram. Sei sobre dragões, teoricamente — Fechei os olhos, estando deveras cansada de tudo aquilo. — Mas são lendas, não são reais. Nada é real. Acha que magia é real? Magia não existe. Eu estou morrendo, Thorin. Não sei porque insisto em lutar contra meu fim. Talvez isso sejam as máquinas que me deixam viva sendo desligadas.
— Isso é o vinho de Ered Luin fazendo efeito — Disse Bilbo pela primeira vez, tanto ele quanto Thorin estavam preocupados com minha situação.
— Aqui, mas não lá fora. Fora da minha imaginação. — Apontei para o céu com dificuldade — Me larguem em qualquer lugar, não vou mais lutar contra isso.
— Vamos te largar na enfermaria — Falou Thorin secamente, ele assobiou atraindo atenção de alguns elfos que faziam uma caminhada noturna, entre esses elfos estava o anfitrião de Valfenda.
— O que houve? — Perguntou Lorde Elrond após ditar ordens em élfico para seus súditos. Os quais rapidamente me carregaram nos braços.
— Estou morrendo — Respondi enquanto era carregada. Meu corpo estava mole e tudo o que ansiava era fechar os olhos e dormir por longas horas.
— Ela está bêbada — Thorin balançou a cabeça negativamente — Precisa de um banho e algum remédio. Entornou sozinha uma garrafa grande de vinho, impressionante para uma humana.
— Posso acompanha-la? — Perguntou o menor olhando preocupado para o Lorde Lindir. Naquele instante já não prestava mais atenção na conversa, pois dormia confortavelmente nos braços de um dos elfos. — Elph não está bem e temo que faça alguma bobagem caso fique sozinha.
— Claro, Sr. Bolseiro — Concordou o anfitrião meneando positivamente com a cabeça — Mas creio que não fará mais nada por hoje, acabou de adormecer.
— Ela está mesmo morrendo? — Perguntou Thorin antes que eles se afastassem. — Não aqui, no mundo dela.
— Elphaba não existe mais em seu mundo e, infelizmente, não poderá regressar. Não sabemos os motivos que a trouxeram para cá, mas os Valar devem ter algum plano grandioso para ela — Respondeu Elrond com pesar.
— Como provamos para ela que aqui é real? — Perguntou Bilbo segurando minha mão ao lado do Elfo que me carregava.
— Com apoio e suporte. Pois ela vai precisar de muito disso quando despertar amanhã — Elrond sorriu sem mostrar os dentes. — E um bom chá de ervas para curar a ressaca.
E assim fui levada para a enfermaria.
É engraçado quando paro para refletir e tento me lembrar dos eventos dessa noite, o que narrei aqui são amontoados de informações que juntei com o tempo. Todos os presentes tinham a própria versão dela e, as vezes, acrescentavam detalhes a mais. Posso ter deixado passar algo, informações importantes que não me foram contadas. Mas essa é a coisa complicada com lembranças, o que se aplicaria em todo o livro, a memória de ninguém é perfeita ou completa.
Dizem que podemos reprimir nossas memórias, perder eventos. Mas não é isso que acredito. Creio que tudo o que passamos fica mantido a salvo em algum lugar esperando o momento certo de surgir. Porque não importa o quão dolorosas elas são, essas são nossas poses mais valiosas. Poderia suprimir isso, fingir que meu estado alcoolizado nunca aconteceu, mas ele foi parte de mim. Porque nossa vida é assim, uma quantidade absurda de erros e acertos. São eles que nos fazem quem somos.
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