
⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⩩⦙ 𝒗𝒊𝒊𝒊. 𝑨 𝒇𝒂𝒎𝒐𝒔𝒂 𝒍𝒆𝒊 𝒅𝒆 𝑴𝒖𝒓𝒑𝒉𝒚
Quando era criança possuía uma coleção de bonecos cabeludinhos e estranhos que herdei da minha mãe, eles possuíam no máximo dez centímetros de altura, cores terrosas que contrastavam com seus cabelos coloridos espetados para cima, rostos engraçados e olhos esbugalhados. O nome desses bonecos era "Trolls", adorava esses bonecos mas do que qualquer outro brinquedo que possuía, costumava passar horas brincando com eles no jardim e durante minhas viagens para visitar meus avós no Canadá, costumava passear pelo bosque próximo de sua casa buscando por Trolls.
Nesse momento você, cara pessoa que está lendo, deve estar pensando: "Mas que pessoa tola sairia por aí em busca de Trolls?" A resposta é óbvia: EU. Como pode perceber, minha visão sobre Trolls era totalmente distorcida e irreal, nada parecida com tal criatura encontrada aqui na Terra Média. Em minha concepção e realidade eles não eram assustadores, gigantescos e fedidos. Mas pequenos, adoráveis e, no máximo, esquisitos.
Enfim, agora que já apresentei os Trolls do meu mundo posso iniciar uma das partes perigosas da aventura, o dia em que minhas fantasias infantis foram destruídas, o dia em que encontrei com tais criaturas em meu caminho. Depois desse dia posso afirmar que NUNCA mais verei os Trolls da mesma forma e que JAMAIS sairei em busca de algum novamente.
Não sou capaz de dizer com precisão sobre a passagem de tempo desde o último acontecimento narrado até o evento que irei contar nesse capítulo. Depois de certos dias seguindo caminho por aquele ambiente inóspito, começando a aceitar que seria impossível acordar do sonho lúdico mais comprido que tive, parei de contar a passagem de tempo e me deixei levar pelo mundo que seguia acreditando ser imaginário. Principalmente por estar cada vez mais deprimida com aquela viagem. Os dias se alongavam, as horas passadas no lombo dos cavalos duravam uma eternidade, meu corpo era incapaz de descansar durante as noites que pareciam durar segundos e a aventura tornava-se cada vez mais insuportável.
Durante esses dias me apelidei carinhosamente de "Lady Murphy", uma referência direta vinda da "Lei de Murphy", a lei universal do meu mundo criada pelo capitão Edward Murphy em 1949 que significa "Que qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível". Dito isso creio que seja capaz de compreender onde quero chegar, uma vez que o ciclo de merda começa a dar errado é quase impossível quebra-lo.
Não é necessário dizer em voz alta que o dia havia começado da pior maneira possível, tudo o que tinha de dar errado no caminho estava dando. Primeiro Gandalf havia sumido com a desculpa esfarrapada de que olharia a frente, não tivemos notícias daquele mago cretino durante toda tarde e parte da noite. A chuva havia regressado com força total, extremamente gelada e sem indícios de que cessaria em algum momento.
Demoramos horrores para encontrar um local seguro e "seco" para montar o acampamento, o mais perto disso foi embaixo de um maciço arbóreo. A palavra "seco" está em aspas, pois com o farfalhar das folhas de acordo com o vento que as acertava os pingos de água caiam pesados e gelados sobre nós, apesar de ter diminuído a quantidade de água em nossos lombos seguíamos molhados e irritados. Para a infelicidade geral da companhia, nem mesmo os melhores fazedores de fogo – Oín e Gloín – conseguiam acender a porcaria da fogueira.
Mas como desgraça pouca é bobagem, os pôneis se assustaram com algo no meio da floresta e caíram na água em sua tentativa falha de fuga. Os mais jovens do grupo, Fili e Kili, foram obrigados a pularem dentro da água gelada para salvarem os pobres animais. Apesar do ato heroico bem executado perdemos grande parte da carga, a qual assistimos pesarosamente ser levada pela enxurrada, a quantidade de mantimentos que já era pouca foi diminuída para quase nada.
Os anões não paravam de resmungar sobre a má sorte que assolava a companhia durante todo o dia, Oín e Gloín discutiam sobre suas tentativas fúteis de acender a fogueira, Fili e Kili tentavam enxugar as vestes enquanto praguejavam em Khuzdul, para ajudar Bilbo sentou ao meu lado numa tentativa de puxar assunto. Entretanto meu anseio era gritar, furar meus olhos e ouvidos com galhos de árvores, fazer qualquer coisa para despertar do pior dia de viagem até o momento. Para tentar me afastar da confusão e não surtar definitivamente, tampei ambas as orelhas com as mãos, fechei os olhos e encostei a cabeça no troco da árvore enquanto cantarolava aos berros "Ironic" da cantora Alanis Morissette, pois não existia outra música que se enquadrasse melhor no momento. Não irei escrever a música inteira, mas a parte principal é mais ou menos assim:
"Que irônico, você não acha?
É como chuva no dia do seu casamento
É uma carona de graça, quando você já pagou
É o bom conselho que você simplesmente não aceitou
E quem iria imaginar, era de se esperar
Bem, a vida tem uma maneira engraçada de aprontar com você
Quando você acha que está tudo bem e tudo está dando certo
E a vida tem um jeito engraçado de te ajudar
Quando você acha que tudo está dando errado e tudo explode na sua cara"
A principio os membros da companhia me olharam surpresos, em seguida os olhares se transformaram em confusão e por último irritação. Digamos que repeti a canção por mais vezes que os anões e o pequeno Hobbit eram capazes de aguentar. Quanto mais elevavam o tom de suas vozes para discutirem em busca de soluções, mais alto cantarolava, recomeçando sempre que a mesma chegava ao fim.
― Há uma luz adiante ― Disse Balin, o qual era os olhos e cérebro da companhia, o conselheiro real de Thorin.
Sem parar com a música, abri somente um dos olhos para olhar na direção que ele apontava. O local era uma colina não muito distante de onde estávamos, onde emanava uma bela luz vermelha, dando a comitiva à sensação reconfortante de aconchego e esperança. Era óbvio que se tratava de uma fogueira, que alguém havia conseguido montar acampamento no meio daquele inferno molhado. Todos os homens se entreolharam por um curto período de tempo, voltando a discutir calorosamente, dessa vez sobre a ideia de aproximarem, ou não, daquela luz brilhante. Apesar de ter escutado meu nome ser citado algumas vezes, os ignorei, tendo como preocupação primordial focar na música. Aquele dia estava sendo a aplicação real da "lei de Murphy", então era óbvio que não estava confortável ou com boas vibrações sobre a ideia de aproximar do acampamento na colina.
― O que você acha, Elph? ― Perguntou Thorin impaciente pela quarta vez. Ele segurava meus punhos para impedir de tapar meus ouvidos, seu rosto estava próximo ao meu e nosso nariz quase colado.
― Que isso vai dar merda! ― Respondi o encarando friamente dentro dos olhos. ― Thorin, com todo respeito, mas parece que vocês não estão pensando direito de tamanha burrice. Essas áreas não são conhecidas, não cruzamos com uma alma viva desde que chegamos nesse cafundó onde Judas começou com o strip-teaser.
― Que? ― Perguntou o líder anão soltando meus pulsos e estando confuso com as expressões que utilizei.
― Ainda não terminei de falar. ― Ergui o dedo indicador para calá-lo e prossegui ― Os velhos mapas não tem ajudado em porra alguma, essas estradas não são vigiadas. Estamos sem o Gandalf. Por isso quanto menos curioso formos, menor será a chance de nos metermos em confusão, ou pior, sermos mortos.
― Somos quatorze ― Disse Bofur empolgado.
― É! Podemos enfrentar qualquer coisa ―Completou Dwalin com a mesma empolgação do outro.
― E temos o nosso ladrão ― Falou Gloin convicto, arrancando um riso divertido dos meus lábios.
― Boa sorte então, pois eu ficarei aqui ― Respondi movendo os ombros com desdém e fazendo careta.
― Elph... ― Thorin arqueou as sobrancelhas ao notar minha relutância.
― Já sabem o que penso e farão ao contrário. Não é por ter morrido uma vez que quero morrer de novo, sinto muito. Se vocês querem ir fiquem a vontade, mas ficarei aqui até Gandalf voltar ― Respondi prontamente e cruzando os braços na frente do corpo.
― Se essa for a sua escolha. Nós vamos tentar conseguir um pouco de comida e nos aquecer ― Thorin ficou em pé e me deu as costas.
― Okay! Boa sorte, mas depois não digam que eu não avisei. ― Dei com os ombros novamente e regressei com a cantoria. Ele resmungou algo na língua dos anões e começou a caminhar com a companhia para longe do nosso acampamento.
Assisti os anões se afastarem em direção à luz da fogueira que emanava na colina. Por mais que demonstrasse estar cheia de coragem em ficar sozinha no escuro, a verdade é que estava me cagando de medo. Apesar de todas as discussões, implicâncias e provocações, aquela comitiva era minha segurança e porto seguro, sendo quatorze homenzinhos contra o mundo. E eu era somente uma menina tola que não sabia lutar, provavelmente sendo morta pela segunda vez na primeira luta que encarasse despreparada, ao menos naquela época.
Apesar do medo, permaneci no local por um bom tempo. Sendo extremamente orgulhosa para dar o braço a torcer, um traço de personalidade que carrego até os dias atuais. Estava começando a pegar no sono quando escutei gritos e reclamações em Khuzdul. Era evidente que a confusão vinha da fogueira e que eu estava certa em ter fugido da batalha, afinal aquele som não era de alguém que estava ganhando.
― Puta que me pariu! Lei de Murphy desgraçada ― Resmunguei levantando do chão com um sobressalto, apesar da relutância era a minha obrigação salvar aquelas pestes.
Entre tropeços e escorregões corri na direção da luz, não existia uma trilha adequada que levasse ao local e a falta de iluminação atrapalhava muito. Caí diversas vezes pelo caminho, ganhando vários hematomas e arranhões pelo corpo, minhas vestes ficaram imundas com a lama, meus joelhos, cotovelos e queixo sangravam devido os tombos, minhas bochechas e braços estavam arranhados por culpa do mato e peguei em uma touceira com espinhos ao tentar subir a colina. Mesmo com todas as dores e machucados não me deixei abater, a adrenalina tomava cada parte do meu ser, principalmente por ter a sensação de ser útil pela primeira vez para a companhia. Querendo ou não, era a última esperança deles e torcia para que nenhum tivesse morrido no caminho.
― Oh! Merda! Merda! ― Urrei baixo quando alcancei o topo da colina e me escondi dentro da primeira moita que encontrei.
Próximo à fogueira existiam três gigantescas criaturas hediondas parecidas com os ogros do meu mundo. Bom, existe algo dentro da lei de Murphy que é a seguinte "Você sempre encontrará aquilo que não está procurando" e naquele momento eu finalmente havia encontrado os Trolls. Não nego que no começo fiquei muito decepcionada por não serem como imaginei, minha infância havia acabado de ser destruída dentro de minha própria imaginação. Porém não podia me focar nisso, pois se não me preocupasse com que realmente importava outra coisa seria destruída.
Os gigantescos trolls haviam atacado toda comitiva como se caçassem vagalumes, em pouco tempo os anões foram amarrados e empilhados uns sobre os outros dentro de sacos fedidos de estopa. Preocupada, mordi o canto interior dos lábios enquanto pensava em algo que pudesse fazer para salvá-los. Não conhecia nada sobre as lendas da Terra-Média e suas criaturas, o que me deixava de mãos atadas. Como dito anteriormente, tudo o que sabia era fundado em mentiras e não serviam de nada nesse mundo.
Olhei ao redor em busca de qualquer sinal do mago, aquela seria uma hora maravilhosa para o desgraçado aparecer e ser útil. Infelizmente sua localização era desconhecida, teria de me virar sozinha para salvar meus amigos ou morreria tentando. Naquele momento ofendia mentalmente toda geração do Gandalf por seu sumiço repentino.
Aquelas vis criaturas discutiam calorosamente sobre como deveriam preparar os anões e o Hobbit, o qual também estava amarrado com o resto da comitiva. Franzi o cenho enquanto prestava atenção na conversa, teria de improvisar rápido na solução, caso contrário os anões virariam janta. Minha esperança era o mago aparecer de surpresa, mas magos não funcionam dessa forma.
― Pra que cozinhar? Vamos só nos sentar sobre eles até virarem geleia ― Falou o Troll que chamarei de Tom, ele possuía a voz fina e era o mais magro dos três.
― Eles precisam ser temperados ― Disse o segundo Troll, Bert, ele era o maior dos três. ― E grelhados com uma pitada de Sálvia.
― Isso é mesmo preciso? ― Perguntou o terceiro Troll, William. Esse demonstrava ser o líder dos três, sendo o menos burro apesar de todos serem estúpidos por igual.
― Parece bom ― Disse Bert experimentando o caldo que preparavam para mergulhar os anões.
― Esqueçam o tempero, não temos a noite toda ― Resmungou William irritado com a demora do jantar ― O sol já vai nascer, vamos logo. Não quero ser transformado em pedra.
Ao ouvir aquilo senti uma pitada de esperança para salvar a comitiva. Rapidamente arquitetei o plano que julgava perfeito, pois se eu conseguia enrolar meus irmãos mais novos que eram crianças espertas, não seria difícil enrolar tais criaturas burras.
― ESPEREM! ― Gritei saindo de trás dos arbustos e subindo sobre a pedra mais alta, tentando ficar na altura dos olhos dos monstros enquanto seguia na penumbra. Eles olharam surpresos em minha direção. Naquele momento orei aos céus para não ser o novo aperitivo do jantar ― Olá, grandões!
― Quem é você? ― Perguntou William pondo-se em pé, congelei por alguns instantes.
― Achei que fosse óbvio ― Coloquei as mãos na cintura fazendo caretas, fingindo estar ofendida com a pergunta ― Sou Elphaba, a bruxa malvada do Oeste. A inimiga número um dos anões, amiga dos Orcs e outras criaturas terríveis.
Pude ouvir os anões cochichando no instante que me apresentei. Não sabia dizer se estavam me chamando de tola na antiga língua ou se estavam contentes em saber que ainda existia esperança sobre permanecerem vivos.
― Ela não cheira a humana ― Falou Bert fazendo careta.
― Sou uma bruxa, comparar com uma humana é ofensivo ― Retruquei levando a mão sobre o peito ― Sejam educados comigo, caso contrário farei o sol nascer mais cedo. Peça desculpa.
― Desculpe, bruxa do Oeste ― Pediu Bert se encolhendo no lugar. Mantive as expressões sérias mesmo desejando rir daquela situação inusitada.
― Muito bem! Vejo que tem anões para o jantar. Maravilhoso, pena que não estão os fazendo da forma correta ― Disse com desdém no tom de voz enquanto olhava para o amontoado de sacos.
― Nos diga onde estamos errando. ― Pediu Tom olhando na minha direção.
― No tempero. ― Falei convicta.
― O que tem o tempero? ― Perguntou Tom mais uma vez.
― Já sentiram o fedo deles? Humf! ― Balancei a mão em frente ao rosto como se espantasse alguma coisa. ― Precisarão de algo mais forte do que Sálvia para poder comê-los.
― O que sabe sobre cozinhar anões? ― Perguntou William, ele era o mais desconfiado dos trolls babacas.
― Muita coisa. Já cozinhei vários anões durante os anos, porque acha que eles são raros? A arte de cozinhar anões é algo milenar, ensinei aos seus ancestrais e aos Orcs que passavam por essa terra. Pois é! Há um segredo para cozinhar anões. ― Falei sutilmente cada palavra, demorando o máximo para dizê-las. Era como se estivesse na maior marola da minha vida.
― E qual é o segredo? ― Perguntou Tom.
― Que segredo? ― Me fiz de desentendida, dando inicio ao meu plano de enrolação.
― Para cozinhar os anões. ― Disse William.
― Ah! Esse segredo. ― Sorri divertida, iria utilizar a mesma tática que utilizava com meus irmãos mais novos.
― Qual é? ― Perguntou Bert dessa vez.
― Qual é o que? ― Perguntei fingindo confusão.
― O segredo... ― Urrou Tom irritado.
― Que segredo? ― Perguntei colocando as mãos na cintura.
― Para cozinhar os anões. ― Falou William.
― Que anões? ― Perguntei fingindo confusão.
― O que queremos cozinhar. ― Disse Bert.
― Cozinhar o que? ― Perguntei séria.
― Os anões. ― Resmungou William.
― Ah! Criaturinhas odiáveis esses anões. Malditos sejam, com seus pezinhos pequenos e barbas longas, longas, longas... ― Reclamei gesticulando majestosamente.
― E qual é? ― Perguntou Tom.
― Qual é o que? ― Perguntei desentendida.
― O segredo. ― Disse Bert.
― Sobre? ― Franzi o cenho.
― Cozinhar anões. ― Falou William.
― Eca! Anões são cheios de vermes. Não vão querer comê-los puros, precisam cozinhar antes. ― Disse fazendo uma careta de nojo, os anões começaram a reclamar pela ofensa.
― Por isso ia nos contar o segredo. ― Falou Bert.
― Que segredo? ― Voltei a perguntar.
― Quer saber... ― Antes que eu pudesse escapar, William me grudou pelas pernas e me suspendeu não ar. ― Ela está nos enrolando.
Naquele instante assisti minha vida passar diante dos olhos pela segunda vez, entretanto não gritei mesmo estando crente de que morreria novamente. Dessa vez uma morte dolorosa, sendo mastigada por Troll com o pior hálito existente e que senti em toda vida, um misto de putrefação com esgoto. Se eu tivesse sorte passaria direto por sua garganta e cairia no trato digestivo, preferindo enfrentar o ácido estomacal a os dentes cheio de podridão.
― Como ousa agarrar a bruxa má do Oeste de tal maneira? ― Perguntei tentando retirar o vestido que caia sobre meu rosto, mostrando a todos minhas vestes íntimas que lembravam pijama de gente idosa. ― Irão se arrepender disso.
― Não pode fazer nada, estava mentindo esse tempo inteiro ― Riu William me balançando pelo calcanhar. ― Agora será o meu almoço.
Aparentemente o plano de salvamento havia saído pela culatra, os anões começaram a gritar ao perceberem que estava prestes a ser devorada e o pior estava por vir. Infelizmente seria a primeira refeição de Troll, o máximo que poderia torcer era para ser indigesta a eles e finalmente alcançar o paraíso verdadeiro, ou talvez, acordar em meu mundo novamente. Eu era a última esperança daquela comitiva e havia falhado miseravelmente.
Mas como todo maldito mago e para a felicidade da nação, Gandalf apareceu milagrosamente antes do pior acontecer. Erguendo o seu cajado sobre a cabeça, ele abaixou rapidamente tocando a ponta do mesmo sobre a pedra que havia escalado minutos antes para conversar com os Trolls, no mesmo instante a rocha quebrou ao meio e os raios de sol atingiram os três monstros, os transformando rapidamente em pedra. Apesar de permanecer presa de ponta cabeça pelo calcanhar nas mãos do William petrificado, estava feliz por termos sido salvos pelo gongo.
― Mago desgraçado! ― Gritei enquanto ria com um misto de nervoso e alívio, tentando segurar o vestido longe do rosto. Não que me importasse de mostrar a roupa íntima, afinal às do meu mundo são muito menores. ― É por isso que ninguém gosta de vocês, somem do nada e aparecem do nada. Ia cair seu cú se ajudasse?
― Você tinha toda situação sobre controle ― Respondeu Gandalf saindo de trás das árvores e aproximando da fogueira ― Fez um ótimo trabalho ganhando tempo.
― Ah, jura? ― Perguntei sarcástica e sorrindo sem mostrar os dentes ― Teria me poupado tempo se tivesse feito seu alakazan antes. Agora pode fazer um para me tirar daqui? Meu tornozelo está doendo.
― Aguarde uns instantes ― Falou Gandalf aproximando do amontoado de anões e Hobbit.
O mago começou livrando alguns anões e Bilbo do saco de estopa. Esses estavam quase sufocando devido a força da amarração e extremamente irritados por todas as coisas horrendas ditas pelos Trolls e, principalmente, por mim. A raiva maior dava-se pelo fato de tê-los chamados de malditos anões de pés pequenos e barbas longas. Entretanto, apesar de toda fúria, eles sorriam em minha direção, estando felizes com a atuação feita, a qual teria sido perfeita se fosse mais rápida e conseguisse fugir das mãos de William antes dele me agarrar pelo calcanhar.
― Elphaba! ― Chamou Thorin depois de ser desamarrado, seu tom de voz era irritado e suas expressões carrancudas. Ele caminhou em minha direção, parando embaixo de onde estava pendurada, inclinei a cabeça para trás para poder encará-lo melhor.
― Não fode, eu salvei sua vida... ― Comecei a dizer irritada antes dele iniciar qualquer discurso ofensivo.
― Você tinha razão. Obrigado por nos salvar ― Agradeceu o líder anão fazendo uma mesura.
― Ah, desculpa! Não ouvi direito, tem como repetir? ― Perguntei alargando o meu sorriso, era óbvio que tinha escutado, só precisava que ele dissesse aquelas palavras pela segunda vez.
O líder anão estava prestes a rebater meu comentário com outro sarcástico, porém foi interrompido por Gandalf. Utilizando mais uma vez do seu cajado de madeira, o mago tocou a mão roliça do Troll que me segurava de ponta cabeça fazendo com que a mesma fosse aberta e caísse direto nos braços de Thorin, o qual me segurou com força.
― Meu Deus! ― Suspirei ao cair nos braços fortes do rei anão, encarando diretamente seus intensos olhos azuis. De modo inconsciente segurei a respiração enquanto apertava a vestes no ombro de Thorin com a mão que havia passado ao redor de seu pescoço.
― A morte parece gostar você, senhorita Elphaba! ― Disse Thorin ainda me carregando nos braços e me encarando com mesma intensidade. Não nego que por alguns segundos desejei agarra-lo no calor do momento, o beijando na frente de toda comitiva. Nada emocional apenas físico.
― E você? ― Perguntei mordendo o lábio inferior e sorrindo maliciosa.
― Só te aturo ― Thorin respondeu sorrindo de canto, por uma fração de segundos ele desceu os olhos para meus lábios e voltou a me encarar firmemente nos olhos.
Não sei dizer se a culpa era da adrenalina momentânea ou da excitação que carregava por estar a meses sem me relacionar com alguém, mas caso Balin não tivesse interrompido a troca de olhares, eu teria tomado a pior decisão de minha vida pós-morte beijando Thorin diante toda comitiva.
Se acontecesse teria sido um grande erro? Com certeza!
Se eu me arrependo de não ter tomado essa decisão? É óbvio que sim.
Querida pessoa que está lendo, não serei hipócrita em dizer que não desejava aquilo: Thorin era lindo, eu estava na seca e havia visto a vida passar diante dos meus olhos. Era óbvio que precisava de algo físico como recompensa, mas como dito anteriormente, Balin era o cérebro da companhia e ele estava certo em não ter me deixado prosseguir. Aquele realmente não era um bom momento para romance.
― Consegue andar bruxa má do Oeste? ― Perguntou o ancião quebrando o clima que havia criado.
― Sim, claro! ― Assenti voltando a realidade e descendo do colo de Thorin.
Os anões nos encaravam confusos, estando surpresos com o flerte descarado que haviam assistido. Enquanto Fili me encarava levemente irritado, Bilbo escondia um sorrisinho maroto que em poucos segundo consegui compreender o motivo.
― Cala a boca! ― Ordenei ao menor enquanto me recompunha e aproximava dele.
― Não ia dizer nada ― Comentou o Hobbit colocando as mãos para trás e mantendo o sorriso no rosto.
― É bom mesmo ― Assenti o empurrando levemente pelo ombro com o cotovelo. ― Mas que caralho deu de errado com vocês?
― O nosso ladrão resolveu afanar bolsos e praticar furtos quando o que queríamos era apenas um pouco de comida e fogo ― Reclamou Bombur irritado ao responder a pergunta de Elphaba.
― Seja como for, é exatamente isso que não teriam desses camaradas sem uma boa luta. ― Disse Gandalf cessando a discussão. ― Em todo o caso, estão desperdiçando tempo agora. Não perceberam que os trolls devem possuir caverna ou buraco em algum lugar por aqui? Precisamos olhar dentro deles.
― Vamos nos dividir caçando tesouro. ― Sugeri alegremente enquanto puxava Bilbo pelos ombros para iniciar a busca.
Todos da companhia nos dividimos em grupos para a busca pelo abrigo dos Trolls. Estávamos com esperança de encontrar bastante suprimento para prosseguir com a longa viagem. Vez ou outra pegava Bilbo olhando risonho na minha direção e em todas o mandava calar a boca, assim como pegava Fili me encarando irritado e Bofur sorrindo simpático por tê-los salvado. Mais distante Thorin conversava com Balin e da mesma maneira que o começo da viagem ele havia voltado a me ignorar.
Procuramos por toda a parte durante uns vinte minutos, e logo Nori e Ori encontraram as marcas das botas dos trolls indicando um caminho. Seguimos pelo local que se distanciava das árvores até a encosta da montanha colina acima. Encontramos uma grande porta de pedra que estava escondida entre os arbustos e dava acesso a uma caverna. Durante tempo tentamos empurrar e abri-la de tudo quanto é jeito, até mesmo Gandalf lançou alguns feitiços sobre a porta, porém nada parecia surtir efeito.
― Esperem. ― Ao levar a mão no bolso da capa, senti a chave que carregava desde que começamos a procurar pelas pegadas. A retirei do bolso e mostrei a eles. ― Acho que isso pode funcionar, deve ser da porta.
― Por que raios não mostrou isso antes? ― Gritaram todos, claro que cada um com suas palavras e algumas bem "cabeludas" por sinal.
― Vão tomar no cú, seus mal-agradecidos. ― Resmunguei cruzando o braço sobre o peito. ― Deviam estar me elogiando, lambendo meus pés... Dizendo "Obrigado, Elph", ou então "Você é muito linda, Elpha, salvou nossas vidas".
― Antes não tivesse salvado. ― Retrucou Dwalin aos resmungos.
Antes que pudesse respondê-lo como deveria, a porta cedeu quando Gloin colocou a chave na fechadura revelando a caverna. Todos entramos no local sem pestanejar, mas não demorei para me arrepender do que fiz. Havia ossos espalhados pelo chão e o cheiro nauseante de putrefação tomava o local, precisei sair correndo de dentro da caverna para vomitar, o que fez com que muitos anões rissem divertidos da minha cara. Voltei para dentro da caverna após alguns minutos tomando coragem e com o nariz tapado, o que infelizmente não era o suficiente para espantar o fedor.
A caverna estava lotada com muitas coisas de valor, é como diz aquele ditado: Quando uma janela se fecha, a porta é escancarada. Pelo menos eu acho que é isso que o ditado diz. Enfim, dentro da caverna havia grande quantidade de comida espalhada pelas prateleiras e no chão em meio a uma confusão de objetos saqueados de todos os tipos, desde botões de latão até potes cheios de moedas de ouro. Minha alegria foi quando encontrei roupas penduradas nas paredes e uma bolsa de viagem, não tardei a enche-la com o que tomava como posse. Se quando eu cheguei não possuía roupas e nem capas, agora meu armário na vida nova estava completo.
― É minha. ― Falei pegando uma espada de prata, ou pelo menos achava que era prata. Seu cabo era adornado com pedras brilhantes da cor das estrelas, intercalada com pedras vermelhas e alguns desenhos.
― Você nem sabe lutar. ― Disse Thorin que estava próximo e escolhia uma arma para ele.
― O Gloin e o Dwalin vão me ensinar. ― Falei convicta.
― Não vamos, não. ― Disseram os dois anões em uníssono.
― Vão sim, apenas não sabem disso. ― Cochichei para Thorin, apoiando minha mão sobre o seu ombro antes de sair da caverna.
Levamos para fora da caverna os potes de comida que não foram tocadas pelos trolls e estavam em boas condições alimentares, barris de cerveja cheios e potes de ouro. Minha bolsa de viagem estava pesada e me sentia agradecida por isso, não conseguia parar de sorrir pela guinada que a vida havia dado depois da lei de Murphy ter dominado o dia anterior. Para quem não tinha nada antes da jornada, aquilo era o melhor tesouro de todos.
Estávamos famintos e com vontade de um desjejum, ninguém ousou torcer o nariz para a comida da caverna dos trolls, aquela dispensa foi de grande valia. As provisões que antes estavam escassas, agora voltaram a ficar fartas e saborosas. Havia pão, queijo, toucinho para assar na brasa e muita cerveja.
― Como estou com faminta, porra. ―Falei com a boca cheia enquanto devorava um grande pedaço de porco e virava goles de cerveja amarga.
― Não é a única. ― Comentaram os outros também de boca cheia.
A última coisa que queria no momento era conversar, minha ansiedade em matar a fome era maior do que qualquer outra coisa. Depois do almoço e da noite conturbada, arrumamos um canto para descansar perto da fogueira, por sorte a chuva havia dado uma trégua e conseguimos nos secar completamente.
Toda a companhia aproveitou o tempo para uma folga e descanso, estávamos cansados demais para prosseguir com a viagem. Nada mais fizemos até à tarde. Depois de descansados e renovados, subimos com os pôneis levando os potes de ouro em um local seguro, onde os enterramos muito bem escondidos e não muito distante da trilha perto do rio, lançamos vários encantamentos sobre eles, pois pensávamos na possibilidade de conseguir retornar e recuperá-los. Feito isso, todos montamos outra vez e avançamos pela trilha na direção leste.
— Onde você foi, se me permite perguntar? – Perguntou Thorin a Gandalf, eu estava em sua garupa dessa vez.
—Fui olhar à frente. – Respondeu o mago.
—Eu te disse. – Falei a Thorin dando com os ombros. —E o que o trouxe de volta bem na hora?
—O olhar para trás. – Respondeu Gandalf, soltei uma risada leve.
—Exatamente! – Disse Thorin emburrado. – Mas você poderia ser mais claro?
— Eu avancei para espionar nossa estrada. Logo ela ficará perigosa e difícil. E também eu estava preocupado em reabastecer nosso pequeno estoque de provisões. Não tinha ido muito longe, porém, quando encontrei alguns amigos de Valfenda...
—Onde fica isso? – Perguntou Bilbo com a mesma curiosidade que eu.
— Vocês chegarão lá daqui a alguns dias, se tivermos sorte, e então descobrirão tudo sobre Valfenda. — O mago sorriu e continuou. – Como estava dizendo, eu encontrei duas pessoas do povo de Elrond. Estavam correndo de medo dos trolls. Foram eles que me disseram que três deles tinham descido das montanhas e se fixado na floresta não muito longe da estrada: Tinham afugentado todo mundo do distrito e emboscavam forasteiros. Tive imediatamente uma sensação de que deveria voltar. Olhando para trás vi uma fogueira ao longe e a Elph enrolando os Trolls e quase sendo devorada por um deles. O resto vocês já sabem. Por favor, sejam mais cautelosos da próxima vez e tentem escutar a nossa viajante, caso contrário nunca chegaremos a lugar nenhum!
—Obrigada. – Agradeci ao mago com um sorriso orgulhoso nos lábios.
Não houve canções nesse dia, por mais que o tempo tivesse melhorado e o destino parecesse sorrir ao nosso favor. Ainda estávamos cansados e assustados com o incidente noturno. Porém eu não conseguia parar de sorrir feito uma idiota, havia ouvido muitas histórias sobre os elfos e no meu mundo eles são um bom sinal. Saber que iria conhece-los me trazia esperança no coração, pois talvez, apenas talvez, eles possuíssem as respostas que ansiava em escutar.
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