
⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⩩⦙ 𝒊𝒙. 𝑨 𝒆𝒔𝒑𝒂𝒅𝒂 𝒈𝒂𝒏𝒉𝒂 𝒖𝒎 𝒏𝒐𝒎𝒆
A chave para a sobrevivência em uma jornada junto com uma comitiva de anões mal-humorados é a negação. Negava que estava cansada, negava que estava com medo, negava sentir fome, negava até quando queria que prestassem atenção em mim e me dessem ouvidos. E o mais importante de tudo, eu negava que estava em negação. Sei que soa como algo tolo de fazer, mas nós, os seres terráqueos do meu mundo, talvez do futuro, só enxergamos aquilo que queremos e acreditamos naquilo que queremos acreditar e assim talvez as coisas deem certo. Nós mentimos tanto que as mentiras parecem ser verdades. Negamos tanto nossos sentimentos, que a gente não consegue reconhecer a verdade quando está na nossa cara. Onde quero chegar com isso? Bem, vocês vão compreender com o decorrer do que irei narrar a partir de agora.
Os dias de viagem prosseguiram, estávamos abastecidos de provisões suficientes até alcançarmos o local seguro citado por Gandalf, os anões pareciam mais animados e a chuva deu uma trégua. Tudo parecia perfeito e calmo, pelo menos para os anões. Depois do encontro com os Trolls, o medo de morrer pela segunda vez começou a rondar minha mente. E como um sentimento de alerta, talvez um sexto sentido por assim dizer, tinha a impressão de que nosso caminho até Valfenda não permaneceria tranquilo por muito tempo. Porém ao invés de contar a alguém sobre esse sentimento, preferi guarda-lo para mim e seguir em negação, ignorando como qualquer vozinha mental irritante.
Depois de uma longa caminhada pela manhã que progrediu até parte da tarde, decidimos montar acampamento na parte limpa da floresta antes de alcançarmos os terrenos abertos. Afinal teríamos que ser rápidos se quiséssemos passar por aquela área em segurança e alcançar a última casa amiga ao leste. E, para isso, não havia nada melhor do que encher a pança para recuperar as energias e aguentar com mais vigor a longa jornada.
Sentei sobre uma pedra coberta de musgo e retirei a espada da bainha para observa-la. Ela estava impecável, havia polido toda a sua lâmina e base com um pedaço de tecido cedido por Bofur. Mesmo o objeto não precisando ser lustrado desde que o encontramos nas cavernas dos Trolls, limpar sua extensão passava segurança e me acalmava de alguma forma. Se em minha outra vida me dissessem que seria dona de uma espada tão bela, iria rir e não acreditaria. E se tivesse, com certeza não cuidaria dela com tanto esmero e estaria juntando pó pendurada na parede do quarto.
Os anões estavam afastados montando acampamento, assim como Gandalf e o pequeno Bolseiro que conversavam quase em sussurros, com certeza o Hobbit estava recebendo algum tipo de concelho sábio do mago. Me senti levemente ofendida, pois Bilbo sempre pareceu receber os melhores conselhos, enquanto eu vivia recebendo frases estranhas das quais apenas no futuro consegui compreender sua mensagem. Até os dias de hoje Gandalf continua com a mesma forma insuportável de auxiliar.
― Alguma coisa se aproxima! ― Gritou Thorin ao escutar o farfalhar da mata densa, atraindo a atenção de todos para ele.
― Fiquem todos juntos! ― Ordenou Gandalf correndo até o amontoado de anões, os quais pararam o que estavam fazendo para se prepararem para a possível ameaça. ― Protejam a Elphaba!
― Que porra está acontecendo? ― Perguntei enquanto era puxada pelo antebraço por Gloín e escondida no centro do círculo de proteção quase sufocante. ― Gente...
― Fique quieta, Elph. ― Ordenou Dwalin me protegendo com seu corpo e me esmagando entre ele e mais três anões.
― Estão me sufocando. ― Gritei sem entender ao certo o que estava acontecendo.
O barulho de galhos quebrados e mata abrindo se intensificou, revelando que o que quer que fosse estava aproximando com grande velocidade do nosso acampamento. Meu sangue gelou naquele instante, percebendo que aquele poderia ser o primeiro momento que utilizaria uma espada para matar. De repente saindo do meio do mato, surgiu um trenó feito de galhos secos puxado por doze coelhos marrons e conduzido por um mago tão excêntrico quanto o próprio Gandalf. Ele gritava coisas sem sentido enquanto diminuía a velocidade do trenó mais legal que já vi na minha vida.
― Ladrões! Fogo! Morte! ― Os olhos dele estavam arregalados revelando medo, suas vestes eram marrons feitas de pele de animais, os cabelos desgrenhados estavam marcados por um rastro de cocô de passarinho próximo a testa.
― Radagast! ― Cumprimentou Gandalf sorrindo aliviado ao ver o velho amigo. ― É Radagast, o castanho!
― Aquilo é cocô? ― Perguntei franzindo o cenho e saindo do círculo de proteção. Fui a única a permanecer com a arma em punho por estar mais interessada em compreender como alguém conseguia ficar com cocô de passarinho por tanto tempo no cabelo do que guardar o apetrecho.
― Elphaba, não deve fazer esse tipo de comentário em voz alta. ― Repreendeu Nori parando ao meu lado. ― É desrespeitoso em nosso mundo.
― Desculpa. ― Diminui o tom de voz enquanto conversava com o anão. ― Mas é que está seco, não parece algo recente. É nojento.
― Tente não reparar no cocô e preste atenção no que conversam. Estamos tentando ouvir. ― Resmungou Dori fazendo careta. ― Ele disse que tem algo muito errado acontecendo.
― Dê só um instantinho... ― Pediu o mago Castanho enquanto tentava lembrar o recado que veio dar para Gandalf. ― Eu tinha pensado algo, mas fugiu-me. Estava bem na ponta da minha língua. Eu esqueci.
Soltei um riso fraco com a confusão aparente do homem. No meu mundo os magos são conhecidos por serem pessoas sensatas e sábias, não se confundem com nada e sempre dão os melhores conselhos. Mas aqui nesse mundo, percebi que para ser considerado um grande mago, você precisa ter a loucura correndo em suas véias. Não que Gandalf e Radagast sejam completamente loucos, mas quem os conhece de verdade sabe que não são nada normais.
― Não é um pensamento. ― Falou o Radagast abrindo lentamente a boca e colocando a língua para fora, sobre ela estava um bicho-pau que fora retirado por Gandalf. ― Era só um insetinho.
― Ah! Que nojo! ― Fiz careta com a cena e movimentei o corpo como se tivesse tentando me livrar de algo e senti os pelos do meu braço arrepiarem. Um movimento que faço constantemente quando vejo coisas que me causam repulsa. ― Argh! Qual o problema desses magos?
― Venha comigo, Radagast! Vamos conversar em particular. ― Gandalf chamou o velho amigo para o canto, o levando longe de todos nós. Naquele momento queria ser uma mosquinha para saber sobre o que conversaram.
Lentamente os anões foram voltando para os seus afazeres, cada qual indo para um canto. Durante alguns segundos permaneci em pé e sozinha, sem saber o que deveria fazer a seguir. Minha mão estava suando com o susto dado pelo mago castanho e o trauma dos Trolls ainda me abalava.
― Não vai guardar a espada? ― Perguntou Thorin parando em minha frente. Seus braços estavam cruzados sobre o peito e ele me admirava com aqueles belos olhos azuis cor do mar.
― Deveria, mas é que... ― Comecei a falar apertando o cabo da espada com pouco mais de força.
― Está tudo bem, Elph! ― Interrompeu Thorin descruzando os braços e apoiando sobre meus ombros. ― É visível que está assustada, mas não precisa temer. Estamos aqui para protegê-la.
― Esse é o sonho mais realista que tenho em anos e também o mais comprido. ― Suspirei e baixei os olhos para o chão, não conseguia admirar aqueles olhos do rei anão, era como se estivessem lendo a minha mente. ― E me assusta, muito, pois não sei como estará o meu corpo quando acordar.
― Ainda acredita que está num sonho? Que isso não é real? ― Ele perguntou levando o dedo indicador até meu queixo e o erguendo com sutileza. ― Olhe para mim, Elphaba.
― Dizem que a morte nos acorda de um sonho ruim, não sabe o quanto já me imaginei enfiando essa espada na barriga, pulando de um penhasco, me envenenando com ervas e frutinhas. ― Suspirei e o encarei. ― Vocês são as melhores pessoas que já conheci, mas não são reais. Nada disso é. Estou num sonho lúdico do qual não consigo escapar.
― Não consegue escapar ou não quer? ― Ele perguntou desejando uma resposta sincera.
― Talvez os dois. ― Respondi com honestidade e entortei o lábio.
― Você consegue sentir isso? ― Sem parar de acariciar meu maxilar com o indicador, Thorin segurou em minha mão com sua mão livre e a levou até seu rosto, fazendo com que conseguisse sentir a textura áspera de sua extensa barba negra como a noite.
― Ela é áspera e espessa, mas ao mesmo tempo é tão bem cuidada quanto os meus cabelos. ― Respondi enquanto brincava com sua barba. ― Gostei das trancinhas, estão firmes e a presilha é gelada.
― Sabe por que você me sente? ― Ele perguntou segurando minha mão entre as suas enquanto a abaixava. ― Por que sou real, tudo aqui é real. Não sei como é o mundo de onde veio e nem onde ele fica. Mas você foi trazida para cá por algum motivo, talvez esse seja o seu verdadeiro mundo, Elphaba.
― Se esse é o meu verdadeiro mundo, porque não sinto isso? ― Perguntei com pesar na voz.
― Pois você ainda não conseguiu encontrar um lugar para chamar de lar, sente-se deslocada por não ter para onde voltar quando essa jornada terminar. Eu compreendo esse sentimento. Mas se me permite, quero convida-la a viver em Erebor quando tomar o que é meu por direito. Terá um título de nobreza e fará parte de nosso povo. ― Thorin levou minha mão até os lábios e depositou um beijo tenro sobre ela. ― Afinal, salvou a minha vida e de meus companheiros de jornada, colocando a sua vida em perigo e provando sua lealdade.
― Pensarei em sua oferta com carinho, Thorin. ― Sorri constrangida e baixei a mão segurando na haste da espada. ― E não fiz nada de mais, apenas o que qualquer outro membro da comitiva teria feito para salvar os amigos.
De repente, interrompendo a conversa interessante que estava tendo com Thorin e atraindo a atenção de todos os membros da comitiva. Foi possível escutar do meio da floresta o que aparentava ser o uivo de um lobo. Franzi o cenho e olhei confusa para o líder da companhia.
― Que porra foi essa? ― Perguntei preocupada.
― Um Warg, venha. ― O sorriso que se escondia por baixo da barba do líder esvaiu, seu semblante marcava preocupação. Rapidamente ele me puxou pela mão voltando para próximo do grupo.
― Sabia que ia dar merda. ― Resmunguei enquanto o seguia. Meu sexto sentido nunca me deixou na mão, infelizmente.
Assim que alcançamos o grupo que não estava muito longe, um gigantesco lobo cor de terra pulou do meio da floresta em direção ao grupo de anões. Antes que o animal pudesse matar qualquer membro da comitiva, Thorin soltou da minha mão, empunhou a espada e com ajuda de Dwalin matou a criatura cortando seu pescoço.
― Kili! Acerte-o! ― Ordenaram os anões quando um segundo Warg surgiu pelo outro lado, dessa vez aparecendo atrás de mim.
Outra vez vi a vida passar diante dos meus olhos e tive a sensação de que morreria de novo. Devido ao nervosismo e o ataque surpresa, a flecha do Kili não surtiu o efeito desejado, fazendo apenas com que o monstruoso Warg ficasse desorientado e não completamente morto. Sem hesitar, o monstro ficou em pé e saltou sobre mim dando tempo apenas de erguer a espada para cima e fechar os olhos esperando pelo fim.
Os anões gritaram meu nome e temi aquela ser a última vez que ouviria suas vozes, não queria partir da terra média sem me despedir dos membros da comitiva. Se fosse para morrer outra vez, teria de ser algo teatral e não devorada pelo parente distante dos lobisomens de crepúsculo.
Assim como o rei Pedro de Nárnia derrotou o líder da matilha da rainha gelada, eu derrotei o Warg. Ao cair de costas no chão, segurei firmemente a espada em riste, sua lâmina afiada feita de mitril perfurou a barriga do lobo com a mesma facilidade que a agulha de costura fura o tecido de algodão. Senti o sangue quente do monstro escorrer por meus dedos, manchando todo o vestido de vermelho vivo e pedaços de carne. Ficou difícil de respirar embaixo do Warg devido ao seu peso e a fratura de minha costela. Nunca senti uma dor tão intensa como a de um osso quebrado.
― Alguém me tira daqui! ― Gritei torcendo para que alguém tivesse me ouvido.
― Calma! Estamos fazendo isso. ― Disse Dwalin retirando o monstro de cima de mim com ajuda de Glóin e Bifur.
― Por Mahal! Você está bem? Está toda ensanguentada. ― Perguntou Bofur ajudando-me a levantar do chão. Passei o braço ao redor do seu pescoço fazendo careta de dor.
― Estou, mas quebrei uma costela. O sangue não é meu. ― Voltei a fazer careta quando ele apertou o local dolorido. ― Ai, Bofur!
― Desculpe. ― Pediu o anão baixando a mão para meu quadril.
― Que porra foi essa? ― Perguntei preocupada.
― Um Warg batedor, significa que um grupo de orcs não está muito longe. ― Respondeu Thorin nervoso.
― Orcs? Tipo, Orcs de verdade? Orcs citados por Fili? ― Perguntei temerosa.
― Esses mesmos. ― Assentiu Bofur.
― A quem contou da missão além da sua gente? ― Gandalf perguntou irritado enquanto aproximava do Thorin.
― Ninguém. ― Respondeu o líder com convicção.
― Para quem você contou? ― Exigiu Gandalf erguendo o tom de voz sem acreditar.
― Já disse, a ninguém. ― Retrucou Thorin irritado com a desconfiança. ― Em nome de Durin, o que está acontecendo?
― Vocês estão sendo caçados. ―Respondeu Gandalf.
― A não, puta que pariu. Mas que caralho. Que porra. Vai pra merda. Filha da Puta. Pau no cú dos Orcs. ― Comecei a gritar quase aos prantos uma extensa lista de palavrões que fariam minha mãe cair para trás de tanta vergonha. ― Sabia que ia dar merda nesse caralho, ai que cú pra sofrer. Nem morta eu paro de me foder. Nasci pra me foder em todos os mundos. Puta que pariu.
― Temos que sair daqui. ― Falou Dwalin enquanto eu resmungava.
― Não podemos, estamos sem os pôneis. ― Gritou Ori após voltar do local onde havíamos deixado os animais preso.
― Ah! Puta que pariu, caralho, filha da puta dos pôneis que fugiram vou morrer de novo nessa merda do caralho, só me fodo nessa porra que cú pra sofrer. ― Gritei rapidamente sem fazer nenhuma pausa para respirar e atraindo a atenção de todos os anões.
― Vou atrai-los para longe. ― Falou Radagast confiante como se tivesse um plano em mente.
― Esses são orcs de Gundabad. ― Disse Gandalf sem esconder o quanto achava tolo a ideia do amigo. ― Vão alcança-lo.
― Esses são coelhos de Rhosgobel. Gostaria de vê-los tentar. ― Radagast tomou uma postura séria e concentrada.
Em poucos segundos nos preparamos para correr, meu coração batia em disparada enquanto minhas mãos soavam frias. Seguimos em silêncio para fora da floresta, nos escondendo atrás de uma grande formação rochosa, estávamos prestes a atravessar o campo aberto, nossas vidas dependiam do quanto o mago Radagast seria capaz de afastar os Orcs de nós. Nos apertamos e ficamos encolhidos, enquanto Gandalf espiava pela borda esperando o momento certo para corrermos. Aquela era a primeira vez que via os Orcs de perto.
― Isso é loucura. É muita loucura. ― Comentei andando de um lado para o outro enquanto mexia nos cabelos com uma das mãos e com a outra balançava a espada. ― Que pesadelo terrível.
― Ela ainda acha que está sonhando? ― Perguntou Dwalin olhando irritado em minha direção.
― Infelizmente, ela ainda não percebeu que somos tão reais quanto ela. ― Resmungou Thorin nervoso.
Não demorou muito para que a risada louca do mago Radagast ecoasse pelas planícies douradas de vegetação seca, sendo acompanhadas pelos gritos assustadores dos Orcs e uivos tenebrosos dos Wargs. As criaturas seguiam o mago em seu trenó de coelhos, o qual parecia se divertir com o que estava acontecendo.
― Vamos. ― Ordenou Gandalf olhando brevemente para trás, certificando-se de que todos estavam ali. Ele foi o primeiro a sair do esconderijo, liderando o caminho.
― Venha, Elph! Depois você tenta acordar. ― Falou Bofur forçando um sorriso na tentativa falha de me passar calma. Segurei com força a mão do anão enquanto corria com certa dificuldade devido à dor nas costelas.
― Fiquem juntos! ― Ordenou Gandalf enquanto prestava atenção para onde Radagast levava os monstros.
Correr era a única coisa que todos poderíamos fazer. Correr para salvarmos as nossas vidas. O que não foi à tarefa mais fácil do universo, todas as vezes que conseguíamos manter o ritmo da corrida éramos obrigados a parar para nos escondermos. Em muitos momentos os latidos dos Wargs eram ouvidos bem próximos de nós, infelizmente Radagast não estava conseguindo afastar os monstros para muito longe do grupo.
― Ori! Volte! ― Thorin puxou o mais novo dos anões pela gola da camiseta. Ele estava tão distraído que não havia prestado atenção para onde estava indo, quase revelando a nossa localização para os monstros tão assustadores quanto os Trolls.
― Você está bem, Elph? ― Perguntou Bilbo aos sussurros e olhando preocupado para a minha cara.
― Mentalmente? Não. Fisicamente? Estou, eu acho, só com um pouco de dor nas costelas. ― Respondi assentindo enquanto apoiava no Bofur para descansar por breves segundos.
― Andem! Rápido! ― Ordenou Gandalf quando Radagast voltou a se afastar do local onde havíamos nos escondidos.
― Onde estamos indo? ― Perguntei ao mago enquanto corria.
― E isso importa agora? ― Perguntou Gandalf nervoso e sem olhar para mim. ― Estamos indo para um local seguro, é tudo o que deve saber por enquanto.
Corremos por mais alguns metros, os espinhos da vegetação rala e rasteira nos cutucavam e arranhavam nosso corpo causando grande incomodo e ardência. Minhas pernas latejavam, conseguia sentir o sangue quente escorrer por elas devidos a todos os cortes e arranhões causados pela vegetação, porém não tinha tempo de reclamar. Salvar a minha vida era o que mais importava naquele momento. O terreno parecia nunca ter fim e temia não aguentar correr por muito mais tempo.
― Se escondam! ― Ordenei aos membros da equipe ao perceber a presença de um Warg solitário sendo montado por um Orc.
Sem hesitar nos escondemos embaixo das pedras, tentando não ser detectados pelo monstro acima de nós. Senti vontade de chorar por não conseguir me livrar daquilo que acreditava ser o pior dos meus pesadelos até o momento. Apertei com força a mão do Bofur que ainda segurava e escondi da melhor forma possível a minha espada atrás das costas, a qual emitia luz azulada. O silêncio predominava a companhia, nem mesmo os barulhos das respirações podiam ser escutados.
Thorin olhou para Kili com o canto dos olhos, ordenando apenas com o olhar para que o sobrinho atirasse nos monstros e o trouxessem para baixo. Compreendendo as ordens do tio, Kili posicionou a flecha no arco, pulando para fora do esconderijo e atingindo o Warg no pescoço, o qual caiu trazendo o Orc para baixo. Logo Dwalin e Bifur terminaram com o serviço, finalizando o Orc com as suas armas.
― Agora, corram! ― Ordenou Thorin aos demais. Quando morreram, os monstros atraíram a atenção do bando com os urros e gemidos de dor. Revelando assim a nossa posição.
― Lá estão eles! ― Gritou Gloin ao reparar que os monstros aproximavam com rapidez.
― Puta que pariu. Puta que pariu. ― Resmunguei desesperada.
― Por aqui, depressa. ― Ordenou Gandalf chamando todos para a direção oposta.
Uma orla com aproximadamente cinquenta Orcs aproximou e nos cercou. A planície aberta não possuía nenhum esconderijo seguro para nos escondermos, aquele tinha tudo para ser nosso fim. Empunhamos nossas armas, ficando preparados para a batalha eminente. Naquele momento seria matar ou morrer, como acontece em todas as guerras.
― Vocês foram as melhores pessoas que conheci em anos. ― Disse em tom de despedida aos membros.
― Ninguém vai morrer, Elph! ― Falou Thorin enquanto estávamos prestes a ser encurralados.
― É mesmo? Não tenho tanta certeza disso. ― Respondi sarcástica.
― Têm mais chegando. ― Kili gritou desesperado ao tio.
― Kili! Atire! ― Ordenou Thorin, pude notar que havia medo em seu tom de voz. O que me deixou ainda mais preocupada. ― Protejam a Elphaba!
― Não, eu vou lutar. ― Tomei a frente empunhando a espada. Se iria morrer pela segunda vez, morreria lutando.
― Não fale bobagem. ― Gritou Thorin irritado. ― Você não sabe manusear uma espada.
― Então terei de aprender na marra. ― Respondi grosseiramente. ― Se for meu destino encarar a morte outra vez, a encararei com a cabeça erguida. E se tenho a chance de lutar, não hesitarei.
― Onde está Gandalf? ― Perguntou Dori preocupado e olhando tudo ao redor.
― Ele nos abandonou. ― Dwalin cuspiu as palavras com desagrado. Essa era a segunda vez que o mago sumia quando mais precisávamos dele.
Antes que qualquer pessoa pudesse clamar pelo nome do mago, fomos encurralados pelos Orcs e pelos Wargs contra um grande pedregulho. Suspirei segurando a espada com ambas as mãos e franzi o cenho preparada para aceitar o meu destino como uma guerreira.
― Por Nárnia e por Aslam. ― Gritei ao ser tomada pela adrenalina do momento partindo para cima de um dos Wargs.
― O que é Nárnia e quem é Aslam? ― Perguntou Dwalin me auxiliando com os monstros que conseguia atingir. Estávamos fazendo uma bela dupla. ― Afaste os pés para manter o equilíbrio.
― Nárnia é um local tão mágico quanto esse. ― Respondi com dificuldade enquanto me defendia do golpe proferido por um dos Orcs. ― Aslam é o rei soberano desse local. Sai, porra!
― Pensei que não soubesse manusear armas. ― Disse Dwalin enquanto matava um Warg com seu machado.
― Eu também. ― Sorri sentindo-me viva ao conseguir enfiar a espada nas entranhas do monstro. ― Isso é bem gostosinho até. Meu Deus! Será que eu sou psicopata?
― Atrás de você. ― Gritou Dwalin enquanto matava outro Warg com golpes de machado.
Antes que eu pudesse fugir, Kili atingiu o Orc que estava prestes a me atacar com um tiro certeiro de seu arco. Ele sorriu orgulhoso com o fato de ter salvo minha vida.
― Obrigada, estou te devendo duas. ― Agradeci dando início a árdua batalha contra um Warg branco.
― Na terceira vez ficará com uma dívida vitalícia. ― Disse Kili sorrindo orgulhoso.
― Não se eu o salvar antes. ― Gritei fincando a espada entre os olhos do Warg, mas não sem receber uma patada no quadril, rasgando minha pele e, por pouco, não mostrando minhas entranhas. ― Ai, merda! Puta que Pariu.
― Vocês! Por aqui! ― Gritou Thorin da entrada de uma caverna bem escondida entre as rochas.
Antes que tivesse tempo de correr até a caverna junto com Dwalin e Kili, sete grandes Wargs com sete Orcs malignos montados sobre eles pularam em minha direção formando um círculo ao meu redor. Aquele definitivamente seria o meu fim.
― Não vai a lugar nenhum. ― Rosnou o maior dos Orcs. ― Você é uma bela aquisição.
― Vai se foder. ― Cuspi na direção da criatura e sorri de maneira maléfica. ― Pode vir, não tenho medo de vocês e estou preparada.
― Será delicioso acabar lentamente com você. ― Rosnou o Orc.
Como acontece nos livros de história, tive a minha reviravolta quando aparentemente enfrentaria o que seria meu fim. Montados sobre os mais belos cavalos surgiram do meio da floresta os mais belos homens de armadura, ou que aparentemente imaginei que fosse. Antes que os Orcs tivessem a chance de dizer o nome do mago Gandalf, os monstros foram atingidos por flechas certeiras e fatais, morrendo instantaneamente. Sentei no chão devido a dor que sentia sobre o quadril, onde o Warg havia rasgado com suas garras.
― Obrigada, realmente muito obrigada! ― Agradeci quando o líder dos homens aproximou de mim sobre seu cavalo. Ele possuía belos cabelos castanhos compridos e lisos, seu olhar era penetrante, utilizava uma coroa na cabeça e suas orelhas eram compridas. Ao aproximar ele perguntou algo numa língua estranha. ― Desculpa, não entendo o que você disse.
― Perguntei seu nome, jovem donzela. ― Disse o homem permanecendo montado em seu cavalo.
― Sou Elphaba, Elphaba Poults, senhor. ― Fiquei em pé com dificuldades e fiz uma mesura.
― Está sangrando. ― Ele comentou olhando para o meu quadril.
― Isso? Ah! Não é nada. ― Tentei cobrir o machucado com a mão e virar para o outro lado, mas o sangue quente escorria grosso por entre meus dedos.
― Com certeza é alguma coisa. ― O homem voltou a falar naquela língua estranha, mas dessa vez para outro cavaleiro, um belo rapaz loiro. ― O que faz por essas terras sozinha? É um lugar muito perigoso para uma viajante desacompanhada.
― Mas eu não estava desacompanhada, estava com Gandalf e alguns amigos. Mas eles escaparam a tempo. ― A contragosto, e sem opções, aceitei a ajuda do cavaleiro, o qual me pegou no colo e colocou sobre o cavalo de outro homem.
― Gandalf? O cinzento? ― Perguntou o líder.
― E tem outro? ― Arqueei uma das sobrancelhas. ― Creio que o senhor o conhece. Senhor...
― Elrond, Lorde Elrond. ― Apresentou-se o homem. ― Líder dos elfos de Valfenda.
― Valfenda, já escutei esse nome antes. ― Franzi o cenho tentando relembrar. ― Puta merda, era nesse lugar que Gandalf estava nos levando. Valfenda, a última casa ao leste. Puxa vida, foi uma sorte tremenda vocês terem me encontrado.
Lorde Elrond voltou a falar em élfico para os membros de seu povo. Sorri encantada por estar conhecendo outra criatura bélica, pelo menos algumas histórias do meu povo haviam acertado na maneira de descrever os elfos.
― Senhor Elrond. ― Chamei do cavalo ao lado, rapidamente ele olhou em minha direção. ― Em meu mundo os Elfos são conhecidos por serem sábios...
― Infelizmente não possuo as respostas que procura, lady Elphaba. ― Ele sorriu com pesar. ― Mas conheço alguém que possui e ela logo respondera o que deseja saber.
― Como sabia que eu queria respostas?
― Todos querem. Normalmente são perguntas do tipo "onde estou?", "como vim parar aqui?", "O que devo fazer?". Mas em anos, a senhorita é a primeira do seu tipo que encontro. ― Ele sorriu. ― E a primeira que possui uma espada élfica. Já deu um nome a ela?
― Um nome? ― Perguntei ainda mais confusa, era visível que Elrond havia desconversado.
― Sim. Quando uma espada enfrenta uma batalha pela primeira vez, é comum que recebam um nome.
― Rasga entranha. ― Respondi limpando o objeto nas vestes e a guardando de volta na bainha.
― Nome estanho para uma espada, mas parece combinar com sua dona. A qual está coberta de sangue de Warg e com o sangue negro dos Orcs. ― Ele me avaliou dos pés à cabeça. ― Como está a perna?
― Muito dolorida e sangrando, assim como minha costela. Mas essas só estão doloridas. ― Levei a mão até o local. ― Devo ter fraturado um osso ou dois, sague segue interno, onde deve ficar.
― Cuidaremos da senhorita assim que alcançarmos nossa terra. Ela não está muito longe.
Permaneci em silêncio durante o restante do caminho, minha atenção caia sobre a paisagem que mudava de acordo com que alcançávamos as montanhas, precisava prender minha atenção em outra coisa que não fosse o machucado em minha perna.
O caminho subiu lentamente por uma vasta ladeira até encontrar com o pé da montanha mais próxima. Enquanto prosseguíamos vales inesperados, estreitos e ainda mais íngremes se abriam diante dos meus olhos com florestas e rios correndo abaixo. Também existiam pântanos verdes e agradáveis de olhar cheio de flores altas e coloridas. Encontro-me estupefata. A trilha era marcada com pedras brancas perfeitamente alinhadas, os cavalheiros andavam vagarosos como se também aproveitassem a bela vista que a natureza estava oferecendo naquele momento.
― Estou com fome. ― Resmunguei baixo sem a intenção de que os outros ouvissem.
― Estamos quase chegando, senhorita. ― Disse o cavaleiro que me carregava. ― Um delicioso jantar estará nos esperando, poderá comer assim que cuidar dos ferimentos e tomar um bom banho em nossas banheiras termais.
― Não sabe o quanto anseio por um banho. ― Sorri aliviada com a palavra. ― Acho que posso contar nos dedos quantos banhos tomei desde que segui jornada com Gandalf e cabem em uma mão.
A fragrância almiscarada das arvores espalhavam pelo ar de acordo com que o vento batia nelas. O barulho de água corrente acalmava meu coração assim como o som dos pássaros na floresta que aparentemente cantavam naquela região. A atmosfera ficou mais quente e aconchegante de acordo com que aproximávamos da cidade élfica.
Aos poucos o ambiente foi tomado por música élfica, melhorando ainda mais o meu animo. Com a aproximação do líder, os elfos presentes no meio da floresta saiam de trás das árvores e aproximavam da estrada para cumprimentar o Lord Elrond e seus irmãos.
― Olhem só, vejam se não é a jovem dama de terras distantes. ― Disse um elfo ruivo para os demais. ― Sua beleza é encantadora, minha lady.
― Obrigada. ― Agradeci orgulhosa.
― Bem-vinda ao Vale! ― Disse outro elfo a frente.
― Se não tivesse ferida e se Gandalf não nos esperasse, poderíamos cantar por algum tempo. Mas creio que teremos essa oportunidade em dias futuros. ― Disse Lorde Elrond diminuindo ainda mais a velocidade de seu cavalo.
― Irei adorar, amo cantar e dançar. ― Contei orgulhosa.
Abri a boca surpresa quando tive a visão mais bela do mundo. Uma cidade cintilante surgia entre cachoeiras e florestas em meio ao vale. Nada compara aquela vista, na verdade nem tenho palavras o suficiente que descrevam sua beleza.
― Que coisa mais linda. ― Falei emocionada. ― É o local mais belo que já vi, dá até vontade de chorar.
― Espero que não faça isso, aqui é um lugar de alegria e não de pesar. ― Comentou Lord Elrond sereno.
Ao atravessarem os portões principais, um dos elfos toca de novo aquilo que lembrava uma corneta. Sorriu ao ver que todos os membros da comitiva já estavam no aguardo e seguros em Valfenda.
― Leve-a direto para dentro, Lady Elphaba precisa urgentemente de cuidados. ― Ordena Elrond ao notar os membros da comitiva.
― Vamos. ― O elfo para o cavalo antes da entrada e desce, enquanto seus companheiros cavalgam até os anões e os cercam deixando todos os pequenos irritados. ― Você vai gostar daqui.
― Já estou gostando. ― Sorri alegremente enquanto era carregada com sutileza pelo elfo.
― Elphaba! Elphaba! ―Gritou Thorin preocupado no meio dos anões, todos pararam o que estavam fazendo e olharam em minha direção enquanto era carregada para dentro daquela magnifica cidade.
― Eu estou bem, não se preocupem. Encontrarei com vocês na hora do jantar, preciso de cuidados nos meus arranhões. ― Falei quando o jovem elfo diminuiu o ritmo dos passos.
― Arranhões? ― Perguntou o elfo arqueando uma das sobrancelhas.
― Shiu! Eles não precisam saber. ― Sussurrei dando breve sorriso.
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