⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⩩⦙ 𝒊𝒗. 𝑯𝒂𝒔𝒉𝒕𝒂𝒈 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒊𝒖
O tempo parece parar quando se está dormindo. Você sonha, entra em um mundo completamente seu. É só você e a fantasia criada por seu cérebro, nada mais importa além de seguir o ritmo da sua imaginação, hora amistosa, hora tenebrosa, depende da experiência que teve durante o dia inteiro.
Naquela noite tive um sonho esquisito envolvendo dragão e ouro. Comecei estando sozinha no centro de um gigantesco corredor de pedra mal iluminado, de repente um brilho dourado surgiu como uma luz no final do túnel. Sem hesitar e nem ter outro lugar para ir, comecei a caminhar em direção aquele brilho dourado. Ao me aproximar pude notar que não se tratava de uma luz no final do corredor, e sim de um salão gigantesco cheio de ouro até onde a vista alcançava.
Caminhei alguns metros dentro daquele salão, conseguindo sentir o gelo das moedas douradas e sua textura sob os meus pés descalços. Ouço um estrondo horripilante e todo o solo começa a tremer, o tintilar das moedas caindo em cascata devido ao terremoto torna-se quase insuportável. De repente ele aparece, o terrível dragão citado pelos anões, estava a poucos metros de mim, senti medo quando sua respiração quente chegou ao meu rosto.
― Engraçado como as pessoas gostam de encontrar a morte, você pelo que percebo a verá pela segunda vez. ― Disse o Dragão com a voz horripilante.
Tentei correr, porém não consegui mover um único músculo. Lentamente o dragão foi abrindo a boca, acumulando aos poucos uma grande quantidade de fogo. Sabia o que viria a seguir, um baita de um Dracarys. Fechei meus olhos e curvei a cabeça para o lado, ficando preparada para o meu fim – pela segunda vez.
― Srta. Pouts. ― Senti alguém me puxando pelos ombros e me forçando a virar em sua direção. Era uma voz masculina, a voz de um dos anões. ― Estamos nos preparando para a partida, se demorar sairá sem tomar o desjejum.
Dei um pequeno sobressalto ao ser acordada daquela forma, no fundo ainda possuía a esperança de acordar na minha cama quentinha com meus dois irmãos mais novos pulando sobre mim. Nunca pensei que sentiria tanto a falta desses momentos rotineiros, os quais muitas vezes eram motivos de briga, já que eles acordavam cedinho e eu queria apenas dormir após chegar da balada de manhã.
― Deveria me chamar após chupar uma bala de menta. ― Resmunguei esfregando os olhos e sentando sobre a cama. ― Devo acorda-lo?
― Não acredito que ele virá. Mas tenho certeza que a senhorita nos acompanhará na jornada. ― Oín voltou a assumir a postura ereta com o corpo. ― Estaremos te esperando do lado de fora do quarto. A senhorita gostaria de um chá?
― Sim, por favor. ― Agradeci educadamente e me coloquei em pé.
Recolhi os poucos pertences que possuía e deixei o quarto do anfitrião tentando fazer o mínimo de barulho possível. Lentamente caminhei até o banheiro, porém me arrependi amargamente de ter feito aquilo. Os anões haviam conseguido deixar um rastro de caos e destruição no cômodo, a última coisa que pretendia descobrir por mais curiosa que fosse, era como eles conseguiram quebrar o encanamento. Aquilo estava mais sujo que um banheiro público de rodoviária, fedendo a urina e merda.
― Meu deus do céu, devo ter feito strip-tease com o manto sagrado para merecer isso. ― Resmunguei enquanto me trocava às pressas. ― Que nojo, que nojo, que nojo.
― Está tudo bem? ― Fili abriu a porta do banheiro ao escutar meus resmungos.
― SAI DAQUI, SEU PERVERTIDO. ― Gritei puxando rapidamente o vestido para cima, minhas bochechas coraram de vergonha por ele ter me visto com o tronco despido.
― Desculpa, Elph... É que... ― Resmungou Fili corando enquanto fechava a porta com pressa. Ele urrou alguma coisa na língua dos anões, batendo com força na madeira da porta.
― Não pode sair por ai abrindo a porta dos banheiros. ― Reclamei após fechar o vestido vermelho com certa dificuldade. ― Que bosta, Fili.
― Pensei que alguma coisa grave tivesse acontecido. ― Ele falou parecendo mais calmo.
― Grave foi o que fizeram com esse banheiro, está pior que um banheiro público. ― Urrei enquanto caminhava até a porta, abri a mesma com força, quase caindo quando Fili soltou a maçaneta do outro lado. ― Vocês são nojentos.
― O que é um banheiro público? ― Fili perguntou enquanto andávamos até a cozinha.
― É um banheiro que todo mundo usa. ― Franzi o cenho, nunca havia pensado que um dia teria de explicar o que era um banheiro público para alguém. ― Eles são espalhados pelas cidades, pelo menos em algumas, normalmente em metrôs e rodoviárias.
― O que são metrôs e rodoviárias? ― Ele voltou a perguntar.
― É um local onde pegamos os meios de locomoção no meu mundo, pagamos uma taxa e podemos nos locomover ― Expliquei tentando não da brechas para outras perguntas.
― Como? ― Insistiu o anão curioso.
― Normalmente com Trens, ônibus, as vezes táxis ― Falei arrependida, sabendo que aquilo geraria muitas outras perguntas complexas.
― E o que são essas coisas? ― Perguntou anão cheio de curiosidade.
― Tipos de carruagem, porém a base de metal e não precisam de cavalos para serem puxadas. ― Expliquei superficialmente.
― Como uma carruagem pode funcionar sem cavalos?
― Não sei, não estudei mecânica. ― Dei com os ombros e entrei na cozinha, Oín já me esperava com o chá quentinho.
― Aqui está, senhorita. ― Ele estendeu a xícara quente, a qual não hesitei em aceitar. ― Teve uma boa noite?
― Creio que sim. ― Sorri agradecida e dei um longo gole no conteúdo.
― Muito bem, precisamos partir. Teremos uma longa jornada pela frente. ― Com todo seu charme de homem bruto, Thorin entrou na cozinha e caminhou até a mesa, se acomodando na ponta onde é o lugar de um líder. Seu olhar caiu sobre mim, retribui o olhar por cima da xícara, fixando profundamente naqueles olhos azuis. ― Elphaba!
― O que é? ― Perguntei arqueando uma das sobrancelhas.
― Frite uns ovos para mim. ― Ordenou o líder da companhia.
― Eu quero bacon... ― Começou Dwalin.
Naquele momento meu sangue ferveu, era como se eu tivesse acabado de voltar para os livros de história onde a mulher era submissa e seu único papel era como empregada. Antes que os outros continuassem com os pedidos, decidi começar com a desconstrução daquele pensamento machista e folgado, até poderia ter atendido aos pedidos e feito o café da manhã, mas sei que aquilo apenas daria motivo para que continuassem a me explorar como empregada durante o restante da viagem, algo que com certeza não fui (algo que perceberão no decorrer da história, meus queridos leitores).
― Se querem algo, façam vocês mesmo. ― Respondi rispidamente e coloquei os pés sobre a mesa. ― Não sou empregada de ninguém aqui, e não é por eu ser mulher que vou coser, passar, cozinhar e cuidar das armas e roupas de vocês, não é minha função. Vocês possuem mãos, se virem.
― Como é que é? ― Perguntou Thorin me encarando rispidamente.
― Não entendeu, então acho que irei desenhar. ― Falei dando um sorriso sínico. Foi nesse dia que descobri que provocar Thorin era uma das minhas diversões, talvez seja por isso que ele tenha gostado de mim ou pelo fato que salvei sua vida em vários momentos. Okay! Vamos continuar com os acontecimentos atuais que estão sendo narrados e não futuros. SEM SPOILER, ELPH!.
― Você é uma garota muito atrevida. ― Chispou Thorin entre os dentes, soltei uma risada baixa e sarcástica. ― Acho que não sabe com quem está lidando.
― Na verdade eu sei, apenas não me importo. ― Dei com os ombros e tirei os pés da mesa. ― Não tenho mais nada e ninguém com que me importar.
― Bofur, Bombur. Porque os dois não preparam o café da manhã? ― Perguntou Gandalf parado a porta. ― Creio que em seu tempo, nossa amiga Elphaba comece a ajuda-los, apenas sejam gentis com ela.
― Obrigada, Gandalf. ― Agradeci educadamente.
Permaneci sentada a mesa da mesma forma que Thorin e Gandalf enquanto os outros anões terminavam de limpar a dispensa do pobre senhor Bolseiro, algo que não achei nada educado da parte deles. Oín me serviu com outra xícara de chá adocicado, o qual não reconheci o sabor das ervas utilizadas e permanecem um mistério até hoje, já faz muito tempo que não tomo um chá tão gostoso quanto aquele.
Não tardamos a terminar a refeição matinal, uma das poucas refeições fartas que tivemos durante o restante da jornada. Os anões retiraram os pratos e os colocam para lavar assim que comemos a última migalha que sobrou da dispensa do senhor Bolseiro. Utilizando de minha letra legível e invejável ― pelo menos ela era no meu mundo ― escrevi uma carta em agradecimento a toda hospitalidade oferecida pelo Hobbit, além de deixar as coordenadas de onde e até que horas estaríamos esperando por ele. Os outros anões não estavam crentes que Bilbo se uniria a nós na jornada, e, com toda a honestidade, eu também não estava tão confiante sobre sua companhia.
Recolhi os poucos pertences que tinha e me uni com os treze anões do lado de fora da casa. Eles já haviam organizado os pôneis e esperavam por mim, mentalmente contei quatorze pôneis, percebendo que teria de dividir o animal com alguém, já que além de não saber montar, faltaria uma montaria para Bilbo caso ele se unisse a nós.
― Agora podemos ir. ― Falou Thorin a frente dos demais.
― Essa visão é linda. ― Comentei de maneira aleatória ao ver o nascer do sol no horizonte.
Posso afirmar, com toda a certeza do mundo, que aquele era o nascer do Sol mais bonito que já vi em toda minha vida. A falta da poluição, sem prédios para atrapalhar e a harmonia das cores róseas do céu com a grama verde, tornaram aquela visão adorável. Não pude deixar de sorrir e sentir um aperto em meu coração, a última vez que assisti ao nascer do sol foi em um dos verões que passei com minha família na praia, sendo aquela a última vez que senti a brisa do mar tocar em minha pele.
― Consideraria uma visão linda se você montasse em um pônei. ― Falou Thorin de maneira sarcástica, os outros anões deram risadas baixas.
― Desculpe, vossa alteza. ― Forcei uma mesura e aproximei do pônei restante.
Carreguei nos lábios o sorriso de falsa confiança, como se as cavalgadas fizessem parte do meu cotidiano e eu fosse uma eximia montadora. Estralei os dedos das mãos e alonguei o corpo, enrolando o máximo que podia enquanto tentava imaginar uma maneira fácil de subir sobre o lombo daquele animal. Aqueles pôneis são maiores que os cavalos do meu mundo, até hoje não sei se encolhi ao chegar na terra-média, ou se tudo aqui é desproporcional.
― Vai demorar muito? Temos um prazo a cumprir, senhorita Pouts. ― Falou Dwalin após soltar um pigarro.
― Espera, não se apressa uma dama que está desacostumada a usar vestidos longos. ― Falei enrugando a testa e o encarando brava. Até hoje, odeio quando me apressam para fazer algo, principalmente quando não faço a mínima ideia do que estou fazendo. ― Vocês têm certeza que isso é um pônei?
― Anda, Srta. Pouts! Não temos o dia inteiro. ― Disse Gloín também irritado com a minha demora.
Os outros anões começaram com cochichos entre eles, alguns riam e a maioria duvidava da minha capacidade em cavalgadas, os quais infelizmente estavam certos e perceberam minha insegurança. Atualmente posso dizer que sei montar como ninguém, até mesmo melhor que muitos dos anões que riram da minha cara na época.
― Quer ajuda? ― Perguntou Balín tentando disfarçar o riso.
― Não, eu sei o que estou fazendo. ― Respondi orgulhosa.
Não podendo mais enrolar, pedi aos céus que me dessem força e aproximei do pônei que mais parecia um alasão. Apoiei ambas as mãos no lombo do animal, jogando meu peso para cima ao pisar no apoio da cela, consegui me sentar com a coluna ereta, porém na direção contrária. O que fez com que risadas ressoassem entre os anões, inclusive Gandalf riu do meu infeliz erro.
― Agora é só virar do lado certo. ― Disse Bofur tentando me dar apoio moral, o que acabou fazendo com que os anões rissem mais.
― Obrigada, Bofur. ― Semicerrei os olhos, forçando um sorriso sarcástico.
Os anões estavam em silêncio, apenas contemplando e julgando meus erros. Não vou mentir, se eu tivesse no lugar dos anões também teria rido, mas naquele momento a piada era eu e estava extremamente irritada por não conseguir montar como uma pessoa normal, e ainda mais irritada com as piadas que os anões faziam. Para a minha infelicidade, a cena seguinte fez com que os anões e Gandalf explodissem em gostosas gargalhadas.
Ao tentar virar para o lado certo do animal, acabei apertando a virilha do pônei, fazendo com que ele desse um salto para a frente e me derrubasse no chão como um saco de batatas. No meu mundo, aquilo teria rendido milhões de views no youtube, e se eu tivesse sorte (ou não, depende do ponto de vista) o vídeo teria viralizado por todas as redes sociais, me tornando popular. Até os dias de hoje os anões fazem questão de recordar essa história, principalmente quando me encontram. Eu poderia mentir e dizer que consegui montar como uma pessoa normal, contar uma certa vantagem. Mas não é para isso que resolvi escrever sobre minha vida, e esse acontecimento é divertido de ser lembrado.
― É só pedir ajuda. ― Disse Thorin rindo, seus braços estavam cruzados sobre o peito e dos seus olhos brotava um brilho maroto.
― Não preciso da ajuda de ninguém. ― Resmunguei entre os dentes.
Levantei do chão pronta para uma segunda tentativa, bati a poeira da roupa e caminhei mais uma vez para próximo do cavalo. Dessa vez ao subir, fiquei deitada com a barriga para baixo sobre o lombo do pônei, ao tentar ficar sentada, acabei escorregando e caindo de costas pelo outro lado.
― Ai. ― Resmunguei quase aos prantos enquanto tentava respirar, a queda me fez ficar com falta de ar por breves segundos. A dor do segundo tombo foi bem maior que a do primeiro.
― Você é o humor da nossa companhia. ― Disse Thorin ao descer do seu cavalo. Ele caminhou e parou do meu lado para me ajudar. ― Você já montou alguma vez?
― Não. ― Respondi aceitando a ajuda do líder da companhia para me erguer.
― Foi o que imaginei. ― Ele sorriu. ― É melhor você montar com alguém, pelo menos enquanto se recupera dos tombos. Fili, leve a senhorita Pouts com você.
― Claro, tio. ― Fili aproximou da gente com o seu pônei.
― Vou te ajudar a subir, Elphaba. ― Thorin me pegou no colo e me colocou sobre a montaria do sobrinho. Fiz uma careta quando ele apertou minha cintura. ― Machucou?
― Não sei, depois me preocupo com isso. ― Respondi fazendo sinal para que ele esquecesse o assunto. ― Obrigada, Thorin.
Com um sorriso divertido, Thorin voltou até seu animal e montou sobre ele. Gloín puxava o pônei que eu utilizaria pelas rédeas, enquanto Fili apenas sorria por me ter como companhia. O abracei com força pela cintura quando o pônei começou a cavalgar, temia escorregar mais uma vez e acabar ficando para trás.
― Não precisa ter medo, não vou te deixar cair, Elph. ― Comentou Fili rindo baixo.
― Eu sei. ― Respondi apoiando o queixo sobre o ombro dele. ― Só que, vai que... né!?
― Você é engraçada. ― Disse Fili brincalhão.
Passei o restante da cavalgada em silêncio, apenas aproveitando a bela paisagem que aos poucos se modificava em minha volta. Papai teria ficado maravilhado com esse novo mundo que me encontro, é como se tivesse saído dos mais belos livros de história, a sensação desse novo mundo me traz paz e calmaria. O sol já havia nascido e o céu estava pintado de azul quando alcançamos o velho moinho. Naquele momento os anões começaram a conversar sobre o que fariam quando chegassem a Bree, nada daquilo me interessava no momento. Começo a cantarolar "New World Coming", aquela paisagem fez com que essa música surgisse em minha mente junto com várias memórias.
"Há um novo mundo
E isso é apenas em torno da curvatura
Há um novo mundo
Este está chegando ao fim.
Há uma nova chamada de voz
Você pode ouvi-lo se você tentar
E está crescendo mais forte
Com cada dia que passa.
Há uma manhã nova
Subindo clara, doce e livre
Há um novo dia amanhecendo
Que pertence a você e eu.
Sim, um mundo novo está vindo
Vindo em paz,
Chegando na alegria
Vindo no amor."
― Chegamos. ― Comentou Thorin após quarenta minutos de cavalgada. ― Vamos arrumar suprimentos e nos encontramos daqui a pouco em Beirágua. São oito horas, o ladrão deve chegar as onze, caso contrário partiremos sem ele.
― Alguém deveria ir em Beirágua espera-lo. ― Sugeri após Fili me ajudar a descer do cavalo. ― Obrigada, você é gentil, Fili.
― Não tem de que. ― Respondeu Fili ao me colocar delicadamente sobre o chão.
― Claro, Balín ficara para esperar o ladrão. Você vem comigo. ― Ordenou Thorin ao ouvir minha sugestão. ― Vamos nos separar e daqui a pouco nos encontramos.
― Tá, fazer o que. ― Dei com os ombros e corri até o líder da companhia.
Começamos a caminhar em silêncio pelo pequeno vilarejo. Thorin não havia dirigido uma única palavra a mim, pelo menos não até comparar o preço dos suprimentos na maioria das lojas e perceber que todos os outros anões de sua companhia estavam distantes.
― Sabe lutar? ― Ele perguntou enquanto segurava nas mãos um belo conjunto de flechas.
― Você já me perguntou isso. ― Respondi fugindo do assunto.
― Se tivesse respondido, não estaria perguntando outra vez. E por favor, não quero que minta como fez com os pôneis. ― Thorin devolveu a arma na estante e olhou para mim.
― Não sei lutar, não sei montar. Na verdade, não faço a mínima ideia do que estou fazendo aqui. Esse é o sonho mais comprido que estou tendo. ― Cocei os olhos e entortei o lábio.
― Como suspeitava, você vai apenas nos atrasar. Não passa de um desperdício em nossa viagem. ― Ele falou sem hesitar. Não mentirei, aquelas palavras doeram e me irritaram.
― Escuta Thorin, para a sua informação também não queria estar aqui. ―Respondi rudemente, o sangue fervia em minhas veias. ― Esse não é o céu que eu esperava, isso se for o céu. Você talvez seja apenas o fruto da minha imaginação fértil, então cale a boca e me respeite, caso contrário posso te matar agora.
― Quero vê-la tentar. ― Thorin riu sarcástico. Franzi o cenho, concentrando todas as minhas forças em sumir com aquele anão da minha frente. Quando percebo que estou sonhando, sou capaz de modificar as coisas ao meu redor, porém nada aconteceu dessa vez, provando mais uma vez que tudo aquilo era real. ― Você é esquisita, Elphaba.
― Olha, você sabe meu nome. ― Dei com os ombros e cruzei os braços sobre o peito.
― Claro que sei, não sou estúpido. ― Thorin revirou os olhos. ― Gandalf me disse que você apareceu na floresta, como mágica. Qual a última coisa que se lembra do seu mundo?
― Da batida, luzes e de ter acordado no quarto do Bilbo. Nunca imaginei que teria esse fim, que essa seria minha morte. ― Mordi o canto da minha boca, um ato que costumo fazer todas as vezes que estou nervosa ou não quero falar sobre algum assunto.
― Você é a prova viva de que a morte não é o fim, é um começo. ― O anão deu um sorriso sincero.
― A prova viva... ― Ri fraco. ― Estou mais para um zumbi, daqui a pouco começo a comer cérebros.
― Espero que isso não aconteça, não sei o que é um Zumbi, mas não parece algo bom. ― Thorin fez uma careta.
― Não se preocupe, Bombur seria minha primeira vítima, ele é o mais gordinho. Tem mais carne.
Thorin riu divertido, sendo a primeira vez na viagem que ele riu comigo e não de mim. Paramos em uma segunda barraca, essa de comida desidratada e grãos.
― O que está havendo entre você e o Fili? ― Perguntou Thorin fingindo interesse nas maças.
― Que? Não está havendo nada. ― Soltei uma gostosa gargalhada com a pergunta. ― O conheci ontem, seria loucura. Não sei o costume de vocês, mas os meus são bem diferentes.
― Apenas tenho a impressão que ele está interessado em você, já que nunca o vi dessa maneira com nenhuma mulher anão. ― Comentou Thorin comprando um punhado de sementes.
― Nossa. ― Comecei a gargalhar outra vez. ― Thorin, você esta parecendo aqueles caras chatos da balada. "O moça, meu amigo quer ficar com você" sabe?
― Não sei. ― Ele respondeu com sinceridade e ficando com as expressões severas mais uma vez.
― Okay, vamos apenas esquecer esse assunto. ― Ao tentar parar de rir, acabei transformando meus risos em tosse.
O líder da companhia pagou os produtos adquiridos com três grandes moedas de ouro, ele me entregou a menor e mais leve das sacolas de linho, a qual carreguei enquanto continuamos a caminhar pelo mercadinho a céu aberto, o qual mais parecia uma feira de domingo.
― Quando a missão acabar, você vai voltar para o seu mundo? ― Thorin perguntou após alguns minutos de silêncio.
― Não posso voltar para o meu mundo. ― Suspirei e cocei a nuca com a mão livre. ― Já não existo mais nele, infelizmente.
― O que pretende fazer?
― Honestamente? Não faço a mínima ideia. Morrer é tão complicado quanto viver.... Eu tinha planos aos quais me agarrei durante anos, agora não tenho nada.
― Se for do seu agrado, você pode ficar conosco em Erebor. ― Thorin apoiou uma das mãos sobre meus ombros. ― Terá um título de nobreza, farei questão disso. Afinal, está nos ajudando com a missão.
― Obrigada, Thorin. Você é muito gentil. ― Agradeci pelas doces palavras, não esperava por aquilo vindo do líder da companhia, afinal imaginava que ele me detestava devido as provocações.
Continuamos com a nossa caminhada por entre as barraquinhas do mercado, parando naquela que ofereciam grandes descontos. Acabei ganhando algumas frutas cristalizadas de uma jovem vendedora. Logo nossas mãos estavam cheias e os bolsos vazios, pelo menos os de Thorin, pois eu mesma não possuía um único tostão para gastar. Quando regressamos aos pôneis, fiquei extremamente aliviada por retirar todas aquelas coisas das minhas mãos. Não posso reclamar, afinal, Thorin acabou comprando um cachimbo e um par de botas de couro para mim, já que meus sapatos não serviriam para a grande jornada que estavamos prestes a enfrentar.
― Ele não vem, estou dizendo. ― Reclamava Dwalin como de costume, durante a viagem foi bem comum ouvi-lo reclamar de quase tudo, principalmente dos elfos.
― Acredito que ele venha, apenas lhe de um tempo. ― Falei após amarrar as coisas no pônei com o auxílio de Bifur, o anão mudo. ― Não se esqueça que Gandalf ficou para trás, aposto que ele o convencerá a ser nosso ladrão.
― E você vai ser o que nossa? ― Dwalin perguntou com desdém.
― Musa inspiradora?! ― Dei com os ombros e me sentei no chão, trocando meus sapatos confortáveis pelas botas de couro. ― Sou a beleza do grupo, a mais linda dentre todos os membros.
― E a mais modesta também. ― Brincou Bofur soltando uma risada baixa.
― Vamos andando. ― Ordenou Thorin impaciente. ― Elphaba deve ir com um de vocês, já que ela não sabe montar.
― Ela vem comigo. ― Avisou Fili levantando a mão para o alto.
― Tudo bem. Vamos partir. ― Thorin montou em seu animal, assim como os outros.
Caminhei em direção ao Fili, o qual já estava montado no pônei. Seu irmão Kili estava parado ao nosso lado, ele desceu do pônei e me colocou sentada no de Fili antes que pudesse dizer o nome de Gandalf, achei impressionante a força do anão ao me erguer. Não que eu estivesse acima do peso ou extremamente abaixo da média, meu peso e minha aparência permaneceram constantes desde o momento da minha chegada, é estranho ver todos envelhecendo a minha volta enquanto permaneço com as feições de jovem adulta.
― Não se preocupe, Fili não a deixará cair. ― Disse Kili em tom brincalhão após subir em seu pônei.
― Eu sei, confio nele. ― Comentei ao envolver meus braços ao redor dos ombros do anão.
― Te disse, Kili. Ela confia em mim. ― Fili sorriu orgulhoso e acariciou meu antebraço com uma das mãos.
Quando o relógio ressoou as onze badaladas, começamos com a nossa jornada. Todos os anões estavam impacientes e nenhum quis esperar por Bilbo por mais alguns segundos, naquele momento gostei um pouco mais dos anões, que assim como eu são pessoas extremamente pontuais, ficando irritados com atrasos.
― Onde está sua capa, srta. Pouts? ― Bombur me perguntou.
― Ah! Não tenho uma. ― Respondi com sinceridade e dei com os ombros.
― Acho que tenho uma capa, extra. Um momento. ― Bombur começou a remexer em sua bagagem, retirando de uma das bolsas a sua capa de viagem extra. Ela possuía cor de tijolo e um cheiro nem um pouco agradável, mas era o que tinha para usar no momento. Ele lançou a capa em minha direção, a qual peguei com ambas as mãos. ― Pode ficar com ela.
― Obrigada! Agradecida! ― Abri um sorriso em agradecimento e a vesti. Alguns dos anões e eu rimos de como a capa ficou larga, parecendo mais uma coberta quente do que capa de viagem. ― Serviu perfeitamente.
― Ficaria melhor se tivesse quatro de você aí embaixo. ― Comentou Kili rindo ainda mais.
― Ainda não acho que Bilbo venha. ― Falou Dwalin quando nos aproximávamos outra vez da estalagem na entrada da cidade.
― Ele vem, pare de ser chato. ― Disse irritada e com esperança do meu amigo aparecer.
― Quer apostar? ― Perguntou Dwalin arqueando uma das sobrancelhas.
― Quero. ― Assenti com a cabeça, mas infelizmente não havia imaginado que estaria falando sério naquele momento. Já que quando eu e minhas amigas falávamos em apostar, normalmente era da boca para a fora.
― Um punhado de moedas de ouro para cada apostador. ― Falou Glóin animado com a oportunidade de um jogo de azar.
Outra coisa que aprendi sobre os anões nessa viagem, além de serem maiores que eu, eles adoram investir em qualquer oportunidade que lhe ofereçam a chance de ganhar ouro através de apostas. Essa não foi a primeira que tivemos durante a viagem, acabei descobrindo que eles apostaram muitas vezes em coisas relacionadas a mim ― Irei cita-las mais para a frente. Algumas vezes aqueles que me conheceram melhor acabaram ganhando, o que me fez notar em como sou uma pessoa previsível, me deixando um pouco chateada.
― Fili, eu não tenho nada para apostar. ― Sussurrei no ouvido do rapaz, ficando com as bochechas rubras com o próximo pedido. ― Me empresta uma moeda? Juro que se eu ganhar você pode ficar com todo o dinheiro.
― Tudo bem, feito. ― Fili assentiu e jogou duas moedas de ouro para Glóin. ― Eu e Elphaba apostamos que o Bilbo vem.
― Estou com eles. ― Disse Dori fazendo o mesmo que Fili.
― Também estamos. ― Disse Kili e Nori em uníssono.
― Quem acha que ele vem, levanta a mão. ― Gritei olhando para cada um dos anões que levantaram a mão. Poucos membros da comitiva haviam levantado a mão, Thorin não fazia parte desse número. ― Nossa, só isso?
― A maioria está comigo, garota. ― Respondeu Dwalin rispidamente.
― A maioria vai perder dinheiro. ― Falei fingindo confiança mais uma vez.
Ao aproximarmos da estalagem onde nos encontramos com Balín. Bilbo estava eufórico conversando com o anão de cabelos brancos. Ele explicava junto com inúmeros pedidos de desculpa, o motivo de ter se atrasado e quase perdido a saída para a jornada.
― Isso! Chupa, Dwalin! ― Gritei animada erguendo as mãos para cima em comemoração. ― Chupa!
― Merda. ― Sussurraram a maioria dos anões que duvidaram da união do Bilbo.
Bolsinhas cheias de ouro começam a voar em direção aqueles que apostaram que Bilbo se uniria na jornada, como prometido ao Fili, ele ficou com a minha parte do ouro relacionada a aposta, pois foi o próprio anão que investiu no que eu disse.
― Subam e vamos indo! ― Ordenou Thorin ao pararmos na frente dos dois membros que restavam.
― Onde está Elphaba? ― Perguntou Bilbo me procurando entre os anões.
― Estou aqui, meu amigo. ― Respondi erguendo ambas as mãos para que ele pudesse me ver.
― Fiquei com receio de que tivesse fugido, ou que tivesse voltado para o seu mundo. ― Ele falou suspirando aliviado.
― Não posso voltar para o meu mundo e não tenho lugar para fugir, então estou aqui. Agora suba no seu pônei antes que o Thorin de cria. ― Sorri contente, ficando feliz por saber que alguém se preocupava comigo nesse novo mundo.
― Sinto imensamente, mas vim sem meu chapéu, deixei para trás meus lenços de bolso e não trago comigo nenhum dinheiro. ― Bilbo falou chateado enquanto subia no pônei que tínhamos separado para ele. ― Para ser preciso, vi o bilhete da Elph exatamente as dez horas e quarenta e cinco.
― Não está tão diferente da Elphaba. ― Falou Dwalin. ― E não seja preciso. Não precisa se preocupar. Vai ter que se virar sem lenços, e sem um punhado de coisas até o final da jornada. Quanto ao chapéu, tenho um capuz e uma capa a mais na bagagem.
― Porque não disse isso para mim? ― Perguntei surpresa, Bombur fora o único com a iniciativa de me emprestar uma capa.
― Não quis te emprestar. ― Respondeu o anão com desdém enquanto entregava o capuz para Bilbo, semicerrei os olhos para ele.
Assim que Bilbo e Balín subiram em seus respectivos pôneis, continuamos com a jornada. Bilbo estava com uma aparência tão cômica quanto a minha com a capa do Bombur. Pensei que poderíamos ser confundidos com anões durante a viagem, porém Fili me explicou que isso seria impossível, já que até mulheres anões possuem barbas.
Enquanto os anões conversavam sobre o dia que começamos a aventura, percebi que a data era completamente diferente de quando sai do meu mundo. Essa era uma bela manhã de Abril, com uma brisa leve soprando as folhas das arvores e o calor do sol era confortável.
Não havíamos cavalgado muito quando o mago Gandalf se uniu a companhia. Ele cavalgava sobre um gigantesco cavalo branco. Trouxera para Bilbo seus lenços de bolso, um cachimbo e o famoso fumo dos Hobbits. O velho Toby é meio parecido com a maconha do meu mundo, a diferença é que seu uso é legal e a "vibe" causada por essa erva é bem mais fraca. Como experimentei ambas as drogas, posso compara-las com precisão, mas um concelho caro leitor: NÃO SIGA MEU EXEMPLO, NÃO USE DROGAS.
Os anões cantarolavam cantigas alegres, algumas eram improvisadas por eles e a grande maioria desses improvisos eram sobre o meu tombo do cavalo. Após algum tempo comecei a gargalhar sozinha, atraindo a atenção dos membros da companhia para mim.
― O que foi Elphaba? ― Perguntou o mago com curiosidade.
― Treze anões, uma humana, um hobbit e um mago saem para uma aventura. ― Comecei a falar enquanto tentava não rir. ― Isso até parece o começo de uma piada infame.
― Não diria que é uma piada, mas isso soa como o começo de uma bela história. ― Disse Gandalf sorrindo com o canto dos lábios e por baixo da barba espessa.
Retribui o sorriso do mago, realmente esse é o início da mais bela história que vivi. Uma história que até o momento não chegou em seu final. Naquele momento meus sentimentos eram uma mescla de animação e pesar. Animação por estar partindo para uma aventura. Pensar por acreditar que ainda estava vivendo em um sonho. Sei que repeti isso várias vezes, e vocês perceberam que repetirei mais algumas, mas demorei muito tempo para notar que o que eu vivia era real, que todas as "criaturas mágicas" realmente existem.
Naquela época eu não sabia, mas ali naquela companhia se encontrava as pessoas que lavaria para minha inteira. As verdadeiras pessoas que poderia chamar de amigos, aquelas pessoas que levo e sempre levarei dentro do meu coração. Essa jornada que narro, é o início de todas as mudanças que passei e o fim de todas as crenças que possuía.
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