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𝐌artelo, 𝐅aca, 𝐕eneno 𝐄 𝐄spingarda

𝙲𝙷𝙰𝙿𝚃𝙴𝚁 𝟶𝟸. ✿' Dɪsɴᴇʏ﹠.Mᴀʀᴠᴇʟ
﹨ ❀.  L'altra Dimensione
❀. 𝙷𝚊𝚖𝚖𝚎𝚛, 𝙺𝚗𝚒𝚏𝚎, 𝙿𝚘𝚒𝚜𝚘𝚗 𝒶𝓃𝒹 𝚂𝚑𝚘𝚝𝚐𝚞𝚗

𖦹𖦹𖦹

         𝔔uando Aurora acordou neste mundo — um mundo onde a única lei que rege o caráter das pessoas é o dinheiro — ela não ficou impressionada, ao menos de início. O mundo dos Moors não era igual a aquele, definitivamente. Mas o dos humanos tinha suas semelhanças a este reino, as pequenas nuances, o desejo pelo poder e a idolatria pelas armas se assemelhavam. Ambos carregavam o fardo do sucesso e da derrota, a fome e a fartura, a riqueza e a mísera. Eram mundos controversos. Os ricos ficavam mais ricos e os pobres mais pobres. Uma dualidade perturbadora.

        É claro que ela tinha ficado encantada pelas luzes e os sons bagunçados e intermináveis que formavam a canção da cidade, como um coração que pulsa, dando vida a todo o corpo. Haviam tantas coisas diferentes naquele lugar que quando ela se deu por si, estava caminhando por entre torres imensas e pessoas que vez ou outra riam dela, possivelmente porque ela se destacava entre aquelas pessoas que usavam apenas cores escuras, em grande maioria preto.

       O sol ameaçava se pôr quando ela percebeu que tinha adentrado demais entre os prédios gigantescos. Seus pés doíam a barriga roncava de fome. Faziam horas desde sua última refeição na floresta dos Moors, morangos silvestres, estavam azedos da forma que ela gostava. Agora elas seria capaz de comer um banquete inteiro sozinha, e talvez ainda tivesse espaço para a sobremesa. O mal estar apenas a atingiu quando ela passou em frente a o que parecia ser uma padaria, muitas essas conversavam e comiam pães de diversas formas, recheados, fartos e corados. Ela considerou pedir um pedaço, mas ao notar uma mulher do outro lado da rua, revirando o lixo, ela teve certeza de que não teria nada.

      Aurora voltou a se arrastar pela rua, sentindo uma nova ardência sobre os pés. Ela se encolheu enquanto se apoiava na parede e virava a sola do pé para si. Uma bolha tinha estourado no mindinho. Uma nova carranca de dor se formou no rosto quando ela encostou as costas na parede áspera. A garota ergueu o rosto para o céu, quem olhasse pensaria que era uma drogada ou talvez uma louca, e talvez a segunda opção estivesse correta, até porque, o que é loucura se não estar em um mundo diferente do seu? Um onde ninguém jamais viu ou será capaz de vez.

— Ele vai se autoproclamar “Rei”. Está jogando na nossa cara que é o dono dessa cidade.

     Aurora foi puxada para a realidade enquanto seus olhos notavam pela primeira vez um homem de cabelos raspados do lado e bem vestido, usava uma camiseta branca e calças pretas bem alinhadas, não usava chapéu ou fraque, mas ainda assim, transmitia um certo poder. Ele falva com alguém do outro lado de um aparelho prateado e a conversa não parecia boa para quem quer que estivesse do outro lado.

— Ele está dando uma festa em um dos vários barcos dele e me convidou. — O homem  balançou um retângulo cravado com desenhos dourados. Aquilo chamou a atenção da garota, não apenas pelo brilho, mas pelo conteúdo que aquele convite parecia conter. Talvez, se ela encontrasse o Rei desse reino, ela pudesse contar sua situação e então ele mostraria a ela o caminho de volta para casa. — Recebi na porta da minha casa. Ele sabe onde eu moro.

      A garota loira se aproximou a passos cuidadosos. Tinha aprendido desde muito jovem a se movimentar pelo espaço em silêncio, ela era uma das melhores em jogos de esconde-esconde e um dos requisitos principais era a furtivadade. Agora, Aurora passava por de trás do homem conforme ele colocava a convite no bolso da calça, mas antes do papel atingir o tecido, as mãos ágeis dela já tinha alcançado o papel dobrado com movimento cuidadoso e deslizou para dentro da maga comprida vestido azulado dela. Ela sorriu para si mesma seguindo para a a esquina que cortava a rua.

— É a porra de uma armadilha. Ele convidou todos os inimigos dele, todas as outras gangues. Vai ser uma chacina. — O homem continuou a discutir, mas já era tarde para Aurora, ela já tinha virado a rua e sua nova preocupação era descobrir onde ficava o castelo do Rei.

      O sol já tinha desaparecido quando ela encontrou o navio. Não era como ela esperava. Não tinha velas e não era feito de madeira. Ela releu o convite, atrás do muro de uma bar ali perto do cais, a festa parecia que ia ser dentro desse “iate”. Foi difícil para ela encontrar a baía, ela precisou pedir ajuda a algumas pessoas. A maioria a ignorava, enquanto os que lhe davam ouvidos sorriam presunçosos ou maliciosos. Por fim ela encontrou um mapa no que parecia ser um parque. Depois de algumas ruas, Aurora apenas precisou seguir o cheiro salgado do mar e o som de garças esfomeadas cantando do alto de poleiros.

      Ela ajeitou os cabelos bagunçados, e na falta de flores ela usou alguns galhos e folhas perdidos no chão. Ela se olhou pelo reflexo do vidro. Não estava horrível, mas poderia estará bem melhor. Se ao menos sua madrinha estivesse ali, ela poderia ajudá-la. Bom, na verdade era mais provável que Malévola apenas invadisse o iate, ela não era alguém que precisaria se preocupar em se misturar às pessoas. Ela era forte o suficiente para não depender das pessoas a sua volta. Aurora ajeitou um galho com folhas secas entre as tranças que contornavam sua cabeça como uma coroa dourada. Espiou mais uma vez o convite, repassando o plano em sua cabeça.

        Enquanto saia de trás dos muros, Aurora se juntou a um pequeno grupo de mulheres que conversavam e riam alto. Ficava mais difícil saber quem mais se destacava entre as cinco mulheres. Seria a senhora de cerca de sessenta anos com os cabelos pintados em um azul escuro? Ou talvez a jovem mulher com um vestido dourado que lhe caia pelo corpo volumoso como um rio dourado? Perto delas, a jovem de cabelos presos com folhas e um vestido azul cintilante quase passava desapercebida, não fosse pela sua considerável estatura, ou a ausência dela. Aurora estava descalça, enquanto todas as outras quatro andavam com saltos finos como agulhas. Ela fez o possível para dar passos lentos ao mesmo tempo que tentava seguir a grupo de perto.

— Esta não é a Intaglio Parure? — Perguntou uma das mulheres, a de tranças enfeitadas com acessórios dourados.

— Foi um presente do meu marido. — Exibiu a mulher de dourado enquanto passava a mão sobre o colar feito com camafeus encalhados em ágata e pérolas. — É o colar da imperatriz.

— É uma joia muito cara, Bethany. — Comentou a mais velha. — Corajoso da sua parte exibi-la por aí.

     Aurora se ergueu por detrás das mulheres que nem mesmo a tinham notado. Estavam se aproximando do deque enfeitado com flores douradas e luzes amareladas. Dois guardas estavam ao lado da rampa, não estavam vendo os convites, mas Aurora sabia que se ela parasse deslocada iriam exigir ver o dela e ela tinha um. Só havia um problema. Ela remexeu o papel nos dedos, “David Blake” não era um nome muito convincente para ela assumir. Então ela precisou de uma boa dose de coragem e loucura quando Interveio na conversa, sorrindo como se já conhecesse aquelas mulheres a muito tempo:

— De que adianta ter coisas bonitas se elas não forem exibidas?

      As quatro se voltaram para ela no mesmo instante, e por um segundo Aurora temeu que seu disfarce tivesse se transformado em lixo, até que a mais velha sorriu.

— Você foi expulsa? — Perguntou a senhora apontando seu queixo para um grupo de homens que fumavam em um canto mais afastado, provavelmente companheiros daquelas cinco moças que Aurora seguia.

— Claro que não. — Brincou Aurora voltando a andar, forçando a mais velha a seguila. O séquito apenas pode imitar a abelha rainha. — Eles estavam me matando de tédio. — Disse rindo como se fossem migas a anos.

— Eles podem até achar que são os reis, — Afirmou a de tranças, quase como se aquelas palavras estivessem entaladas em sua garganta. — mas a gente é o verdadeiro poder por trás do trono.

     Um tilintar de risadas soou do grupo e Aurora sorriu. O grupo se aproximou dos guardas, ela deixou que a anciã as liderasse erguendo o convite por pouco tempo e foi quase como um passe livre para todas. As quatro seguiram o caminho, subindo a rampa que dava acesso ao navio, onde corria de dentro uma música alta misturada com o barulho de copos de cristal e conversas desconexas.

     Assim que Aurora chegou ao deque ela descobriu que qualquer tipo de luxo que ela tinha aprendido estava completamente equivocado. Aquilo sim era deslumbre de verdade. A vista era inacreditável, o mar se abria para eles e do outro lado ela conseguia ver as luzes do reino cobrirem as estrelas enquanto uma mulher se erguia entre as luzes com um dos braços erguidos. Era avançou pelo espaço, notando que cristais iluminavam todo o espaço externo enquanto garçons passavam de um lado para o outro carregando taças de vinho e champanhe. Pessoas bem vestidas cobriam o lugar, conversando quase num sussurro, mas os olhos estavam alertas e atentos a tudo.

— A senhorita aceita alguma coisa? — Perguntou um dos garçons carregando uma bandeja com o que ela supôs serem sucos. Ele seguiu o olhar dela e estendeu-lhe a bandeja. —Frutas vermelhas com limão.
    
     Aurora aceitou a bebida e virou tudo quase que em apenas um gole assim que o homem deu as costas para ela. Sua barriga ainda roncava, mas aquilo seria o suficiente para enganar o estômago por alguns minutos.

— A noite ainda não começou e as águias já estão à solta. Tome cuidado, menina. Não queremos que você perca o fígado.  — Comentou a senhora antes de dar meia volta e desaparecer por detrás das portas do iate. Aurora franziu o cenho para si mesma intrigada com a velha, mas suas perguntas tiveram que ficar presas em sua garganta quando um rapaz alto, mais do que ela se recordava, e loiro passou ao seu lado.

— Phillip? — Balbuciou Aurora esticando a mão livre como se pudesse impedi-lo de entrar no barco, mas ele tinha passado por ela como um fantasma. Será que ele estava perdido como ela? Ao menos isso podia significar que ela estava no caminho correto e o rei realmente deveria estar ali.

      Aurora o seguiu a passos apressados enquanto desviava da multidão ao redor das mesas baixas. Pessoas gritavam, riam e se lamentavam conforme cartas e fichas eram distribuídas ao seu redor. Ela ficou encantada pelo espaço, por um segundo, o lado de dentro era mais iluminado, o chão era de madeira parecia mais brilhante sob as luzes brancas e as paredes eram como gelo, adornadas apenas por formas douradas e pretas. No final do salão ao lado de uma escada de vidro, havia uma grande mesa quase colada na parede, na qual três pessoas trabalhavam com garrafas de todas as cores, preparando bebidas.

     Phillip se aproximou de um homem de preto, que ela supôs ser um guarda, sussurrando algo que ela não pode compreender, o soldado confirmou, entregando a ele um pedaço de papel. Phillip então se afastou, tirando do bolso de dentro do casaco um pedaço de papel enrolado em cilindro e colocando-o entre os lábios antes de acender. Ela deu um passo esperançoso para frente, sorrindo por finalmente encontrar um rosto familiar até o homem de sobretudo preto se virar, soltando uma fumaça cinza em frente ao rosto anguloso e duro pela idade. Não era Phillip, mas se assemelhava muito a ele, o homem até mesmo possuía os mesmos olhos azuis como um lago congelado pela manhã. Poderiam, facilmente, dizer que era um irmão mais velho do príncipe que Aurora, com certeza, iria acreditar. A garota semi encolheu os ombros quando os olhos do homem atravessaram os dela, um arrepio percorrendo a espinha até que ela se viu cambaleando para o lado, quando uma moça de vestido verde esbarrou em seu ombro.

     Aurora bateu com o quadril na lateral de uma das mesas onde os jogadores pareciam apostar quantias inimagináveis de dinheiro.Seu corpo tremeu em antecipação e ela precisou segurar o copo com ambas as mãos quando um dos homens, um careca barbudo que usava um paletó cinza, espalmou a mão sobre a mesa de veludo com os olhos raivosos presos ao dela, parecia prestes a jogá-la para fora do barco quando alguém interveio:

— A senhorita vai apostar?

      Aurora se virou para trás, dando de cara com um mulher de meia estatura e cabelos negros como a noite presos em um coque justo. Os olhos verdes dela eram impacientes e por um segundo Aurora temeu que tivesse sido apanhada.

— Vai apostar? — Perguntou a mulher novamente, com um tom de impaciência implícito.

      Ela olhou para a mesa, três homens de terno bem costurado a olhavam de cima a baixo. O homem moreno ao seu lado, com o nariz em um formato estranho, puxou um lenço do terno azul marinho, cuspindo uma tosse seca para disfarçar enquanto uma carta nova escorregava pela mesa. Ela buscou alguém ao seu redor que talvez tivesse notado o gesto fraudulento, mas tudo que viu foi o rapaz loiro que parecia estar prestando atenção nela, em particular. Ela estava se destacando com aquele vestido feito pelas fadas e aparentemente seus um e sessenta e cinco de altura pareciam denunciar sua idade.

— Não tenho nada. — Declarou Aurora pronta para sair de lá o mais rápido possível, mas um dos homens da mesa não pareceu compreender seu plano, e se entendeu, pareceu ignorá-lo.

— Eu cubro.

— O que?

     O rapaz moreno — um de terno preto com um broche de fogo incrustado de rubis preso do lado direito do peito — deu de ombros, os olhos pretos como a noite brilhando em divertimento quando ele jogou algumas moedas verdes sobre a mesa. Ela não precisava conhecê-lo para saber que ele tinha muito dinheiro e parecia se divertir em brincar de agiota com ela.

— Não posso te pagar.

       Ele arqueou uma sobrancelha. Parecia rir dela.

— Não vai precisar se preocupar com isso se vencer. — Seus olhos escuros a tragam como a noite conforme ele falava.

— E se eu perder?

Também não vai. — Ele sorriu de forma presunçosa, os cotovelos na mesa com os dedos gordos entrelaçados frouxamente.

      Aurora fitou a cadeira vazia, os jogadores pareciam impacientes. Ela olhou de relance para  frente, procurando o rapaz loiro, mas ele tinha desaparecido. Ainda assim, mais alguém poderia ter notado a forma como ela destoava entre aquele grupo, então, de alguma maneira, ela precisava encaixar. A partida foi iniciada assim que ela se sentou à mesa.. A crupiê distribuiu algumas cartas viradas para baixo. Aurora notou algumas marcas escritas em amarelo na mesa, mas nenhum daqueles desenhos parecia fazer sentido. Ela deixou o copo de lado enquanto os participantes vislumbraram as cartas que tinham.

     O homem de terno azul escuro se remexeu na cadeira enquanto fitava o resto dos jogares com os olhos brilhando. Aurora imitou o gesto vendo cinco cartas iguais entregues pela mulher de olhos verdes. O barbudo riu, um som grotesco e alto demais — assim como ele  —, o que atraiu atenção de todos do salão. Algumas pessoas se aproximaram do local, intrigadas com a partida. Aurora buscou os olhos do rapaz barbudo que girava uma moeda preta entre os dedos, um sorriso cruel ainda manchado nos lábios finos. Ele ergueu o olhar das cartas para ela, como se notasse o peso de seu olhar — e as feições de completa apatia vacilaram, revelando um ódio e maldade natural, — entretanto, ele não exitou quando ajeitou cinco fichas no centro da mesa. O homem de terno azul marinho se remexeu incomodado com o barbudo alegre, passando o lenço sobre a testa úmida. O careca de cinza jogou mais algumas moedas sobre a mesa enquanto se inclinava para trás balbuciando um simples “Faca na mesa’’. Aurora procurou alguma coisa nos olhos da crupiê, mas a mulher apenas acenou com a cabeça, como se conseguisse ler a mente da garota que apenas ordenava para que ela fugisse. O único problema é que Aurora nunca confiou nos instintos, menos ainda obedecia a eles. Mas naquela noite, talvez ela devesse ter se deixado levar pelo medo.

— Primeira vez em Nova York? — Perguntou o rapaz, tombando a cabeça para o lado enquanto fitava as fichas dela.

      Aurora seguiu o olhar, fosse coisa de sua cabeça ou não, ele parecia estar querendo dizer algo a respeito dela. Não havia muitas opções ao que ele se referia: O despreparo dela, por não ter moeda alguma consigo, ou sua idade. E no momento ela só conseguia mentir sobre um, então ela se ajeitou na cadeira dura, erguendo o rosto como se pudesse parecer mais velha. Ela engoliu em seco, colocando uma moeda, da sua pilha de cinco, em frente à crupiê. O homem de terno marinho fingiu uma nova tosse e colocou quatro das cinco fichas no centro da mesinha.

— É a minha primeira vez em todo este reino. — Murmurou Aurora imitando o olhar frio do jovem.

— Fim das apostas. — Decretou a mulher de cabelos cor de ébano quando todos tinham colocado alguma ficha em frente a ela.

    O barbudo se levantou batendo a mão gorda na mesa.

— Quadra! — Gritou enquanto virava as cartas para cima.

     Aurora repetiu o gesto, mostrando as próprias cartas enquanto se encolhia sobre o assento.

— Flush. — Murmurou o rapaz, passando a mão larga pelos cachos escuros enquanto observava as cartas em frente à ela e então se voltou para o careca com um sorriso malandro. — É uma pena para ambos, porque eu tenho um Straight Flush.

— Que merda! — Rugiu o de terno cinza, o rosto alegre dando espaço para uma carranca dolorosa.

     Por fim, o olhar da mulher recaiu sobre o homem de terno azul. Ele virou as cartas para cima. Não deveriam valer muito, pensou Aurora, porque o rosto dele estava pálido como a morte. Ele olhou embasbacado para os lados em busca do culpado. Tinham-lhe roubado a carta.

— Senhor Kravin, — Começou a crupiê, entregando a ele uma faca de peixe enferrujada. — conhece as regras.

     Os olhos da garota se arregalaram. Mas o espanto foi ainda maior quando ela notou o que ele ia fazer com aquilo. O homem colocou a mão espalmada sobre a mesa, o número de pessoas ao redor aumentando cada vez mais para assistir a cena horrível e deplorável com um encanto que a deixava enojada. Até mesmo neste reino as pessoas assistiam a dor humana como forma de catarse. Aurora tapou a boca antes mesmo que ele pegasse a faca de cabo frouxo. Kravin inspirou profundamente, ajeitando a posição da lâmina cega no dedo anelar.

Sob o céu… — Murmurou o rapaz moreno, quase encantado pela cena.

      A faca desceu sobre o dedo em um gesto rápido. Ele urrou de dor, como um porco selvagem que acaba de ter as tripas cortadas para fora. Sangue espirrou pela mesa, manchando o veludo no formato de uma flor grotesca. Mas ainda não tinha acabado e isso era claro, o dedo ainda estava preso à mão por alguns músculos. O moreno começou a chorar, as lágrimas pingando sobre o corte. A faca já tinha sido jogada no chão e Kravin apertava a mão boa sobre o pulso como se aquilo pudesse diminuir a dor de ter um dedo pendurado.

Sobre o Inferno.

      Um dos guardas surgiu por detrás do homem, segundo uma faca preta de combate.

— Por favor… — Começou Aurora estendendo a mão como se pudesse impedi-lo mas ela é quem foi interrompida.

— Mesmo roubando… — Riu o soldado um segundo antes de prender o pulso de Kravin na mesa e descer a faca sobre a mão ensanguentada dele. Um som de ossos se partindo tomou conta do lugar junto com os gritos de dor quando o metal frio perfurou as costas da mão do homem e desceu, abrindo um buraco. — você conseguiu perder o jogo.

      O corpo inteiro de Aurora tremia ainda mais que o início do jogo. Ela acompanhou com o olhar Kravin ser arrastado para fora do barco aos berros por dois seguranças. Aurora ergueu os olhos úmidos para o rapaz que limpava o sangue do broche. Então era por isso que ela não precisaria lhe devolver nada. Apenas um deles terminaria vivo e inteiro aquele jogo. O rapaz sorriu ao ver o medo passar pelos olhos dela, conforme ela se deva conta.

— Não se preocupe, senhorita. — Ele disse enquanto a crupiê distribuía mais cartas. — Uma mão decepada não é a pior das penalidades.

     Ela piscou.

— Martelo, faca, veneno e espingarda. — Pontuou enquanto acenava com dois dedos para que um garçom se aproximasse. A carta furtada escorregando para dentro do bolso, onde só sairia para ser usada em proveito próprio.

— Qual o objetivo desse jogo? — Perguntou Aurora, colocando as mãos fechadas em punho sob o colo, conforme o sangue corria até ela. — Os perdedores morrem?

    Ele pegou um dos copos de Whisky sobre a bandeja.

— Não, é claro que não. — Riu o rapaz girando o copo entre os dedos. — Afinal, não somos animais. E além do mais, como vamos manter nossos clientes se matarmos todos?

      O barbudo revirou os olhos para os dois com desprezo antes de verificar as próprias cartas. Não parecia gostar de conversa fiada. Na verdade, ele não parecia gostar de nada.

— Trabalha aqui. — Percebeu Aurora mordendo a parte interna da bochecha.

     O rapaz ficou em silêncio, analisando-a com um misto de curiosidade e confusão.

— A essa altura achei que fosse óbvio, senhorita. — Ele franziu o cenho enquanto abaixava o colarinho da blusa. Uma águia com um pedaço de carne no bico batia as asas em um símbolo que ele exibia abaixo do pescoço. — Agora, eu sugiro que continue a jogar. Seria uma pena ver um rosto tão bonito quanto o seu ter o nariz cortado.

    Aurora agarrou a borda da mesa, não importaria a ninguém ao seu redor se a matassem de imediato. Ser morta era o que ela esperava, mas antes de morrer, ela teria que se automutilar. Ela inspirou profundamente, deixando a onda de medo, dor e ódio ficarem escondidas na parte de trás do cérebro quando ela virou as cartas, apenas o suficiente para que ela notasse quatro As e um 7. Ela pegou três das fichas e colocou em frente à crupiê. “‘Agora estamos jogando, princesa?” Gargalhou o barbudo jogando quatro fichas e por fim o  jovem depositou duas enquanto dava longos goles no líquido âmbar como se aquilo fosse doce como mel.

— Apostas encerradas. — Determinou a moça tirando de debaixo da mesa um vidrinho.

     Se antes as pessoas ao redor não somavam mais que cinco, agora deviam ter no mínimo dez.

    Aurora não esperou as ordens e virou as cartas, os olhos da crupiê brilharam e até mesmo o jovem rapaz pareceu ficar intrigado.

— Está com sorte hoje, querida. — Ele disse virando as próprias cartas. Uma sequência.

— Não me chame de “querida".

    Ele riu com ironia, diferente do barbudo que tinha jogado os dois pares de cartas na moça de olhos verdes como se ela fosse a culpada, e talvez fosse realmente.

— Já você, não está com sorte.

— Desgraçados do inferno! — Irritou-se enquanto ficava em pé e bagunçava as fichas sobre a mesa, o rosto fervilhava de ódio e Aurora pensou ter visto-o babando como um cachorro raivoso. —O que essa porra vai fazer comigo?

— Não vai ser pior do que o que já aconteceu com o seu cabelo. — Falou uma voz masculina e grave, que ela jamais ouvira. Ainda assim, ela manteve os olhos sob o barbudo que tinha acabado de socar um dos guardas. O homem atrás de si se ajeitou, colocando um dos braços apoiados na mesa, o corpo dele quase cobrindo o dela por trás, forçando-a a assistir a cena. — É um ácido. E acredite em Willian, as penalidades desse jogo são mais brandas que nossos seguranças. Beba.

     O homem empalideceu, os olhos escuros se arregalaram. “É suicídio.”

— Já era suicídio quando você aceitou jogar.

— Beba de uma vez. — Disse o de olhos escuros, Willian, entediado.

    O barbudo olhou mais uma vez para o líquido transparente como água, desta vez considerando se arriscar.

— Você não… — Começou Aurora, mas foi interrompida por um leve aperto em seu braço.

     O careca abriu o frasco e o cheiro azedo logo chegou até Aurora. Ele olhou mais uma vez para as pessoas ao seu redor. Não, não para a multidão, mas para os guardas. Seria difícil sair dali, pensou Aurora. Ela era uma idota, será que havia ao menos um rei? Não, é claro que não. Líder algum mataria pessoas inocentes… mas talvez, deixasse-as para morrer…

    “Feche os olhos.” disse o homem, ainda abraçado a ela. Mas a cena era terrivelmente hipnotizante. O barbudo abriu a boca e despejou o líquido dando goles doloridos. Até que ele engasgou, a mão se afundou sobre a garganta enquanto bolhas de sangue surgiram e estouraram em seu pescoço como úlceras, sangue se misturado a um líquido amarelo viscoso escorreu pelos olhos dele. “Feche os malditos olhos.” e desta vez ela obedeceu. Ela ouviu alguém  choramingar, uma voz aguda gritar e alguém pedir por socorro, mas nenhum daqueles sons vinha do homem que, agora, era queimado de dentro para fora. “Eu vou te tirar daqui, mas você tem que confiar em mim”. Murmurou o homem perto de seu ouvido, aproveitando-se da distração para se aproximar com cuidado.

— Você acabou de matar um homem…

— Não chore, ele morreria de qualquer forma. Ele tinha uma rede de tráfico de armas. — Falou o rapaz de maneira apática conforme o corpo era arrastado para fora, supôs ela.

     “Você mentiu para ele.” Sussurrou Aurora abrindo os olhos e encontrando uma poça de sangue misturada a vômito no chão e rostos perplexos e ansiosos. Ela tapou a boca, sentindo a queimação lhe subir pela garganta e como se fosse ela quem tivesse bebido o líquido incolor no lugar daquele homem. Ela poderia acabar morta, afinal. Não era um pensamento que lhe agradava, mas ela duvidava muito que a morte era verdadeiramente prazerosa para alguém.

— Caso não tenha entendido ainda, isso não é uma festa… — A crupiê distribuiu as cartas, apenas para Willian e Aurora dessa vez. — É um abatedouro.

— Você está distraído minha jogadora. — Riu Willian de maneira despreocupada enquanto deixava de lado o copo de cristal com o gelo quase totalmente derretido. — Temos que terminar essa partida.

— Por favor, já não teve espetáculo o bastante? — Brincou o homem atrás de si, finalmente se afastando e de alguma forma, levando todo o calor consigo. — A moça está cansada.

— É contra as regras interromper um jogo tão sagrado, Phillip.

     A menção do nome foi como um tiro de flecha. O metal gelado parecia que tinha se agarrado ao peito de Aurora, lançando galhos espinhosos ao redor de seu coração. Inconscientemente ela se virou para trás. Não era Phillip, não o que ela tinha conhecido na floresta ao menos, mas era o homem de cabelos dourados que ela tinha notado a apenas alguns minutos atrás. Mas dessa vez, ele exibia um sorriso irônico enquanto dava a volta pela mesa, aproximando-se de Willian, os dois juntos eram o perfeito retrato de intelecto e força. O moreno de olhos escuros tinha o corpo largo, as maçãs do rosto altas e as feições robustas. E ainda que fosse encorpado demais para alguém tão jovem, o segundo parecia quase normal perto do moreno. Quase, já que, ao mesmo tempo, apresentava-se formidável e inteligente.

— É contra as regras que os seguranças joguem. — Pontuou Phillip depois terminar o copo de Whisky.

    Em resposta, Willian fez sua aposta sem nem mesmo olhar as próprias cartas. A crupiê colocou um martelo entre os dois, os olhos oliva vagando de Phillip para Aurora.

— Façam suas apostas. — Ela ordenou. Aurora desejou que o rapaz loiro interviesse, mas ele não o fez.

Aurora colocou o restante das fichas perto do martelo, o coração batendo retumbante no peito. De certa maneira, ela já tinha esperado a morte. O fim estava contido desde o início. Não deixava de ser assustador, ainda assim. Era como estar um pouco menos vivo.

— Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que foi satisfatório essa partida, ainda que curta. — Sorriu o jovem estendendo a mão grossa.

    Aurora não respondeu, apenas virou as próprias cartas. Eram todas cartas diferentes e isso não era bom.

— Não se preocupe, ossos se curam… — Ele virou as próprias cartas, mas era Aurora quem tinha a mão mais alta. Willian riu com a mão na testa. — Seu filho da puta medíocre…

— Não se preocupe, — Phillip deu batidinhas nas costas de Willian. — ossos se curam.

    Dito isso ele se aproximou de Aurora, uma de suas mão em sua cintura, forçando-a a segui-lo até uma porta do lado oposto.

   O som dos ossos se despedaçando sobre a batida oca do martelo e grito de Willian a acompanhou até que as portas pesadas de carvalho foram fechadas atrás de si com um baque seco. Só então ela se deu a liberdade de soluçar.

— Aqui não. Agora não. — Ordenou o rapaz erguendo a manga do sobretudo preto apenas para checar no relógio prateado de pulso que deveriam ser dez horas ainda. — Me diz quem é, de onde é e porquê diabos você está descalça.

     Aurora limpou os olhos marejados mordendo o lábio inferior conforme, pouco a pouco, tomava consciência de que estava em um um grande gabinete, com uma escrivaninha de vidro em frente a uma bela estante de livros. Se não estivesse tão atordoada, ela teria estudado o lugar com mais cuidado e talvez até folheasse alguns daqueles livros, apenas para descobrir que se tratavam apenas de grandes obras de sociólogos de séculos passados.

— Como eu venci? — Ela perguntou finalmente, limpando o nariz com as costas da mão.

— Não venceu. — Ele pontuou erguendo um As de copas. A carta que Willian tinha roubado de Kravin e pretendia usar quando lhe estendeu a mão. — Só um idiota guarda cartas boas para si mesmo.

    Ela torceu o nariz. Então era isso, ele devia ter trocado a carta de Willian pelo sete de espadas. Aurora apenas não sabia como, se nem mesmo ela tinha notado a ação.

— Você usa cartas ruins para roubar? — Ela não estava apenas intrigada, mas genuinamente embasbacada

    Ele piscou, comprimindo os olhos enquanto fitava a parede acinzentada atrás dela.

— Falando assim eu pareço bem idiota, né?

    Aurora maneou a cabeça sem concordar ou discordar, gesto que pareceu mais que ela estava tendo algum ataque nervoso.

— De toda maneira, garota… — Ele começou, aproximando-se dela para puxar o convite de seu bolso e o analisando. — A menos que você seja David Blake e tenha quarenta anos, eu acredito que você tenha roubado esse convite.

— Ele me enviou. — Ela respondeu prontamente.

    Phillip ergueu uma sobrancelha, sorrindo como se ela tivesse dito a maior idiotice do mundo.

— Eu fui o encarregado de investigar esse homem, — Ele balançou o papel creme. — Eu o segui por seis meses. Quer tentar de novo?

   Ok, ela certamente tinha falado uma burrice muito grande.

— Estou procurando o seu “Rei”.

— Meu “Rei”? Está falando de Vincent Fallon? É o seu dia de sorte então, ele não está aqui.

— Como isso pode ser algo bom?

— Acredite no que eu digo, a coisa que você menos quer é que ele saiba da sua existência.

— Você não entende. — Aurora tomou um longo suspiro, andando sem rumo pelo lugar com as mão trêmulas ao lado do corpo. — Eu preciso voltar para o reino dos Moors, minhas madrinhas devem estar preocupadas e eu prometi à Malévola…

— Malévola? — Incitou Phillip com os braços cruzados enquanto ele se apoiava na parede com o ombro esquerdo. — Tipo a bruxa?

    Aurora bufou.

— Ela é uma fada, não uma bruxa.

— Então você é tipo… a princesa?

    Ela balançou a cabeça. ‘’Eu não sou a filha do Rei, você não está me entendendo…”’ Mas Phillip não lhe deu ouvidos e riu com vigor, jogando a cabeça para trás.

— Deixe-me ver se entendi, você mora com três fadas. Flora, Fauna e seja lá quem for a terceira. — Ele se desencostou da parede. — Seu nome é Aurora e você está amaldiçoada.

    O pânico chegou à boca de Aurora como bile. Ela o engoliu em seco antes de perguntar:

— Como você sabe meu nome?

     BOOM!

    A porta foi aberta por um homem de trajes pretos escuros, uma máscara de caveira verde cobria seu rosto, ele ergueu uma arma na direção de Phillip e logo atrás dele, um homem com um casaco de gola alta preta surgiu andando de maneira despreocupada com as mãos no bolso. Ele era quase idêntico a Phillip, não fosse pelas leves nuances. O cabelo comprido penteado para trás, a altura considerável e a barba para fazer. Poderiam ser, muito bem, pai e filho.

— Odeio quando você invade meu escritório. — Comentou o homem puxando uma caixa de cigarros de um dos bolsos e o colocando entre os lábios machucados.

   
    O mascarado ficou ao lado da porta que, agora, estava fechada. O cano da arma a centímetros da cabeça de Phiilip.Se ele estava com medo ele não pareceu demonstrar. O rosto era uma tela perfeita da indiferença. Ele quase parecia entediado.
Aurora deu um passo cuidadoso para mais longe do assassino.

— Odeio mais ainda quando você trás acompanhantes. — Ele passou por eles até se sentar do outro lado da mesa, ajeitando os cabelos louros. Só então ela se deu conta de que aquele homem era Vincent.

     O silêncio se estendeu por minutos — que pareceram horas — conforme ele pegava um isqueiro prateado ao lado de uma pequena pilha de livros e acendia o cigarro. Ele deu uma baforada longa antes de apontar para os dois, as cinzas caindo sobre o vidro como neve.

— Aqui não é um bom lugar para vocês namorarem.

— Você nunca participa da limpeza. — Interrompeu Phillip entredentes, evitando usar a palavra certa. Massacre.

    Isso não é uma festa, é um abatedouro.

— E não vou. — Vincent deu uma longa tragada antes de voltar a falar, alongando-se na cadeira giratória. — Recebi uma ligação mais cedo. Você e o Quatorze estavam realmente planejando interceptar um carregamento de prostitutas meu?

     Os olhos do jovem se arregalaram por alguns poucos segundos à menção do número. Mas ele não demonstrou mais nenhuma reação.

— O que você fez com Marc?

— Ultimamente você tem me desapontado… — Ele começou a tatear os bolsos, como se aquilo tivesse o lembrado de algo, e então ele colocou sob a mesa um objeto, que logo, ela descobriria que se tratava de um PenDrive. Era pequeno, metálico e quase desprezível.

    Desta vez, Phillip foi incapaz de esconder as emoções e empalideceu. “‘Você fechou a compra com Wilson Fisk.”

    O mais velho se encostou na cadeira, fitando Aurora com um certo entusiasmo e ignorando completamente as palavras de Phillip.

— Ela não é jovem demais para você?

    Os olhos de Phillip brilharam em nervosismo enquanto a mão corria para a cintura em um movimento discreto, quase banal. Mas nem mesmo todo o cuidado fez com que o gesto passasse despercebido por Fallen.

— Tem uma arma na sua direção, pronta para estourar seus miolos se você sequer cogitar pegar sua Glock. — Observou Fallon massageando o pescoço e o mesmo pedaço da tatuagem que cobria o pescoço de Willian apareceu por debaixo das mangas escuras. — Porque você não pode facilitar as coisas e me entregar a senha do programa, Vinte e Sete?

     Aurora mordeu a bochecha, lembrando-se do pequeno pedaço de papel entregue para Phillip no salão. O jovem ergueu as mãos em rendição. Estava armado apenas com o seu sorriso irônico e a falta de noção. Os olhos dele procuraram o de Aurora e pareciam dizer “Parece que você, afinal, encontrou seu rei”.

    “Talvez você estivesse certo. Eu não deveria ter desejado conhecê-lo.” Pensou Aurora.

     Phillip tombou levemente a cabeça para a direita, como se disse. “Eu sempre estou certo. “Mas as pessoas costumam pensar que eu sou só um rostinho bonito”. 

     Aurora revirou os olhos.

— Então… qual o seu plano? — Sussurrou Phillip, alto demais, deixando todos na sala confusos.

Meu plano? — Aurora colocou as mão no quadril, virando-se para Phillip com a boca contorcida de raiva.  — Meu plano era seguir o seu plano!

    Ele ergueu uma das suas sobrancelhas, mudando o peso de um pé para o outro, os  olhos felinos olhando de relance para o homem com a máscara verde.

— Você não tinha um plano? Você simplesmente achou que era uma boa ideia invadir e sair perguntando onde estava um dos homens mais procurados de Nova York?

     O assassino pareceu vacilar, esperando uma ordem direta para que os matasse.

— Em minha defesa, — Começou Aurora, entrando no plano de Phillip e  distraindo o atirador. — eu nem sabia que ele era um assassino até esse momento.

    Phillip ajeitou a postura, as mãos ainda erguidas na altura da arma que apontava para a parte de trás da cabeça, quando ele se virou para discutir com Vincent:

— Você quer mesmo atirar em mim por algumas mulheres? — Aurora franziu o rosto com as palavras de Phillip. Era incrivelmente repugnante a maneira como ele parecia fazer coisas boas e falar de forma degradante.

    O mais velho soltou o que parecia muito uma risada, mas não havia humor em suas palavras quando ele colocou os pés sobre a mesa e começou a falar:

— Sabe Phillip… Poder é facilmente tomado, mas dificilmente mantido. Não me leve a mal, você é o meu melhor aluno. Mas você me roubou e não pode sair impune. — Conitinuou Vincent, cujo humor parecia ter piorado consideravelmente desde a retomada do tema “‘tráfico humano”. —  Sabe porque eu nunca participo da limpeza?

   Phillip deu de ombros.

— Eu odeio sangue. Odeio a violência. Odeio matar as pessoas.

   Phillip maneou a cabeça, um sorriso descrente sobre o rosto.

— Ok, não me leve a mal, mas talvez “assassino” não seja a carreira certa para você, então.

    Foi a vez de Fallon sorrir. Ele tirou os pés de cima da mesa e apoiou os cotovelos no vidro.

— Não. Não é mesmo. Mas é a carreira certa dele. — Aurora se voltou para trás a tempo de ver o homem engatilhar a arma. — Atire nela.

    Com um movimento rápido e calculado, Phillip se virou de forma súbita, as mão sendo mais ágeis que a resposta do mascarado à ordem de Vincent. A arma voou para longe. Phillip prender o pulso do assassino e com o outro braço o jogou contra a mesa. O vidro se estilhaçou pelo chão. Vincent se levantou, sua mão prestes a puxar a arma escondida nas costas quando Phillip fechou as mãos em punho. Fallon desviou com maestria uma de suas mãos agarrando a nuca de Phillip, batendo a cabeça dele contra a quina da estante com força. Phillip cambaleou para trás limpando o sangue sobre os olhos.

— Lembre-se de que eu pedi com educação, Vinte e Sete. — Bradou Vincent, com as mão jogadas ao lado do corpo, confiante de si mesmo.

     Se os olhos eram a porta da alma, aquele homem a sua frente estava morto ou então era o próprio diabo porque a raiva contida dele parecia tangível o suficiente para que ela se sentisse submersa. Aurora deu um passo para trás, um dos estilhaços cortando o calcanhar, ela mordeu o lábio, segurando o choro conforme ela pulava o corpo no chão para pegar a arma largada do outro lado da sala. Ela ergueu o objeto na altura dos olhos marejados, mirando contra as costas de Fallon que golpeava o estômago de Phillip.

— Como você bem disse. — Começou Phillip coberto por sangue. Ele perdeu o equilíbrio e precisou se apoiar em uma das paredes pálidas, seus olhos encontrando-se aos de Aurora por um segundo. — Eu sou o melhor.

     O jovem acenou em confirmação e Aurora abriu fogo.

     BANG

    O primeiro tiro a jogou para trás e ela teve que abrir espaço, seus pés formando uma poça de sangue ao seu redor conforme ela atirava às cegas.

     BANG

     BOOM!

      A porta foi aberta e novos soldados entraram, mirando as armas para os três dentro da sala e um segundo depois Aurora estava indo em direção ao chão. Em algum momento, entre ser empurrada e se levantar, Aurora se esticou pelo assoalho frio e pegou o pequeno objeto metálico jogado pelo chão entre os cacos e o guardou bem fundo no bolso do vestido.

— Sob o céu… — Começou Phillip atirando contra um dos soldados com a arma de Vincent.

     Os soldados ergueram as armas e ela jurou ter ouvido uma metralhadora em algum lugar, não muito longe dali. Ela se aproveitou e se deixou levar pelos instintos ao menos uma vez.  Ela fugiu. E quando ela correu, não foi apenas para salvar a sua própria vida, mas a de muitas pessoas, ainda que ela não soubesse.

— Sobre o Inferno! — Phillip atirou contra Fallon.

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