𝐯𝐢𝐧𝐭𝐞 𝐞 𝐬𝐞𝐭𝐞.
JESSICA.
Estou na garupa da moto de Kiara enquanto ela está pilotando na direção de sua casa. Leslie tinha nos chamado pra bolar um, mas Kie estava sem dinheiro nos bolsos pra comprar a erva com seu distribuidor confiável. Obviamente não estou falando de Barry, porque ele não é nenhum pouco confiável. Kiara tinha comentado que era um cara do cut mesmo, que às vezes, até fumava junto com ela. Não me meti mais, apenas subi na sua garupa quando ela mandou e desci da mesma assim que chegamos.
━ Vem.
A segui pelo quintal de sua casa e assim que adentramos a residência, consegui enxergar Sr. e Sra. Carrera sentados na mesa de jantar, tomando um café e rindo sozinhos. Assim como eles, acabo abrindo um sorriso espontâneo. Eu achava incrível como a sintonia deles nunca havia mudado. Mesmo com anos de casamento, eles pareciam apaixonados como adolescentes. Não só era bom pra eles mesmos e pra convivência, como remetia pra Kiara o que verdadeiramente era um relacionamento saudável. Eu tive que aprender que amor de verdade não machuca sozinha. Se dependesse da influência do relacionamento dos meus pais, eu viveria nas sombras de figuras que me remetessem à falta de amor paterno. Isso me dá pânico. Nessa horas que agradeço mentalmente por ter JJ e os meus amigos como figuras masculinas marcadas positivamente na minha vida.
━ Mãe, pai ━ Kiara andou até eles, abraçando seu pai por trás primeiro.
━ Oi, meu amor ━ Sr. Carrera beijou seu rosto e sorriu pra mim. ━ Boa tarde, Jesse. Como você está?
━ Estou bem, senhor. Obrigada por perguntar. ━ sorrio, acenando também pra mãe de Kiara. ━ Boa tarde, sra. Carrera.
━ Deus, como me sinto velha com esse vocabulário de vocês ━ ela ri, me arrancando uma risada baixa também. ━ Boa tarde, querida. Precisam de algo?
━ Só vim buscar minha carteira ━ Kiara se direcionou até o seu quarto e consigo enxergar de longe ela mexendo nas gavetas da estante ao lado de sua cama. Logo, estava de volta com sua carteira em mãos. ━ Vamos comprar algumas coisas pra fazer um bolo.
━ Seu bolo é incrível, filha ━ Sr. Carrera suspira, como se imaginasse o bolo de Kie derretendo em sua boca. ━ Bons tempos que você cozinhava pros seus pais.
Com isso, minha melhor amiga gargalhada e o abraça novamente, agora com mais força.
━ Sempre farei tudo pra vocês até o último dia da minha vida.
Observo como a família Carrera se abraça e mesmo de longe, consigo sentir o amor calorento de uma família saudável tomar conta do meu coração. Só então noto como minha realidade é deprimente. Eu nunca teria algo assim. Não tenho mãe, não tenho pai, tenho o meu irmão que é minha família inteira, mas tenho certeza que até pra ele é extremamente cansativo. Às vezes eu só queria ter vindo ao mundo pra ter uma vida normal, sem eu precisar ter amadurecido cedo demais pra não levar tanta porrada da vida como já estava acostumada. Queria, aos meus dezenove anos, estar me preparando pra entrar numa faculdade e ter certeza que um futuro brilhante me espera. Mas não é assim que as coisas funcionam. Bem que eu queria.
Não transpareço como estou cabisbaixa. Espero Kiara se despedir dos seus pais e aceno pra eles também antes de me retirar junto dela da casa. Antes de subir na moto, ela me pergunta se está tudo bem. Concordo rapidamente, sem querer transformar aquilo tudo apenas sobre mim. Então, ela pilota até o castelo. Passei minha tarde toda com as meninas. Eu, Leslie, Cleo e Kiara jogamos conversa fora até não podermos mais. Quando deu minha hora, peguei minhas coisas, inventei uma desculpa e fiz uma corrida até o Figure 8, já pra entrar no clima. Até que não demorei tanto pra chegar na mansão dos Cameron. Também, assim que pisei meus pés no gramado recém-cortado, consegui enxergar Rafe me esperando dentro da academia através das portas de vidro.
Atravessando a entrada, fiz um breve cumprimento com a cabeça pra Rafe que me retribuiu da mesma forma. Executei o aquecimento de atleta das olimpíadas que Rafe me passou e não demorei para começar à trabalhar nos meus golpes. Vez ou outra, Rafe corrigia minha postura, a forma como eu despejava minha força nos meus socos e alertando que assim, eu poderia lesionar algum ligamento do meu corpo. Só que essas críticas aumentaram duas, quatro, dez vezes. Até ele mandar eu parar de vez.
━ Descanso. ━ ordenou.
Respiro fundo e tiro as proteções das minhas mãos. Abro minha garrafa d'água e espremo ela na minha boca. Assim que senti minhas bochechas esfriarem nas partes internas, percebo que Rafe está me encarando em silêncio demais.
━ Quer tirar uma foto? ━ pergunto, logo após tomar todo o líquido.
━ Você tá distraída ━ olho pro seu rosto. ━ O que tá acontecendo?
Franzo minha testa, confusa com o questionamento repentino.
━ Você se preocupa comigo agora? ━ deixo minha garrafinha de lado.
━ Se tá atrapalhando o treino, é algo pra se resolver sim. Ou você quer ganhar os jogos batendo nos adversários igual uma criança brigando na rua pela primeira vez?
Olho pra ele por algum tempo, ainda quieta. Então, eu suspiro e passo a mão na testa. Não estava acreditando na minha atitude seguinte, mas já que estávamos dispostos a fazer isso rolar de verdade, ficar na defensiva não era a melhor opção. Pelo menos, não agora.
━ Acho que levei um choque de realidade hoje ━ percebo que ele me escuta com atenção. ━ Não tenho uma família comum e uma vida normal como as pessoas da minha idade. Nunca tive.
━ Tá falando do seu pai? ━ porra, na lata.
━ No geral ━ me sento no chão. ━ Não cresci com uma família de comercial de margarina, e acho isso meio injusto. Mas não me vitimizo.
Percebo quando Rafe se senta ao meu lado e relaxa os pulsos nos joelhos. Ficamos em silêncio por algum tempo, até qualquer um dos dois resolver falar mais alguma coisa. E quem decidiu primeiro foi ele.
━ Eu também nunca tive. ━ Rafe diz e eu rio.
━ Claro. ━ ironizo.
Desvio meus olhos da parede da academia pra olhar pro seu rosto, mas ele não tem nenhuma expressão que ele indica estar debochando da minha confissão de ter tido uma família de merda. Pelo contrário. É como se ele soubesse exatamente qual é a sensação.
━ Minha mãe morreu pouco depois da minha irmã caçula nascer ━ levanto as sobrancelhas. ━ Meu pai só me vê como herdeiro dos seus negócios, e como saco de pancadas também, na maioria das vezes. Cheguei à pesquisar sobre isso. Ele é um narcisista do cacete que escolheu um filho de ouro, que é a Sarah ━ ele olha pros próprios dedos. ━ Wheezie e eu somos esquecidos. Não culpo Sarah por isso. Ela não tem culpa do nosso pai ser um filho da puta completo.
Diante de suas palavras, me sinto estranha por não ter ficado nenhum pouco surpresa. Eu sempre soube que Ward Cameron era um desgraçado narcisista. Por um longo tempo, também pensei que seus filhos tinham sido criados da mesma forma. Ainda acho que Sarah pode ser uma cadela infernal, mas pelo modo que Rafe está me contando tudo isso, realmente não parece algo que ele gosta ou também tem costume de fazer.
Pelo fato de precisarmos amadurecer cedo, meu irmão e eu nunca tivemos essa coisa de favoritismo. Era como se eu não existisse pra Luke, quanto à JJ, servia como seu saco de pancadas favorito. Perdi as contas de quantas vezes eu precisei intervir nas brigas de um adulto e de um adolescente pra, literalmente, não precisar presenciar um assassinato.
━ Isso é uma merda. ━ Rafe concorda.
━ Eu era o único dos meus amigos que vivia aparecendo na escola com hematomas. Sempre precisava dar a desculpa de que havia me metido em alguma briga na rua, ou sei lá. ━ ele olha pra mim. ━ De qualquer jeito, mesmo que soubessem que Ward me batia, ninguém faria nada. É o Ward Cameron.
━ E você é o Rafe Cameron ━ fitou meus olhos. ━ Você também tem voz e sobrenome. Eu não tive condições de gritar quando eu e meu irmão estávamos em apuros, mas você pode.
Ele riu de lado e coçou a própria nuca.
━ É mais complicado do que parece, Jessie.
━ Você não tem que se curvar ao que ele impõe só porque é seu pai. Já somos grandinhos pra isso, não acha? Se meu pai tenta me dar alguma ordem hoje, acho que arranco os cabelos brancos dele.
E, pela primeira vez, vejo Rafe Cameron dar uma gargalhada genuína. Eu tinha o feito rir, e não era por deboche.
━ É mais fácil ignorar a dor. Uma hora, ela vira costume.
Com aquelas palavras, Rafe e eu nos encaramos por algum tempo, em silêncio após aquele diálogo incrivelmente nada agressivo. E por mais que eu apreciasse olhar pros seus olhos exageradamente profundos, ele foi o primeiro à quebrar o contato. Se levantou, pegou as proteções que eu usava nas mãos e jogou pra mim.
━ De volta ao trabalho, moça. Quinze abdominais.
Acho que o achei legal cedo demais.
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